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O “neoliberalismo sindical” e a prevalência do econômico sobre o social: a negociação coletiva como instrumento precarizador

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6. A ESTRUTURA SINDICAL DO BRASIL

A interveniência do sindicato na normatização coletiva constitui requisito essencial que confere validade ao instrumento negocial. Tal entendimento está consignado no art. art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal, que torna “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”. Registre-se que o referido dispositivo direciona-se apenas à representação dos trabalhadores, haja vista que, do lado empresarial, a intervenção do sindicato não se mostra indispensável à garantia da igualdade das partes na negociação.

Quanto ao tema, Godinho salienta que a participação do sindicato no referido processo assegura a existência de equivalência entre os sujeitos contrapostos, evitando a negociação informal do empregador com grupos coletivos obreiros estruturados apenas de forma episódica, sem força sindical[81].

Por sua vez, José Augusto Rodrigues Pinto complementa sustentando que do sindicato se espera uma relevante contribuição para o robustecimento do espírito conciliador de interesses entre capital e trabalho, cujo estuário natural será sempre a negociação coletiva[82]. É através desta, conforme preleciona Carlos Henrique Bezerra Leite que são estabelecidas normas e condições aplicáveis aos contratos individuais de trabalho dos representados pelos sujeitos dos instrumentos coletivos correspondentes.[83]

Ocorre que, para muitos, o sindicato brasileiro não dispõe de uma estrutura solidificada, com representatividade, assim, por ser um sindicato fraco, não é possível dispensar uma ampla possibilidade de negociação coletiva, sob pena de gerar uma exacerbada precarização dos direitos trabalhistas.

Nesse sentido, Francisco Lima Filho,

Somos um país em que ainda prepondera um sindicalismo frágil, com escassa filiação e precária representatividade. Muitos sindicatos ainda permanecem à sombra do Estado, beneficiados que são pela contribuição sindical compulsória, o que me parece suficiente para retirar qualquer veleidade de independência e representatividade da grande maioria dos nossos sindicatos. Enquanto uns poucos têm uma razoável organização, como os metalúrgicos, a grande maioria não tem fôlego ou capacidade para negociar e menos ainda exigir melhores condições de trabalho.[84]

Ademais, até 1988 o sindicato exercia função delegada pelo Poder Público, com as seguintes características: a) prévia autorização estatal para a aquisição da personalidade sindical; b) carta sindical; obrigatoriedade da contribuição sindical em razão de sua natureza parafiscal, dentre outras. Era o que se chamava de corporativismo estatal.

Com o advento, da Carta Magna, pelo art. 8º, percebe-se que a possibilidade jurídica de intervenção político-administrativas do Estado, através do Ministério do Trabalho e Emprego, no sindicalismo; alargou os poderes da negociação coletiva trabalhista; e ampliou o papel dos sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria.

Porém, conforme preleciona Renato Rua de Almeida

o texto constitucional de 1988, em seu art. 8º, II e IV, acoberta uma espécie de corporativismo sindical fora do Estado, dominado pelas organizações sindicais monopolistas já constituídas, e caracterizado pela unicidade sindical, pela representação por categoria, pela eficácia erga omnes da convenção e acordo coletivo, pela compulsoriedade e obrigatoriedade da contribuição sindical(...) No Brasil, a liberdade sindical não conseguiu ainda superar os resquícios do modelo corporativista de organização que beneficia entidades sindicais monopolistas já constituídas(...)Esse modelo corporativista de organização sindical inibe toda a possibilidade de desenvolvimento da representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa.[85]

Da mesma forma, o ministro Maurício Godinho Delgado,

A Constituição Federal iniciou, sem dúvida, a transição para a democratização do sistema sindical brasileiro, mas sem concluir o processo. Na verdade construiu certo sincretismo de regras, com o afastamento de alguns dos traços mais marcantes do autoritarismo do velho modelo, preservando, porém, outras características notáveis de sua antiga matiz(...) A transição democrática, portanto, somente completada com a adoção de medidas harmônicas e combinadas no sistema constitucional e legal brasileiros: não apenas a plena suplantação dos traços corporativistas e autoritários do velho modelo sindical, como também, na mesma intensidade, o implemento de medidas eficazes de proteção à estruturação e atuação democráticas do sindicalismo do país.[86]

Nesse ínterim, com a percuciência que lhe é inerente, o Procurador do Trabalho Otávio Brito Lopes afirma:

O intervencionismo estatal e a rigidez da estrutura sindical brasileira, de inspiração corporativista, facilitaram a criação e sobrevivência de um sindicalismo artificial e distanciado dos trabalhadores, emperrando o amplo desenvolvimento do processo de negociação coletiva. Considerando-se que este modelo foi parcialmente mantido pela Constituição de 1988, faz-se urgente, antes de mais nada, a sua reformulação, como condição para o alargamento dessa salutar forma de solução de conflitos coletivos de trabalho. Ademais, podemos visualizar o modelo sindical adotado pela Constituição de 1988, pelo seu artificialismo e por se escorar em um regime de liberdade sindical apenas relativa, como elemento limitador da negociação coletiva.[87]

Outrossim, com escopo de transformar a estrutura sindical brasileira há quem defenda a adoção da liberdade, através da ratificação da Convenção 87 da OIT.

