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O direito fundamental do nascituro em receber alimentos à luz da Lei nº 11.804/08

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10/06/2012 às 14:31
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3. ALIMENTOS GRAVÍDICOS

3.1. CONCEITO

Alimentos gravídicos são prestações necessárias para o custeio das despesas oriundas da gestação, que se estendem da concepção (fixação do óvulo fecundado no útero ) até o parto, momento o qual os alimentos perdem o caráter de gravídicos e são convertido em penão alimentícia.

Várias são as críticas ao uso do termo gravídicos. Maria Berenice Dias[63] assinala “a expressão é feia, mas o seu significado é dos mais salutares”, já José Carlos Teixeira Giorgis também comenta o uso desse termo da seguinte forma:

A palavra não é sonora, ameaça seriedade, circunspecção. O dicionário socorre e revela que gravídico é termo relativo ou próprio da gravidez. Assim se explica o pomposo título da lei recém promulgada: alimentos gravídicos são as prestações necessárias para suportar as despesas da prenhez[64].

A lei 11.804/2008, no entanto, explicita no seu artigo 1.º o propósito de disciplinar “o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido”. Esqueceu-se, contudo, o legislador que os alimentos visam, sobretudo, a assegurar a preservação da vida do nascituro. Os alimentos não são para a mulher gestante tão-somente, pois, se assim fosse, a mulher gestante poderia aplicar o valor percebido no que entendesse ser melhor para si e não para o nascituro.

Maria Berenice Dias[65], no seu artigo “Alimentos para a vida” proclama que “enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento”, salientado-se que os alimentos visam à efetiva proteção da vida, nesse mesmo diapasão é o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira transcrito abaixo:

Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e estar seria comprometida se à mãe necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre[66].

Assim, deve-se entender como alimentos gravídicos os valores que a mulher gestante recebe em nome do nascituro, a fim de se garantir uma gravidez saudável. A própria lei 11.804/2008, no seu artigo 2.º, elenca, em um rol exemplificativo, o que deve ser abrangido pela pensão alimentícia, enunciando “as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis”.

Podemos ainda definir os alimentos gravídicos usando os conceitos já trazidos ao longo do trabalho, quais sejam, alimentos e nascituro. Ao falar de nascituro foi trazido o conceito clássico de ente já gerado ou concebido, com existência no ventre materno, com vida intrauterina[67], e os alimentos foram conceituados como uma prestação periódica a quem necessite, por não ter meios de prover a própria subsistência.

3.2. POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS

Os doutrinadores, em geral, apresentaram explicação singela acerca do tema, alguns com posicionamento favorável e outros com posicionamento contrário à prestação de alimentos ao nascituro.

Com a promulgação da Lei 11.804/2008 alguns autores reviram seus posicionamentos diante da previsão expressa de alimentos ao nascituro.

Yussef Said Cahali[68], na terceira edição de seu livro entitulado “Dos Alimentos”, não reconhecia o direito a alimentos ao nascituro. Afirmava que “não obstante o espírito de humanidade que se encontra na base desse entendimento, parece-nos que o mesmo não se compadece com os princípios adotados pelo Código Civil, no art. 4º”.

É importante ressaltar que Yussef Said Cahali no supracitado trecho se referia ao Código Civil de 1916. Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, sintetiza com maestria os ensinamentos de Cahali da seguinte forma:

Como a personalidade civil começa do nascimento com vida (CC, art. 2. º ) e, portanto, a eventualidade do exercício de seus direitos apresenta-se condicionada a esse evento, entende Yussef Cahali que o nascituro não pode ser titular atual da pretensão alimentícia. Sustenta o mencionado autor que somente se reconhece ao nascituro “direito a alimentos, no sentido das coisas necessárias à sua manutenção e sobrevivência, de modo indireto, compondo os valores respectivos a pensão deferida à esposa”. Sob esse prisma, o nascituro fruto de relações extramatrimoniais não podeira ser beneficiado quando a mãe não tivesse direito a alimentos[69].

Mesmo com a promulgação da Lei 11.804/2008, Yussef Said Cahali, na sexta edição do livro acima mencionado, continua a entender que o nascituro não é o titular da pretensão aos alimentos, explicação para tal pensamento é a seguinte:

Aqui, às expressas (a lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante), a titular da pretensão é a mulher, com direito próprio para exigir a coparticipação do autor de sua gravidez nas despesas que se lhe fizerem necessárias no transcorrer da gestação, exclusivamente em função do estado gravídico. O nascituro, em inteira consonância com o disposto no art. 2.º do CC/2002, somente terá direito a pensão alimentícia, por conversão dos alimentos gravídicos, quando nascer com vida (art. 6., parágrafo único, da Lei 11.804/2008).

Em outros termos, a Lei 11.804/2008 procura proporcionar à mulher grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação lato sensu de alimentos, representado por uma contribuição proporcional a ser imposta ao suposto pai. Sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive  as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo médico, além de outras que o juiz considere pertinentes[70].

Doutrinadoras como Maria Helena Diniz e Silmara J. A. Chinelato e Almeida defendem desde antes da promulgação da Lei 11.804/2008 a possibilidade da prestação alimentícia em favor do nascituro, até mesmo por serem defensoras da personalidade jurídica concepcionista. Carlos Roberto Gonçalves sustenta serem devidos os alimentos ao nascituro e ainda faz uma reflexão a respeito da teoria da personalidade do nascituro e concluiu da seguinte forma:

A constatação de que a proteção de certos direitos do nascituro encontra, na legislação atual, pronto atendimento, antes do nascimento, leva-nos a admitir a aquisição da personalidade desde a concepção apenas para a titularidade de direitos da personalidade, sem cunho patrimonial, a exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável, uma vez que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida, ou seja, sob condição suspensiva[71].

Maria Berenice Dias[72], que também tem posicionamento favorável à prestação alimentícia em favor do nascituro, comenta as leis promulgadas em 2008 na área de família, e ao se referir à lei de alimentos gravídicos pondera que “a obrigação alimentar, desde a concepção, estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos”.

