2. ALIMENTOS
O instituto dos alimentos possui amparo na Carta Magna, da qual decorrem outras formas legislativas que preveem e regulam os alimentos, entre elas a Lei 5.478/1968 - Lei de Alimentos -, Lei 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente -, Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso -, e o robusto Código Civil.
Os alimentos estão regulados no Código Civil, no Livro IV - Do Direito de Família -, Subtítulo III - Dos Alimentos -, artigos 1.694 a 1.710. Isso não quer dizer que não há outras leis e artigos dispersos dentro do ordenamento jurídico e até mesmo dentro do Código Civil que fazem referência direta ou indiretamente ao instituto dos alimentos.
Silvio Rodrigues[38] acrescenta que na tentativa do Estado de aliviar-se, ou na inviabilidade de cumprir este encargo assistencial “o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuge ou companheiro do necessitado, cada vez que eles possam atender a tal incumbência”.
A abrangência do termo alimentos no âmbito do Poder Judiciário é diferente das outras ciências, haja vista que para o Direito abrange não só as propriedades alimentares, mas sim, todas as necessidades básicas para a sobrevivência com dignidade. Moradia, vestuário, saúde, educação e lazer são formas englobadas no conceito de alimentos.
Tem interesse direto, sobretudo, o Estado no cumprimento das normas que impõem a obrigação alimentar, tendo em vista que o descumprimento do seu comando aumenta o número de pessoas desprotegidas e carentes, que devem por ele, Estado, serem protegidas e amparadas. Motivo pelo qual as normas que disciplinam o instituto de alimentos serem consideradas normas de ordem pública, inderrogáveis por convenção entre os particulares e impostas por meio de repressiva sanção, como por exemplo no caso de infração do alimentante a aplicação da pena de prisão civil por alimentos[39].
Maria Helena Diniz[40] ressalva que não se pode confundir o dever de prestar alimentos com os deveres familiares, pois possuem pressupostos diferentes para a sua prestação. Enquanto os deveres familiares - sustento, assistência, socorro - entre marido e mulher, pais e filhos menores são unilaterais e não possuem caráter de reciprocidade, devendo ser prestados incondicionalmente, em outra senda, o dever de prestar alimentos pauta-se na reciprocidade, dependendo das possibilidades do devedor, e só se faz exigível se o eventual credor estiver necessitado.
2.1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O Código Civil, no subtítulo específico de alimentos, não conceituou alimentos, restando à doutrina fazê-lo. Nos manuais há uma diversidade de conceitos, cuja essência pode ser sintetizada na noção de que constituem uma prestação periódica a quem necessite, por não ter condições de prover a própria subsistência.
Orlando Gomes[41] de forma sucinta conceitua alimentos como “prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-la por si”.
O conceito trazido por Yussef Said Cahali acrescenta:
A palavra “alimentos” no seu significado vulgar: tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida; [...] em linguagem técnica, bastaria acrescentar a esse conceito, a ideia de obrigação que é imposta a alguém, em função de uma causa jurídica prevista em lei, de prestá-los a quem deles necessite[42].
Um ponto relevante, que merece reiteração, é o sentido amplo em que é usado o termo alimentos, para a linguagem jurídica. Neste diapasão, Carlos Roberto Gonçalves[43] ensina que “a aludida expressão tem, no campo do direito, uma acepção técnica de larga abrangência, compreendendo não só o indispensável ao sustento, como também o necessário para a manutenção da condição social e moral do alimentando”.
Maria Helena Diniz[44] assevera que compreende alimentos o que é imprescindível à vida da pessoa humana como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, transporte, diversões, e no caso de alimentados menores de idade, engloba-se as verbas para educação e instrução.
No ano de 2002, o legislador expressamente incluiu no artigo 1.694 do Código Civil as necessidades com a educação, além daquelas destinadas a preservar a subsistência de modo compatível com a condição social do alimentando.
O dever de prestação alimentar funda-se no princípio da preservação da dignidade humana, estabelecida pela Constituição da República em artigo 1.º, inciso III, bem como no princípio da solidariedade social e familiar, previsto, também, na Constituição Federal, em seu artigo 3.º. Diante de tais fundamentos, pode-se afirmar que o dever de alimentos é um dever personalíssimo, devido pelo alimentante, em razão de um vínculo conjugal, convivencial ou familiar com o alimentando.
