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A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas

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4–A SÚMULA VINCULANTE Nº 11

Antes de adentrar especificamente na Súmula Vinculante nº11, faz-se necessário explicar a origem desta figura jurídica no ordenamento jurídico brasileiro.

A disciplina da Súmula Vinculante foi introduzida na Constituição Federal de 1988 (CF) por meio da Emenda Constitucional (EC) 45/2004. Foi acrescentado ao texto constitucional, desta forma, o art. 103-A, cujo caput prevê o seguinte:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

A edição de súmula vinculante é exclusiva do STF, devendo o conteúdo da súmula ser obedecido pelos demais órgãos do Judiciário, bem como pelos entes da administração pública. Uma súmula vinculante pode ser revisada, podendo ser eventualmente cancelada. Tanto a revisão quanto o cancelamento devem ser feitos pelo STF.

Importante trazer à colação os parágrafos do art. 103-A:

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

A instituição da súmula vinculante objetivou a diminuição no número de processos, visto que, como a determinação do Supremo deve ser seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário, não haveria divergência nos casos abrangidos pela súmula, pois já haveria, em tese, pacificação datemática.

Podem provocar o STF para aprovação, revisão e cancelamento de súmula vinculante:o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, conforme o art. 103 da CF.

Quando um ato administrativo ou uma decisão judicial contrarie a aplicação de súmula vinculante, ou aplique a mesma de forma indevida, é cabível reclamação perante o STF.

A instituição da súmula vinculante é justificada, pois:

O crescimento geométrico das demandas fez com que a edição de súmulas, que vinha prestando notável serviço ao Judiciário, não fosse o bastante para resolver o infindável acúmulo de processos. Daí a necessidade de atribuir caráter vinculativo à súmula, ao menos para os tribunais e a Administração Pública, como medida de política judiciária, a fim de diminuir o número de demandas em curso nos tribunais (...).[67]

Feitas as considerações acerca do instituto da súmula vinculante, importa tratar, agora, da Súmula Vinculante nº 11, cujo texto aprovado é o seguinte:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo àintegridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada aexcepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ouda autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Nos início dos debates que levaram à aprovação da Súmula Vinculante nº 11, o Ministro Marco Aurélio de Melo observou que “a utilização de algemas é sempre excepcional, sendo o último recurso diante da possibilidade real de fuga e da periculosidade do agente”.[68] O Ministro ponderou também que o enunciado que estava sendo submetido a debates não deveria suscitar “dúvidas que a utilização de algemas é exceção”.[69]

A Súmula Vinculante deveria, assim, garantir uma condução segura do cidadão quando este fosse detido, respeitando-se sua integridade física e moral, bem como sua dignidade, tudo de acordo com a Constituição Federal de 1988.

Discorrendo sobre os fundamentos para que haja o algemamento, ponderou o Ministro Cezar Peluso:

Não basta o mero receio, pois qualquer um pode tê-lo; é preciso que haja algum fundamento para tanto, como, por exemplo, na detenção de um velho que não consegue andar, pode haver até o receio de fuga, mas ele não é fundado. Ou de perigo à integridade física própria, isto é, do próprio custodiado, ou alheia, por parte do custodiado.[70]

Assim, ficou estabelecido, com a súmula, que as algemas somente podem ser utilizadas quando houver resistência à prisão, fundado receio de fuga ou quando houver perigo à integridade física do preso ou de terceiros. Assim sendo, as algemas servem como garantia ao próprio preso, e não só à polícia e a sociedade.

O Ministro Menezes Direito, levando em consideração que, na prática, apesar da edição da súmula, haveria discricionariedadeno uso de algemas, temiaque:

diante deuma decisão tomada à unanimidade da Corte Suprema do país, um delegado da Polícia Federal, pura e simplesmente, desqualifique essa decisão do Supremo, entendendo que é normal o uso de algemas, que depende do uso de algemas em uma situação de fato.[71]

Com essa observação, foi acrescentada ao verbete da Súmula Vinculante a possibilidade de responsabilização da autoridade ou do agente estatal nas esferas disciplinar, penal e civil, visando garantir a obediência ao que foi decidido pelo Supremo.

A discricionariedade não pode ser confundida, entretanto, com a arbitrariedade. Importa trazer à colação a distinção feita por Hely Lopes Meirelles:

Discricionariedade é a liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionário, quando se atém aos critérios legais, é legítimo eválido; o ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido; nulo, portanto.[72]

O entendimento dos ministros foi de que o uso de algemas é excepcional, conforme as palavras do Ministro Carlos Britto:

E não há dúvida de que o uso das algemas exacerba o estado deprivação da liberdade com conseqüências de ordem física e de ordem moral. Não podemos, porém, perder de vista, sobretudo quando a prisão se dá em flagrante, que num contexto de segurança pública os agentespoliciais não podem perder jamais o que se poderia chamar de prudentearbítrio para saber se a situação é exigente ou não da quebra dessaexcepcionalidade, mas sempre no pressuposto de que o uso das algemas é excepcional.[73] (sic).

Decidiu-se, também, dotar esta e todas as demais súmulas vinculantes, de efeito impeditivo de recurso, após manifestação do Ministro Menezes Direito.

Creio oportuno, até, compreendermos que assúmulas vinculantes, de uma maneira geral, abrangem também o efeitoimpeditivo de recurso (...)

Não hásentido termos uma súmula de efeito vinculante e deixarmos os recursoscontinuarem a subir, inclusive os agravos contra os despachos denegatórios de recursos. Fica bem assentada essa formulação.[74]

Isto significa que decisões de 1ª instância tomadas em conformidade com a súmula vinculante não poderão ser objeto de recurso, fazendo-se prevalecer o entendimento do Supremo sobre a matéria.

Parte da polêmica da súmula deveu-se à possibilidade de anulação da prisão ou do ato processual que a originar. Sendo as algemas utilizadas em situações não abrangidas pela súmula e não havendo justificativa, por escrito, para seu uso, seria a prisão anulada. 

A anulação da prisão é providência drástica prevista pela Súmula. Não existe dúvida de que se deve responsabilizar o policial, tanto nas searas cível, criminal e administrativa, quando da utilização indevida de algemas. O Supremo, com a edição da Súmula Vinculante nº 11, primou pelos direitos individuais, atendendo aos anseios de quem tem sua liberdade cerceada pelo Estado[75]; mas será que atendeu também ao resto da sociedade, que deve ser protegida dos criminosos?

Com a edição da Súmula Vinculante nº 11, será que não se confundiu a imagem da pessoa algemada com o próprio ato de algemar?[76] Em nome de interesses privados é legítimo inviabilizar a persecução penal, quando a prisão é o melhor meio de assegurar a jurisdição criminal?

