INTRODUÇÃO
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, quaisquer processos, seja aqueles que tramitam pela via judicial ou pela via administrativa, devem, necessariamente, em seus andamentos, respeitar a aplicação da garantia à utilização do CONTRADITÓRIO, insculpida expressamente dentro da ordem Constitucional, em seus conhecidos Direitos e Garantias Fundamentais, presentes entre os incisos do Art. 5º, mais precisamente, no seu inciso LV. Importante frisar que existe no mesmo inciso, outra importante garantia individual, que é a da ampla defesa, intimamente ligada ao contraditório, significando esta última, a ampla possibilidade de adução de matérias de defesa, a fim de exercer o próprio contraditório.
No mesmo sentido, embora com abordagem diferente, mas com igual finalística, é importante abordar o conteúdo do inciso XXXV, do Art. 5º da Constituição, o qual contempla em si a inafastabilidade de apreciação judicial/controle jurisdicional das demandas apresentadas ao Poder Judiciário, o que implicaria em dizer que as pretensões que se deseje aduzir, por parte do executado nos processos de execução, não podem ser excluídas da oportunidade de apreciação judicial, o que poderia à grosso modo, ser visto como entendimento do legislador constituinte, anterior à própria garantia ao contraditório, e caminho para a fixação do mesmo como direito/garantia individual. Inegável é, portanto, a existência concreta do contraditório.
Se hoje dispomos de previsão palpável e expressa acerca do necessário direito fundamental ao exercício da contraposição de idéias e argumentações em processos nas esferas administrativa e judicial, existente na letra da Lei Maior, isso nem sempre ocorreu assim no Brasil. Antes de 1988, não detínhamos em legislação processual civil, ou constitucional, previsão expressa acerca do contraditório, vislumbrando esta, apenas em matéria processual penal.
Portanto, nos atendo ao âmbito judicial, se qualquer processo carece de respeito à concessão de oportunidade para o exercício do contraditório, no processo de execução não seria diferente, pois a previsão constitucional, como dito, contempla a todos, sem exceção.
Há de se salientar que o contraditório, especificamente no processo de execução, mesmo depois da promulgação da Carta Magna, tinha via estreita, ou seja, dispunha de oportunidades de aplicação permeadas de condicionantes (cite-se a necessária garantia do juízo) e adstritas a hipóteses elencadas numerus clausus, fora das quais, não seria admissível defender-se, por pura falta de previsão legal.
Nas recentes reformas da nossa legislação processual, verifica-se a nítida evolução da acepção de contraditório na fase de execução, quando observamos os textos da Lei nº 11.232/2005 e, principalmente, da Lei nº 11.382/2006, que independente do tipo de título executivo trouxeram claras oportunidades de contraditar o processo de execução, inclusive com a abolição da condicionante de prévia garantia do juízo. É lógico que outras mudanças significativas ocorreram, tais como o fim da então automática suspensão do processo de execução para o processamento dos Embargos, o que, todavia, não implica em qualquer influência no que tange ao contraditório, eis que a garantia de se defender permanece inalterada, e agora sem ter o executado que dispor antecipadamente de bens, como condição para patrocinar sua contraposição argumentativa na via judicial. Apenas complementando, o fim da suspensão automática da execução, veio para tornar mais céleres os procedimentos judiciais, contribuindo assim para o interesse de todos.
Ainda assim, mesmo frente a inegável presença do contraditório no processo de execução, pode ser observada dentro do campo das análises doutrinárias, a existência de duas correntes de pensamento sobre o tema, uma contrária e uma favorável, que a seguir serão debatidas.
POSICIONAMENTOS DIVERGENTES
No que tange às teses em contraposição relacionadas à aplicação e existência do contraditório no processo de execução, nas pesquisas empreendidas sobre o tema, alguns renomados juristas afirmam que a doutrina ainda nega existir a garantia do contraditório nos feitos executórios, pois segundo os mesmos, a defesa do então executado, não mais chamado de devedor, não se faz nos próprios autos da execução, mas em incidente processual autônomo e apartado, seja através dos embargos à execução, seja através da construção doutrinária atribuída ao português Pontes de Miranda, conhecida como exceção de pré-executividade, havendo ainda a quem tal nomenclatura cause arrepios, preferindo pronunciar objeção de pré-executividade. Outros ainda, a título ilustrativo, nem a entendem como pré-executiva, eis que o processo de execução já se encontraria formado e em andamento, entendendo-a sim, como pré-constritória, ou seja, anterior à constrição de bens do executado para a efetiva garantia do juízo.
