6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob o aspecto positivo, trata-se de uma constatação indiscutível a tese de que a responsabilização por danos morais representa o resultado de uma grande conquista no campo do direito, em especial quando se trata da defesa do consumidor. Após o reconhecimento do dano moral pela Constituição Federal, aliado à garantia do direito de ação, notadamente verificou-se um aumento considerável do número de ações judiciais versando sobre o instituto.
Entretanto, duas vias de reflexão evidenciam o paradigma moderno:
a) primeiro, as fixações dos valores indenizatórios nas sentenças judiciais ainda são muito tímidas perante o poderio econômico de diversas empresas e, por isso, muitas pessoas jurídicas continuarão agredindo diariamente o consumidor (banalização do quantum indenizatório). Daí, a importância de se criar uma jurisprudência firme acerca da efetiva caracterização e quantificação do dano moral, com parâmetros mais claros;
b) segundo, muitos consumidores demandam indenizações embasadas em interesses que fogem aos escopos do processo, buscando o “ganho” de valores exorbitantes (banalização da finalidade do instituto do dano moral). Neste caso, o abuso do exercício do direito de ação acaba congestionando o Judiciário e gerando demora na prestação jurisdicional à própria sociedade e às suas expensas, já que é esta quem mantém os serviços públicos, e, o abuso do uso do instituto do dano moral não concretiza a finalidade protetiva ao consumidor da maneira como visa resguardar.
E, ao final, além do enfraquecimento dos institutos ora considerados, o consumidor, parte mais fraca da relação, acaba prejudicado.
Levando-se em consideração o fato de que os acontecimentos sociais enquanto expressão da história humana constituem a chave mestra da eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais, resulta a imperiosa reflexão em favor da efetividade do direito de ação e da necessidade de criação de uma nova cultura jurídica no âmbito das relações jurídicas consumeristas que versem sobre dano moral, conscientizando a todos que o uso de tais institutos deve se pautar em justiça e democracia, adequado ao atendimento das reais necessidades do meio social e apto a formar um Judiciário acessível a todos. Atentar contra isso, seria, em termos gerais, um grave retrocesso à proteção alcançada com a CR/88.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1] Uma interessante parábola foi criada para narrar a história recente do direito da responsabilidade civil: um curso de água, alimentado por uma antiga fonte, atravessa um território e condiciona sua exploração econômica que, na origem, era fundamentalmente agrária. Quando se deu a passagem da economia agrícola de subsistência para um desenvolvimento industrial cada vez mais amplo, o fluxo d’água revelou-se insuficiente e os engenheiros tiveram que trabalhar, construindo diques e realizando todos os tipos de obras, para utilizar melhor e distribuir a escassa água disponível. De repente, o curso d’água aumenta de volume, com a confluência de pequenos riachos e a descoberta de novas fontes e, então, é preciso chamar de volta os engenheiros, agora, porém, para fazer as obras de contenção que permitam evitar perigosas inundações. (MORAES, 2006, p. 255)
[2] Dados do Superior Tribunal de Justiça mostram que, em cinco anos, o número de ações por danos morais que chegam por mês à Corte cresceu quase sete vezes: eram 145 ações em 2001 contra 974 este ano - até o início de julho de 2005, desaguaram no Tribunal 5.844 pedidos de indenização por danos morais. Quando são comparados os números atuais com os de 12 anos atrás, o crescimento é de quase 500 vezes. Em 1993, o STJ recebeu apenas 28 pedidos de indenização — ou 2 processos a cada 30 dias. Se o volume de processos numa corte superior é esse, o que dizer do número de ações que correm em primeira instância. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2005-jul-21/explode_volume_acoes_danos_morais_pais>. Acesso em: 23 fev. 2012.
[3] Das Práticas Abusivas: arts. 39 ao 41 do CDC.
[4] O número de ações por dano moral no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro subiu 3.607% entre 2005 e o ano passado (2010). Segundo levantamento feito a pedido do jornal Valor Econômico, o número saltou de 8.168 para 302.847 nos cinco anos, só no território fluminense. Até julho deste ano, o TJ do Rio já registrou 281.883 processos por dano moral. Isso acarretou diretamente num crescimento exponencial de recursos ao Superior Tribunal de Justiça nos últimos dez anos. Enquanto em 2000 foram 1.421 recursos, no ano passado foram 10.018 recursos autuados. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2011-ago-29/cresce-numero-acoes-danos-morais-tj-rio>. Acesso em: 23 fev. 2012.