Quanto à anulação do ato prisional em razão do emprego de algemas, escreveu Eugênio Pacelli:

O uso irregular de algemas não pode se prestar a anular o ato prisional de flagrante, por exemplo,e nem o cumprimento de prisão preventiva, já que não se relaciona com o conteúdo normativo dos aludidos atos (necessidade da prisão cautelar). Pode e deve gerar consequências administrativas, civis e até mesmo penais, no ponto em que se referem a violações do direito material (integridade física, imagem, dignidade humana etc.); mas a anulação do processo ou do procedimento no curso dos quais ele (ato prisional) se realiza não se justifica a não ser enquanto pedagogia supralegal dos poderes públicos. Se o preso for agredido nas dependências de qualquer delegacia haverá também nulidade da prisão?[77](sic)

O Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, ao ser chamado para opinar sobre a edição da Súmula Vinculante,

manifestou a sua preocupação com o efeito prático da súmula sobre a autoridade policial, no ato da prisão, ou seja, que a súmula possa vir a servir como elemento desestabilizador do trabalho da polícia. O procurador-geral lembrou que, muitas vezes, um agente policial tem de prender, sozinho, um criminoso, correndo risco. Lembrou, também, que é interesse do Estado conter a criminalidade e disse que, para isso, é necessário utilizar a força, quando necessário.[78]

Considerando que o ato de prender é perigoso para o policial, o Ministro Cezar Peluso observou que:

a interpretação dos casos concretos deve ser feita sempre em favor do agente e da autoridade do Estado. Isto é, só vamos reconhecer ilícito, quando este fique claro, como caso em que se aplicam as algemas sem nenhum risco, com o só propósito de expor o preso à execração pública, ou de lhe impor, longe do público, constrangimento absolutamente desnecessário.[79]

O Ministro Gilmar Mendes, após as considerações do Ministro Cezar Peluso, expôs da seguinte forma a questão:

Na verdade, quando estamos a falar hoje desta questão da algema, na prática brasileira, estamos a falar da aposição da algema para os fins de exposição pública, que foi objeto inclusive de considerações específicas no voto do Ministro Marco Aurélio. De modo que é preciso que estejamos atentos. Certamente temos encontro marcado também com esse tema. A Corte jamais validou esse tipo de prática, esse tipo de exposição que é uma forma de atentado também à dignidade da pessoa humana. A exposição de presos viola a idéia de presunção de inocência, viola a idéia de dignidade da pessoa humana, mas vamos ter oportunidade, certamente, de falar sobreisto.

Neste caso específico, a aplicação da algema já é feita com o objetivo de violar claramente esses princípios. Em geral, já tive a oportunidade de dizer, algemar significa expor alguém na televisão nesta condição, ou prender significa hoje algemar e colocar alguém na televisão. De modo que é esta a questão que precisa ser de fato enfatizada, e ao Ministério Público incumbe a missão também de zelar pelos direitos humanos. É fundamental que ele coarcte essas ações, inclusive propondo os inquéritos devidos, as ações penais de responsabilidade, se for o caso.[80]

Quanto à exigência de justificativa para o uso excepcional das algemas, esta pode ser feita no auto de prisão em flagrante, onde o condutor explica o motivo pelo qual algemou o conduzido. Do mesmo modo, em atas de audiência o juiz justificará a presença do réu algemado, principalmente quando em audiências no Tribunal Popular do Júri. Há que se entender que o uso de algemas deve ser excepcional.

Se tais exigências para a utilização das algemas serão levadas a efeito pelos órgãos policiais e pelo Poder Judiciário, apenas o tempo poderá determinar se a manifestação do Supremoteve força prática. Até lá, os eventuais excessos praticados por policiais e autoridades judiciárias devem ser punidos, garantindo-se o princípio da presunção de inocência e a integridade do preso, mas sem tornar inviável a atuação do Estado na repressão ao crime, seja nas esferas policial ou judicial.

A aprovação da Súmula Vinculante nº11 foi unânime entre os Ministros do STF. Apesar de não ter havido um processo legislativo, criou-se um balizamento para o uso de algemas, autorizando a autoridade policial a algemar nas situações descritas na Súmula, sempre justificando, por escrito, tal medida. A edição da súmula foi motivada, principalmente, após uma decisão tomada em sede de habeas corpus (HC 91952). Esta decisão e os demais precedentes da súmula serão analisados em segmento próprio no presente estudo.

4.1 – PRECEDENTES DA SÚMULA VINCULANTE Nº11

Um dos requisitos para a edição de uma súmula vinculante, como acima analisado, é a existência de reiteradas decisões sobre a matéria a ser sumulada. Isso “lhes dá o caráter de jurisprudência, e não de lei”[81].

O primeiro dos precedentes utilizados para a edição da súmula foi o Recurso em Habeas Corpus(RHC) nº 56.465, julgado em 05/09/1978, ainda na época do Regime Militar.

Relatado pelo Ministro Cordeiro Guerra, da 2ª Turma do STF, o recurso teve a seguinte ementa, verbis:

NÃO CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O USO DE ALGEMAS POR PARTE DO ACUSADO, DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, SE NECESSÁRIO À ORDEM DOS TRABALHOS E À SEGURANÇA DAS TESTEMUNHAS E COMO MEIO DE PREVENIR A FUGA DO PRESO. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO COMPROVADA. RHC IMPROVIDO.

De acordo com o relatório, o recorrente se fez passar por despachante, tendo recebido certa quantia para proceder com a revalidação de exames exigidos à habilitação para dirigir, falsificando tal documentação e entregando-a. O uso de algemas no acusado durante a audiência foi devidamente justificado, conforme o Relatório.

Em seu voto, o Min. Cordeiro Guerra considerou que, quando para preservar a segurança das testemunhas e evitar a fuga do preso, não constitui constrangimento ilegal o uso de algemas, competindo ao Juiz instrutor acondução dos trabalhos e a disciplina nas audiências, garantindo-se a ordem e o respeito à Justiça, sendo o uso das algemas, para esses fins, legítimo.

O segundo precedente da súmula foi o Habeas Corpus (HC) nº 71.195, julgado em 25/10/1994, tendo como relator o Min. Francisco Rezek, da Segunda Turma do STF. Sua ementa foi a seguinte, verbis:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. PROTESTO POR NOVO JÚRI. PENA INFERIOR A VINTE ANOS. UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS NO JULGAMENTO. MEDIDA JUSTIFICADA.

(...)

II - O uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido.