Registre-se, por fim, que tradicionalmente a doutrina brasileira leciona que a obrigação legal de alimentos não tem cunho indenizatório e sim assistencial, pois funda-se nos já mencionados princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
No tocante à natureza jurídica do direito à prestação de alimentos, há divergência doutrinária, pois, alguns atribuem natureza de direito pessoal extrapatrimonial, outros, de direito patrimonial, e ainda, de direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal.
Aqueles que sustentam a natureza jurídica de direito pessoal extrapatrimonial afirmam que o interesse do alimentando não tem cunho propriamente econômico, já que a prestação recebida não tem finalidade de aumentar o patrimônio e nem servir de garantia contra credores, por parte de quem a recebe.
De forma contrária aos que defendem a natureza jurídica de direito extrapatimonial estão os que defendem que a natureza jurídica é patrimonial. A atribuição do direito patrimonial se dá com base na qualidade econômica da própria prestação da obrigação, pois, ao consistir-se no pagamento periódico de quantia em dinheiro ou de medicamentos, escola, roupas, assemelha-se a uma relação patrimonial de crédito-débito; de um lado um credor exigindo o pagamento de prestações econômicas periódicas e do outro um devedor, que se não honrar com o pagamento poderá vir a sofrer diversas sanções[45].
Os autores que defendem a natureza jurídica mista, por sua vez, mesclam as duas posições anteriores. Ao passo que, mesmo sendo o direito a alimentos personalíssimo, a obrigação alimentar não deixa de ter representação material. Sob este aspecto Yussef Said Cahali aduz:
Em verdade, a afirmativa de que um direito relativo como este tem um caráter patrimonial ou um caráter pessoal, qualquer que seja o fundamento para justificar a opção, não equivale ao seu confinamento no contexto de uma determinada categoria, pois faltariam outros requisitos para a sua exata sistematização[46].
2.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
No Direito Romano, a obrigação alimentícia fundada nas relações de família não foi mencionada nos primeiros momentos legislativos. Essa omissão seria reflexo da estrutura da família romana, que existiu durante todo o período arcaico e republicano vivido por aquele povo. O vínculo que subsistia era o do pátrio poder, o pater familias concentrava em suas mãos todos os direitos, sem, contudo, qualquer vinculação de obrigação com seus descendentes. Nesta oportunidade, todos em volta do pater familias não podiam exercitar contra ele nenhuma pretensão de caráter patrimonial, como a derivada de alimentos[47].
O momento histórico do reconhecimento da obrigação alimentar no seio familiar não é preciso. Contudo, os historiadores acreditam que, com o amadurecimento do conceito de família, o vínculo sanguíneo adquiriu maior importância, acarretando a inserção do dever moral de socorro nas relações familiares romanas. O dever moral de socorro é uma forma de obrigação alimentar, a qual seria prestada em favor dos cônjuges, ascendentes, descendentes, irmãos e irmãs[48].
No tocante ao Direito Canônico, este foi um dos expansionistas da obrigação alimentar, alargando-a da esfera familiar para a extrafamiliar. O vínculo de sangue que antes era o principal pilar da obrigação alimentar foi alterando-se, e começou a abranger as relações “quase religiosas” - clericato, monastério, patronato. O vínculo espiritual começara a ser questionado[49].
Analisando-se a história evolutiva do tema alimentos, observa-se que cada sistema jurídico, por meio das suas tradições e costumes e em razão dos princípios adotados pela cultura de cada local, tutelou de forma diversa a obrigação de prestação alimentícia.
No Brasil, antes do Código Civil de 1916, vigiam as Ordenações Filipinas, que à época era o instrumento que mais expressivamente abordava o tema da obrigação alimentar. Naquela época, o direito alienígena aplicado no Brasil colônia possuía lacunas e era precário, diante da aceleração das mudanças nas relações econômico-sociais mundiais então experimentadas.
As Ordenações Filipinas, segundo Yussef Said Cahali[50], traziam alguns dispositivos legais no Liv. 1, Tít. LXXXVIII, 15, que proviam a respeito da proteção orfanológica, Liv. 1, Tít. LXXXVIII, 11 e Liv. 4, Tít. XCIX, 1º que tratam da assistência devida aos filhos ilegítimos.
Acrescenta ademais, que o documento representado pelo Assento de 09.04.1772, proclamou ser dever de cada um alimentar e sustentar a si mesmo, salvo exceções a certos casos de descendentes, transversais, irmãos legítimos e ilegítimos, primos e outros consanguíneos legítimos. Esse assento recebeu força de lei por meio do Alvará de 29.08.1976, que hoje é documento histórico e cultural.
