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A inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho

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06/08/2012 às 17:41
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O ordenamento jurídico brasileiro possui dispositivos legais aptos a eliminar, ou pelo menos diminuir, as barreiras impostas aos portadores de deficiências com relação ao ingresso ao mercado de trabalho, apesar do preconceito e da visão distorcida sobre estas pessoas.

RESUMO

O trabalho apresentado trata da inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho.

Primeiramente, será feito um breve estudo sobre as pessoas portadoras de deficiência em que demonstrará um panorama histórico, também será relatado como se deu a evolução no Brasil, e ainda qual é a terminologia adotada, o conceito de pessoa portadora de deficiência e as diferenças entre a incapacidade e a deficiência.

Em segundo plano o trabalho fará referência à pessoa portadora de deficiência no ordenamento constitucional brasileiro. Este capítulo faz menção as pessoas portadoras de deficiência no ordenamento constitucional brasileiro e a aplicação do princípio da igualdade em relação a estas pessoas.   

E por fim, o assunto demonstrado é a inserção do deficiente no mercado de trabalho e o sistema de cotas.  Aqui, será demonstrado o sistema de cotas para pessoas portadoras de deficiência na relação de emprego no âmbito privado e trará algumas questões polêmicas acerca do sistema de cotas.

Palavras-chave:Pessoas portadoras de deficiência, sistema de cotas, mercado de trabalho.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.BREVE ESTUDO DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. 1.1.Panorama histórico. 1.1.1  Evolução no Brasil. 1.2 A terminologia adotada. 1.3 Conceito de pessoa portadora de deficiência. 1.4 Diferença entre deficiência e incapacidade. 2 A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. 2.1 O ordenamento constitucional brasileiro  e as pessoas portadoras de deficiência. 2.1.1  A Constituição Federal de 1988. 2.2 As pessoas portadoras de deficiência na Constituição Federal de 1988. 2.2.1.Normatização constitucional. 2.3 O princípio da igualdade e a proteção da pessoa portadora de deficiência. 3   INSERÇÃO DO DEFICIENTE NO MERCADO DE TRABALHO E O SISTEMA DE COTAS. 3.1 O sistema de cotas para pessoas portadoras de deficiência na relação de emprego: setor privado. 3.1.1        Análise do art. 93 da Lei 8.213/91. 3.2.Questões polêmicas acerca do sistema de cotas. 3.2.1.O percentual indicado na legislação faz referência à empresa ou ao estabelecimento? 3.2.2 Sistema de cotas nas empresas com atividades sazonais, perigosas e/ou insalubres e  rurais. 3.2.3 O preenchimento das cotas e a terceirização. 3.2.4 O preenchimento das cotas de pessoas portadoras de deficiência e menores aprendizes. 3.3.Análise das peculiaridades do contrato de trabalho. 3.3.1. Critérios de admissão de pessoas portadoras de deficiência. 3.3.2. Salário e equiparação salarial. 3.3.3        Local de trabalho. 3.3.4. Jornada de trabalho. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O trabalho tratará de um assunto em que a legislação brasileira é considerada das mais avançadas no mundo: proteção e apoio à pessoa com deficiência. Porém, ainda existem grandes lacunas, barreiras e preconceitos a serem superados em sua aplicação, para que se estabeleça plenamente a proteção e a integração da pessoa com deficiência ao mercado de trabalho. Deste modo, a pessoa deficiente não enfrenta carência de instrumentos legais, mas de sua eficácia, pois já existe legislação perfeitamente aplicável aos casos concretos.

O tema tem sua relevância em razão do grande desafio que é fazer com que as pessoas portadoras de deficiência tenham vida com qualidade. Assim, as adaptações nas rotinas, operações e instalações dos ambientes de trabalho são necessárias e essenciais.

Como poderá ser observado o estudo está dividido em três capítulos. Para iniciar esse trabalho, no primeiro capítulo, é realizado um breve estudo das pessoas portadoras de deficiência, tratando do panorama histórico, da terminologia adotada, do conceito de pessoa portadora de deficiência, e da diferença entre incapacidade e deficiência.

Já o segundo capítulo, mostra a pessoa portadora de deficiência dentro do ordenamento constitucional brasileiro, bem como o princípio da igualdade e a proteção da pessoa portadora de deficiência.

Para finalizar, o terceiro capítulo, tem como conteúdo textual a inserção do deficiente no mercado de trabalho em que irá tratar do sistema de cotas no setor privado, bem como fazer uma análise acerca de questões polêmicas. E, por fim, faz um exame sobre as peculiaridades do contrato de trabalho da pessoa portadora de deficiência, que é o instrumento que efetiva a possibilidade de cumprimento do sistema de cotas.