Tal julgado demonstra a manutenção, no STF, do entendimento de que o uso de algemas no acusado, quando do seu comparecimento em audiência, é legítimo, desde que para assegurar a segurança dos presentes e preservar a ordem dos trabalhos.

No relatório desse julgado, no tocante à decisão recorrida, informa-se que oréupretendiaagredir o juiz-presidente e o promotor, não tendo o defensor se manifestado contrariamente quanto à utilização de algemas, considerando que os jurados não seriam influenciados pela imagem do réu algemado.

A mudança de entendimento viria no julgamento do HC nº 89.429/RO, julgado em 22/08/2006, relatado pela Min. Carmen Lúcia, cuja ementa se lê abaixo:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES.

1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

2. Habeas corpus concedido.

A finalidade da impetração do habeas corpus, de acordo com o relatório,era a de que o paciente, Conselheiro Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, não fosse algemado nem exposto às câmeras de televisão. O paciente já havia sido preso em sua residência, tendo sido algemado e exposto, nesta condição, à imprensa.

O voto da Ministra Carmen Lúcia é bastante didático, pois traça a evolução legislativa no que se refere ao uso de instrumentos de contenção, discorrendo também sobre o caráter da prisão como espetáculo midiático.

A Ministra Carmen Lúcia fixou o entendimento de que

(...) o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.

Em seu voto, o Ministro Carlos Britto ressaltou que o direito de não ser submetido a tratamento humilhante e infamante decorre da condição de pessoa humana, e não do status de membro do Tribunal de Contas.

O habeas corpus foi concedido à unanimidade, tendo sido decidido que o paciente não poderia ser algemado, senão quando houvesse reação violenta de sua parte, devidamente justificado o algemamento pela autoridade.

O último precedente da Súmula Vinculante nº 11 foi o HC 91.952/SP, julgado em 07/08/2008, relatado pelo Min. Marco Aurélio, sendo sua ementa a seguinte:

ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou risco concreto de fuga.

JULGAMENTO - ACUSADO ALGEMADO - TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à defesa a manutenção do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o fato na insubsistência do veredicto condenatório.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do relator, deferiu a ordem de habeas corpus.

Neste julgado, anulou-se decisãodo Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista (SP) que condenou o paciente, sendo determinado, pelo Supremo, que fosse realizado novo julgamento no Júri, sem colocação de algemas. O argumento para a concessão do habeas corpusfoi o de que a imagem do réu algemado influenciou o corpo de jurados em sua decisão. O Min. Marco Aurélio, em seu voto, observou que:

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A ausência de norma expressa prevendo a retirada das algemas durante o julgamento não conduz à possibilidade de manter o acusado em estado de submissão ímpar, incapaz de movimentar os braços e as mãos, em situação a revelá-lo não um ser humano que pode haver claudicado na arte de proceder em sociedade, mas uma verdadeira fera.

No julgamento do Júri, o advogado do réu manifestou-se no sentido de que a presença do réu algemado influenciaria os jurados emseu veredicto. O uso das algemas, no caso,foi justificado pela falta de aparato policial na audiência (apenas dois policiais civis faziam a segurança).

O Min. Marco Aurélio considerou que não havia dados concretos,como a periculosidade, que justificassem o algemamento do réu. Entendeu-se também que a deficiência do Estado em fornecer segurança não justificaria, por si só, o desrespeito à dignidade do custodiado.

No julgamento deste Habeas Corpus, decidiu-se pela edição de uma súmula com efeitos vinculantes, estabelecendo-se, assim, o entendimento de que o uso de algemas é excepcional. Da edição da Súmula Vinculante nº 11 já se tratou em linhas anteriores, devendo-se tratar, agora, da repercussão deste verbete nas jurisprudências doSTJ, dos TRFs e do próprio STF.

4.2 – JURISPRUDÊNCIAS DO STJ E TRFsAPÓS A SÚMULA

Todos os órgãos do Poder Judiciário, assim como os órgãos da administração pública,devem seguir o entendimento do STF materializado em uma Súmula Vinculante. Os julgados apresentados nas linhas abaixo apresentam o panorama jurisprudencial após a aprovação da súmula, primeiramente no STJ e, após, nos Tribunais Regionais Federais (TRFs).

No Recurso Especial (REsp) 1.125.799/RS, de relatoria do Min. Herman Benjamin, julgado em 01/12/2009, era pleiteada a responsabilização civil do Estado por possível dano moral provocado por policiais ao fazerem uso das algemas.

Entendeu-se que, havendo grande quantidade de detidos, justifica-se o uso de algemas, a fim de garantir que reações inesperadas não ocorram, ainda que não tenha havido resistência, não sendo possível responsabilizar o Estado na seara cível. Abaixo, segue a ementa do julgado, verbis:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. USO DE ALGEMAS. SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. HIPÓTESES DE CABIMENTO.

1. O STF, ao editar a Súmula Vinculante nº 11, firmou a compreensão de que o uso de algemas, por se tratar de medida coercitiva excepcional, é restrita aos casos de a) resistência à prisão, b)fundado receio de fuga ou c)perigo à integridade física do preso e/ou de terceiros, sob pena de responsabilização civil, disciplinar e penal do agente público coator, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

2. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que a utilização de algemas, restrita ao interior das viaturas policiais, decorreu da quantidade elevada de indivíduos transportados em automóveis desprovidos de mecanismo de segurança, o que ameaçaria a integridade física de seus ocupantes.

3. Recurso Especial não provido.

Em sentido contrário foi o REsp nº 617.131/MG, julgado em 18/12/2008 e relatado pelo mesmo Ministro Herman Benjamin. Ressalte-se que o recurso foi provido não em razão do uso indevido de algemas, maspara fixar indenização a ser paga aos pais de dois jovens assassinados que encontravam-se sob custódia da polícia. Segue abaixo a ementa, verbis:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL. JOVENS ASSASSINADOS ENQUANTO SE ENCONTRAVAM SOB CUSTÓDIA DA POLÍCIA MILITAR. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA EXORBITÂNCIA OU IRRISORIEDADE DO VALOR.

1. Ação de indenização movida pelos genitores de dois rapazes de 18 anos que, presos sem flagrante ou ordem judicial em ponto de ônibus perto de suas casas, foram ilegalmente mantidos sob custódia da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e, logo em seguida, brutalmente assassinados.

2.  Na hipótese dos autos, os agentes públicos prenderam os jovens sem justa causa, fazendo uso de algemas e de violência física, deixando de comunicar a prisão à família, ao Conselho Tutelar e à autoridade judicial competente. As vítimas, no dia seguinte, apareceram mortas com disparos de arma de fogo na cabeça.