Este posicionamento doutrinário a favor da concessão de alimentos ao nascituro como forma de proteção à vida é defendido há anos por Roberto Thomas Arruda, em sua obra datada do ano de 1982:

O nascituro é sujeito de direito e, entre estes, o de alimentos, primordialmente, no sentido de possibilitar o desenvolvimento do embrião, até que assuma juridicamente sua categoria de pessoa. Materialmente, contudo, embora seja o nascituro o titular ativo da relação obrigacional, os alimentos serão prestados à mãe, para uma sadia e confortável gravidez, ensejando o perfeito desenvolvimento do feto e as despesas de assistência médicas, decorrentes do parto[73].

A doutrina que sustenta a teoria concepcionista, portanto, defende de igual maneira o direito de alimentos ao nascituro. Mesmo que os alimentos em prol do nascituro sejam prestados a sua genitora, sendo esta uma forma de proteção àquele que está para nascer, o que faz com que a letra do artigo 2.º do Código Civil tenha seu ideal atingido, qual seja, por a salvo os direitos do nascituro desde sua concepção.

3.3. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

As constantes divergências doutrinárias a respeito da possibilidade ou não dos alimentos ao nascituro produziram reflexos nos tribunais de todo o país. A Lei 11.804/2008 veio tentar unificar as decisões dos tribunais e aquietar as divergências dos doutrinadores da matéria.

Há cerca de uma década, a maioria dos acórdãos negava o direito de alimentos ao nascituro, todavia, decisões que precederam a publicação da Lei 11.804/2008 demonstraram, claramente, a evolução do posicionamento dos tribunais superiores ao conceder alimentos em prol do ser humano em gestação.

De fato, a gravidez acarreta uma série de despesas necessárias para possibilitar um desenvolvimento intrauterino sadio do nascituro. Não é razoável, portanto, à luz do princípio da solidariedade, que apenas um dos genitores tivesse a responsabilidade de arcar com todas esses gastos inerentes à gestação.

No cenário familiar brasileiro não são raros os casos em que o eventual genitor recusa-se a reconhecer a paternidade sem que seja realizado o exame laboratorial de paternidade, para tanto apoia-se no artigo 2.º da Lei 5,478/1968.

Nestes casos, tendo em vista a demora do exame de paternidade, que consiste na coleta do líquido amniótico da placenta da gestante, procedimento de altíssimo custo e que coloca em risco a vida do feto, outros elementos de convicção começaram a ser utilizados pelo Poder Judiciário para aferir a existência do vínculo de paternidade.

Diante disso e por serem os alimentos indispensáveis à sobrevivência, a jurisprudência evoluiu gradativamente e passou a entender que mesmo sem a comprovação da paternidade laboratorial, mas havendo indícios de paternidade - relacionamento sexual entre a mãe e o possível pai, testemunhas, cartas, fotografias, depoimentos pessoal das partes - os alimentos poderiam ser concedidos em caráter provisório.

Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vinha proferindo decisões, ao longo dos anos, da seguinte forma:

EMENTA: Investigação de paternidade. Alimentos provisórios em favor do nascituro. Possibilidade. Adequação do quantum. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso provido em parte[74].

AGRAVO INTERNO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. Incontroversa a união estável e a paternidade do filho que a alimentanda espera, deve o agravante contribuir para o desenvolvimento do nascituro, mormente considerando que a ex-companheira não pode desempenhar com a mesma intensidade o ofício de cabeleireira, em face da dificuldade de ficar o tempo todo em pé, já que está na metade do sexto mês de gravidez. Possibilidade do alimentante em pagar o valor fixado, de um salário mínimo, demonstrado pelos documentos juntados, que apontam possuir ele patrimônio não condizente com a renda mensal que alega ter, de R$ 700,00[75].

Esse posicionamento, que ao longo dos anos foi sendo solidificado pelos Tribunais, encontra reflexo no artigo 6.º da Lei 11.804/2008, o qual dispõe que uma vez convencido da existência de indícios de paternidade o juiz, poderá fixar alimentos que perdurarão até o nascimento da criança.

Recentemente,  foi dada à Lei 12.004/2009 que versa sobre a presunção de paternidade a seguinte redação no seu salutar artigo 2º-A:

Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

Assim, preocupa-se essa lei em explicitar quais meios legais serão admitidos com a finalidade de provar a verdade dos fatos, no caso, a paternidade. Reforça, portanto, a Lei 12.004/2009 o entendimento trazido pela Lei de Alimentos Gravídicos, qual seja, quando da impossibilidade do exame de DNA, outros podem ser os meios probatórios de paternidade.

Magna é a importância da aplicação de outros meios probatórios ao se falar em alimentos gravídicos porque, conforme já abordado, o exame de DNA no nascituro pode vir a acarretar graves riscos gestacionais. Por isso, quando sopesados os direitos à vida e à saúde do nascituro com a necessidade de uma prova absoluta de paternidade, os dois primeiros direitos se sobressaem e permitem o emprego de um rol probatório amplo, formado por testemunhas, fotografias, cartas, correspondências eletrônicas, sem a imprescindibilidade do exame de carga genética no nascituro.

Em julgado recente, datado de 16/09/2009, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu haver no caso analisado fortes indícios de paternidade, haja vista o depoimento testemunhal colhido em audiência de justificativa, conforme se observa abaixo:

ALIMENTOS GRAVÍDICOS. Concessão – Necessidade - Oitiva das partes em audiência de justificação confirmando o relacionamento amoroso - Idade gestacional compatível com o início do namoro - Fortes indícios de paternidade - Redução dos alimentos – Descabimento - Observância do binômio necessidade e possibilidade - Incidência do percentual sobre férias, 13° salário, horas extras e verbas rescisórias - Impossibilidade - Rendimentos que possuem caráter indenizatório ou de prêmio ao esforço empreendido pelo trabalhador - Decisão parcialmente reformada - Recurso provido em parte[76].

