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A inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho

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06/08/2012 às 17:41
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3        INSERÇÃO DO DEFICIENTE NO MERCADO DE TRABALHO

3.1  O sistema de cotas para pessoas portadoras de deficiência na relação de emprego: setor privado

A Constituição brasileira, em correlação com a idéia de ação afirmativa, optou pela adoção de um sistema de cotas ou de reserva legal para incentivar a inclusão das pessoas portadoras de deficiência no mercado formal de trabalho.

Nota-se que a Constituição, em seu art. 37, VIII, já previa expressamente a reserva de vagas para pessoas portadoras de deficiência na Administração Pública. Assim, o legislador ordinário tratou de agir de forma ativa na reserva de vagas nas empresas da iniciativa privada.

De tal modo, encontra-se disposto no art. 93 da Lei 8.213/91 o sistema de cotas para empregados portadores de deficiência no âmbito do setor privado. Determina o referido artigo, in verbis:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

 I - até 200 empregados...................2%;

 II - de 201 a 500............................3%;

 III - de 501 a 1.000........................4%;

 IV - de 1.001 em diante. ...............5%.

 § 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

 § 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Observa-se que a Lei 8.213/91 materializa a vontade estatal de tratar de modo diferenciado estes trabalhadores, obrigando aos empregadores com mais de 100 empregados a contratarem um percentual mínimo de portadores de deficiência.

Ressalta-se que a reserva de um percentual de vagas no serviço público aos portadores de deficiência e a obrigação de contratá-los pelos empregadores da iniciativa privada não violam o princípio da igualdade.  

Todavia, as disposições do art. 93 da Lei 8.213/91 foram repetidas no Decreto 3.298/99, sendo que este introduziu algumas disposições adicionais referente ao conceito de pessoa portadora de deficiência habilitada e também quanto à competência do Ministério do Trabalho e Emprego para estabelecer uma sistemática de fiscalização, avaliação e controle das empresas, com vistas a propiciar estatísticas sobre o número de empregados portadores de deficiência.

3.1.1        Análise do art. 93 da Lei 8.213/91

A lei 8.213/91 dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, sendo que o art.93 especificamente trata do sistema de cotas para empregados portadores de deficiência, no âmbito das empresas privadas.

Em relação aos beneficiários da política instalada, nota-se que a lei incluiu no âmbito de proteção todas as pessoas portadoras de deficiência habilitadas e os trabalhadores reabilitados.

Ao utilizar a expressão genérica “pessoas portadoras de deficiência” a lei incluiu as pessoas portadoras de deficiência mental, sendo evidente que, para o preenchimento dos percentuais impostos na lei, as empresas podem contratar pessoas que portem qualquer deficiência desde que habilitados para o trabalho e, opcionalmente, as empresas podem contratar beneficiários reabilitados.

A delimitação do público que se quer incluir no mercado formal de trabalho, com a instalação do sistema de cotas, encontra-se prevista no Decreto 3.298/99, o qual apresenta em seu art.4º, um rol restritivo de hipóteses, in verbis:

Art. 4º  É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Igualmente, são consideradas pessoas portadoras de deficiência habilitadas, de acordo com o Decreto 3.298/99, aquelas que concluíram curso de educação profissional de nível básico, técnico ou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente, ou aquela com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e também aquelas que, não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação, estejam capacitadas para o exercício da função.

Observa-se que pessoas portadoras de deficiência habilitadas e trabalhadores habilitados diferem dos segurados da Previdência Social, afastados por doença ou invalidez.

Percebe-se que a legislação vigente determina que toda e qualquer empresa com mais de cem empregados registrados deve contratar empregados portadores de deficiência.

Compreende-se que qualquer pessoa portadora de deficiência poderá ser contratada pelas empresas privadas quando demonstrar capacidade para assumir as atividades atinentes à vaga de trabalho ofertada.  A aptidão para o trabalho pode ser atestada pelo empregador que, independente de processo de habilitação ou reabilitação, poderá ser feita a admissão.

Apesar de a lei mencionar pessoa portadora de deficiência habilitada, basta à verificação, pelo empregador, das potencialidades e habilidades do candidato, sem ser condição para a contratação a submissão prévia a qualquer programa de qualificação profissional disponibilizado pelo INSS.

Da leitura do §1º do artigo em análise extrai-se que o empregado portador de deficiência não possui estabilidade no emprego, eis que o empregador pode rescindir, a qualquer tempo, o contrato de trabalho. No entanto, o empregador tem como única limitação a contratação de outro profissional portador de deficiência, com o fim de preencher a cota prevista na lei.