Compartilha desse entendimento Gilberto Strurmer,

Para melhor aproveitamento da negociação coletiva no sistema brasileiro, deve ser implantada a liberdade sindical plena, recepcionando a Convenção n. 87 da OIT, e estabelecendo o pluralismo sindical, o enquadramento sindical livre, o fim da contribuição sindical compulsória, a abertura ao direito constitucional de greve e a efetiva extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho. A adoção da Convenção n. 87 da OIT, que é um tratado internacional de direitos humanos, deveria se dar através do instrumento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda n. 45/2004.[88]

Semelhantemente, Marília Budó,

O Brasil não é um país de tradição sindical. Ainda mais nos dias de hoje quando os sindicatos perdem sua credibilidade e poucos são os trabalhadores sindicalizados(...) O sindicato é frágil e não representa da forma como deveria os trabalhadores(...)O que vai fortalecer o movimento sindical é a garantia da sua autonomia e liberdade, onde os trabalhadores possam discutir que tipo de sindicato eles querem, qual o tipo de contribuição eles querem para dar, exatamente como a Constituição Federal prevê(...)Além disso, deve haver um redimensionamento do papel do Estado e das relações de trabalho, transformando-o de repressor e intervencionista num organizador e articulador do processo, além de viabilizar efetivamente a liberdade e a autonomia sindical, o que já é previsto na Constituição Federal, mas que, no entanto, ainda tem algumas barreiras a derrubar.[89]

José Arouca, porém, numa visão mais pessimista, não prevê perspectiva de melhora para a estrutura sindical do Brasil:

Diante do fatalismo professado pelas organizações sindicais de hoje, a globalização animada pelo capital e hegemonia econômica e militar dos Estados Unidos, determinará impiedosamente a terceirização ilimitada da mão-de-obra, já praticada pelo Estado, o desmonte da legislação de proteção ao trabalho,para deixar só o mínimo dos mínimos(...).[90]

Assim, a autonomia privada coletiva ampla pressupõe sindicatos de boa representatividade em todas as regiões e de todas as categorias profissionais, o que não é o caso do Brasil. Caso o sindicato receba legitimidade elastecida estaremos caminhando para a concretização de um verdadeiro retrocesso social.


7. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A NEGOCIAÇÃO COLETIVA

O Ministério Público do Trabalho possui como uma de suas funções institucionais a defesa dos interesses da sociedade em geral, tais como, a ordem jurídica, o regime democrático, os direitos e garantias individuais, os direitos individuais indisponíveis, os direitos difusos e coletivos, etc.

A Lei Complementar nº 75 de 1993, prevê em seu art. 83, IV, a referida legitimação no âmbito da Justiça do Trabalho:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores.[91]

Sendo assim, sempre que as cláusulas de convenção ou acordo coletivo violarem as liberdades coletivas em sentido amplo (difusos, coletivos e individuais homogêneos), o MPT terá legitimidade para intentar ação visando anular o instrumento precarizador.

Conforme lições de Bezerra Leite,

As liberdades individuais ou coletivas constituem, num primeiro instante, um dever de não fazer por parte do Estado, ou seja, o Estado passa a se abster da prática de certos atos em respeito a essas liberdades. Dentre as liberdades individuais mais importantes, podemos citar a liberdade do direito à vida, à igualdade, à segurança, à propriedade (embora esta deva atender á sua função social), ao pensamento, à religião, à intimidade, à vida privada, à honra, etc. Nos rol das liberdades coletivas destacamos, o direito de reunião para fins pacíficos, o direito de livre associação civil, etc. Todas essas liberdades estão previstas no art. 5º da CF. Na seara laboral, encontramos a liberdade de filiação ou desfiliação a sindicato (art. 8º, V, da CF). No que concerne aos direitos indisponíveis dos trabalhadores, o art. 444 da CLT oferece-nos os parâmetros que devem ser utilizados para sua caracterização.[92]

Outrossim, a legitimidade do  MPT para propor a anulatória é bastante aceita pelos Tribunais,

AÇÃO ANULATÓRIA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO– COMPETÊNCIA FUNCIONAL. Em consonância com o disposto no artigo 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93, o Ministério Público do Trabalho está legitimado para ajuizar ação anulatória envolvendo previsão contida em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo.2. É da competência originária do Tribunal Regional do Trabalho o julgamento de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com o objetivo de desconstituir cláusula resultante de negociação coletiva, desde que as bases territoriais dos sindicatos convenentes ou acordantes não extrapolem a sua circunscrição.[93]

AÇÃO ANULATÓRIA NATUREZA DA DECISÃO - COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A ação anulatória tem por objetivo uma decisão de conteúdo declaratório-desconstitutivo de cláusula, constante de acordo ou convenção coletiva, instrumentos típicos do Direito Coletivo do Trabalho, razão pela qual se insere na competência material da Justiça do Trabalho, porque se identifica como ação coletiva trabalhista (art. 114 da Constituição Federal). LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. O Ministério Público é instituição voltada à defesa dos interesses da sociedade e à proteção das liberdades individuais e coletivas (art. 127 da Constituição da República). Compete-lhe também a defesa dos direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem como promover as ações cabíveis para a declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais homogêneos indisponíveis dos trabalhadores (art. 83, III e IV, da Lei Complementar nº 75, de 20/5/93). COMPETÊNCIA FUNCIONAL ORIGINÁRIA TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO.[94]