Destarte, verifica-se que a jurisprudência anterior à promulgação da lei de alimentos gravídicos já vinha caminhando para a sedimentação da possibilidade de alimentos ao nascituro, visando ao desenvolvimento intrauterino saudável. Por derradeiro, tem-se que a nova lei apenas trouxe um parâmetro legal para justificar o entendimento que estava sendo consolidado pelos Tribunais.

3.4. PROJETOS DE LEIS

Antes mesmo da Lei 11.804/2008 ser promulgada, quando ainda era o Projeto de Lei 7.376/2006, de autoria do Deputado Federal Rodolpho Tourinho, foi realizada uma campanha idealizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que propunha a revisão e veto de alguns artigos do projeto contrários à Constituição da República e aos interesses da gestante e do nascituro.

A vice-presidente do IBDFAM à época Maria Berenice Dias apontou incongruências nos artigos 3.º, 5.º, 8.º, 9.º e 10.º, os quais foram vetados pelo presidente da república, com o acréscimo do artigo 4.º do referido projeto.

Nesta feita, o projeto inicial, que continha 12 artigos, foi aprovado e promulgado com apenas a metade dos dispositivos originais. Foram vetados os artigos que dispunham do deslocamento da gestante (competência judicial no domicílio do suposto pai), especificação de provas (petição inicial necessariamente instruída com o laudo médico atestando gravidez e viabilidade), necessidade de audiência de justificação, exame de DNA (realização de exame pertinente), alimentos pagos a partir da citação do suposto pai e responsabilização, por meio de indenização, se a paternidade for negativa.

Determinantes e acertados foram os vetos presidenciais, haja vista que se esses artigos não tivessem sido suprimidos, a lei acabaria por prejudicar aqueles a quem se pretendia proteger. A grande pergunta que paira é se havia mesmo a necessidade da promulgação de uma lei assegurando a obrigação alimentar em favor do nascituro, já que os Tribunais já caminhavam para a concessão dessa prestação alimentícia?

A Constituição da República é jovem. Conforme vai amadurecendo e criando raízes, aumenta o seu lastro. O Estado, consequentemente, fortalece-se na mesma medida, proporcionando segurança nas diversas áreas de atuação, dentre as quais, a jurídica. Para esse fortalecimento estatal é imprescindível o crescimento simultâneo dos três poderes da União -  Legislativo, Executivo e Judiciário.

Como outrora já abordado, no ordenamento jurídico brasileiro várias são as leis que permitem e respaldam a segurança dos direitos do nascituro, em especial de alimentos. A própria Constituição da República, em seu artigo 1.º, inciso III, assegura a dignidade da pessoa humana, impedindo, nesta oportunidade, a violação à integridade física e à saúde de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, incluindo o nascituro mesmo ainda em formação.

Além disso, em seu artigo 227, a Carta Magna reitera o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, dentre outros. No âmbito constitucional, o legislador não limitou a idade mínima para se considerar uma pessoa como criança, podendo-se, então, concluir a possibilidade da inclusão do nascituro.

Não bastasse toda a proteção constitucional aos bens da vida, o Código Civil protege no seu artigo 2.º, os direitos do nascituro desde a sua concepção, e dentre os direitos mais manifestos está o direito a alimentos, por meio do qual se efetiva uma garantia de vida e desenvolvimento intrauterino saudável.

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No Brasil, as fontes do Direito são divididas em estatais (legislação, tratados internacionais e jurisprudência) e não-estatais (costume jurídico e doutrina). Nota-se, portanto, que são cinco espécies de dois gêneros, no entanto, há um desprestígio das que não são normas jurídicas emanadas pelo Estado.

Por tais razões, mesmo a jurisprudência inclinando-se à prestação alimentícia em favor do nascituro, com decisões reiteradas nesse sentido, veio o legislador positivar esse direito. Fato esse que demonstra o quando o quão positivista é o Estado.

Aliás, está em trâmite desde 2007 o Projeto de Lei 478, de autoria de Luís Bassuma e Miguel Martini, que dispõe sobre o chamado Estatuto do Nascituro, no qual estão apensados o Projeto de Lei 489/2007, o Projeto de Lei 1.763/2007 e o Projeto de Lei 3748/2009. O projeto visa a privilegiar o nascituro, concedendo-lhe direitos de um cidadão, equiparando o nascituro à criança.

Miguel Martini, em entrevista sobre o estatuto, fala acerca da necessidade de criação do Estatuto do Nascituro:

Nós precisamos dar ao nascituro os mesmos direitos e garantias que um cidadão brasileiro tem. Para nós a cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição que fala do direito à vida não permitiria que houvesse discussão em relação ao aborto, mas está tramitando um projeto abortista na Câmara. O Estatuto não fala somente contra o aborto, mas fala além do que o artigo 5º prevê: que a pessoa que está no ventre materno é um cidadão, uma cidadã. Ele reforça, especifica e detalha ainda mais o direito à vida garantido na Constituição[77].

3.5. DA NATUREZA JURÍDICA DOS ALIMENTOS AO NASCITURO.

 É imprescindível para a correta compreensão dos institutos jurídicos o conhecimento da sua natureza jurídica. De Palácio e Silva[78] define natureza como sendo “a essência, a substância ou a compleição das coisas”, por meio do qual se revelam os requisitos e atributos essenciais que devem vir com a própria coisa.

A natureza jurídica dos alimentos está ligada à origem, ao dever dos pais em sustentar os filhos derivado do poder familiar. Ao aplicar por analogia estas considerações ao nascituro, tem-se que ele é considerado o filho que está para nascer, tornando os pais responsáveis civilmente pelo seu sustento que durante o período gestacional é definido principalmente pelo desenvolvimento saudável intrauterino.

Vale ressaltar, que mesmo no que diz respeito aos alimentos em geral, a doutrina é divergente, conforme já abordado no capitulo antecedente. As correntes doutrinárias aludidas anteriormente, são três, quais sejam, uma corrente é defensora da natureza jurídica de direito pessoal extrapatrimonial, uma segunda, de direito patrimonial e uma terceira de conteúdo patrimonial com finalidade pessoal.