3. A indenização por dano moral não é preço matemático, mas compensação parcial, aproximativa, pela dor injustamente provocada. In casu, é mecanismo que visa a minorar o sofrimento da família, diante do drama psicológico da perda afetiva e humilhação social à qual foi submetida, na dupla condição de parente e cidadão. Objetiva também dissuadir condutas assemelhadas, seja pelos responsáveis diretos, seja por terceiros que estejam em condição de praticá-las futuramente.

4. O montante indenizatório dos danos morais fixado pelas instâncias ordinárias está sujeito a excepcional controle pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se revelar exorbitante ou irrisório. Precedentes do STJ.

5. O juiz sentenciante fixou a quantia de 100 (cem) salários mínimos para os pais a título de indenização pelo morte de cada filho. O Tribunal de origem majorou o valor para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

6. Caracterizada, aqui, a especial gravidade dos fatos e de suas trágicas conseqüências, decorrência da atuação violenta e criminosa de agentes do Estado, pagos pelo contribuinte para defender a sociedade, e não para aterrorizá-la.

7. Considerando as extraordinárias peculiaridades da demanda, o Recurso Especial deve ser provido a fim de majorar o quantum indenizatório, na forma do pedido, em 250 (duzentos e cinqüenta) salários mínimos para os pais de cada menor assassinado, de maneira a adaptar o julgado à recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

8. Recurso Especial provido.

Crianças e adolescentes infratores podem ser algemados, desde que presentes, no caso concreto, os mesmo requisitos para o algemamento (fundado receio de fuga, resistência e perigo à integridade do apreendido ou daqueles que o circundam no momento da apreensão) previstos para infratores adultos.[82]

Deve ser observado também o disposto no artigo 178 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990)[83], que proíbe o transporte de adolescente em compartimento fechado de viatura.

A respeito da utilização de algemas em adolescentes infratores, a Quinta Turma do STJ decidiu,no HC nº 140.982/RJ, julgado em 19/11/2009e relatado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, que é cabível o uso de algemas, conforme a ementa do julgado, verbis:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONALEQUIPARADO A HOMICÍDIO QUALIFICADO PRATICADO PARA IMPLEMENTAÇÃO DOTRÁFICO DE DROGAS NO LOCAL DO FATO. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO DEDECLARAÇÃO DANULIDADE DA AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO EM RAZÃO DO USO

DE ALGEMAS PELO MENOR. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 11DO STF. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ALTA PERICULOSIDADE DOREPRESENTADO. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEMDENEGADA.

1.   A excepcionalidade do uso de algemas, consignada principalmente na Súmula Vinculante 11 do STF - que dispõe que só é lícito o uso dealgemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou deperigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso oude terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito - não obstao seu emprego se demonstrada, por decisão fundamentada, anecessidade de serem precavidos os riscos antevistos no próprioenunciado sumular.

2.   Na hipótese, a premência no uso do referido instrumento de jugofoi irrepreensivelmente declinada pelo Juiz condutor da audiência deapresentação ao esclarecer que o menor em questão possui alto graude periculosidade, entrevisto pelo seu profundo envolvimento com otráfico de drogas e pela forma de execução do ato sob investigação,caracterizado por desmedida violência, uma vez que teria promovido amorte de morador que se opôs à instalação da sede do tráfico em suaresidência, alvejando-a com vários tiros e jogando seu corpo em umalixeira e acertando sua cabeçacom uma pedra.

3.   Parecer ministerial pela denegação da ordem.

4.   Ordem denegada.

No Recurso em Habeas Corpus (RHC) nº 25.475/SP, julgado em 16/09/2010e relatado pelo Min. Jorge Mussi, cuidava-se do crime de latrocínio. O recorrente havia sido conduzido à delegacia para ajudar na apuração dos fatos, tendo lá confessado a prática do ilícito. Observe-se que os fatos ocorreram antes da aprovação da súmula.

UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS DURANTE O INTERROGATÓRIO POLICIAL. ALEGAÇÃO DEVIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 11. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTOILEGAL.

1. O recorrente, após ter sido conduzido à delegacia, lá confessouinformalmente a prática do delito em apuração, sendo que, diante detal situação, a autoridade policial representou pela sua prisãotemporária, tendo ele sido algemado até que houvesse algumadefinição no tocante à sua segregação.

2. Desse modo, mostrou-se correta a atuação da polícia, até mesmoporque diante da presença da esposa da vítima e de outrastestemunhas do crime no distrito policial, a manutenção dorecorrente livre e sem algemas, mesmo depois de ter confessado aautoria do delito, poderia causar riscos à incolumidade física detodos aqueles que lá se encontravam.

3. Não incide à espécie o disposto na Súmula Vinculante 11, aprovadapela Suprema Corte na Sessão Plenária de 13.08.2008, uma vez que osfatos se deram mais de um ano antes da edição do referido verbetesumular.

4. Ainda que a utilização de algemas repercuta diretamente naliberdade individual, tem-se que a matéria veiculada na SúmulaVinculante 11 é estritamente processual, pelo que somente seriaaplicável às situações em curso após a sua edição, permanecendoválidos os atos realizados antes da sua vigência.

Neste julgado, entendeu-se que a Súmula Vinculante nº 11 é aplicávelapenas aos fatos posteriores à sua edição. Se fosse admitida a retroatividade da súmula, de acordo com o voto do Min. Jorge Mussi“inúmerascondenações e prisões teriam que ser anuladas, o que, por certo, não foi o objetivodo Supremo Tribunal Federal ao tratar do assunto em verbete vinculante.”

No Habeas Corpus(HC)nº 114.266/ES, julgado em 28/09/2010 e relatadopelo Min. Og Fernandes,entendeu-se que não houve constrangimento ilegal no uso de algemas no plenário do Tribunal do Júri, não podendo inferir-se que o uso do instrumento influenciou os jurados, como se vê na Ementa abaixo. 

HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. USO DE ALGEMAS EM PLENÁRIO. MEDIDA DEVIDAMENTE JUSTIFICADA. ALEGAÇÃO DE QUE A MEDIDA EXCEPCIONAL CAUSOU PERPLEXIDADE NOS JURADOS. NÃO COMPROVAÇÃO.

1. Inexiste constrangimento ilegal quando o uso de algemas em Plenário do Júri é devidamente justificado (perigo à integridade física própria ou alheia).

2. É inviável, em sede de habeas corpus, a análise dos fatos ocorridos em Plenário (não consignados em ata) para se verificar se a permanência do réu algemado causou alguma perplexidade nos jurados.