[5] Quando a legislação civil for claramente incompatível com os princípios e regras constitucionais, deve ser considerada revogada, se anterior à Constituição, ou inconstitucional, se posterior à ela. Quando for possível o aproveitamento, observar-se-á a interpretação conforme a Constituição. Em nenhuma hipótese, deverá ser adotada a
disfarçada resistência conservadora, na conduta frequente de se ler a Constituição a partir do Código Civil. (LÔBO, 1999, p.109)
[6] CR/88 – Art.5º - V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 2010).
[7] CC/2: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2010).
[8] Trecho citado na apelação cível n° 1.0525.02.001943-2/001 do TJMG. Relator: Des.(a) Fabio Maia Viani. Julg.: 03/05/2007. Public.: 25/05/2007.
[9] Art. 52, CC/02: "Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade".
Súmula 227, STJ: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".
“De fato, quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação e vexame; e a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. De fato, a pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoções e dor, estando, por isso, desprovida da honra subjetiva. É passível, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de reputação junto a terceiros, a qual pode ficar abalada por atos que afetem seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
PIERRE KAYSER, em seu clássico trabalho sobre direitos de personalidade, observou:
"As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana" ("Revue Trimestrielle de Droit civil", 1971, v. 69, p. 445).
Este é também o entendimento da jurisprudência:
"A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta corte onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados esses como violadores da honra objetiva" (REsp 134993/MA, STJ, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 03/02/1.998, publ. DJ 16/03/1.998, no mesmo sentido REsp 203755/MG, j. 27/04/1.999, publ. 21/06/1.999).
(...) Por fim, é de se ver que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, não exclui a pessoa jurídica como sujeito passivo do dano moral, posto que, quando diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", está, naturalmente, ao mencionar as "pessoas", se referindo às pessoas físicas e jurídicas.” (TJMG. AC nº: 2.0000.00.370105-7/000(1). Rel: Maurício Barros. Julgado em: 06/11/2002. Publicado em: 19/11/2002)
[10] Além da via judicial, existem ainda os PROCON’s, órgãos também responsáveis por resolverem as demandas provenientes da relação de consumo. “O Procon (Procuradoria de Defesa do Consumidor) é um órgão atua em todo Brasil em defesa do consumidor, que orienta os consumidores em suas reclamações, informa sobre seus direitos, e fiscaliza as relações de consumo. Ele funciona como um órgão auxiliar do Poder Judiciário, tentando solucionar previamente os conflitos entre o consumidor e a empresa que vende um produto ou presta um serviço, e quando não há acordo, encaminha o caso para o Juizado Especial Cível com jurisdição sobre o local. O Procon pode ser estadual ou municipal, e segundo o artigo 105 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. (...) O atendimento de consumidores no PROCON dispensa a presença de advogados.” Disponível em: <http://www.portaldacidadania.com.br/?page_id=92>. Acesso em:
[11] Art. 101 do CDC. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
[12] Art. 6º, VIII, do CDC- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
[13] Art. 170 da CR/88:. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)V - defesa do consumidor;
[14] Art. 6º do CDC: São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
[15] Art. 1° do CDC: O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. (Lei 8078/90 – Código de Defesa do Consumidor).
[16] Jurisprudência consultada em http://www.tjmg.jus.br.
[17] Sem dúvida um dos grandes desafios do direito é estabelecer a distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento. Uma descortesia com o cliente ou um atraso aéreo, por exemplo, causariam abalo moral? Não há uma fórmula mágica que responda, de forma segura, a esse tipo de questão. A avaliação inevitavelmente passa pelo exame do caso concreto. E é aí que os problemas começam. (...)É impossível estabelecer distinção entre o dano moral e o mero aborrecimento por meio de súmulas ou leis para todas as situações práticas. É preciso que o Judiciário, nas suas diferentes esferas, esteja mais atento às agruras pelas quais passam os consumidores diuturnamente, que configuram dano moral, e estão ainda hoje sendo interpretadas como meros aborrecimentos. (ROLLO, 2009. p. 01)
[18] O dinheiro tem algumas funções básicas: instrumento de troca, padrão de valor, reserva de valor e meio de pagamento.
Essas funções não esgotam, nem explicam, o fascínio que o dinheiro exerce na imaginação coletiva da sociedade.
Para o Direito Positivo o dinheiro é uma norma jurídica. Dinheiro é norma jurídica que fixa uma unidade ideal, que quantifica relações de crédito e débito, como entende Nussbaum, e outros autores.