Um outro posicionamento que chama atenção é o do advogado de família Douglas Phillipis Freitas[79], o qual defende que a natureza jurídica dos alimentos gravídicos é sui generis, composto por elementos de pensão alimentícia e de responsabilidade civil.

E vai mais adiante, ao discorrer sobre o início do dever de prestar os alimentos ao nascituro, sustenta que os alimentos ao nascituro possuem como termo inicial a concepção, momento anterior até mesmo ao ajuizamento ação. Para o referido autor, os alimentos gravídicos uma vez concedidos devem ser prestados de forma retroativa, por exemplo, se forem concedidos na 22.ª semana de gestação o alimentante deverá ser condenado a prestar os alimentos desde a 1.ª semana gestacional.

Por manter posicionamentos fortes e contrários aos da maioria doutrinária, resguarda-se da seguinte forma:

É claro que tal posicionamento será contraposto pelos processualistas, porém, no escopo da nova norma que apregoa integral proteção à mãe e ao menor estas regras devem ser relativizadas, pois, por analogia (e por híbrida origem alimentícia e indenizatória), pode-se aplicar, por exemplo, a regra do posicionamento ou mesmo da indenização da responsabilidade civil onde o marco inicial é a do sinistro, ou seja, do fato gerador da responsabilidade civil[80].

Em um sentido mais tradicional, preleciona Carlos Roberto Gonçalves[81] que prepondera o entendimento de que os alimentos, em geral, têm natureza mista, composta de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal.

Em verdade, parece mais razoável dentre as correntes doutrinárias existentes, a  natureza mista, pois, se analisada criticamente, o conteúdo patrimonial o objetivo precípuo dos alimentos ao nascituro é assegurar a sua vida, consequentemente o seu desenvolvimento saudável dentro do útero materno, motivo pelo qual as prestações periódicas de alimentos devem ser consideradas de caráter patrimonial, haja vista que protegem um mínimo necessário patrimonial para o alcance da finalidade a que se destina.

No tocante à finalidade pessoal, esta caracteriza-se por serem os alimentos gravídicos, mesmo com posicionamentos doutrinários contrários, devidos ao nascituro e não a mãe gestante. O valor percebido como alimentos gravídicos deve ser destinado em sua integralidade ao bem estar do nascituro.

3.6. ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEI 11.804/2008.

3.6.1. Capacidade e Legitimidade

É direito constitucional garantido a todos a provocação da atividade jurisdicional. Na legislação processual civil, toda pessoa maior e capaz possui capacidade ad causam, no entanto, os incapazes têm a necessidade de representação e assistência para integrar suas capacidades.

A capacidade de agir e a capacidade processual são pressupostos processuais, a primeira, é a capacidade de ser parte, assumir direitos e obrigações na ordem civil, e a segunda, é a capacidade de estar em juízo, defendendo os direitos e obrigações[82].

Fredie Didier Junior ao falar na capacidade de ser parte (capacidade de agir) leciona que:

Dela são dotados todos aqueles que tenham personalidade material-ou seja, aqueles que podem ser sujeitos de uma relação jurídica material, como as pessoas naturais e as jurídicas- como também o nascituro, o condomínio, o nodum conceptus, a sociedade de fato [...][83].

No concernente à capacidade processual o mesmo doutrinador assim escreve:

A capacidade processual é a aptidão para praticar atos da processuais independentemente de assistência e representação (pais, tutor, curador, etc.), pessoalmente, ou por pessoas indicadas pela lei, tais como o síndico, administrador de condomínio, inventariante etc[84].

Dessa forma, diante dos ensinamentos supracitados, o nascituro possui capacidade de ser agir e capacidade de processual. Com a observação que para a última, o nascituro deve estar devidamente representado, uma vez que pode ser comparado ao menor impúbere (aquele que possui idade inferior a 16 anos), o qual para figurar no polo ativo de uma ação deve ser representado por aquele que lhe é responsável ou por um curador nomeado.

A legitimidade, por sua vez, é uma das  condições da ação, ao lado do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido. Como regra geral, pode-se dizer que parte legítima ativa é aquela que afirma ser titular de um determinado direito, e para resguardar tal direito necessita do amparo jurisdicional, já a parte legítima passiva é aquele a quem caiba ao cumprimento e observância do de dever relacionado ao direito da do legitimado ativo. Seguindo tal entendimento, assim se pronuncia Luiz Rodrigues Wambier:

Autor e réu devem ser partes legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de rejeição diante da pretensão do autor[85].

Aplicando este linear aos alimentos devidos ao nascituro e ao encontro do posicionamento doutrinário majoritário, tem-se que a ação de alimentos gravídicos tem por objetivo a condenação do eventual genitor do nascituro em pagar alimentos, os quais assegurarão à vida daquele que está por vir.

Assim, pode-se afirmar que o nascituro, por meio da ação de alimentos gravídicos,  demanda sobre o que lhe é de direito. O direito à vida é resguardado sobretudo pelas prestações alimentares. É obvio, que não é o nascituro que irá gerenciar a quantia recebida como obrigação alimentícia, será sua representante. Fato este que não descaracteriza a destinação dos alimentos gravídicos, qual seja, o nascituro.

Posicionamento minoritário é o de Yussef Said Cahali[86], o qual ao defender que os alimentos gravídicos possuem caráter  de auxílio-maternidade, entende que a parte legítima para propor a ação seria a própria gestante, e expõe:

Até o parto, a gestante reclama o auxílio-maternidade do futuro pai, agindo em nome próprio, em função do sue estado gravídico. Somente depois de dar a luz ao filho, passa a mesma a agir como representante do menor na execução ou revisão da pensão alimentícia que passa a ser devida a este.

Os Tribunais já se manifestaram em suas jurisprudências quanto à legitimidade do nascituro em ser parte legítima para propor as mais diversas ações, conforme pode-se observar dos acórdãos colacionados:

Investigação de paternidade – Ação proposta em nome de nascituro pela mãe gestante – Legitimidade ‘ad causam’ – Extinção do processo afastada. Representando o nascituro pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa de direito[87].