Com a promulgação da Lei 3.071 de primeiro de janeiro de 1916, conhecida como Código Civil de 1916, tentou-se proteger a família e seus demais aspectos, dentre os quais a obrigação da prestação alimentar. Consequentemente, foram surgindo leis extravagantes que visavam a aprimorar a regulamentação sobre o direito a alimentos.
Cronologicamente, pode-se citar a Lei de Proteção à Família (Decreto-Lei 3.200, de 19/04/1941); o Estatuto dos Funcionários Públicos Militares (Decreto-Lei 9.698, de 02/09/1946); as disposições sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos (Lei 883, de 21/10/1949), as disposições sobre a tentativa de acordo nas causas que versam sobre desquite litigioso e alimentos (Lei 968, de 10/12/1949), a Lei de Alimentos (Lei 5.478, de 25/07/1968), o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis (Lei 8.112, de 11/12/1990), as disposições sobre a investigação de paternidade de filhos havidos fora do casamento (Lei 8.560, de 29/12/1992), as disposições sobre o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão (Lei 8.971, de 29/12/1994), as disposições que regulam o §3º do artigo 226 da Constituição Federal (Lei 9.278, de 10/05/1996), o Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002) e, mais recentemente, as disposições sobre o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido (Lei 11.804, de 05/11/2008).
Com certeza das diversas legislações acima relacionadas, foram divisores de águas a Lei de Alimentos e o Código Civil, haja vista a abrangência da matéria por eles tratada, regulamentando e aperfeiçoando os direitos e deveres alimentares.
2.3. ESPÉCIES
Os alimentos são divididos em várias espécies e a doutrina classifica-os seguindo diversos critérios, dentre os quais, quanto à natureza, quanto à causa jurídica, quanto à finalidade e quanto ao momento em que são reclamados.
Quanto à natureza, são divididos em naturais ou civis.
Os naturais ou necessários são aqueles indispensáveis à satisfação das necessidades primárias da vida, ou seja, necessários para a sobrevivência. E os civis ou côngruos são aqueles destinados a manter a condição social, o status da família na sociedade.
Orlando Gomes ensina que a expressão alimentos designa medidas diversas:
Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão-somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. Na primeira dimensão, os alimentos limitam-se ao necessarium vitae; na segunda, compreendem necessarium personae[51].
Quanto à causa jurídica, são divididos em legais ou legítimos, voluntários e indenizatórios.
Os legais ou legítimos são aqueles devidos em virtude de uma disposição legal. Em nosso ordenamento jurídico, são, em sua maioria, decorrentes de um vínculo sanguíneo - ex iure sanguinis -, ou em decorrência do matrimônio. São os únicos que permitem o uso da prisão civil àqueles que descumprirem o dever de prestação alimentar[52].
Os voluntários são aqueles emanados de uma vontade inter vivos, por exemplo, os alimentos assumidos contratualmente por quem não tinha obrigação de pagá-los, e de uma vontade causa mortis, decorrentes de testamento.
Em suas considerações sobre os alimentos voluntários Carlos Roberto Gonçalves[53] acrescenta que “os primeiros pertencem ao direito das obrigações e são também chamados de obrigacionais; os que derivam de declaração de vontade causa mortis pertencem ao direito das sucessões e são também chamados de testamentários”.
Os alimentos indenizatórios ou ressarcitórios pertencem ao direito das obrigações, com previsão legal nos artigos 948, inciso II e 950 do Código Civil, e constituem forma de indenização do dano ex-delito, por resultarem da prática de um ato ilícito. Neste caso, é necessária a fixação dos alimentos a partir de uma sentença condenatória, geralmente estabelendo-os em prestações periódicas.
Quanto à finalidade, os alimentos podem ser classificados como definitivos ou regulares, provisórios e provisionais.
Os alimentos definitivos ou regulares são aqueles prestados em parcelas periódicas, de caráter permanente, estabelecidos pelo juiz na sentença ou mediante acordo entre as partes homologado em juízo, passíveis de revisão a qualquer tempo.
Os alimentos provisórios são aqueles fixados liminarmente no despacho inicial da ação de alimentos, são previstos e regulados pela Lei 5.478/68 - Lei de Alimentos -, mais especificadamente no seu artigo 4.º. É uma modalidade de antecipação dos efeitos da tutela, submetida a requisitos específicos, dentre eles, a necessidade de prova pré-constituída, seja ela prova de parentesco, companheirismo, ou casamento. O artigo 4.º da referida lei tem caráter mandamental, ou seja, uma vez comprovado o vínculo acima referido, o juiz poderá fixar os alimentos, independentemente de pedido da parte, ou seja, poderá fazê-lo de ofício.