Nesse sentido, Sergio Pinto Martins[9] entende que:

Trata-se de hipótese de garantia de emprego em que não há prazo certo. A dispensa do trabalhador reabilitado ou dos deficientes só poderá ser feita se a empresa tiver o número mínimo estabelecido pelo art. 93 da Lei nº 8.213. Enquanto a empresa não atinge o número mínimo previsto em lei, haverá garantia de emprego para as referidas pessoas. Admitindo a empresa deficientes ou reabilitados em percentual superior ao previsto no art. 93 da Lei nº 8.213, poderá a empresa demitir outras pessoas em iguais condições até atingir o referido limite. Poderá, porém, a empresa dispensar os reabilitados ou deficientes por justa causa.

Com efeito, de acordo com o art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, não há impedimento para o empregador dispensar o empregado portador de deficiência e/ou reabilitado por justa causa independentemente de a cota estar preenchida.     

Determina o Decreto 3.298/99 que a pessoa portadora de deficiência habilitada pode recorrer à intermediação de órgão integrante do sistema público de emprego para fins de inclusão laboral. Desse modo, a lei indiretamente impôs ao Estado a adotar medidas com vistas à consecução da obrigação imposta às entidades privadas.

A citada intermediação tem sido realizada por meio das Secretarias estaduais de Emprego e Agencias de Trabalhador do Sistema Público, as quais mantêm cadastro das pessoas portadoras de deficiência aptas para o trabalho.

Ademais, o § 2º do art. 93 da lei 8.213 estabelece que o Ministério do Trabalho e da Previdência Social deve gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por segurados reabilitados e pessoas portadoras de deficiência habilitadas.

Cabe, ainda, ao Ministério do Trabalho e Emprego o estabelecimento de sistemática de fiscalização, avaliação e controle das empresas, bem como a instituição de procedimentos e formulários que propiciem estatísticas sobre o número de empregados portadores de deficiência.

Nesse sentido, a Portaria 772, de 26 de agosto de 1999, do Ministério do Trabalho e Emprego, orienta os agentes da inspeção do trabalho quanto às situações em que se deparar com o trabalho das pessoas com deficiência, em entidades sem fins lucrativos, de natureza filantrópica de comprovada idoneidade, ou em empresas tomadoras de seus serviços, a saber:

Artigo 1º - O trabalho da pessoa portadora de deficiência não caracterizara relação de emprego com o tomador de serviços, se atendidos os seguintes requisitos:

I - realizar-se com a intermediação de entidade sem fins lucrativos, de natureza filantrópica e de comprovada idoneidade, que tenha por objetivo assistir ao portador de deficiência;

II - a entidade assistencial intermediadora comprovar a regular contratação dos portadores de deficiência nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho;

III - o trabalho destinar-se a fins terapêuticos, desenvolvimento da capacidade laborativa reduzida devido a deficiência, ou inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.

IV - igualdade de condições com os demais trabalhadores, quando os portadores de deficiência estiverem inseridos no processo produtivo da empresa.

§ 1º O trabalho referido neste artigo poderá ser realizado na própria entidade que prestar assistência ao deficiente ou no âmbito da empresa que para o mesmo fim celebrar convênio ou contrato com a entidade assistencial.

§ 2º O período de treinamento visando a capacitação e inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho não caracterizara vínculo empregatício com o tomador ou com a entidade sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, se inferior a seis meses.

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E, especialmente a Instrução Normativa 20, de 26 de janeiro de 2001, dispõe sobre procedimentos a serem adotados na fiscalização do trabalho em relação às pessoas com deficiência, dispondo em seu artigo 1º que: “O Auditor-Fiscal do Trabalho - AFT observara a relação de trabalho da pessoa portadora de deficiência, de modo a identificar a existência de vinculo empregatício.”

Na hipótese de o Auditor Fiscal do Trabalho constatar o não cumprimento do art.93 da Lei 8.213/91, a Instrução Normativa 20 ordena que seja facultado o encaminhamento da matéria ao Núcleo de Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Combate à Discriminação ou a instauração de um procedimento especial (de acordo com art.627-A da CLT), segundo o qual a empresa pode firmar um Termo de Compromisso, que conterá um cronograma para preenchimento das vagas por pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados e também para a adequação das condições do ambiente de trabalho.

O cumprimento do referido Termo será acompanhado pelo auditor fiscal do trabalho. E, em caso de descumprimento, o auditor fiscal deverá convocar a empresa para uma mesa de entendimentos e, posteriormente, deverá encaminhar um relatório ao Delegado Regional do Trabalho para remessa ao Ministério Público do Trabalho.