O dinheiro é um produto da criação humana, não existe na natureza, é tão pouco natural como a fala, como observou Aglieta, embora usemos o dinheiro como se ele sempre tivesse existido. Vivemos atrás do dinheiro, lutamos por dinheiro, litigamos por dinheiro nos tribunais do mundo. Mas, no fundo, o dinheiro é apenas um símbolo, algo que não tem vida própria, que simboliza outra coisa, que está no lugar de algo. Essa a função do símbolo: substituir o objeto representado.(Buitoni,1997,179 e seguintes)
Esse símbolo monetário, como existe hoje, vem do século XIX quando o Estado passa a emitir a moeda como monopólio, poder que antes se reconhecia a banqueiros, senhores feudais, ourives, monarcas, etc... O Estado moderno é o poder soberano que regula a emissão da moeda. O dinheiro passa a representar uma das facetas mais importantes do poder do Estado pois, através do controle do fluxo monetário, toda a economia do país pode ser regulada, políticas econômicas são fixadas, interferindo, diretamente, na vida dos cidadãos.
(...) Tudo passa a ser possível de ser quantificado em dinheiro, simbolicamente. O dinheiro vem assim substituir até valores morais, como pretendem alguns. Afinal, o que é o capitalismo senão o domínio hegemônico do dinheiro sobre todos os outros bens sociais?
O dinheiro já foi apontado como o símbolo da instituição e do pensamento moderno (Simmel,1987,548). Sem o dinheiro a modernidade não existiria. O dinheiro ajudou a superar a subjetividade da sociedade feudal, nos levou ao iluminismo, mas vem exagerando na sua função de monopolizar as relações sociais. Pela sua utilidade o dinheiro tornou-se a forma insubstituível de intermediação dos bens da sociedade. O que seria da sociedade atual sem o dinheiro? O velho Marx, já havia notado: “O dinheiro é a mercadoria geral, quanto mais não seja, por ser a forma geral que cada mercadoria particular assume ideal ou realmente.”(Marx,1983,241)
O Direito, consagrando e legalizando o uso do dinheiro, não pode se esquecer do seu simbolismo, de seu caráter ideal, que tem de ficar restrito a seu campo racional e lógico.
A idéia de justiça, de ética, de moral....não pode ser confundida, nem simbolizada pelo dinheiro, no desenvolvimento da vida jurídica. Há valores que não podem ser transformados em moeda, nem quantificados como tal. Os planos estético, ético e lógico são distintos na vida humana e devem ser tratados como campos normativos inconfundíveis e inconversíveis entre si. (...) BUITONI, 2006. p.03. Disponível em:<http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/esa1.2.3.1.asp?id_ noticias=66>. Acesso em: 20 mar. 2012.
[19] “(...) cabe indagar-se o que faria se o iogurte viesse mofado, se o sinal da TV a cabo deixasse de ser recebido por alguns dias, se o vôo atrasasse ou a bagagem se extraviasse, se o alarme da loja soasse porque a vendedora se esqueceu de remover o dispositivo anti-furto, se o quarto do hotel não estivesse reservado como solicitado, se o noivo desistisse do casamento? Em todas essas hipóteses – e em muitíssimas outras do mesmo jaez – juízes brasileiros, examinando casos concretos, tiveram ocasião de mandar indenizar, em quantias por vezes exorbitantes, as vítimas de tais espécies de danos. Com razão, afirmou-se que “se ninguém quer ter a sua dignidade colocada em dúvida, então é preciso parar com esse truque de ir dormir ofendido para acordar milionário”.
Não há dúvida que a configuração atual do dano extrapatrimonial tem ensejado substancioso incentivo à malícia, à má-fé, ao lucro fácil. (MOARES, 2006, p.242)
[20] ‘(...) parafraseando meu guru Alexandre Morais da Rosa, é assim:
"Com a devida vênia, não existem os danos reclamados, sendo que por ser muito fácil ingressar em juízo, acabamos chegando a situações como a presente de absoluto abuso do exercício do direito de ação."
(...) "A questão que se apresenta, todavia, é se no Brasil de extrema exclusão social (ALVARENGA, Lúcia Barros Freitas de. Direitos humanos, Dignidade e Erradicação da pobreza: Uma dimensão hermenêutica para a realização constitucional. Brasília: Brasília Jurídica, 1998), em que os recursos e meios para garantia do acesso à justiça são escassos (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001), justifica-se a aceitação de toda e qualquer demanda posta em Juízo?
