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O antagonismo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com o princípio do contraditório e a garantia de fundamentação das decisões

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4. O problema da jurisprudência do STF

Com base nas construções da exigência constitucional e teórica da obrigatoriedade de fundamentação das decisões jurisdicionais artigo 93, IX da Constituição de 1988 e do aporte teórico sobre contraditório no contexto de um Estado democrático e de revitalização da perspectiva de atuação do processo, é importante notar como a jurisprudência dos Tribunais no Brasil tem se comportado, vez que os precedentes judiciais são balizas extremamente importantes no Direito.

Mais precisamente é relevante notar a posição da jurisprudência dos Tribunais quando na atuação da função jurisdicional aplicam o princípio do contraditório e cumprem a exigência de fundamentação da decisão.

Para melhor visualização observe-se uma jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal que aborda a questão da fundamentação da decisão nos seguintes termos:

Questão de ordem. Agravo de instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 3º e 4º). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXV e LV do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O artigo 93, IX da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. [...]. Voto. Sr. Ministro Gilmar Mendes (relator). Preliminarmente, diante do regular atendimento dos pressupostos de admissibilidade do presente agravo, a ele dou provimento e, de imediato, converto-o em recurso extraordinário (CPC, art. 544, § 3º e 4º), uma vez que existe, nos autos, todos os subsídios necessários ao perfeito exame da controvérsia. A presente questão de ordem diz respeito à aplicação do regime de repercussão geral aos recursos extraordinários nas hipóteses em que essa Corte já firmou entendimento sobre o tema em debate. A matéria trazida nestes autos se refere à alegação de negativa de prestação jurisdicional por ausência de fundamentação, em ofensa aos arts. 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da Constituição federal. Antiga é a jurisprudência desta corte segunda a qual o artigo 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. Nesse sentido há reiterados julgados do Tribunal Pleno, entre os quais o MS 26.163, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 5.9.2008; e o RE 418.416, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2006. Cito a ementa deste último julgado, na parte que interessa: “Decisão judicial: fundamentação: alegação de omissão de análises de teses relevantes de defesa: recurso extraordinário: descabimento. Além da falha do indispensável prequestionamento (súmulas 282 e 356), não há violação dos art. 5º, LIV e LV, nem do art. 93, IX, da Constituição, que não exige o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige, apenas, que a decisão seja motivada, e a sentença e o acórdão não descumpriram esse requisito (v.g., RE 140.370, 1ºT., 20.4.93, Pertence, DJ 21.5.93; AI 242.237 – Agr, 1ºT., 27.6.00, Pertence, DJ 22.9.00).[7]

Nessa jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, já que datada de 2010, é perceptível a discrepância entre a aplicação do princípio do contraditório, nas suas perspectivas de influência na construção da decisão e de participação efetiva no processo. Isso porque se as alegações e provas das partes não precisam ser apreciadas pelo julgador, de que valia essa produção das partes pode ter para o processo? Nesse cenário a participação efetiva é absolutamente excluída, não podendo os destinatários do comando jurisdicional ostentarem a sua posição de co-autores da decisão que lhes afetará o universo de direitos e deveres.

Por essa construção decisória do Supremo Tribunal Federal é notório que

não se percebe, nesse discurso jurisprudencial do Supremo, realmente, que o contraditório, na alta modernidade, constitui um dos eixos estruturais da democracia ao assegurar um direito fundamental de participação em processos de formação da a opinião e da vontade, agregando, ao mesmo tempo, o exercício da autonomia pública e privada em seu dimensionamento e proporcionando a criação de um direito legítimo. O princípio permite que o cidadão assuma a função de autor-destinatário dos provimentos (jurisdicionais, legislativos e administrativos), cujos efeitos sofrerá. A decisão não pode mais ser vista como expressão da vontade do decisor e sua fundamentação ser vislumbrada como mecanismo formal de legitimação de um entendimento que este possuía antes mesmo da discussão endoprocessual, mas deve buscar legitimidade na tomada de consideração dos aspectos relevantes e racionais suscitados por todos os participantes, informando razões (na fundamentação) que sejam convincentes para todos os interessados no espaço público, e aplicar a normatividade existente sem inovações solitárias e voluntarísticas (NUNES, 2011, p. 237-238).