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Assim é, porque ninguém estaria mais bem legitimado que o Ministério Público do Trabalho, pois o interesse defendido por este é destinado aos integrantes da categoria que, in casu, ocupam posição de conflituosidade em relação ao próprio sindicato que os representa, é o que afirma Bezerra Leite.[95]

Ainda quanto à atuação do MPT, Otávio Brito esclarece,

Resultando a negociação coletiva em coletiva ou acordo coletivo de trabalho, é possível ao Ministério Público do Trabalho, sempre levando em conta o interesse público, promover as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusulas que violem as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores, que são, como já salientamos anteriormente, limites constitucionais à negociação coletiva. São exemplos de cláusulas negociadas que desafiam ações anulatórias, as cláusulas que discriminam salarialmente os trabalhadores menores, cláusulas que garantem a admissão apenas de associados dos sindicatos ou preferência, em igualdade de condições, para a contratação de associados do sindicato etc.[96]

Cumpre salientar que o MPT não pode substituir-se ao sindicato, pois este protagoniza a negociação coletiva (art. 8ºº, VI, CF), defendendo os legítimos interesses de seus representados. Portanto, segundo Otávio Brito, a ação do Procurador deve se dar com extremo comedimento, pois a valorização da negociação coletiva é um princípio que deflui da CF, quando sistematicamente interpretada.[97]

Outrossim, a hipótese mais comum da utilização da ação anulatória pelo MPT é a que tem por escopo a anulação de cláusula de instrumento coletivo que estabelece desconto a título de contribuição confederativa e assistencial aos não filiados ao sindicato.

Inclusive, o TST já manifestou-se através da edição da OJ 17 (SDC):

CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.[98]

Quanto à legitimidade do Parquet Laboral para ajuizar a ação anulatória referente às supracitadas matérias, parcela minoritária dos julgadores entende ser indevida. É o que sustenta O Juiz do Trabalho Cláudio Armando Couce de Meneses: 

Doutrina das mais autorizadas destaca que essa legitimação do Ministério Público importa em interferência no tão propolada liberdade de negociação coletiva. Ora, se as partes negociam e celebram convenções ou acordo coletivo o fazem para encerrar o conflito coletivo, ajustando-se ao objetivo do legislador constituinte de privilegiar a negociação coletiva (art. 70, XXIII, da CF e 114, § 20, da CF). A intromissão do Ministério Público, via ação de invalidação, despreza e desmoraliza o pacto firmado pelas partes. Ademais, a equivalência entre as prestações resta alterada sensivelmente quando extirpada cláusula em razão da atuação de ente estranho ao pacto coletivo.Assim, o Ministério Público não tem interesse de agir para invalidar descontos assistencias e contribuições confederativas autorizadas em assembléia geral para a qual devem comparecer todos os integrantes da categoria, associados ou não do sindicato. Essa atuação do Ministério Público implica em injustificada e intolerável interferência na liberdade sindical e na liberdade de negociação coletiva.[99]

Outrossim, indubitavelmente, o uso crescente de ações anulatórias de instrumentos coletivos decorre da péssima estrutura sindical encontrada no Brasil.

Sobre o tema Clóvis Farias,

Os exageros de um sindicalismo de contestação, que não produz resultados palpáveis, e de um sindicalismo de participação, que confunde participação com consentimento aos critérios arbitrários da gestão, contribuíram para criar um vazio onde prosperou o sindicalismo defensivo, num quadro geral de dessindicalização. Daí decorrendo o uso recorrente das ações coletivas para anular cláusulas relacionadas, por exemplo, à cobrança de taxas assistenciais extensivas a todos os empregados, ferindo a liberdade sindical, bem como a demais itens que comprometam o labor e a dignidade do trabalhador.[100]

Nessa esteira, muitos dos embates jurídicos relacionados às cláusulas que não observam o ordenamento jurídico, têm sido resolvidos extrajudicialmente, através de mediações realizadas pelo MPT.

Segundo Clóvis Farias, nas mediações a existência e a possibilidade de aplicação da ação coletiva capaz de forçar as partes ao cumprimento de determinadas atitudes, fortalece as vias de negociação, inibindo as posturas intransigentes dos convenentes, face ao temor de litigar judicialmente, com seus custos e riscos, bem como a ocorrência de possível condenação.[101]

Saliente-se que tais argumentos, geralmente aventados pelo mediador, exercem grande influência psicológica nos casos de difícil solução pela via extrajudicial.

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Sobre a autora
Jullie Danielle do Carmo Almeida

Advogada e especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Jullie Danielle Carmo. O “neoliberalismo sindical” e a prevalência do econômico sobre o social: a negociação coletiva como instrumento precarizador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3265, 9 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21952. Acesso em: 24 dez. 2024.

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