Os alimentos provisionais ou ad litem estão previstos no artigo 852 do Código de Processo Civil e são determinados em medida cautelar, preparatória ou incidental, destinam-se à mantença do alimentando durante a tramitação do processo principal. O artigo 807 do Código de Processo Civil dispõe que os alimentos provisionais mantêm eficácia até o julgamento da lide principal, mas podem a qualquer tempo serem revogados ou modificados.
Quanto ao momento em que são reclamados, os alimentos podem ser divididos em pretéritos, atuais e futuros.
Os alimentos serão pretéritos quando o pedido de alimentos retroagir à data anterior a da propositura da ação, já os atuais são aqueles postulados a partir do ajuizamento da ação e os futuros são aqueles devidos em decorrência de sentença, ou acordo entre as partes homologado em juízo.
Essa classificação é de suma importância na determinação do termo a quo, momento em que os alimentos tornam-se exigíveis. No caso dos alimentos pretéritos referentes ao lapso temporal anterior ao da propositura da ação não serão devidos, pois, entende-se que o alimentando sobreviveu todo o período passado sem o auxílio da prestação alimentar, não restando comprovada a necessidade dos alimentos, mesmo que tenha sobrevivido com sérias dificuldades e miséria.
Os alimentos pretéritos, comenta Carlos Roberto Gonçalves[54], não podem ser confundidos com prestações pretéritas, que são as oriundas da fixação do dever de alimentos em sentença ou em acordo, são, portanto, prestações vencidas e não ainda não cobradas. O recebimento deste crédito deve ser pleiteado por meio da ação de execução por quantia certa, nos moldes do artigo 732 do Código de Processo Civil.
No tocante à possibilidade de prisão civil por dívida alimentar, os Tribunais entendem que só poderão ser executadas pelo rito do artigo 733 do Código Processo Civil os alimentos atuais, entendimento pacificado pelo STJ, na súmula de número 309 “o débito alimentar que autoriza prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo”.
2.4. CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
São características essenciais da obrigação de prestar alimentos a transmissibilidade, a divisibilidade, a condicionalidade, a reciprocidade e a mutabilidade.
A obrigação alimentar é transmissível. Possui previsão a partir do Código Civil de 2002, haja vista, que o de 1916 dispunha expressamente no artigo 402 “a obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor”. O antigo Código Civil, contudo, resguardava o direito ao recebimento das prestações em atraso, as quais na herança faziam parte da classe das dívidas, deixando de lado o seu caráter alimentar.
Hodiernamente, o artigo 1.700 do Código Civil consagra a transmissão aos herdeiros da obrigação de prestar alimentos. Assim, o credor dos alimentos poderá exigir dos herdeiros do devedor falecido o cumprimento da obrigação alimentar nos limites da força da herança. Entendimento este reforçado pelo Enunciado de número 343 da IV Jornada de Direito Civil que adiciona à aplicação do artigo 1.792 do Código Civil o seguinte “a transmissibilidade da obrigação alimentar é limitada às forças da herança”.
O dever de prestar alimentos entre parentes consaguíneos encontra forte resistência doutrinária sob a alegação de que, uma vez transmitido tal encargo, ocorreria um desequilíbrio na divisão da herança. Por isso, como forma de minorar o desequilíbrio sustentam que o encargo alimentar deve perdurar até o momento da partilha dos bens e, ainda, deverá ocorrer a devida compensação dos bens recebidos pelo alimentado-herdeiro. A jurisprudência é contrária a esse entendimento. Na maioria dos julgados as parcelas recebidas a título de alimentos não devem ser compensadas do quinhão hereditário do alimentado-herdeiro[55].
A obrigação alimentar é divisível. Se o devedor único do dever alimentar não puder suportar o encargo, os parentes de grau imediato poderão ser chamados para assumir a obrigação, nos termos do artigo 1.698 do Código Civil.
Se existir mais de um devedor, os alimentos serão proporcionais, ou seja, cada devedor suportará o valor segundo suas possibilidades, não podendo ser, portanto, obrigado a quitar a dívida toda. Nesse caso, segundo Lafayette[56] “a dívida alimentária é distribuída não em partes aritmeticamente iguais, mas em quotas proporcionais aos haveres de cada um dos coobrigados, constituindo cada quota uma dívida distinta”.
