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A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas

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3 – A ESPETACULARIZAÇÃO DO USO DE ALGEMAS

Não se pode negar a importância da algema como instrumento de contenção de criminosos. A utilização da algema impede a fuga do custodiado e viabiliza a persecução penal. Apesar de o Código de Processo Penal, em seu artigo 284, autorizar o uso da força em caso de resistência ou tentativa de fuga, configurando-se como exceção, o emprego de algemas pela Polícia tem se apresentado como regra.

As operações deflagradas pela Polícia Federal nos últimos anos realçam a sua imagem como verdadeiro braço do Estado no combate ao crime, ainda que não haja condenações. Não raro, tais operações têm suas imagens cedidas aos meios de comunicação ou são por eles captadas e acompanhadas, criando verdadeiro espetáculo da atividade estatal.

É importante lembrar que, em cada uma dessas novas operações, o país pôde acompanhar as imagens de pessoas de classe média e alta algemadas e acusadas de forma enfática. Nomes são citados e relacionados a esquemas, pessoas engravatadas são presas frente às câmeras. (...) Quando nos deparamos com imagens tão fortes de prisões, (...) fica difícil não pré-condenar aqueles que em tese estão envolvidos.[27]

Inegável o intuito dos meios de comunicação ao veicularem imagens de pessoas dos altos meios sociais, detidas e de algemas nos pulsos: mostrar que a impunidade não é a regra no Brasil, e que, pelo menos quanto à colocação de algemas, não há privilegio de uma classe social. 

Ao fazer uso deste instrumento de imobilização, a Polícia reforça seu poder e se mostra como um verdadeiro braço da justiça, em um país onde, historicamente, pessoas de classe alta supostamente não eram submetidas à prisão. O público, obviamente, aplaude as atuações. Mas o Judiciário, até o momento, tem tentado controlar estes excessos, permitindo, em alguns casos, a soltura de presos sob o fundamento da irregularidade das prisões.[28]

De fato, há espetacularização no emprego de algemas. Indivíduos são algemados e, na saída de suas casas ou das Delegacias de Polícia, são surpreendidos pelosflashes de câmeras fotográficas, vendo-se violados no seu direito à imagem. Quando se analisa a atuação do Estado, no exercício do Poder de Policia, há que se dirimir o conflito entre normas constitucionais, como apresenta Capez:

De um lado, deparamo-nos com o comando constitucional que determina ser a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos órgãos policiais (CF, art. 144); de outro lado, do Texto Constitucional emanam princípios de enorme magnitude para a estrutura democrática, tais como o da dignidade humana e presunção de inocência, os quais não podem ser sobrepujados quando o Estado exerce a atividade policial.[29]

O policial, assim como os demais agentes do Estado, deve respeitar os direitos e garantias fundamentais, não podendo ser tolerada a exposição gratuita da imagem de pessoas algemadas, como que para demonstrar o poder do Estado e atender a uma sede por justiça, bastante reivindicada pela sociedade.

A liberdade de informação não pode ser justificativa para apresentar como culpada uma pessoa que, sob a égide do Estado Democrático de Direito, é presumivelmente inocente. Mais uma vez, deve haver ponderação entre direitos; o direito à informação (do cidadão) e o direito à imagem (do custodiado). Mister se faz transcrever o texto da Constituição Federal.

Art. 5º (...)

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Do disposto na Carta Magna depreende-se que a liberdade de expressão e, por conseguinte, a liberdade de informação, não podem ultrapassar os limites daquilo que é permitido pela Constituição, de modo que tais liberdades não venham a suplantar direitos fundamentais, inerentes a todo homem.

A exploração da imagem de uma pessoa algemada, causando-lhe vexame público,“não viola apenas os direitos à personalidade, mas sim a própria dignidade da pessoa humana”[30], devendo os policiais, como agentes do Estado, evitarem a exposição desnecessária de pessoas detidas à imprensa, sem, no entanto, impedir o direito de informar exercido pelos veículos de comunicação. Deve-se entender a dignidade humana como limite à atividade punitiva Estatal.

O princípio da presunção de inocência significa que uma pessoa acusada será considerada inocente até que seja declarada culpada por sentença penal condenatória transitada em julgado (não pendente de qualquer recurso). A algema, ao ser empregada, não viola a presunção de inocência, visto que visa impedir que o detido inviabilize o ato prisional, funcionando como medida cautelar.