3. Ordem denegada.

No RHC nº 28292/BA, julgado em 18/08/2011 pela Sexta Turma do STJ, tendo sido relatado pelo Min. Og Fernandes, não foi dado provimentoao recurso, entendendo-se que a utilização de algemas foi necessária, sendo justificada em razão da violência que poderia ser perpetrada pelo paciente.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO(TENTATIVA). PRISÃO PREVENTIVA. ALUSÃO À PERICULOSIDADE EXTREMADA DORECORRENTE, EM RAZÃO DA DESMEDIDA VIOLÊNCIA EMPREGADA. MODUSOPERANDI QUE EVIDENCIA A PERICULOSIDADE SOCIAL DO ACUSADO. AMEAÇA OSTENSIVA A TESTEMUNHAS. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. FUNDAMENTAÇÃOIDÔNEA. NULIDADES PROCESSUAIS. INEXISTÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.AUSÊNCIA.

1. Nos feitos de competência do júri, as nulidades ocorridas naprimeira fase do procedimento bifásico devem ser apontadas nomomento oportuno, consoante dicção do art. 571, I, do CPP, sob penade incidência da preclusão.

2. Consoante iterativa jurisprudência, não se proclama nulidade sema demonstração do efetivo prejuízo suportado (pas de nullitésansgrief).

3. Inexiste violação à Súmula Vinculante nº 11 quando o uso de algemas foi devidamente justificado.

4. Na hipótese, houve alusão à desmedida e ostensiva violênciaperpetrada pelo autor, mas também pelo fato de ser ele professor deartes marciais ("faixa preta de karatê e faixa marrom deJiu-Jitsu"). Assim, mostra-se necessário o emprego das algemas a fimde imobilizar o paciente e preservar a integridade física dosagentes envolvidos na sua captura.

5. Por força do princípio constitucional da presunção de inocência,as prisões de natureza cautelar - assim entendidas as que antecedemo trânsito em julgado da decisão condenatória - são medidas deíndole excepcional, as quais somente podem ser decretadas (oumantidas) caso venham acompanhadas de efetiva fundamentação.

6. No caso presente, vê-se que foi apontada expressamente aintimidação a testemunhas, circunstância que autoriza a manutençãoda prisão, a fim de viabilizar a escorreita instrução criminal.

7. Não bastasse isso, a forma em que cometido o delito (modusoperandi), com emprego de desmedida violência e o fato de orecorrente permanecer foragido também justificam a segregação.

8. Recurso a que se nega provimento, com a recomendação de que seadotem providências no sentido de agilizar a realização dojulgamento.

No HCnº 154.698/SP, julgado em 08/11/2011, os impetrantes argumentaram que o paciente ficou algemado desnecessariamente durante toda a realização da sessão de julgamento perante o Tribunal do Júri, pois não havia risco à segurança dos presentes.

Como o habeas corpus tem rito sumário, não há fase instrutória para produção de provas. Estas devem ser apresentadas no ato da impetração através de documentos. Porém, não foram apresentadas, pelos impetrantes, provas de que houve constrangimento ilegal no julgamento.

O Ministro Jorge Mussi, em seu voto, considerou que inexistiu constrangimento ilegal, não sendo concedida a ordem de habeas corpus, conforme a ementa do referido julgado, verbis.

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE. USO DE ALGEMAS NASESSÃO PLENÁRIA. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NÃOCONHECIMENTO.

1.O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direitoalegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meiode provas documentais, a existência da aventada coação ilegalsuportada pelo paciente.

2. In casu, a impetração não trouxe à colação qualquer documento, esequer há menção na ata de julgamento, que comprove o uso de algemaspelo paciente na sessão de julgamento pelo plenário do Júri,informação imprescindível para se aferir o alegado constrangimentoilegal.

No HC nº 203.940/SP, julgado em 22/11/2011 erelatado pelo Min. Jorge Mussi, mais uma vez percebe-se que deve haver prova do constrangimento ilegal para a concessão de habeas corpus. Assim sendo, não basta a alegação trazida pelo impetrante, devendo a prova da ilegalidade ser trazida junto ao pedido de habeas corpus. 

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO(ARTIGOS 33, CAPUT, E 35, AMBOS DA LEI 11.343/2006). ALEGADAVIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 11. PACIENTE QUE TERIA SIDO MANTIDOALGEMADO DURANTE A AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO SEM A DEVIDAFUNDAMENTAÇÃO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NECESSIDADE DE PROVAPRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEMDENEGADA.

1. Não há na documentação que instrui o mandamus, qualquer notíciasobre utilização de algemas no paciente durante a audiência deinstrução e julgamento, circunstância que impede a verificação deeventual inobservância à Súmula Vinculante 11.

2. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída dodireito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca,por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, aexistência do aventado constrangimento ilegal suportado pelopaciente.

3. Ordem denegada.

Pelos arestos do STJ, percebe-se que o referido Tribunalexige que seja feita prova do efetivo abuso no emprego de algemas, quando da impetração de habeas corpus, tendo em vista o entendimento de que tal rito, por ser sumário, não comporta instrução probatória.

Importa trazer à colação, agora, arestos dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) da Primeira, Segunda e Quarta regiões.

A 3ª Turma do TRF da 1ª Região, em julgamento do HC nº 2009.01.00.022329-4/GO, julgado em 05/05/2009 erelatado pelo Juiz Tourinho Neto, reconheceu o uso abusivo das algemas no caso concreto, considerando nula a prisão, em consonância com a Súmula Vinculante nº 11, apesar de a decisão basear-se na Lei de Abuso de Autoridade.

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. USO DESNECESSÁRIO DE ALGEMAS.NULIDADE DA PRISÃO.

1. A utilização da força só é possível: a) quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga; b) e quando os meios forem necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

2. O uso de algemas só é possível quando imprescindível para a prisão do cidadão. O seu uso abusivo constitui crime de abuso de autoridade.

3. A prisão ocorrida com o uso desnecessário de algemas é nula.

4. O uso desnecessário das algemas tem por objetivo, tão-somente, humilhar, aviltar, ferir a dignidade do homem.

5. Se a utilização das algemas for exorbitante constitui abuso, conforme estabelece a Lei 4.898, de 09.12.1965, arts. 3º, i ("atentado contra a incolumidade do indivíduo") e 4º, b ("submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei").

6. Ocorrendo a utilização irregular de algemas, cabe ao Ministério Público determinar a apuração do fato. Devendo-se-lhe, pois, encaminhar peças do presente feito.[84]

Na Apelação Criminal (ACR) nº 0002547-70.2008.4.01.3200/AM, julgadaem 31/01/2011no TRF da 1ª Região,e tendo como relator o Juiz Tourinho Neto, decidiu-se no sentido de que inexiste nulidade no Júri quando o réu adentra o recinto do Tribunal Popular algemado e tem as algemas retiradas antes do início da sessão de julgamento, conforme se vê na ementa abaixo.