MENOR – Ação proposta por nascituro buscando o atendimento pré-natal à sua genitora, que se encontra presa – Decisão do juiz a quo que determinou a emenda da inicial por entender que o nascituro, por não possuir personalidade jurídica, não tem legitimidade ativa ad causam – Não conhecimento do agravo no tocante ao pleito que visa a concessão da antecipação da tutela ainda não apreciada em primeira instância – Nascituro que pode ser parte, desde que representado pelos genitores ou por quem determina a lei civil – Provimento do agravo apenas para reconhecer a possibilidade do nascituro vir a juízo, sem adentrar no mérito de sua legitimidade para a causa presente e, tampouco, a competência da Justiça da Infância e da Juventude – Necessidade de anulação do despacho que determinou a emenda da inicial – Agravo conhecido em parte e, na parte conhecida, provido, nos termos do acórdão[88].

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça[89] veiculou uma notícia com o seguinte título “mãe ganha direito de pedir em nome próprio alimentos em favor de filhos”. Em um primeiro momento, causa estranheza tal título, no entanto, ao ler e refletir a respeito do escrito, tem-se a afirmação de que o nascituro e os filhos são parte legítima para propor ação de alimentos, entretanto, se a ação de alimentos for ajuizada em nome daquele que deveria ser o representante processual, o processo não será anulado por ilegitimidade da parte ativa.

Não aleatoriamente, o Tribunal vem assim se posicionando. A má-técnica processual não pode ser motivo de anulação de uma ação que visa ao sustento da família de forma digna, ou, se aplicado aos alimentos gravídicos, ao desenvolvimento intrauterino saudável do nascituro. Por isso, na notícia transmitida pelo Superior Tribunal de Justiça, a Terceira Turma entende que:

É realmente dos filhos a legitimidade ativa para propor ação de alimentos, devendo os pais representá-los ou assisti-los conforme a idade. Contudo, a formulação do pedido em nome da mãe não anula o processo, apesar da má-técnica processual, pois está claro que o valor se destina à manutenção da família. “O pedido está claramente formulado em favor dos filhos”, assinalou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi. “E esse entendimento traz como suporte o interesse público familiar que está na obrigação de prestar alimentos”[90].

Pelo acima exposto, pode-se concluir que o nascituro tem capacidade de agir e capacidade processual, e ainda legitimidade ativa para propor a ação de alimentos gravídicos, se devidamente representado processualmente. Se, no entanto, por má-técnica processual a ação for ajuizada figurando o polo ativo a genitora, esta não deverá ser declarada nula, se for caracterizado que o pedido formulado é dirigido em favor do nascituro.

Para dar prosseguimento ao início da ação de alimentos é necessário que se saiba quem é o genitor do alimentante, ou consoante o entendimento do artigo 6.º exista ao menos indícios de paternidade, para que seja fixada a prestação alimentar.

Antes da Lei 11.804/2008 a ação de alimentos em favor do nascituro era um emaranhado de disposições que por analogia ou extensão aplicavam-se ao caso concreto. A legitimidade passiva era definida quando não se conhecia o pai por meio de uma ação de investigação de paternidade cumulada com ação de alimentos. Havia-se, portanto, uma combinação dessas duas demandas, que seguiam o procedimento comum ordinário.

Ocorre, no entanto, que com a nova lei, no seu artigo 6.º, diversas vezes já mencionado no decorrer do trabalho, o polo passivo pode ser definido por meio de indícios de paternidade, ou seja, não se tem certeza absoluta de quem é o genitor, apenas uma presunção de paternidade. O juiz, por conseguinte, ao definir que existem indícios de paternidade, está ratificando o eventual genitor como legitimado no polo passivo.

3.6.2. Do quantum dos alimentos em favor do nascituro

Os alimentos gravídicos devem seguir a fixação do quantum das prestações alimentícias gerais, ou seja, deve ser obedecido o binômio possibilidade e necessidade. A Lei 11.804/2008 traz um rol exemplificativo das despesas mínimas que devem ser abarcadas pela proteção da obrigação alimentar no seu artigo 2.º que dispõe:

Art. 2º: Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

A partir de uma leitura com esmero, percebe-se a intenção de enfatizar o fato de que a gravidez pode vir a acarretar gastos adicionais, que não devem ser arcados unicamente pela gestante. A lei deixou ao encargo do médico definir o que há de ser considerado necessário para a mantença de uma gestação saudável, já deixando exemplificado algumas formas de despesas excepcionais, quais sejam, alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis.

Não se pode olvidar, contudo, que o magistrado pode acrescer as necessidades que o médico não julgou relevantes, ponderando-as e fixando um valor satisfatório, consideradas, por óbvio, a cota-parte do genitor e a cota-parte da genitora.

Com efeito, adverte Carlos Roberto Gonçalves[91] que o juiz fixa os alimentos de acordo com seu convencimento, não estando adstrito ao quantum fixado na petição inicial. Em conformidade com esse raciocínio, não há falar em julgamento ultra petita quando a fixação dos alimentos, pela sentença, for além dos limites de quantia pedidos na peça exordial.

O autor Douglas Phillips Freitas, ao discorrer sobre a fixação do quantum como um todo, é comedido e aduz:

Embora os critérios norteadores para a fixação do quantum sejam diferentes dos alimentos previstos no art. 1.694 e seguintes do Código Civil de 2002, quando determinados, o raciocínio é o mesmo, ou seja, é levado em consideração todas as despesas relativas à gravidez (necessidade) e o poder de contribuição do pai e da mãe (disponibilidade), resultando na fixação proporcional dos rendimentos de ambos, já que a contribuição não é somente de um ou de outro[92].

E, chega ao extremo ao dizer-se temerário com a destinação dada à pensão alimentícia  pois, segundo ele, os exames de pré-natal, internação e parto da gestante, em princípio, são custeados pelo Sistema Único de Saúde[93].