Sobre o tema, salutar consideração é desenvolvida pela jurista Tatiana Lima, quando assim menciona que “Os antigos juristas afirmavam que o procedimento executório não admitia o contraditório porque não eram admitidas alegações, das partes, sobre a origem do título, pois não se busca uma sentença de mérito. É nesta questão que paira a confusão. O que se objetiva no processo de execução não é a discussão sobre a origem ou mérito do título e sim que o crédito, do exequente, seja satisfeito.”
No mesmo sentido, discorre Eduardo Talamini ao asseverar que o equívoco da antiga afirmação de que não haveria contraditório na execução residia em não se perceber que o que não existe é discussão quanto ao mérito da pretensão de crédito do exequente. Daí o porque destes doutrinadores entenderem a inexistência do contraditório, o que, em meu entender, não é argumento capaz de prosperar.
Já a outra corrente doutrinária, entende a plena presença do contraditório no processo de execução, sendo suficiente para isso o destaque de alguns pontos, elencados por Misael Montegro Filho, em sua obra Curso de direito processual civil:
a) a prerrogativa processual conferida ao devedor de tomar conhecimento da ação contra si proposta;
b) a possibilidade de manifestação nos autos após o recebimento do mandado de citação;
c) o direito de acompanhar o processo em todas as suas etapas, devendo ser intimado, a título de faculdade, para manifestar-se sobre quaisquer expedientes processuais.
Mais evidente ainda se torna a presença do contraditório nas execuções judiciais, quando verificamos quais os expedientes processuais podem ser utilizados em cada um dos tipos de execução, quando consideramos como tipos, as execuções fundadas em título judicial, e em título extrajudicial. Desta forma, ficarão evidenciados os instrumentos pelo quais o Executado poderá contrapor-se à execução:
- Impugnação: com o advento da Lei n. 11.232/2005, as execuções fundadas em títulos judiciais, passaram a ser realizadas nos próprios autos do processo de conhecimento. Não mais se admite para este tipo de execução a figura dos embargos à execução, que até o início da vigência da referida Lei, era utilizado. Na impugnação, regulada pelo art. 475-L do CPC, o Executado, ora Impugnante, pode lançar mão de restrito rol de motivações para a desconstituição do título judicial, quais sejam: a) falta ou nulidade de citação, b) inexigibilidade do título, c) penhora incorreta ou avaliação errônea, d) ilegitimidade das partes, e) excesso de execução, f) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.
Cumpre atentar para o fato de que tal modalidade de oposição à execução, ocorre normalmente após a intimação do executado, acerca da realização de expediente de penhora e avaliação de bens (art. 475-J, CPC), sendo a prévia garantia do juízo, a consequência de tais providências processuais. Todavia, a necessária observância à regra processual aqui deduzida, de que a intimação somente deve ocorrer após a avaliação, não impede o Executado, de apresentar sua impugnação antes de ser intimado, o que quer dizer que o interessado virá aos autos espontânea e antecipadamente, ressaltando que, ainda resta a obrigação processual de intimar este mesmo Executado ofertando-lhe o prazo de 15 (quinze) dias, tão logo seja realizada a penhora e avaliação dos bens. Este é entendimento professado por Marinoni, entre outros doutrinadores.
- Embargos à execução: também conhecidos como embargos de primeira fase, são próprios das execuções fundadas em título executivo extrajudicial, encontrando previsão no art. 736 do CPC. Esta modalidade de oposição à execução, sofreu consideráveis alterações com a vigência da Lei n. 11.382/2006, sendo a principal delas, a desnecessidade de prévia garantia do juízo para a apresentação de Embargos à Execução.
Esta ação, assim como a impugnação, tem conta também com restrito rol de alegações a serem veiculadas, sendo elas: a) nulidade da execução, b) penhora incorreta ou avaliação errônea, c) excesso de execução ou cumulação indevida de execuções, d) retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa, e) qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.
- Embargos à arrematação, à alienação e à adjudicação – estes embargos são intitulados embargos de segunda fase, dispõe de matéria argumentativa ainda mais restrita que o anterior, eis que somente poderão fundar-se em questões processuais relativas à nulidade da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora, ambas previstas no Art. 746 do CPC.
- Exceção de pré-executividade (ou objeção de pré-executividade) - como já abordado anteriormente, esta medida judicial que visa se contrapor à execução, seja ela fundada em título executivo judicial ou extrajudicial, tem como principal fundamento, a arguição de matérias que poderiam ser conhecidas de ofício pelo magistrado como prescrição, decadência, nulidades absolutas, não dependendo a exceção de oportunidade processual para arguição, podendo ser intentada em qualquer momento da execução.
Alguns autores, como Marinoni entendem que matérias que podem ser provadas de plano, quando do ajuizamento da exceção, podem por ela também ser veiculadas. Uma importante observação que deve ficar aqui registrada, e também alertada pelo Luiz Guilherme Marinoni é que as alegações constantes na exceção de pré-executividade estão condicionadas a inexistência de prévia manifestação judicial acerca do tema.