No caso de recebimento pelo Ministério Público do Trabalho de relatório elaborado pelo auditor fiscal, tem início um procedimento investigatório, no qual a empresa é convidada a firmar um termo de ajustamento de conduta em que é marcado um prazo razoável para o cumprimento da legislação, sob pena de imposição de multa, a qual será revertida ao FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador, nos termos da Lei 7.853/89[10].

Na hipótese de a empresa não firmar o termo de ajuste de conduta ou descumpri-lo, o Ministério Público do Trabalho poderá propor uma ação civil pública, segundo art. 2º da Lei 7.853/89. Nesta ação o Ministério Público do Trabalho buscará o cumprimento de uma obrigação de fazer (ou seja, a contratação de pessoas portadoras de deficiência, nos termos da lei), mediante imposição de multas diárias, as quais são estabelecidas em valores elevados com o objetivo de desestimular o descumprimento da ordem provinda do Poder Público.

Nota-se que a fiscalização por parte das autoridades trabalhistas e a atuação do Ministério Público do Trabalho são fundamentais para o sistema de cotas instituído, simbolizando meios eficazes de fiscalizar o cumprimento da lei.

De acordo com art. 133 da Lei 8.213/91, o empregador ficará sujeito à imposição de multa em caso de descumprimento do art. 93 da lei citada.

A Portaria MTE 1.199/03 aprova normas para a imposição da multa administrativa variável prevista no art. 133 da Lei n. 8.213/91, pela infração ao art. 93 da mesma lei, que determina que as empresas devam preencher cargos com pessoas portadoras de deficiência ou beneficiários reabilitados. A Portaria menciona que o valor mínimo legal é o valor previsto no art. 133 da Lei 8.213/91, sendo certo que a Portaria destaca que o valor resultante da aplicação dos parâmetros estabelecidos não pode ultrapassar o máximo estabelecido no citado artigo.

3.2  Questões polêmicas acerca do sistema de cotas

Há algumas discussões, referentes ao cumprimento da legislação que cria o sistema de cotas de emprego para pessoas portadoras de deficiência, que devem ser tratadas, como por exemplo: a) o percentual indicado na legislação faz referência à empresa ou ao estabelecimento?; b) como deve ser feito o preenchimento das vagas no caso de empresas com atividades sazonais ou no caso de atividades predominantemente perigosas e/ou insalubres ou até mesmo nas empresas rurais?; c) será que é possível a terceirização de empregados portadores de deficiência e/ou reabilitados com o fim de preencher as cotas?; d) é possível, ao mesmo tempo, cumprir a Lei 8.213/91 e as cotas de menores aprendizes?

3.2.1        O percentual indicado na legislação faz referência à empresa ou ao estabelecimento?

A pergunta inicial trata do número de empregados habilitados ou portadores de deficiência que devem ser contratados por determinação da lei. Nota-se que a Lei 8.213/91, bem como seus respectivos Decretos 3.048/99 e 3.298/99, determinam expressamente que a obrigação de preenchimento é de 2% e 5% dos cargos da empresa com 100 ou mais empregados. E, ainda, a Instrução Normativa 20 de 26/01/2001 do MTE determina que, para aferição dos percentuais, deve ser considerado o número de empregados da totalidade dos estabelecimentos da empresa. Dessa forma, a análise do cumprimento da obrigação legal deve considerar o número total de empregados em todos os estabelecimentos da empresa e não em cada estabelecimento.

Várias são as interpretações feitas sobre o assunto, mesmo sendo clara a lei. Destarte, desde que a empresa cumpra a legislação não importa que a mesma mantenha estabelecimentos sem empregados portadores de deficiência, ou seja, o auditor fiscal do trabalho não pode exigir o cumprimento da lei também no estabelecimento fiscalizado se a cota estiver preenchida com base no número total de empregados da empresa.

Outra interpretação é feita por empresas que tem como objetivo o não cumprimento da lei. Estas empresas alegam que a aferição do cumprimento das cotas deve ser feita por estabelecimento e não sobre o total de empregados da empresa, eis que possuem mais de 100 empregados, mas tem uma série de estabelecimentos diferentes, nos quais a quantidade de empregados é inferior ao número estabelecido. Tem-se que o argumento sustentado por estas empresas deve ser afastado e elas devem ser autuadas para que cumpram a lei.