Por conseguinte, é preciso que os Tribunais atualizem suas jurisprudências[8], principalmente o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça já que suas decisões são irradiadas para todo o sistema jurisdicional, de forma a compatibilizar as perspectivas modernas do contraditório e da fundamentação da decisão na aplicação processual. Porque participação e influência são as chaves do contraditório conectado com a fundamentação, somente assim é possível operar a democracia na via jurisdicional.

Com essas configurações atuais a função jurisdicional não consegue alcançar um processo justo, e se não tem um processo justo de formação da decisão não terá, por consequência uma decisão justa, que pode ser considerado o grande problema da decisão na teoria moderna do processo civil, que nos escritos de Taruffo (2002) “se Il problema della decisione consiste nella scelta fra più ipotese de decisione, si puo dire che il problema della decisione giusta corrisponde al problema della scelta della decisione migliore[9]” (p. 223). E acredita-se que para a construção de uma decisão justa, é fundamental a participação e avaliação dessa participação na fundamentação da decisão.

E para que se respeite a garantia de fundamentação da decisão é fundamental que se efetive o contraditório nos termos escritos por Comoglio (2004)

sicchè in tanto può dirsi realizzato um contradittorio equilibrato e ragionevole, in quanto vengano assicurate a ciascuna delle parti contrapposte nel giudizio, in condizioni di effetiva parità, l’eguaglianza delle armi e la pari possiblità de influire, com l’esercizio dei poteri di argomentazione, di deduzione e de prova, sulla formazione del convincimento decisorio del giudice[10] (p.64).

Portanto, com base nas elucidações teóricas acerca da garantia de fundamentação da decisão e do efetivo respeito ao princípio do contraditório, é facilmente perceptível o total descompasso entre as teorias expostas e a jurisprudência da alta corte nacional – o Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência essa que irradia e contamina todo o arcabouço decisório dos demais tribunais.


5. Notas sobre o Novo CPC

A atual legislação processual civil brasileira está em vias de sofrer uma alteração significativa, que é a possível entrada em vigor de um novo Código de Processo Civil (Novo CPC) que está tramitando nas casas legislativas, mais precisamente iniciou-se no Senado e está na Câmara dos Deputados.

O que na Câmara é o projeto de lei n. 8046/2010 teve seu início no projeto de lei do senado sob o n. 166/2010, com a nomeação pelo Senador José Sarney, presidente da casa senatorial, no fim de setembro de 2009. Esse projeto de Novo CPC está permeado sob prisma da celeridade e da efetividade processual, como colocou o Senador José Sarney a pretensão é que a reforma consiga contribuir com “passos fundamentais para a celeridade do Poder Judiciário, que atingem o cerne dos problemas processuais, e que possibilitarão uma Justiça mais rápida e, naturalmente, mais efetiva.” (SENADO FEDERAL, 2010, p. 2).

No mesmo espírito a comissão de juristas[11] instituída pelo Senado Federal trabalhou para que as reformas proporcionassem, caso aprovadas no legislativo, resultados de celeridade processual. E assim explicou o presidente da comissão, o Ministro Luiz Fux, que “a ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi a de conferir maior celeridade à prestação da justiça.” (SENADO FEDERAL, 2010, p.3).

Contudo, sem margem para dúvidas é necessário que esse anseio por acelerar a prestação jurisdicional seja harmonizado com os princípios processuais, nesse ponto especificamente com a garantia de fundamentação e com o contraditório, inclusive um efetivo contraditório só tem a contribuir para a celeridade do processo. Pois, decisões construídas em participação ampla dos afetados pela prestação jurisdicional tende a ser melhor aceita, racionalmente aceita pelas partes.

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A exposição de motivos do Novo CPC expõe que a função dos Tribunais é, justamente, moldar o ordenamento jurídico proporcionando estabilidade e previsibilidade sobre as questões de direito.[12] É louvável que se preserve a segurança jurídica para a manutenção da firmeza do ordenamento jurídico, oferecendo orientação para a vida social dos cidadãos.