No entanto, as câmeras de tevê e os comentários dos jornalistas condenam o preso, rotulando-o como o culpado, através de cerimônias degradantes. Ainda que hajaindenizações pela exposição midiática vexatória e abusiva, os valores pagos

jamais terão o condão de apagar da vida dessas pessoas o gosto amargo deixado pela experiência de terem sido acusados sem julgamento, de terem sido estigmatizados numa cerimonia que provavelmente se configurou como a mais degradante de suas vidas.[31]

Os direitos à informação, bem como o de transmitir tal informação (liberdade de imprensa), são de extrema relevância em um Estado Democrático de Direito. Mas tais direitos não podem suplantar outros direitos, igualmente sagrados, como a presunção de inocência e o direito à imagem.

A imprensa hoje funciona como verdadeira formadora da opinião pública, podendo tanto condenar quanto absolver alguém[32], a depender do modo como trata certos assuntos. 

Os agentes da Segurança Pública, representantes do Estado, devem garantir os direitos anteriormente referidos, e não suplantá-los. A mídia tem-se encarregado de divulgar notícias ligadas à criminalidade, fazendo a população crer que o Direito Penal solucionará os problemas sociais, principalmente se “aplicado da forma mais dura possível”.[33]

A Polícia não pode, atendendo anseios da população e da mídia por justiça, tolher do custodiado seus direitos. Para que se atinja o Estado Democrático de Direito, tanto os agentes do Estado quanto os meios de comunicação em massa devem respeitar os direitos garantidos constitucionalmente.

3.1 –O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O USO DE ALGEMAS

O Direito Penal do Inimigo foi concebido pelo alemão Günther Jakobs. Segundo essa teoria, há dois “Direitos Penais”: um do “cidadão”, outro do “inimigo”. O primeiro destina-se aos que não representam, com suas condutas, perigo ao Estado. Já com relação àqueles que se afastaram permanentemente da Ordem Jurídica, o Estado age como que em uma guerra, despojando o inimigo dos direitos fundamentais a toda pessoa humana.

Jakobs considera como inimigos os terroristas e as associações terroristas. É preciso ressaltar que tal teoria ganhou força após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York, culminando com a Guerra ao Terror, capitaneada pelos Estados Unidos sob o governo de George W. Bush.[34]No Brasil, há reflexos do Direito Penal do Inimigo, sendo o discurso dessa teoria perpetrado pela imprensa, a qual se tornou “um show de horrores que, por mais que possamos repugná-lo, gostamos de assisti-lo diariamente”.[35]

No Brasil, ocupam o lugar dos terroristas os membros de organizações criminosas, as quais se sustentam através do tráfico de drogas ilícitas e dos crimes dela decorrentes (homicídios, sequestros, etc.), resultando em um custo social difícil de reparar. Assim, a população, “acuada, acredita sinceramente que o Direito Penal será a solução para todos os seus problemas”.[36]

Segundo a teoria de Jakobs, combate-se o inimigo por sua periculosidade, interceptando-o no estagio preparatório do crime[37],levando-se em conta a habitualidade das suas condutas, visando-se garantir ao cidadão, cumpridor de suas obrigações, o legítimo direito à segurança.[38]

Ao considerar que certos criminosos devem ter seus direitos fundamentais, principalmente aqueles ligados ao devido processo legal, restringidos, estar-se-ia infringindo a Constituição Federal, a qual prevê tratamento igualitário a todos, sem qualquer distinção, conforme o caputdo art. 5º da Carta Magna.

A imprensa, através de um discurso de descrédito às leis[39] e ao sistema judiciário, prega o recrudescimento das penas e do trato com os criminosos. A mídia costuma expor a imagem de pessoas algemadas, criando uma espécie de punição extraprocessual, que é a execração pública, passando à população a ideia de que o Direito Penal Máximo é a solução para a criminalidade galopante.

O inimigo é considerado como uma não-pessoa, pois segundo Jakobs “um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa.”[40]

Em verdade, taxar certos criminosos como “irrecuperáveis, (...), tratar o ser humano como um estranho à comunidade, é o máximo da insensatez a que pode chegar o Direito Penal.”[41](sic). Greco lembra que o próprio conceito de inimigo é inseguro[42], criando a hipótese de que,

quem sabe algum louco chegue ao poder e diga que inimigo também é aquele que não aceita a teoria do Direito Penal do Inimigo, e lá estarei eu sendo preso, sem qualquer direito ou garantia, em troca de um argumento vazio e desumano.[43] (sic)

Por mais que a supressão de garantias e a desconsideração dos direitos fundamentais dos criminosos pareça ser uma solução cômoda ao cidadão, deve-se ter em mente que o Direito Penal pode atuar sobre qualquer pessoa, ainda que algumas sejam mais suscetíveis à repressão Estatal que outras.