“A resposta, antecipa-se, é negativa. Basicamente por dois motivos:
“a) Primeiro há uma nova compreensão do sujeito contemporâneo, naquilo que Charles Melman (MELMAN, Charles. O Homem sem Gravidade: gozar a qualquer preço. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003) denominou como "Nova Economia Psíquica", ou seja, desprovidos de referência gozar a qualquer preço passa a ser a palavra de ordem: "A decepção, hoje, é o dolo. Por uma singular inversão, o que se tornou virtual foi a realidade, a partir do momento em que é insatisfatória. O que fundava a realidade, sua marca, é que ela era insatisfatória e, então, sempre representativa da falta que a fundava como realidade. Essa falta é, doravante, relegada a puro acidente, a uma insuficiência momentânea, circunstancial, e é a imagem perfeita, outrora ideal, que se tornou realidade." (p. 37). E isto cobra um preço. Este preço reflete-se na nova maneira de satisfação de todas as vontades, principalmente com novas demandas judiciais. E o Poder Judiciário ao acolher esta reivindicação se põe à serviço do fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite. Passa a ser um gestor de acesso ao gozo. Se a realidade de exclusão causa insatisfação, se o outro olhou de maneira atravessada, não quis cuidar de mim, abandonou, coloca-se na condição de vítima e se reivindica reparação, muitas vezes moral. Sem custas, na lógica dos Juizados Especiais, a saber, sem pagar qualquer preço. Aliás, dano moral passou a ser band-aid para qualquer dissabor, frustração, da realidade, sem que a ferida seja cuidada. Pais que demandam indenização moral porque não podem ver os filhos, filhos que querem indenização moral porque os pais não os querem ver. Maridos e Mulheres que se separam e exigem dano moral pela destruição do sonho de felicidade. Demandas postas, acolhidas/rejeitadas, e trocadas por dinheiro, cuja função simbólica é sabida: pago para que não nos relacionemos. Enfim, o Poder Judiciário ocupa uma função reparatória, de conforto, como fala Melman: "O direito me parece, então, evoluir para o que seria agora, a mesmo título que a medicina dita de conforto, um direito 'de conforto'. Em outras palavras, se, doravante, para a medicina, trata-se de vir a reparar danos, por exemplo os devidos à idade ou ao sexo, trata-se, para o direito, de ser capaz de corrigir todas as insatisfações que podem encontrar expressão no nosso meio social. Aquele que é suscetível de experimentar uma insatisfação se vê ao mesmo tempo identificado com uma vítima, já que vai socialmente sofrer do que terá se tornado um prejuízo que o direito deveria – ou já teria devido –ser capaz de reparar." (p. 106). Para este sujeito que reivindica tudo histericamente é preciso dizer Não.
“ b) Segundo: pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custa, em média, mil reais. Sobre isto é preciso marcar alguma coisa. Por mais que discorde da base teórica lançada por Flávio Galdino (GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005), não se pode negar que o exercício do direito de demandar em Juízo "não nasce em árvore." O manejo de tal direito pressupõe um Poder Judiciário que dará movimentação ao pleito, com custos alarmantes e questões sociais sérias emperradas pela banalização do Direito de Ação. Nesta comarca de Itajaí, existem milhares de ações aguardando julgamento, para um número infinitamente insuficiente de Juízes.’ Em polêmica sentença, juiz de SC julga improcedente pedido de jogador que se sentiu ofendido em jogo virtual. Disponível em:< http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=82966>. Acesso em: 20 mar.2012.
[21] O alargamento da noção de dano ressarcível, todavia, veio ocorrendo de maneira avassaladora. Com efeito, fala-se hoje em dano ao projeto de vida, dano por nascimento indesejado, dano hedonístico, dano de mobbing, dano de mass media, dano de férias arruinadas, dano de morte em agonia, dano de brincadeiras cruéis, dano de descumprimento dos deveres conjugais, dano por abandono afetivo e assim por diante.
(...)A preocupação com o significativo incremento de hipóteses de dano extrapatrimonial, situação cognominada como a “indústria do dano moral”, não parece injustificada. Somente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o número de ações com pedidos desta natureza aumentou quase 200 vezes nos últimos 10 anos. 29 E isto evidentemente nem se compara com o crescimento exponencial ocorrido nos Juizados Especiais e na primeira instância. Não foi apenas o volume dos pedidos a inflacionar; o número de concessões e o seu valor sem qualquer
critério têm gerado, como consequências previsíveis, de um lado, a banalização do dano moral e, de outro, a mercantilização das relações extrapatrimoniais. (MORAES, 2006, p. 241)