Esquece o supracitado autor que o direito constitucional à saúde (artigo 196 da Constituição da República) tem aplicação precária no cenário brasileiro. O atendimento e os exames realizados em ambulatórios e postos de saúdes são agendados para datas longínquas, o que não tornam raros os casos em que a gestante entra em trabalho de parto sem ao menos ter feito um exame de pré-natal. A  falta de uma equipe de profissionais da saúde para a realização do parto, ou mesmo a falta de leito para o momento posterior ao parto são deficiências da área da saúde que saltam aos olhos da população.

Falar em amparo gestacional pelo Sistema Único de Saúde é vendar os olhos à realidade social vivida no país, na qual a previsão de direitos fundamentais como vida e saúde não constitui certeza de efetiva existência. Assim, a lei de alimentos gravídicos vem socorrer as gestantes que não possuem por si só meios de garantir uma gravidez saudável, sem solicitar o auxílio financeiro do eventual genitor.

3.6.3. Da conversão, revisão e extinção dos alimentos ao nascituro

O parágrafo único do artigo 6.º da Lei 11.804/09 dispõe que “após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

Pela análise de tal dispositivo tem-se que a conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia dá-se pela única exigência de nascimento com vida. Essa conversão é automática, sendo, pois, os alimentos pagos sem interrupção quando da ocorrência do nascimento do feto, procedimento esse que assegura ao recém-nascido a mesma proteção alimentar conferida ao nascituro.

Vale ressaltar que quando os alimentos são fixados em favor do nascituro, o juiz fundamenta-os nos indícios de paternidade, o que não acarreta o reconhecimento do filho. O reconhecimento dar-se-á apenas no momento do nascimento do feto, quando o eventual genitor poderá contestar a ação de alimentos com fulcro na negativa de paternidade do recém-nascido que deverá ser provada por exame laboratorial. Sobre o tema Maria Berenice Dias defende que:

A transformação dos alimentos em favor do filho ocorre independentemente do reconhecimento de paternidade. Caso o genitor não conteste a ação e não proceda ao registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição do mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de averiguação de paternidade para o estabelecimento do vínculo parental[94].

Caso não fosse assim, o recém-nascido teria de entrar novamente com uma ação de paternidade cumulada com alimentos, a qual possuiria uma fase probatória extensa a fim de impedir resquícios de dúvida a respeito da paternidade.

O mesmo parágrafo do artigo 6.º da lei de alimentos gravídicos prevê a possibilidade de revisão dos alimentos devidos. O termo revisão, segundo De Palácio e Silva[95], é o “exame ou o estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o Direito ou a verdade”.

A revisão pode ser requerida por qualquer das partes se houver a modificação dos requisitos norteadores da concessão e fixação dos alimentos. A genitora como representante do nascituro e o suposto pai podem pedir a revisão dos valores pagos como pensão, almejando tanto a sua majoração como redução, com fulcro no artigo 1.699 do Código Civil.

A sentença proferida na ação de alimentos não faz coisa julgada material, motivo pelo qual a qualquer momento pode ser revista. Assim, os alimentos podem ser revistos a maior ou a menor do quantum anteriormente fixado. Essa imaterialidade da coisa julgada nas ações de alimentos deve ser aplicada também aos alimentos gravídicos, pois ambas visam à garantia de um valor mínimo para a sobrevivência do nascituro ou do recém-nascido.

A revisão do quantum dos alimentos, no entanto, diferente da conversão que é automática, deve ser requerida em juízo. Para tanto, devem ser trazidos aos autos meios que comprovem a modificação da capacidade econômica do alimentante ou da necessidade do alimentado.

Quando o feto nasce, as despesas antes abrangidas pela pensão alimentícia se modificam, o que gera, novamente, a possibilidade da revisão do quantum dos alimentos. Nesse caso, entretanto, os alimentos gravídicos já terão sido convertidos em pensão alimentícia; assim, não se haverá de falar em revisão dos alimentos gravídicos e sim revisão dos alimentos.

Para melhor compreensão do momento da extinção da obrigação dos alimentos ao nascituro é necessário relembrar o momento de concessão dos alimentos gravídicos. O dever de prestar alimentos tem gênese no início da gestação e perdura até o seu fim. Por consequência, extingue-se a obrigação prestacional de alimentos quando há a interrupção da gravidez, como, por exemplo, no caso do aborto espontâneo.

Outra forma de extinção da obrigação alimentar em favor do nascituro é por meio da ação negativa de paternidade ajuizada após o nascimento do feto e julgada procedente. Caso seja comprovada que a paternidade não é do obrigado da pensão gravídica, será extinta a obrigação da pensão alimentícia.

3.7. RESPONSABILIDADE CIVIL DA PARTE AUTORA DA AÇÃO DE ALIMETNOS GRAVÍDICOS

3.7.1. Responsabilidade Objetiva e Responsabilidade Subjetiva

O artigo 10 do Projeto de Lei 7.376/2006 tinha a seguinte redação “em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”.

Com acerto, houve o veto presidencial desse artigo. O dispositivo legal vetado impunha à mulher que equivocadamente apontasse um homem como pai do seu filho o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa. Com efeito, atribuir responsabilidade objetiva à autora de demandas que versam sobre alimentos gravídicos constituiria óbice ao direito fundamental de livre exercício da ação.

Para melhor compreensão das razões do veto presidencial ao artigo acima referido, é importante diferenciar a responsabilidade objetiva da subjetiva. Para tanto, valiosos são os ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, abaixo transcritos:

Hipóteses há em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa. Nesses casos, estaremos diante do que se convencionou chamar de “responsabilidade civil objetiva”. Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou a culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar. As teorias objetivistas da responsabilidade civil procuram encará-la como mera questão de reparação de danos, fundada no risco da atividade exercida pelo agente[96].

Tem-se, portanto, que a responsabilidade objetiva funda-se no risco da atividade exercida pelo agente. No que diz respeito à ação de alimentos gravídicos, a genitora não pode ser condenada a reparar objetivamente o dano causado àquele que foi apontado como pai. Isto porque, a legitimidade da parte passiva na obrigação alimentar foi apreciada por um juízo de valor realizado pelo magistrado. O alimentante foi assim obrigado (pagar alimentos), haja vista um rol probatório que indicava fortes indícios de paternidade.