Os adeptos do Direito Penal do Inimigo consideram que o uso de algemas não pode ser restringido, devendo ser um instrumento de submissão do criminoso em relação ao Estado, independente do crime e desconsiderando importantes princípios do direito construídos ao longo da existência humana.

Em razão de seu caráter altamente repressor, o Direito Penal do Inimigo não pode prosperar em um Estado Democrático de Direito. Os atos do Poder Público que impliquem em restrição de direitos fundamentais (principalmente aqueles relativos à liberdade) não podem ser arbitrários, devendo qualquer restrição estar amparada pela razoabilidade ou proporcionalidade[44], que são princípios gerais do direito.

Assim sendo, o emprego de algemas deve ser realizado de modo excepcional, pois segundo Luiz Flávio Gomes:

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a força é possível quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga. Os meios devem ser os necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso, de algemas.[45](sic)

O agente do Estado, para empregar a força de acordo com o princípio da proporcionalidade, deve fazê-lo quando indispensável e quando o meio for necessário para vencer a resistência, devendo justificar o uso da força, pois qualquer “restrição que venha a incidir sobre a liberdade deve ser rigorosamente justificada e necessária”.[46]

Apesar de a população apoiar a repressão Estatal, o Judiciário, em especial os Tribunais Superiores, está afeito a uma aplicação do Direito com base nos princípios estabelecidos no Texto Constitucional, o que impede, em tese, que o Direito Penal do Inimigo prospere.

A proporcionalidade deve ser sempre observada na atuação do Estado quando do exercício do jus puniendi. O Direito Penal tem como marca o conflito entre a legitimidade de punir do Estado e os interesses do delinquente.[47] Em nome do direito de punir, não podem ser admitidos arbítrios ou violências por parte do Estado, tratando o criminoso como um inimigo que deve ser privado de seus direitos.

A vitória do Direito Penal do Inimigo implicaria na desconsideração de todas as conquistas da humanidade no que concerne aos direitos e garantias fundamentais.Seria estabelecido um verdadeiro Estado Penal, onde a reprimenda penal é vista como a solução dos problemas sociais.[48]

3.2 – AS ALGEMAS E OS “CRIMINOSOS DO COLARINHO BRANCO”

A mídia, como já foi escrito anteriormente, tem acompanhado prisões realizadas pelos órgãos policiais, tornando a prisão um verdadeiro espetáculo. As prisões realizadas, normalmente com o emprego de algemas, referem-se a todo tipo de criminoso, desde o traficante de drogas ao assaltante, até os “engravatados”, os “criminosos do colarinho branco”.

A expressão crime do colarinho branco (white-collar crime) foi cunhada por Edwin Sutherland no final da década de 1930[49]. São crimes cujas “consequências são tão gravosas como quaisquer condutas criminais. Algumas vezes até mais gravosas”.[50] Essas condutas são praticadas

porpessoas respeitáveis. Com elevado estatuto social. Ele é praticado no exercício da sua profissão, o que exclui todos os demais crimes que, embora realizados por aqueles agentes acima nomeados, relacionam-se com a sua vida privada.[51] (sic)

Os criminosos de colarinho brancopossuem um status que não lhes permite ser confundidos com criminosos comuns.[52] A resposta a tais criminosos deve ser diferenciada, sendo as penas mais pecuniárias que pessoais, pois enxerga-se uma “desnecessidade de uma ressocialização de tais delinquentes, pois não estão eles dessocializados”.[53](sic)

O crime do colarinho branco não envolve uma violência, mas produz consequências terríveis. Tem natureza econômica, tendo reflexos da mesma natureza na vida das pessoas. Ocorre que a população não sente os reflexos de tais crimes de forma direta, como em um roubo ou um furto; a violação da lei pelos criminosos de colarinho branco é complexa, sendo seus efeitos difusos.[54]

No cenário brasileiro, os crimes de colarinho branco são praticados por homens (notadamente políticos) que desviam as verbas públicas visando atender interesses particulares. Seus atos são atentatórios aos princípios da boa administração pública (notadamente a legalidade, a impessoalidade ea moralidade).