Existe sobre este último aspecto, palpitante celeuma acerca da continuidade da existência da dita exceção de pré-executividade, desde que não mais se passou a exigir prévia garantia de juízo para ajuizamento de embargos à execução, com o advento da nova redação do art. 736, introduzida pela Lei n. 11.382/2006. A princípio, de forma precipitada, poderia ser dito que sim, eis que a exceção ora comentada até então era uma maneira processual de buscar defesa no processo executório, evitando a constrição judicial de bens do executado, o que, pela alteração legislativa ora exposta, perderia sua razão de ser.
Ocorre que a exceção, ou objeção de pré-executividade, tem em si, um fundamento e uma possibilidade processual, que pode ser aplicada a qualquer tipo de execução, desde que se tenha matéria que deveria ser conhecida de ofício, a arguir, e a matéria a ser alegada, ainda não tenha sido objeto de apreciação judicial, pontuando que pode este expediente, ser manejado em qualquer momento da tramitação da execução. Assim, entendo que a exceção de pré-executividade, não deixará de ser utilizada, nem terá seu uso, diminuído, mas sim aproveitado em momentos processuais específicos, como um plus às outras formas de exercício do contraditório, efetivamente previstas em nossa legislação processual.
ASPECTOS LEGAIS QUE JUSTIFICAM O POSICIONAMENTO ATUAL
Verificando as alterações promovidas pelas leis n. 11.232/2005, 11.382/2006, e pelas disposições constitucionais sobre o tema, cumprem ser destacados alguns aspectos constantes em nossa legislação que, se não justificam, mas ao menos demonstram a existência efetiva do contraditório no processo de execução, e dentro do critério de eleição utilizados temos:
- Art. 736 do CPC: uma das alterações e inovações legislativas mais significativas para que se vislumbre a presença do contraditório em execuções, posto que, a partir da lei n. 11.382, que lhe alterou o caput e incluiu o parágrafo único, percebemos que o executado que, até então já detinha um expediente processual para utilizar, mas que se encontrava condicionado necessariamente à realização da prévia garantia do juízo, não mais dependia de nenhum requisito, digamos, constritivo, para realizar sua defesa, ou melhor dizendo, para contraditar a execução.
Inegavelmente, fora garantido o direito do executado em insurgir-se contra procedimento judicial de execução, contando agora, com um facilitador para a propositura de expediente processual de seu interesse.
- Art. 620 do CPC: embora não guarde qualquer relação com alterações realizadas pelas leis acima comentadas, este dispositivo de nosso Código de Processo Civil, é a tradução mais clara da existência do contraditório no processo de execução, eis que na letra da lei está insculpida garantia que o executado terá contra si promovida execução, observando-se necessariamente, o meio menos gravoso.
O Mestre Antônio Carlos Marcato comenta de forma brilhante que o art. 620 estabelece verdadeiro princípio de justiça e equidade sobre o qual se deve pautar a execução civil.
- Art. 9º, II do CPC: a garantia de dar curador especial especificamente a réu preso, é um dos aspectos legais que evidenciam o contraditório, inclusive no processo de execução. Este inclusive é o entendimento manifestado pelo STJ, neste julgado aqui colacionado:
A regra inserta no art. 9, II, do CPC, deve ser interpretada em seu sentido finalístico, qual seja, zelar pelos interesses do réu citado por edital. Sem dúvida, o réu, seja no processo de conhecimento ou no processo de execução, tem constitucionalmente asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa.
(Min. Adhemar Maciel - RESP 4.855/SP)
- Art. 5º, XXXV e LV da Constituição Federal: já comentado anteriormente, estes dispositivos constitucionais são o marco da existência do contraditório em qualquer processo, inclusive nos processos executórios.
CONCLUSÃO
Após a realização do presente estudo, apenas uma, pode ser a conclusão: a existência do contraditório no processo de execução é evidente, e negá-la, é simplesmente desconhecer suas expressas previsões, seja na ordem constitucional, seja na lei processual civil em vigor.
O contraditório é garantia básica para o regular processamento do feito, seja de conhecimento ou de execução. Sem contraditório, o processo é nulo de pleno direito, e evidentes são as formas de exercê-lo dentro do âmbito executório, seja de título judicial, ou extrajudicial. Cumpre, por fim, enfatizar que as últimas alterações realizadas com a implementação das leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, tornaram os expedientes processuais de oposição à execução, mais acessíveis aos executados, que via de regra não mais necessitam aguardar obrigatoriamente pela garantia do juízo, proveniente da constrição judicial de seus bens, para se insurgirem processualmente contra as execuções movidas em seu desfavor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EXPOSIÇÃO de motivos que acompanha a Lei n. 11.382/06. [S.I.: s.n.].
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