Para não haver a criação de uma norma jurídica injusta, portanto, defende-se a aplicação da regra geral da responsabilidade subjetiva, norteada pelo artigo 186 do Código Civil, o qual prevê que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

No artigo acima referido, a culpa é apresentada em seu sentido amplo, abrangendo tanto o dolo quanto a culpa. A professora Maria Helena Diniz, explica esses conceitos da seguinte forma:

A culpa em sentido amplo, como a violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas consequências[97].

Já, o ato ilícito é definido como aquele ato contrário ao Direito, e tem como elementos a culpabilidade, o dano e o nexo causal. O artigo 927 do Código Civil dispõe como consequência jurídica do ato ilícito a obrigação de reparação do dano causado a outrem.

Sob esse aspecto, só haverá a possibilidade de indenização se o ato ilícito causar dano. Sílvio de Salvo Venosa[98] leciona que “sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima”.

Assim, para a aplicação da responsabilidade civil subjetiva nos casos em que a representante do nascituro pleiteou alimentos gravídicos em face de quem não era o genitor, a demonstração de prejuízo da parte que foi condenada ao pagamento da pensão alimentícia é dispensável, nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil. O fato, portanto, que merece prova inequívoca, nas ações de responsabilidade, é a paternidade, se provado que o alimentante gravídico não era o genitor o prejuízo já terá sido configurado.

Em vista disso, a análise do dolo e da culpa (sentido estrito) é imprescindível para a caracterização do dever de indenizar da parte alimentada. A conduta dolosa, conforme os ensinamentos expostos anteriormente, é aquela em que o agente pratica atos com objetivo ou assumindo o risco de causar prejuízos a outrem. É o caso, por exemplo, de uma gestante saber quem é o pai, mas ajuizar a ação de alimentos gravídicos em desfavor de outra pessoa, por este possuir melhores condições financeiras.

Por outro norte, a conduta culposa (sentido estrito) possui como elementos a conduta voluntária com resultado involuntário, previsão ou previsibilidade e a falta de cuidado, cautela, diligência ou atenção. Dentre os elementos apontados, merece especial destaque o elemento constituído pela falta de cautela, o qual é exteriorizado por meio da imprudência, da negligência e da imperícia.

Por óbvio, a forma de exteriorização da conduta culposa nos processos de prestação alimentícia gravídica, é a imprudência. A imprudência é conceituada por Sergio Cavalieri Filho[99] como sendo a “falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação”. Desse modo, a falta de cautela da parte autora na ação de alimentos gravídicos ocorre, por exemplo, quando a gestante alega ser o pai do filho que carrega, o seu namorado, mas manteve relações sexuais com outro.

3.7.2. Dos Danos Indenizáveis

Como defendido no tópico anterior, o meio de reparação do prejuízo causado pela demanda contra parte ilegítima, portanto, deve-se dar pela ação de indenização embasada na responsabilidade subjetiva da parte autora.

A esse respeito, ensina Fátima Maria Costa Soares de Lima:

Se a autora agir com dolo ou culpa por promover ação indevida, imputando a um homem as obrigações de pai no caso de ele não ser o pai, esta responderá pela indenização cabível, conforme prevê permanece a aplicação da regra geral da responsabilidade subjetiva constante do art. 186 do Código Civil, cabendo àquele que for demandado o livre exercício do direito de ação a teor do disposto no art. 186 do Código Civil, com a finalidade da reparação de danos morais e materiais[100].

A reparação do dano causado pelo ajuizamento de ação de alimentos contra pessoa que não é o genitor do nascituro visa a recompor materialmente algo que foi perdido ou sofrido, podendo ser pleiteada na forma de indenização, tanto material quanto ou moral.

A indenização material decorre do dano patrimonial que atingiu os bens integrantes do patrimônio da vítima. Este dano é subdividido em lucro cessante e dano emergente. O lucro cessante pode ser conceituado como a perda de um ganho esperável ou frustração da expectativa de um lucro, já o dano emergente, também chamado de dano positivo, é a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. A mensuração do dano emergente é por vezes menos dificultosa do que a mensuração do lucro cessante.

Na reparação do dano causado pela prestação dos alimentos gravídicos por quem na realidade não tinha este dever, a princípio, parece prosperar apenas o emprego do dano emergente, o qual deverá ser considerado da seguinte forma, os valores prestados na forma de pensão alimentícia ao nascituro deverão ser calculados, atualizados e ressarcidos.

Muito embora, vigore no ordenamento jurídico o princípio de irrepetibilidade dos alimentos prestados, uma vez caracterizada a má-fé ou a culpa (sentido amplo) da parte autora da ação de alimentos gravídicos, defende-se a possibilidade da devolução dos alimentos. Tem-se, portanto, que os princípios da boa-fé e do vedação de enriquecimento ilícito devem sobrepujar o princípio da irrepetibilidade alimentar.

Resta, nesta oportunidade, examinar a restituição dos alimentos nos casos em que a culpa (sentido amplo) da parte autora da ação alimentar gravídica não é comprovada. Para tanto, salutares são os ensinamentos do professor Arnoldo Wald, a seguir transcritos:

[…] admite a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando fizer prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentando utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que devia fornecê-los[101].

Note-se que o autor acima referido defende que os casos nos quais não há evidente enriquecimento ilícito, ou má-fé da parte alimentada, a ação de restituição de alimentos deve ser ajuizada em face do terceiro que desde o início deveria ter sido condenado a prestá-los. Esse entendimento, merece prosperar, pois assegura a proteção da gestante e do nascituro que agiram de boa-fé e ainda o ressarcimento dos valores prestados pelo alimentante não genitor.

Outro ponto que merece destaque é o dano moral. Por ser motivo de discussão doutrinária e acadêmica, as únicas certezas trazidas são as de que o dano moral é indenizável e pode ser cumulado com o dano material. Definir um conceito de dano moral, ou até mesmo prová-lo, entretanto, é matéria árdua. O professor Sergio Cavalieri Filho refere-se ao dano moral da seguinte forma:

O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e jurisprudência, levando o julgador a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou a mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias[102].