Apesar do apelo da imprensa pela punição aos crimes do colarinho branco no Brasil, os setores do Governo ligados àqueles que fizeram malversação da coisa pública demonstram conivência com tais condutas.

Feitas as considerações acerca do crime do colarinho branco, importa analisar se é legítimo algemar tais criminosos, à luz das disposições do CPP já abordadas.

Se um criminoso de colarinho branco tentar fugir, quando do cumprimento de mandado de prisão, ou de algum modo tentar reagir à prisão, legítimo é o uso das algemas, a fim de resguardar o preso, a sociedade e a equipe policial.

Do mesmo modo, quando do seu deslocamento da unidade prisional onde se encontre recolhido para o Fórum, as algemas poderão ser utilizadas, desde que se mostre necessário o seu uso.

Quando da sua presença frente ao juiz de direito, só poderá continuar algemado se o juiz motivar a necessidade do uso do apetrecho. Aplicam-se, assim, as mesmas regras da detenção, com algemas, de pessoas acusadas de outros crimes.

No entanto, a mídia, exercendo sua função de formadora da opinião pública, informa à população que o não uso de algemas em criminosos de colarinho branco trata-se de benefício odioso, devendo todos ser tratados com igualdade. Quando o uso de algemas não for necessário, bastando tão somente a presença intimidadora do policial, não há por que algemar.

Ocorre que a população tem visto, com relação aos crimes de colarinho branco, a conivência e a não punição desses crimes pelas autoridades. Deve ser salientado que, em tese,

a algema não se aplica a autores de crimes de colarinho branco (suas armas sempre foram dinheiro, assinaturas, maquiagens e contatos com autoridades bem-nascidas, nunca facas, pistolas ou assassinos) e nem tampouco, pelos mesmos motivos, a prisão. Mas por que se continua esperando que pessoas dessa nobre estirpe passem eventualmente pela prisão? Pelo mesmo motivo que se quer vê-las, por vezes, algemadas, pela função simbólica da igualdade de tratamento.[55]

Desse modo, a população exige que criminosos do colarinho branco sejam algemados em razão do efeito simbólico do ato de algemar. Mas restringir o direito de locomoção de uma pessoa sem que haja justificativa para isso, com o simples fim de exibi-la como troféu, é o máximo de insensatez a que se chega em um Estado Democrático de Direito. Como bem expressa Sandro Cesar Sell:

Nulas devem ser as restrições carentes de justificativa. E quais seriam os possíveis motivos para tal justificativa, no caso das algemas? Risco de lesão ou fuga daquele que foi apreendido ou risco de agressão aos envolvidos na captura e transporte do preso. Se não há tais motivos, algemar alguém seria nada menos do que um ato simbólico de humilhação, uma pena antecipada, e com caráter infamante, uma equiparação entre o capturado e um animal selvagem.[56]

Mais uma vez, necessário se faz questionar: por que pôr em algemas alguém que não oferece, em tese, risco a si próprio, à população ou à equipe policial se não estiver algemado?

Puro intento de humilhação? Puro espetáculo para a mídia sedenta por presos com algum colorido novo em relação à monotonia dos sempre os mesmos pobres re-capturados, nesse jogo de prende-solta-prende-foge do Estado brasileiro, que faz com que os policiais ocupem 80º% do seu tempo "re-prendendo" as mesmas pessoas? É difícil saber.[57]

Importante trazer as palavras de Rodrigo Carneiro Gomes:

A existência de tratamento diverso para autoridades públicas quebra o princípio da isonomia ao vedar o uso de algemas em ministros de Estado, governadores e outros, sem ressalvar o cumprimento de mandados de prisão, a periculosidade, a possibilidade de porte de arma, a exaltação de ânimos e a necessidade de imobilização sem recurso à força. É agravada a sensação de impunidade, discriminação e favorecimento que existe no Brasil, detentor do título de país com pior distribuição de renda do mundo, ao lado de Serra Leoa. É desvirtuada a finalidade de algemas: imobilização do conduzido, preso ou condenado.[58]

A Operação Satiagraha, da Polícia Federal, visou à apuração dos crimes de corrupção, desvio de verbas públicas e lavagem de dinheiro, resultando na prisão de pessoas de grande projeção social.[59]