A obrigação alimentar é condicionada. Essa característica está subordinada a sua condição resolutiva, qual seja, somente perdurará o encargo alimentar enquanto subsistirem os pressupostos objetivos, compostos pelo binômio necessidade-possibilidade. Pode-se dizer que tal entendimento tem como base o teor do artigo 1.694, §1.º combinado com o artigo 1.699, ambos do Código Civil.
A obrigação alimentar é recíproca. Essa característica, por sua vez, tem berço no dever de solidariedade. O artigo 1.696 do Código Civil preceitua que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos graus, uns em falta dos outros”. Logo, o direito de exigir alimentos corresponde ao direito de prestá-los, no entanto, esse direito permanece em estado de dormência até que sejam requeridos pelos alimentados em casos de necessidade para provimento da sua mantença.
A obrigação alimentar é mutável. Conforme o sobredito artigo 1.699 do Código Civil, há a possibilidade de revisão, de redução, de majoração ou até de exoneração da obrigação alimentar, conforme a variação dos pressupostos objetivos, condicionantes da prestação. Em virtude desses elementos variáveis e à luz da cláusula rebus sic stantibus, o ordenamento jurídico permite a alteração da prestação por meio da ação revisional de alimentos ou por meio da ação de exoneração.
2.5. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO A ALIMENTOS
O direito a alimentos é personalíssimo, não podendo ser transferido a outrem, por negócio jurídico ou fato jurídico. Os alimentos visam ao auxílio de quem deles necessita para sobreviver e são fixados de acordo com as características do credor e do devedor, por isso são intransferíveis. Como decorrência do seu caráter personalíssimo, os alimentos não podem ser objeto de cessão, nem ser sujeitos à compensação, independentemente da natureza da dívida cobrada.
O direito a alimentos é incessível. A incedibilidade tem por fonte o caráter já mencionado, qual seja, o personalíssimo. Desta feita, uma vez que a prestação é inseparável da pessoa, não pode ser objeto de cessão de crédito, pois tal conduta vai de encontro com a sua natureza – artigo 286 do Código Civil. No tocante às prestações vencidas, por serem consideradas crédito comum, nada impede a sua cessão a outrem.
As prestações alimentares são impenhoráveis. Nenhum credor do alimentado terá direito a fazer incidir penhora sobre o montante das prestações devidas pelo alimentante. Essa regra decorre do fato de o crédito alimentar ter a finalidade de assegurar a subsistência da pessoa alimentada, assim, se houvesse a possibilidade de penhora do crédito alimentar estar-se-ia privando o alimentante daquilo que é estritamente necessário a sua sobrevivência.
As prestações alimentares são incompensáveis, isso porque a sua natureza é a de assistência ao alimentando naquilo que for estritamente necessário a sua mantença. Portanto, se o devedor da pensão alimentícia torna-se credor do alimentando, não há de se falar em compensação, principalmente quando houver diferença entre a causa das dívidas, conforme o entendimento do artigo 373, inciso II do Código Civil.
A jurisprudência, no entanto, permite a compensação em alguns casos, como bem ilustra Washington Monteiro de Barros:
Assim, por exemplo, se o devedor paga a escola do filho, em vez de depositar o valor correspondente na conta bancária da mãe do menor, o alegado crédito pela falta de depósito bancário ficará sujeito à compensação, já que a causa do referido pagamento de escola é a mesma obrigação de alimentos do pai para com sua prole. No entanto, se o pai resolve oferecer um presente ao filho, o que vai além de sua obrigação alimentar, não poderá abater o valor respectivo do depósito bancário a ser realizado na conta da mãe do menor; nesse caso não haverá compensação, em razão da diversidade de causas[57].
O direito a alimentos é imprescritível. Destarte, mesmo se não exercido por um longo período de tempo, ainda que já existentes os pressupostos a sua reclamação, o direito aos alimentos não será passível de prescrição. Ocorre a prescrição, no prazo de dois anos, do direito de cobrar as prestações mensais já fixadas em sentença ou pactuadas em acordos, a partir da data em que vencerem.
Por sua vez, adverte Carlos Roberto Gonçalves[58] que em se “tratando, porém, de execução de alimentos proposta por alimentando absolutamente incapaz, não há falar em prescrição das prestações mensais, em virtude do disposto nos arts. 197, II e 198, I, do Código Civil de 2002”.