Portanto, como é de se observar o tema “a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho” é um assunto muito importante na relação de emprego. Pois precisa ser abordado principalmente no que diz respeito ao sistema de cotas que a nossa legislação institui e das dificuldades das empresas por em prática.


1. BREVE ESTUDO DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

1.1  Panorama histórico

Um resumido relato histórico mostra a divisão do tratamento atribuído aos deficientes em várias fases da humanidade, o qual compreende desde as atrocidades por eles sofridas, passando pelo menosprezo, pela concessão de certas vantagens e até mesmo pelo reconhecimento de serem enviados pelos deuses.

Na mitologia grega, por sua vez, mais precisamente na sociedade espartana, a vida das crianças era decidida pelos velhos e a presença de um defeito físico poderia implicar a condenação à morte (seriam atiradas do alto do Taigeto), para que não fosse transmitida a falta de fortaleza a gerações futuras. Já aqueles que eram escolhidos para a vida eram, a partir dos doze anos, mandados para o campo, onde deviam aprender sozinhos a se sustentar. Se não morressem de fome ou frio, estariam aptos a viver como soldados espartanos.

Na sociedade romana, ou o pai matava o filho que era defeituoso (como determinava a Lei das XII Tábuas) ou o abandonava. Nesse caso, estes eram acolhidos para serem usados na prática de mendicância ou eram vendidos como escravos.

Na idade Média, os indivíduos portadores de deficiência física eram vítimas de extermínio, porque os concebiam como portadores de poderes especiais, oriundos dos demônios. Apesar disso, começaram a surgir hospitais e abrigos destinados aos doentes e também as pessoas portadoras de deficiência.

Por outro lado, no Renascimento, com o surgimento do espírito científico, os deficientes físicos começam a desfrutar de um tratamento mais humanitário.

E, na idade Moderna, alguns deficientes físicos tornaram-se notáveis no campo das artes e da literatura.

O tema da integração dos deficientes na sociedade e no mercado de trabalho nunca esteve tão presente, seja na legislação vigente, seja em estudos científicos e acadêmicos. Porém, os avanços concretos ainda são discretos, ainda tem-se um longo caminho até que as pessoas portadoras de deficiência tenham seus direitos básicos assegurados e efetivados.

1.1.1.Evolução no Brasil

No Brasil até os anos de 1940 a deficiência era conseqüência da má-formação congênita ou de doenças decorrentes da idade avançada. Existiam, ainda, os acidentes que ocorriam com pessoas adultas, sendo que nestes poucos sobreviviam. Além disso, crianças com o conhecido “retardo mental” e os adultos cegos eram afastados do meio social. Nessa época quem tinha uma deficiência era julgado incapaz para praticar um trabalho. Nesse período, as instituições filantrópicas entediam que o melhor era dar proteção e asilo a essas pessoas.

No final da década de 40 aconteceram dois fatos mundiais (Segunda Guerra Mundial e a Revolução Industrial-ocorrida nos anos 50) que fizeram com que as pessoas portadores de deficiência fossem um tema que merecesse atenção. Nesse momento as opiniões tomaram duas correntes principais: uns entendiam que os empregadores deveriam ser contra a reserva de vagas para portadores de deficiência nas grandes indústrias, enquanto outros acreditavam na reabilitação para o trabalho com fundamento na exploração das capacidades de cada trabalhador. Até o momento não existia nenhum projeto no país de ação concreta que tivesse sido pensado pelo poder público ou por particulares.

Já as décadas de 1960 e 1970 apresentaram os movimentos de protesto da população e a retomada pelos grupos minoritários da Carta das Nações Unidas de 1945. Nessas décadas é que passam a existir documentos internacionais que produziram novo conceito econômico, social e político às discussões atuais sobre emprego e trabalho, como por exemplo: a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (ONU, 1971), a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975) e a Convenção 159 Sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes (OIT, 1983).

Apenas com a Constituição Federal de 1988 é que a proteção das pessoas com deficiência passou a integrar as normas constitucionais. A Constituição em vários capítulos veio concretizar os direitos sociais e individuais, incluindo os de acesso ao trabalho, dos portadores de deficiência.

A década de 1990 tem que os princípios da Convenção 159 são os estimulantes sociais das discussões dessa época. O Brasil tem estado distante de cumprir inteiramente o que estabelece a Convenção 159 em seu art.3º:

Essa política deverá ter por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilitação profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas deficientes e promover oportunidades de emprego para as pessoas deficientes no mercado regular de trabalho. 

Ao que tudo indica a distância entre a necessidade de independência econômica e social dos portadores de deficiência e a dificuldade brasileira de cumprir o que determina a Convenção foi a pedra de toque, no ano de 2000, do ressurgimento revigorado de antigos textos legais e da edição de novos. Atualmente, o Brasil tem tentado dar efetividade as suas leis de proteção a pessoas portadora de deficiência.