Nessa operação, asprisões de Celso Pitta, NajiNahas e Daniel Dantas com algemas, bem como outros fatos ocorridos no decorrer da operação, acabou gerando uma crise institucional entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a própria Polícia Federal, principalmente quando Gilmar Mendes, então presidente do STF, concedeu a Daniel Dantas um habeas corpus.[60]

A concessão do Habeas Corpus ocorreu em 09 de julho de 2008, com o fundamento de constrangimento ilegal. Dantas foi preso novamente no dia 10 de julho, tendo sido novamente libertado por decisão de Gilmar Mendes, no dia 11 de julho[61].As decisões de Mendes foram tomadas nos autos do Habeas Corpus (HC)nº 95.009/SP.

Mesmo que suas decisões no caso não tivessem como fundamento a exposição do acusado algemado, o então Presidente do STF, Gilmar Mendes, “reclamou da "espetacularização" da PF e do uso de algemas em quem não oferecia perigo aos agentes”.[62]

Ainda no mês de julho de 2008, advogados do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, investigado por crimes contra a ordem econômica, chamaram a atenção da imprensa ao impetrarem habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), buscando garantir que seu cliente, que se encontrava no Principado de Mônaco, não sofresse assédio da imprensa, nem que fosse detido com algemas. A liminar foi concedida e Cacciola chegou ao Brasil sem algemas.[63]

Importante trazer à colação parte da decisão proferidapelo Ministro Humberto Gomes de Barros, do STJ, relator doHC nº 111.112/DF, que impediu que Cacciola fosse algemado, tendo como um de seus argumentos a idade avançada do ex-banqueiro:

No caso, o extraditando, ora paciente, é cidadão idoso (64 anos) que, ao que tudo indica, não pode oferecer resistência aos policiais federais componentes da comitiva responsável pela escolta. Defiro a liminar para impedir o uso de algemas no paciente e para garantir à defesa o direito de comunicar-se, pessoal e reservadamente, com o paciente a partir do desembarque em solo nacional.

Entendeu-se também que o uso de algemas em Cacciola não seria legítimo, pois serviria como instrumento de constrangimento do acusado.

Para o ministro Humberto Gomes de Barros, o uso de algemas é legítimo dentro da finalidade de garantir o cumprimento de diligência policial ou de preservar a segurança do preso, de terceiros e das autoridades policiais. No entanto, entende, não pode ocorrer "como instrumento de constrangimento abusivo à integridade física ou moral do preso".[64]

A Súmula Vinculante nº 11, do STF, surgiu nesse turbilhão de acontecimentos, mesmo que sua edição, em 13 de agosto de 2008, não tenha se dado em face desses casos específicos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta quarta-feira (13), por unanimidade, a súmula vinculante que irá regular o uso de algemas no país. A medida proíbe a utilização das algemas durante operações policiais e julgamentos.

A regra terá que ser respeitada tanto por juizes quanto pelas polícias. Segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes, a súmula vinculante vale para qualquer ação que envolva o uso de algemas. A exceção fica somente para casos específicos, em que um suspeito represente risco à sociedade.[65] (sic)

Ainda assim,a referida súmula foi “apelidada” de “Cacciola-Dantas” por Juízes Federais, tendo em vista as decisões proferidas pelo STF e STJ com relação a Daniel Dantas e Salvatore Cacciola, respectivamente, o que, no entendimento dos juízes, motivou a edição da súmula.[66] Da Súmula Vinculante nº 11 se cuidará no capítulo seguinte.

Seja com relação a criminosos comuns, seja com relação a criminosos de colarinho branco, a lei deve ser aplicada com igualdade. As algemas devem, assim, ser empregadas quando houver receio de que o preso, independentede seu status social, tente fugir ou resista à prisão, cabendo também quando for o meio necessário para proteger o próprio preso, a sociedade ou a equipe policial, destinando-se também a conter terceiros que busquem frustrar o ato prisional.

O que não pode haver é a espetacularização do uso de algemas, com a exibição do preso como que fosse um troféu ou um animal de caça. A mídia deve evitar esse tipo de exibição, e a autoridade policial deve resguardar a imagem daquele que se encontra sob sua custodia, independente do status social do preso, a fim de respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Sobre o autor
Vinícius Corrêa de Siqueira Gomes

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Vinícius Corrêa Siqueira. A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22092. Acesso em: 26 dez. 2024.

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