3.2.2 Sistema de cotas nas empresas com atividades sazonais, perigosas e/ou insalubres e rurais

Ressalta-se que a legislação vigente não assinala quaisquer exceções para o cumprimento do sistema de cotas. Dessa forma, toda e qualquer empresa deve obedecer ao disposto no art. 93 da Lei 8.213/91, o que inclui, sem limitação, as empresas com atividades sazonais, as empresas cujas atividades são consideradas perigosas ou insalubres, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, e também as empresas que desenvolvem atividades rurais.

As empresas com atividades sazonais, apenas no período em que mantêm empregados, estão compelidas a contratar pessoas portadoras de deficiência ou habilitadas.

Já as empresas que exercem atividades predominantemente insalubres ou perigosas, de acordo com os arts. 189 e 193 da CLT, em princípio, não existe qualquer impedimento para a contratação de empregados portadores de deficiência, não podendo ser presumida pelo empregador qualquer incompatibilidade entre a deficiência e o trabalho em local insalubre ou perigoso. Porém, a contratação não pode acarretar um agravamento na deficiência e nas eventuais dificuldades do empregado a ser contratado.

Quanto às empresas rurais, o sistema de cotas deve ser aplicado sem exceções.

3.2.3 O preenchimento das cotas e a terceirização

Observa-se que a contratação de empresas de prestação de serviços ou de entidades assistenciais, que contam com a mão-de-obra de pessoas portadoras de deficiência, não desonera a empresa do cumprimento da cota imposta na lei.

Isto porque a empresa contratante e a empresa de prestação de serviços estão obrigadas pela lei a contratar pessoas portadoras de deficiência caso possuam mais de 100 empregados. Dessa forma, não é possível preencher as cotas mediante contratação indireta de empregados.

3.2.4 O preenchimento das cotas de pessoas portadoras de deficiência e menores aprendizes

Além de as empresas estarem obrigadas a preencher determinado número de vagas com pessoas portadoras de deficiência, ainda estão obrigadas a contratar menores aprendizes. Por isso, parece admissível concluir que é possível a contratação de adolescentes portadores de deficiência, assim cumprindo o imposto na legislação.

Nesse sentido, Maria Aparecida Gugel[11] entende que há possibilidade de contratação de menores aprendizes portadores de deficiência:

Contratando portadores de deficiência aprendizes, matriculados nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, estes poderão ser considerados, ao mesmo tempo, para o preenchimento da reserva de aprendizes (art. 429, da CLT – mínimo de 5% e máximo de 15 %, em relação ao número de trabalhadores existentes em cada estabelecimento) e a reserva legal de vagas, prevista no art. 93, da Lei 8.213/91, pois se está diante de um contrato de trabalho, embora de natureza especial. Além dessa forma de contratação especial direta, poderá a aprendizagem ser realizada pelas entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, devidamente registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (arts. 430, II, CLT; 91, ECA; Resolução 74/01, CONANDA), caso em que não gera vínculo de emprego com as empresas tomadoras de serviços (art. 431, CLT). Significa dizer que o contrato de trabalho será mantido pela entidade assistencial.

Em se tratando de contratação de menores por entidades sem fins lucrativos, sem vínculo com o tomador de serviços, a contratação não poderá cumprir as exigências da lei, eis que para isso deve haver efetiva identidade de empregador.

3.3  Análise das peculiaridades do contrato de trabalho

Verifica-se que quando se quer cumprir as determinações do art. 93 da Lei 8.213/91 nas contratações de empregados portadores de deficiência, todos os direitos trabalhistas tutelados aos empregados urbanos e rurais, na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho, na legislação esparsa e também nas normas coletivas, são plenamente aplicáveis a esse contrato de trabalho.

Ocorre que algumas questões referentes ao contrato de trabalho devem ser esclarecidas, como, por exemplo: os critérios de admissão e salário; local de trabalho; possibilidade de estabelecer horário diferenciado.

3.3.1        Critérios de admissão de pessoas portadoras de deficiência

Sabe-se que a Constituição Federal, em seu art.7º inciso XXXI, proíbe qualquer discriminação nos critérios de admissão dos empregados portadores de deficiência. Dessa forma, as entrevistas e as avaliações devem ser iguais tanto para os candidatos deficientes quanto para os não deficientes. Portanto, não cabem distinções injustificadas em todas as fases do contrato de trabalho.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)

XXXI- proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

3.3.2        Salário e equiparação salarial

De acordo com a Constituição Federal (art.7º, XXXI) não pode existir qualquer discriminação no que se refere ao salário pago aos empregados portadores de deficiência. Ademais, os empregados que desempenham as mesmas atividades, com igual produtividade e perfeição técnica, para o mesmo empregador, na mesma localidade devem perceber o mesmo salário, isso é o que está disposto no art. 461 da CLT e deve ser aplicado nos contratos de trabalho das pessoas portadoras de deficiência.

Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade

§ 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.

§ 2º - Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento.

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antiguidade, dentro de cada categoria profissional.

§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.

3.3.3        Local de trabalho

O local de trabalho é um dos pontos do contrato de trabalho de pessoas portadoras de deficiência que deve ser objeto de análise e preocupação, eis que muitos dos projetos arquitetônicos não atentam para a questão relativa à acessibilidade, o que traz problemas para a empregabilidade de pessoas portadoras de deficiência física e visual.

Assim, com a finalidade de cumprimento do sistema de cotas previsto na legislação um dos primeiros obstáculos a ser eliminado diz respeito à eliminação de todas as barreiras arquitetônicas que impedem o acesso dos profissionais portadores de deficiência ao emprego.

Considerando que a eliminação de barreiras arquitetônicas demanda ações tanto do ente privado, contratante da pessoa portadora de deficiência, como das autoridades governamentais, fato é que a situação ideal ainda está longe de ser alcançada. Por esse motivo deve ser levada em consideração a possibilidade de a pessoa portadora de deficiência prestar serviços, como empregado celetista, no âmbito de sua residência, evitando-se o deslocamento trabalho-residência e vice-versa.

Tal fato está previsto na CLT nos arts. 6º e 83, os quais apontam a possibilidade de existir uma relação de emprego na qual as atividades ajustadas são executadas no domicílio do empregado e não no estabelecimento do empregador.

Nessa modalidade de contrato de trabalho em que o trabalhador portador de deficiência executa suas atividades no seu domicílio ocorre vantagens e desvantagens. A vantagem é que existe a concessão de oportunidade de emprego, independente de o local de trabalho ser acessível e de a pessoa ter condições para deslocar-se até ele. Por outro lado, a desvantagem do trabalho fora das instalações da empresa é a não integração da pessoa portadora de deficiência no ambiente do trabalho.

3.3.4        Jornada de trabalho

A jornada de trabalho será analisada conforme o que dispõe o art. 2º, p. único, III, “b”, da Lei 7.853/89; e o art. 35, § 2º, do Decreto 3.298/99, in verbis:

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: (...)

III - na área da formação profissional e do trabalho: (...)

b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns; (...)

Art. 35.  São modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência: (...)

§ 2º  Consideram-se procedimentos especiais os meios utilizados para a contratação de pessoa que, devido ao seu grau de deficiência, transitória ou permanente, exija condições especiais, tais como jornada variável, horário flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às suas especificidades, entre outros.

Referente à contratação de pessoa portadora de deficiência, pode ser admitida a sua contratação para o exercício de trabalho em tempo integral, bem como para o exercício de atividades em jornada reduzida, como, por exemplo, a tempo parcial, com jornada de 25 horas semanais.

Observa-se que existe a Medida Provisória 2.164/01, mas que se encontra em pausa, tratando da redução das férias. Portanto, recomenda-se a concessão de férias integrais nos termos da Constituição, inclusive quando o empregado é contratado para uma jornada inferior a 44 horas semanais, sendo admissível o recebimento de salário proporcional ao número de horas trabalhadas.   

Verifica-se que ao suscitar a possibilidade de contratos com jornada reduzida ou trabalho a tempo parcial não se pretende discriminar a pessoa portadora de deficiência e tampouco precarizar suas condições de trabalho. Na verdade, a jornada reduzida é algo absolutamente compatível com os interesses de vários grupos sociais (por exemplo: mulheres, idosos, pessoas portadoras de deficiência, estudantes).

Não obstante o Decreto 3.298 tratar da possibilidade de jornada variável e horário flexível, o fato é que nem o decreto e nem a legislação trabalhista definem essas modalidades de trabalho. Acredita-se, contudo, que o referido decreto pretendeu somente deixar claro que a contratação de pessoas portadoras de deficiência pode diferir, quando necessário, das contratações normalmente levadas a efeito no que concerne à fixação de horário de trabalho, considerando a eventual necessidade ou conveniência de se estabelecer jornadas reduzidas de trabalho; trabalho em dias alternados; horário móvel a ser definido diretamente entre o empregado e o empregador; trabalho sob o regime de banco de horas, dentre outras hipóteses.

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Sobre a autora
Fernanda Pereira Costa

Advogada, Especilista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fernanda Pereira. A inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3323, 6 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22270. Acesso em: 3 mai. 2024.

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