Mas a questão que se coloca é: Como pode ser estabilizada uma compreensão jurisprudencial de contraditório que é desarmonizada com a garantia de fundamentação da decisão e princípio do contraditório na Constituição Federal?

Agravando a situação da jurisprudência, que já se encontra em desencontro com a teoria processual, está a proposta de Novo CPC que nas disposições que tratam da sentença traz a seguinte redação no Projeto de Lei 166/2010 que tramitou no Senado Federal:

Art. 476. São requisitos da sentença:

I – o relatório sucinto, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da contestação do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões que as partes lhe submeterem.

Parágrafo único. Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que:

I – se limita a indicação, à reprodução ou paráfrase de ato normativo;

II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso concreto;

III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.(grifos nossos).[13]

Observe-se que a jurisprudência também não encontra albergue na proposta de redação do Novo CPC. Isso indica que a jurisprudência não está em sintonia com a teoria da fundamentação da decisão e a teoria do princípio do contraditório, assim como está em descompasso com a proposta de Novo CPC, e mais grave, está em desarmonia com a Constituição Federal. Porque na citação confere-se que o julgador deve enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo, não sendo possível que ignore a produção processual realizada.

É de extrema importância que em tempos de normatização cada vez mais elástica que a preocupação com a fundamentação seja exacerbada, mais exatamente a exigência e a garantia de fundamentação não pode ser diminuída ou afastada, ou prestada em termos minoritários, mas sim de forma completa. E é nesse sentido que Barroso (2007) anota que “as decisões que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de fundamentação, por não estarem inteiramente legitimadas pela lógica da separação de Poderes – por esta última, o juiz limita-se a aplicar, no caso concreto a decisão abstrata tomada pelo legislador.” (p. 216).


6. Conclusão

Considerando a garantia inafastável de fundamentação das decisões jurisdicionais e o princípio do contraditório, a jurisprudência dos tribunais está absolutamente em situação anacrônica com a democratização do processo, que deve ter bases de construção da decisão de forma participada.

Para conseguir que o processo jurisdicional respeite a garantia de fundamentação da decisão, em uma visão de garantia não só das partes que sofrerão os efeitos da decisão em seus universos de deveres e direitos, mas também como uma garantia da sociedade, que por meio da fundamentação da decisão pode exercer o controle das razões do decidir. É necessário um contraditório efetivo. E mais, o processo cumpre uma função pública, que é função estatal jurisdicional, portanto, nada mais justo que sejam muito bem fundamentadas suas decisões, que serão impostas aos cidadãos.

Nesse cenário o princípio do contraditório ressurge após receber novas perspectivas com forças renovadas. O contraditório que consistia em mera bilateralidade da audiência das partes no processo, recebe relevos mais firmes e robustos. Não mais é possível que se realize o contraditório em termos puramente formais, fundamental que se cumpra um contraditório de forma ampla e vigorosa. O contraditório deve ser garantido também, e especialmente, como possibilidade de influência no resultado do processo, ou seja, na construção da decisão.

A adequada compreensão e aplicação do contraditório exige que as alegações das partes sejam por extenso consideradas pelo julgador no momento decisório, não podendo as partes de forma alguma serem surpreendidas com uma fundamentação em bases nas quais não puderam se manifestar. Essa compreensão e aplicação do contraditório, nada mais é, que a democratização do processo, pois permite a participação e a construção da decisão pelas partes envolvidas no processo, o destinatário da decisão também é seu co-autor.

Contudo, a jurisprudência dos tribunais insiste em aportar suas decisões no sentido da não obrigatoriedade de apreciação de todas as alegações das partes, persistindo no erro de aplicação do princípio do contraditório e de ofensa à garantia de fundamentação da decisão nos termos explicados. Necessitando, urgentemente, de revisar os conteúdos decisórios para atender às exigências de um processo justo e que se harmonize com os ditames constitucionais da fundamentação da decisão pela aplicação do contraditório.

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Sobre o autor
Vinícius Nascimento Cerqueira

Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade FUMEC/MG, bolsista FAPEMIG. Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais -PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA, Vinícius Nascimento. O antagonismo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com o princípio do contraditório e a garantia de fundamentação das decisões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3309, 23 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22229. Acesso em: 16 nov. 2024.

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