PENAL. PROCESSO PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TORTURA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. EXCEÇÃO DE COISA JULGADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. TRÁFICO ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. INGRESSO DO RÉU NO PLENÁRIO ALGEMADO. NULIDADES DE JULGAMENTO E DOS QUESITOS. INOCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DAS PENAS.

1. O ingresso do réu, no Plenário do Tribunal do Júri, algemado, sendo as algemas retiradas assim que o magistrado entra no recinto e assume a presidência do julgamento, e antes mesmo de ser iniciada a sessão e sorteados os jurados, tendo o réu daí em diante permanecido todo o tempo em que esteve no Plenário sem algemas, não ofende o disposto no § 3º do art. 474 do Código de Processo Penal, tampouco gera nulidade, pois não influiu no direito de autodefesa do acusado. (...)[85]

No âmbito do TRF da 2ª Região, em sede deApelação Cível de nº 2003.51.02.003048-3/RJ,julgada em 12/04/2010 e relatada pelo Desembargador Federal Guilherme Couto, apelava-se de sentença cível que condenou um policial federal por dano moral, decorrente do uso aviltante das algemas, com o fim único de humilhar aquele que foi algemado. Entendeu-se que o montante arbitrado foi adequado e não geraria enriquecimento por parte do apelado.

DANO MORAL. VIGILANTE ALGEMADO. POLICIAL FEDERAL.

1 -Caso no qual o Autor foi preso e conduzido algemado do estabelecimento bancário onde laborava até a delegacia federal de Niterói. Tudo se iniciou por não ter ele deixado, sem antes obter autorização do gerente, que policial federal entrasse armado no Banco.

2 -Na esfera penal foi afirmada a ausência de justa causa para a ação dos agentes. Mesmo antes da súmula vinculante nº 11, o uso das algemas, com o fito de humilhar e sem que exista infração penal, caracteriza abuso.

3 - O montante arbitrado a título de dano moral foi módico, é inapto a gerar o enriquecimento, e adequado. Apelação desprovida. Sentença mantida.[86]

Já na Apelação Cível nº1998.51.01.017342-1/RJ, julgada em 19/08/2009, também do TRF da 2ª Região, não foi reconhecidoo dano moral decorrente do uso de algemas, apesar da veiculação na mídia de imagens do apelante algemado. Abaixo, ementa do referido julgado.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXERCÍCIO ILEGAL DE PROFISSÃO. DESACATO E RESISTÊNCIA. FALTA DE ILICITUDE DO ATO DA AUTORIDADE POLICIAL. USO DE ALGEMAS PARA CONTER O CONDUZIDO, FATO VEICULADO NA MÍDIA.

1. Não enseja ressarcimento de dano moral a prisão em flagrante por exercício ilegal de profissão, desacato e resistência, por ausência de ilicitude de ato praticado por dever legal pela autoridade policial.

2. Estudante de Direito que se apresentou como "advogado" e depois como "estagiário".

3. O uso de algemas se faz necessário quando o conduzido encontra-se em estado de "surto", sendo potencial perigo para si e para os agentes policiais condutores.

4. O fato foi divulgado pela mídia, mas a veiculação supostamente ofensiva não pode ser imputada à Administração Pública, se não há prova nos autos de que os agentes policiais teriam instigado os órgãos de imprensa a estampar o lamentável episódio.

5. Reforma da sentença que se impõe, para julgar improcedente o pedido.

6. Apelação do autor improvida. Recurso da União provido.[87]

NoHCde nº 2008.04.00.043437-0/PR,julgado em 13/01/2009 e relatado pelo Juiz Federal Ricardo Nüske, do TRF da 4ª Região, houve pedido de liminar, que foi concedida a fim de que o paciente não fosse algemado na audiência já marcada nem nas subsequentes, salvo no caso de resistência, fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito.

CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. USO DE ALGEMAS DURANTE AUDIÊNCIA. SÚMULA VINCULANTE Nº 11.

O uso de algemas em preso durante a realização de audiência judicial deve observar o conteúdo da Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, não se admitindo o seu emprego a modo indiscriminado, sem atenção às peculiaridades do réu e circunstâncias de entorno.[88]

Em sentido contrário foi a Apelação Cível nº 2004.04.01.000531-0/RS, julgada em 14/04/2009, também do TRF da 4ª Região. Neste aresto, o apelante pleiteava reconhecimento de dano moral em razão do seu algemamento. A apelação teve seu provimento negado.  Importa visualizar a ementa do referido julgado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. PRISÃO EM FLAGRANTE.HOMOLOGAÇÃO. CELA ESPECIAL. ALGEMAS. USO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.

1.- O autor, como diplomado em curso superior, tem direito à cela especial (art. 295, VII,CPP); todavia, não há previsão na lei acerca dos requisitos das acomodações para que a prisão seja considerada especial. Por isso ajurisprudência tem entendido como tal a que proporcione a segregação do réu dos demais presos, assegurando-lhe a incolumidade física.

2.- As algemas são instrumentos de contenção destinados a impedir ou dificultar reações ou a fuga do preso, cuja utilização deve ser reservada às hipóteses estritamente necessárias e na medida exigida para o cumprimento do dever legal (art.  da Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas nº 34/169, de 17/12/1979 e art. 10, I, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).

3.- Não comprovado que a Polícia desbordou de uma faixa considerada normal em procedimento de prisão em flagrante, descabe indenização pelo dano moral.[89]

No âmbito dos TRFssão visualizadas tanto decisões considerando o uso de algemas legítimo quanto outras considerando abusivo o emprego dos referidos instrumentos, ao contrário do STJ, onde não visualiza-se recursos providos no sentido de reconhecer ilegítimo o uso das algemas. Importa analisar, agora, arestos do próprio Supremo Tribunal Federal após a edição da Súmula Vinculante nº 11.

4.3 – JURISPRUDÊNCIA DO STF APÓS A SÚMULA VINCULANTE Nº 11

Importante analisar como o uso de algemas é tratado pelo próprio Tribunal que editou a Súmula Vinculante nº 11, verificando se houve mudança de entendimento e ratificando se, enfim, é legítimo o uso de algemas, não somente à vista da própria súmula, mas também dos diplomas legais que tratam do emprego da força pelos agentes do Estado.