E acrescenta ademais que:

[…] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio do seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.

Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequências e não causa. Assim como a febre a efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém[103].

Nessa linha, o dano moral por ter mensuração subjetiva, para ser indenizável deve  demonstrar que fato ocorrido não gerou apenas um mero dissabor, mas lesionou a esfera personalíssima da pessoa - seus direitos de personalidade, como por exemplo, intimidade, vida privada, honra e imagem[104]. É o caso por exemplo, do alimentante - não genitor que tem sua família destruída, por ter sido condenado a prestar alimentos ao nascituro - filho de outrem.

Frise-se que o assunto ainda é pouco sólido. A jurisprudência ainda não se manifestou a respeito. O pouco tempo de promulgação da Lei 11.804/2008 é um dos fatores para esse silêncio dos Tribunais. A doutrina também é escassa, pouco se escreveu a respeito dos alimentos gravídicos e ainda menos sobre a responsabilidade civil daquele que ajuizou ação de prestação alimentícia. Resta, assim, aguardar a evolução doutrinária e o preenchimento jurisprudencial que são pilastras para a aplicação da lei ao caso concreto.

3.8. APLICAÇÃO DA LEI NOS JUÍZOS

A Lei 11.804/2008, conforme mencionado anteriormente, foi promulgada na data de 05/11/2008. Para que essa lei seja aplicada nos Tribunais de Justiça em tão curto espaço de tempo, os processos em sua maioria já deviam estar em tramitação, ou em grau de recurso.

Os processos de alimentos em favor do nascituro possuem como tempo máximo de seu objeto - nove meses, período coincidente ao tempo de gravidez, haja vista que após o nascimento do feto não há que se falar em ação de alimentos gravídicos e sim em ação de alimentos.

Diante disso, são poucos os Tribunais de Justiça que aplicaram a lei de alimentos gravídicos e disponibilizaram os respectivos acórdãos. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vanguardista nas decisões de alimentos ao nascituro, prolatou decisões nas quais os alimentos gravídicos foram julgados a partir da prova de indícios de paternidade, conforme se pode observar:

EMENTA: ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. DIREITO DO NASCITURO. PROVA. POSSIBILIDADE. 1. Havendo indícios da paternidade apontada, é cabível a fixação de alimentos em favor do nascituro, destinados à gestante, até que seja possível a realização do exame de DNA. 2. Os alimentos devem ser fixados de forma a contribuir para a mantença da gestante, mas dentro das possibilidades do alimentante e sem sobrecarregá-lo em demasia. Recurso parcialmente provido[105].

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. LEI Nº 11.804/08. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DA PATERNIDADE. O deferimento de alimentos gravídicos à gestante pressupõe a demonstração de fundados indícios da paternidade atribuída ao demandado, não bastando a mera imputação da paternidade (Lei 11.848/08). Ônus da mulher diante da impossibilidade de se exigir prova negativa por parte do indigitado pai. Ausente comprovação mínima das alegações iniciais, resta inviabilizada, na fase, a concessão dos alimentos gravídicos, a esta altura prejudicado em razão do nascimento da criança, prosseguindo a ação de alimentos com regular instrução probatória[106].

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por sua vez, aplicou ao caso concreto a conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia, de acordo com o Acórdão abaixo transcrito:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. VERBA ALIMENTAR FIXADA EM 50% DO SALÁRIO MÍNIMO. INDÍCIOS DE PATERNIDADE VERIFICADOS POR MEIO DA PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA. EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE AS PARTES NÃO CONTESTADA PELO AGRAVANTE. NASCIMENTO DA CRIANÇA. CONVERSÃO AUTOMÁTICA EM PENSÃO ALIMENTÍCIA EM FAVOR DO MENOR. RESIGNAÇÃO ACERCA DO QUANTUM ARBITRADO. EXEGESE DO ART. 6º DA LEI 11.804/08. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Os alimentos gravídicos foram instituídos pela Lei 11.804/08, que regulamenta este direito da gestante, bem como a forma como será exercido. Compreendem quantia equivalente à necessária contribuição do pai no que tange aos gastos adicionais da mulher durante o período de gravidez, como consultas, exames e alimentação especial, por exemplo, além de incluírem despesas com o parto, internação, medicamentos e demais prescrições[107].

A ação de alimentos gravídicos, como outrora já explanado, destina-se a condenar o suposto pai a cobrir as despesas decorrentes da gravidez, desde a concepção até o parto. Logo, se a ação de alimentos ao nascituro for proposta depois do parto deverá ser extinta por carência de ação. Nem a conversão dos alimentos gravídicos em pensão alimentícia pode ser requerida se em um primeiro momento não foram fixados os alimentos em favor do nascituro. Nesse sentido, é curial o exame do recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo a seguir colacionado:

EMENTA: ALIMENTOS GRAVÍD1COS - Demanda deduzida depois do nascimento da criança - Carência da ação – Natureza do instituto, que visa propiciar à gestante auxílio material da concepção ao parto - Exegese da Lei 11.804/08 - Conversão em pensão alimentícia para a criança (art. 6A, § ún., da mesma Lei) inviável, por terem sido fixados os gravídicos muito tempo depois do nascimento, desvirtuando sua finalidade - Sentença reformada – Apelo a que se dá provimento[108].

A Lei 11.804/2008, a qual regulou os alimentos gravídicos, em decorrência do seu breve lapso temporal em vigência, ainda não criou lastro suficiente para a sua efetiva aplicação, ademais, os Tribunais não esgotaram a matéria nem firmaram jurisprudências capazes de suprir todas as omissões do referido texto legal.

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Sobre a autora
Andressa Hiraoka Pereira

Advogada, Especialista em Direito Administrativo pela Instituição Toledo de Ensino.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Andressa Hiraoka. O direito fundamental do nascituro em receber alimentos à luz da Lei nº 11.804/08. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3266, 10 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21972. Acesso em: 19 abr. 2024.

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