O direito a alimentos é intransacionável. A regra aplicada é a constante no artigo 841 do Código Civil “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”. Em decorrência de tal característica, o direito a alimentos não pode ser objeto de juízo arbitral ou de compromisso.
A jurisprudência considera como intransacionável o direito de pedir alimentos e transacionável o quantum das prestações, vencidas ou vincendas. Consequentemente, a transação celebrada nos autos de ação de alimentos e a homologação do acordo extrajudicial constituem um título executivo judicial[59].
As prestações alimentares são atuais. Isso quer dizer, conforme já explanado, que os alimentos visam à satisfação das necessidades atuais ou futuras, de modo que as passadas não podem ser objeto de propositura de ação de alimentos. Washington Monteiro de Barros[60] bem explica que os alimentos possuem “finalidade prática, a subsistência da pessoa alimentada. Se esta, bem ou mal, logrou sobreviver sem recorrer ao auxílio do alimentante, não pode pretender, desde que se resolveu a impetrá-lo, se lhe concedam alimentos relativos ao passado, já definitivamente transposto”.
Por fim, o direito a alimentos é irrenunciável. O Código Civil, no artigo 1.707, prescreve que é facultado ao credor exercer seu direito ao recebimento da pensão, assim, conclui-se que a irrenunciabilidade atinge apenas o exercício de direito, não o direito. Nessa trilha, a não postulação em juízo do direito alimentar tem interpretação de mera falta de exercício e não de renúncia ao gozo.
2.6. REQUISITOS
O artigo 1.695 do Código Civil enuncia que “são devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”, bem assim preceitua em seu artigo 1.694, §1.°, que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Desses dispositivos legais são extraídos os requisitos objetivos, dentre os quais, a existência de vínculo de parentesco, a necessidade do reclamante, a possibilidade da pessoa obrigada e a proporcionalidade.
A existência de laços familiares constitui o fato principal, do qual a lei faz derivar a obrigação. Nem todas as pessoas ligadas pelos laços familiares estão obrigadas a prestar alimentos. O ordenamento jurídico prevê que os ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuges e os colaterais de até segundo grau estão sujeitos a essa obrigação assistencial alimentar.
No tocante à necessidade do reclamante, este poderá reclamá-los se não possuir recursos próprios ou se estiver impossibilitado de obtê-los, por motivos de doença, idade avançada, ou outro motivo relevante. Aferir a causa pela qual o reclamante foi reduzido a esta condição de necessitado é prescindível, uma vez que terá direito à pensão alimentícia, mesmo se culpado pela situação que o tornou necessitado. Nesses casos, todavia, os alimentos pagos deverão ser apenas aqueles indispensáveis para a sua subsistência. Como já visto, serão devidos os chamados alimentos naturais ou necessários – necessarium vitae.
Orlando Gomes[61] assinala que “o estado de miserabilidade da pessoa que necessita de alimentos é um pressuposto de exigibilidade da obrigação enquanto o vínculo de família apresenta-se como pressuposto de configuração”.
A possibilidade da pessoa obrigada a prestar os alimentos também é requisito imprescindível, pois, não se pode condenar ao pagamento da pensão alimentícia aquele que possui o estritamente necessário para sua própria subsistência. A legislação visa ao não perecimento do alimentado, contudo prevê também que não haja sacrifício impossível de ser suportado por parte do alimentante.
É válido constar que, caso o alimentante fique desempregado, é de entendimento pacífico que o dever de prestar alimentos não se extingue, pois a obrigação alimentar ainda estará baseada em uma sentença homologatória ou condenatória que continua líquida e certa, permanecendo assim até que seja revista por uma ação própria para tal finalidade.
O requisito da proporcionalidade é determinado no artigo 1.694, §1.º, do Código Civil: “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”, do qual se pode retirar o consagrado binômio necessidade e possibilidade.
Lembra-nos Yussef Said Cahali[62] que a regra da proporção é maleável e circunstancial e, geralmente, é resolvida por meio de um juízo de fato ou valorativo, a fim de se chegar a um valor razoável sem excessivo sacrifício da parte alimentante nem perecimento da parte alimentada. Nesse contexto, o juiz deverá “conduzir-se de maneira cautelosa, usando adequadamente as regras de experiência”.
Por sua significação social e assistencial, o quantum da pensão não é imodificável, assim, havendo mudança em uma das esferas da relação alimentar, poderá a prestação ser revista ou até mesmo extinta, a depender do caso concreto.