O julgamento do HC nº 101.031/SP, ocorrido em 04/05/2010e relatado pela Min. Ellen Gracie, foi o primeiro julgamento colegiado do STF que tratou do uso de algemas, após a aprovação da Súmula Vinculante nº 11. Entendeu-se, nesse julgado, que o fato de não ter sido discutido o uso indevido de algemas em instâncias inferiores impedia a apreciação da questão pelo Supremo, pois caso tanto acontecesse, haveria supressão de instância. O referido julgado teve a seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PERICULOSIDADE DO RÉU. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INEXISTÊNCIA. PROCESSO COMPLEXO. USO INDEVIDO DE ALGEMAS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIAS. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO. ORDEM DENEGADA.

1. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente está suficientemente fundamentada, já que, diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a custódia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal e para o asseguramento da aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

2. A custódia cautelar também foi decretada para garantia da ordem pública, visto que, segundo as investigações, o paciente exercia função de chefia na organização criminosa e praticava com habitualidade o tráfico internacional de entorpecentes.

3. A periculosidade do réu constitui motivo apto à decretação de sua prisão cautelar, com a finalidade de garantir a ordem pública, consoante precedentes desta Suprema Corte (HC 92.719/ES, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.09.08; HC 93.254/SP, rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 01.08.08; HC 94.248/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 27.06.08).

4. A razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos.

5. Há elementos, nos autos, indicativos da complexidade do processo, que apura a existência de organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de entorpecentes, com a existência de nove denunciados, sendo três de nacionalidade búlgara, sem defensores comuns e presos em comarcas diversas, e, ainda, com necessidade de tradução da denúncia para o idioma búlgaro e de expedição de várias cartas precatórias, o que justifica a demora na formação da culpa.

6. Quanto ao uso indevido de algemas, verifico que tal questão não foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o que inviabiliza o seu conhecimento por esta Suprema Corte, sob pena de indevida supressão de instâncias.

7. Consoante já decidiu esta Corte, "é vedado o conhecimento de matérias não apreciadas pela autoridade impetrada ou pelas instâncias inferiores, sob pena de supressão de instância" (HC 91.519/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 09.11.2007).

8. Além disso, a primariedade, os bons antecedentes e a residência fixa, por si sós, não são elementos aptos a afastar a prisão cautelar.

9. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado.

Na Reclamação nº 7.814/RJ, julgada em 27/05/2010 e relatada pela Min. Carmen Lúcia, decidiu-se que não configura afronta à Súmula Vinculante nº 11 o fato de o juiz ter autorizado, e não determinado o uso de algemas. Observe-se que o juiz fez constar, no decreto prisional, que a autoridade policial deveria observar o conteúdo da referida súmula quando da efetuação da prisão. Também não foi comprovado o uso das algemas através dos documentos trazidos aos autos.

Assim sendo, as algemas, se utilizadas, não o foram em razão de determinação do juiz, mas por ato da autoridade policial que efetuou a prisão, nãopodendo a decisão do juiz ser contestada.

A referida Reclamação teve a seguinte ementa:

EMENTA: RECLAMAÇÃO. PROCESSO PENAL. USO DE ALGEMA. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE N. 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA O USO DE ALGEMAS. FALTA DE PROVA DA ALEGAÇÃO DE USO DE ALGEMA. RECLAMAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

1. Dispõe a Súmula Vinculante n. 11 que "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado".

2. Na espécie vertente, o juiz Reclamado apenas autorizou o uso de algemas, sem, contudo, determiná-lo, e deixou a decisão sobre a sua necessidade, ou não, à discrição da autoridade policial que efetivamente cumpriria o mandado de prisão, tendo em vista as circunstâncias do momento da diligência, acentuando a necessidade de acatamento da Súmula Vinculante n. 11 deste Supremo Tribunal.

3. Os documentos colacionados aos autos não comprovam o uso de algemas durante, ou após, a diligência que resultou na prisão do Reclamante, sendo certo que, se usadas, elas não o foram por determinação do ato reclamado.

4. Reclamação julgada improcedente.

No HC 103.175/SP, julgado em 21/09/2010 e relatado pelo Min. Dias Toffoli, a alegação de uso abusivo de algemas não foi conhecida em razão de a alegada questão não haver sido apreciada pelas instâncias antecedentes. Por outro lado, foi dada ordem ao relator de habeas corpus impetrado no STJ para que este apreciasse de imediato pedido de liminar requerido pelo impetrante. Abaixo, a ementa do referido julgado.

EMENTA HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO – JÚRI - UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE ALGEMAS DURANTE A SESSÃO DE JULGAMENTO – QUESTÃO NÃO APRECIADA PELA INSTÂNCIA ANTECEDENTE- IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO PELO STF – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – WRIT NÃO CONHECIDO. DEMORA NA APRECIAÇÃO DE PEDIDO LIMINAR FORMULADO PELO IMPETRANTE – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. Inicialmente, verifico que a alegação referente à nulidade decorrente do emprego de algemas durante o julgamento do paciente em plenário do Tribunal do Júri não foi analisada pela instância antecedente, sendo inviável a análise deste pedido pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. Precedentes.

2. Comprovação de excessiva demora na apreciação do pedido liminar no habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça configura constrangimento ilegal, por descumprimento da norma constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República), viabilizando, excepcionalmente, a concessão de habeas corpus. 3. Deferimento da ordem de ofício, para determinar ao eminente Relator a imediata apreciação do pedido de liminar requerido pelo impetrante.

4. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.

No Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) nº 102.962/MG, julgado em14/12/2010 e tendo como relatora a Min. Ellen Gracie, não houve o entendimento de que o uso de algemas, in casu, foi abusivo, como depreende-se da ementa do julgado.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE. VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 11/STF. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE OBSERVADOS. RECURSO DESPROVIDO.

1. A questão de direito tratada no presente recurso diz respeito à suposta nulidade da prisão em flagrante do recorrente, decorrente da utilização de algemas, o que, segundo argumenta, teria violado a Súmula Vinculante 11/STF.

2. A razão pela qual esta Suprema Corte foi levada a editar a Súmula Vinculante 11/STF se deu para estabelecer que o uso de algemas deve ser excepcional e observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

3. Uma vez que a necessidade do uso de algemas na transferência do recorrente da delegacia para o presídio foi devidamente justificada por escrito para assegurar a integridade física dos agentes de polícia e do próprio autuado, também se justifica o uso de algemas por ocasião quando da efetuação do flagrante.

4. Com efeito, não se mostra desarrazoada ou desproporcional a utilização de algemas na efetuação da prisão em flagrante do recorrente.

5. Se a utilização das algemas na transferência do recorrente da delegacia para o presídio, ocasião em que as autoridades policiais já possuíam algum conhecimento acerca da pessoa com quem estavam lidando, se mostrou válida, com muito maior razão se justifica sua utilização no flagrante, momento em que os policiais ainda não sabiam exatamente quem estavam enfrentando.

6. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

No Agravo Regimental na Reclamação nº 9.468/RJ,julgado em 24/03/2011 e relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski, entendeu-se que a decisão reclamada deu justificativa idônea para o uso de algemas, não sendo cabível reclamação objetivando pôr dúvida a respeito de questões de fato que justifiquem o uso de algemas, conforme se lê na ementa do referido julgado, transcrita abaixo.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. PENAL. USO DE ALGEMAS DURANTE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SUPOSTA AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 11 DESTA SUPREMA CORTE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO RECLAMADA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. DESMONSTRAÇÃO DE NECESSIDADE PARA GARANTIA DA SEGURANÇA DO ATO. AGRAVO IMPROVIDO.

I – O uso de algemas durante audiência de instrução e julgamento pode ser determinado pelo magistrado quando presentes, de maneira concreta, riscos a segurança do acusado ou das pessoas ao ato presentes. Precedentes.

II – No caso em análise, a decisão reclamada apresentou fundamentação idônea justificando a necessidade do uso de algemas, o que não afronta a Súmula Vinculante 11.

III - “Não é possível admitir-se, em reclamação, qualquer dúvida a respeito das questões de fato apontadas pelo magistrado para determinar o uso das algemas durante a realização das audiências” (Rcl 6.870/GO, Rel. Min. Ellen Gracie).

IV – Agravo improvido.

No Habeas Corpus 103.003/SP, julgado em29/03/2011 e relatado pela Min.Ellen Gracie, a ordem não foi concedida em razão de ter sido devidamente fundamentada a decisão do Juízo Criminal no sentido de permanecer a ora paciente algemada, como se observa, abaixo, na ementa do referido julgado.

HABEAS CORPUS. USO DE ALGEMAS PELA PACIENTE DURANTE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SÚMULA VINCULANTE 11/STF. DECISÃO FUNDAMENTADA. WRIT DENEGADO.

1. A questão de direito tratada no presente recurso diz respeito à fundamentação da decisão que determinou a utilização de algemas em desfavor da paciente durante a realização das audiências de instrução e julgamento.

2. Não há que se falar em desrespeito ao enunciado da Súmula Vinculante 11, já que os autos retratam situação fática diversa.

3. O Juízo Criminal da Comarca de Piracicaba/SP, ao determinar a manutenção das algemas da paciente, fundamentou suficientemente a decisão, visto que tal diligência se mostrava necessária à segurança dos presentes e ao desenvolvimento regular do próprio ato.

4. A decisão atacada levou em conta a existência de fundado perigo consubstanciado no envolvimento dos acusados com facção criminosa, na deficiência da segurança do Fórum e, ainda, no grande número de advogados e funcionários presentes à sala de audiência.

5. O uso de algemas durante a audiência de instrução e julgamento somente afronta o enunciado da Súmula Vinculante 11 quando impõe constrangimento absolutamente desnecessário, o que não se verifica nos autos.

6. Não é possível admitir-se, em sede de habeas corpus, qualquer dúvida a respeito das questões de fato apontadas pela magistrada para determinar o uso das algemas durante a realização das audiências.

7. Habeas corpus denegado.

A Reclamação nº 8.712/RJ foijulgada em 20/10/2011como improcedente, tendo em vista que a excepcionalidade da medida foi devidamente justificada, conforme a ementa do referido julgado, verbis:

EMENTA: RECLAMAÇÃO. PROCESSO PENAL. USO DE ALGEMA. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE N. 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NECESSIDADE DA MEDIDA FUNDAMENTADA.

1. Dispõe a Súmula Vinculante n. 11 que: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

2. A leitura do ato ora reclamado evidencia que a excepcionalidade da medida foi determinada em razão do perigo que o Reclamante representaria à integridade física daqueles que participaram da audiência se estivesse sem as algemas. Pautou-se a autoridade Reclamada na evidente periculosidade do agente. Fundamento consistente. Inexistência de contrariedade à Súmula Vinculante n. 11 do Supremo Tribunal. Precedentes.

3. Reclamação julgada improcedente.

No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 653.964/SP, julgado em 28/02/2012 e relatado pelo Min. Luiz Fux, entendeu-se que a Súmula Vinculante nº 11 não é aplicável a fatos anteriores à sua aprovação, apesar de a decisão recorrida estar de acordo com o enunciado sumular, conforme se depreende da ementa deste julgado, que segue abaixo.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSO. CONDENAÇÃO. ART. 121, § 2º, IV C/C ART. 14, II, CP. TRIBUNAL DO JÚRI. USO DE ALGEMAS. JULGAMENTO DO JÚRI ANTERIOR À PUBLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE.

1. O enunciado da Súmula Vinculante nº 11 da Suprema Corte não é aplicável, face ao uso de algemas durante a sessão, máxime quando o julgamento pelo tribunal do júri se deu em data anterior à sua publicação. (Precedentes: Rcl 7675/MT, Relator a Ministra Ellen Gracie, DJe de 17/03/09; Rcl 6928/PR, Relator o Ministro Eros Grau, DJe 23/04/09; Rcl 6540/DF, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 24/04/09, entre outros).

2. Destarte, o julgamento foi realizado no dia 07 de agosto de 2008 e a Súmula Vinculante nº 11 do STF foi publicada no dia 22 de agosto de 2008. 3. In casu, o acórdão originariamente recorrido rejeitou matéria preliminar e negou provimento ao recurso de apelação contra decisão do Tribunal do Júri que condenou o recorrente pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, IV c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

4. Agravo Regimental desprovido.

Nas decisões proferidas pelo STF sobre o uso de algemas, após a Súmula Vinculante nº 11, percebe-se uma tendência a indeferir os pleitos apresentados pelos impetrantes, considerando legítimo o emprego das algemas nos casos concretos levados à sua apreciação.

Levando-se em conta tais decisões, percebe-se que autoridades policiais, ao fazerem uso das algemas, e judiciais, ao determinarem o emprego das mesmas, estão agindo em conformidade com a Súmula Vinculante nº 11. Percebe-se, assim, que a Súmula, apesar de restringir o uso de algemas, impedindo abusos, legitima seu emprego, desde que com a devida justificação e nas situações descritas pela súmula.

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Sobre o autor
Vinícius Corrêa de Siqueira Gomes

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Vinícius Corrêa Siqueira. A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de algemas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22092. Acesso em: 19 abr. 2024.

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