1.2      A terminologia adotada

Através da análise da doutrina e legislação, conclui-se que a pessoa portadora de deficiência já foi denominada das mais diversas formas, havendo, ainda hoje divergências doutrinárias acerca da melhor terminologia.

Várias eram as expressões usadas (como por exemplo: retardado, aleijado, mancos) e muitas destas assumiram com o passar do tempo, feição pejorativa e, por vezes, discriminatória. Por esse motivo, muitas dessas expressões foram sendo afastadas e rejeitadas.

Hoje, a discussão orienta-se pela escolha da melhor terminologia, sendo empregadas as seguintes expressões: pessoas portadoras de deficiência; pessoas portadoras de necessidades especiais; e, pessoas com deficiência. Ainda não se chegou a uma conclusão de qual expressão deve ser usada.

Estas três expressões demonstram uma transformação de tratamento que vai da invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigmatizá-la.

Existem doutrinadores que entendem que a expressão "pessoa com necessidades especiais" é um gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado.

Há quem diga que deve ser usado o termo “pessoas portadoras de deficiência, pois é a adotada pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação em vigor. Outros entendem ser a expressão “pessoas com deficiência” eis que é encontrada em algumas declarações internacionais e algumas vezes em doutrinas.

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Como pode ser observado encontram-se atualmente as três expressões, podendo concluir que qualquer dessas expressões poderá ser usada.

1.3  Conceito de pessoa portadora de deficiência

O conceito para se definir pessoa portadora de deficiência foi apresentado em vários instrumentos internacionais e também na legislação nacional.

Observa-se, portanto, diferentes abordagens, assim, o conceito será definido conforme o bem que se pretende proteger. Nesse sentido, a Organização Internacional do Trabalho elaborou um conceito vinculado à possibilidade de obtenção e manutenção de emprego. Já a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes traz um conceito mais amplo, voltado essencialmente para as dificuldades da vida individual e social. Por fim, o conceito da Lei 10.098/00, por tratar de questões relacionadas à acessibilidade propriamente dita, é mais elástico, considerando que os problemas atinentes à acessibilidade podem afetar permanente e/ou temporariamente, boa parte das pessoas, quer elas portem uma deficiência, quer elas estejam, momentaneamente, incapazes de usufruir sua plena capacidade motora.

 Para Luis Alberto David de Araújo[1] que define a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade.

No âmbito do direito do trabalho, conceitua-se pessoa portadora de deficiência como aquela que enfrenta maiores dificuldades para se inserir no mercado de trabalho e nele se manter e desenvolver, especialmente quando comparado às pessoas que não portam tais limitações, necessitando, pois, de medidas compensatórias com vistas a efetivar a igualdade de oportunidade e o acesso ao emprego.

1.4  Diferença entre deficiência e incapacidade

Deficiência e incapacidade têm significados diferentes, ou seja, ter deficiência não é ter incapacidade. Segundo o dicionário Aurélio, deficiência significa falta, carência; insuficiência. Já incapacidade quer dizer falta de aptidão, de habilidade.

Observa-se, então, que a pessoa portadora de deficiência não é essencialmente incapaz para o trabalho.

Rubens Valtecides Alves[2] adverte que considerar uma pessoa portadora de deficiência física como incapaz é igual a diminuí-la a um ser inútil. Em certas situações os deficientes físicos não podem praticar determinados trabalhos, mas são na maioria das vezes trabalhadores em potencial como qualquer outra pessoa.

Como pode ser observado, o Decreto 3.298/99, em seu art.3º, conceitua de maneira diferente as expressões deficiência, deficiência permanente e incapacidade, confirmando a distinção de conteúdo entre os vários conceitos.

Art. 3o  Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Dessa forma, é verificada nas atuais contratações de pessoas portadoras de deficiência que as limitações de significativa parte das deficiências não levam, obrigatoriamente, à incapacidade para o trabalho. Constata-se que quando apresentada alguma oportunidade à pessoa portadora de deficiência, esta se mostra apta ao trabalho, devendo apenas se descobrir a compatibilidade entre o trabalho e a limitação.


2        A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

2.1 O ordenamento constitucional brasileiro e as pessoas portadoras de deficiência

A primeira vez em que se fez menção às pessoas portadoras de deficiência (conhecidas, nessa época, como desvalidos) no ordenamento constitucional brasileiro foi na constituição de 1934, que, também, foi a primeira a inserir direitos sociais.

A Constituição de 1937 era ainda elementar na referência que fazia. As Constituições seguintes (de 1946 e 1967) não fizeram qualquer menção em relação às pessoas portadores de deficiência, mas vale destacar que foram as primeiras a inserir os direitos trabalhistas e previdenciários.

Encontra-se na Emenda 01 de 1969 a primeira referência constitucional expressa às pessoas portadoras de deficiência. Esta emenda constitucional alterou o artigo 175, §4º da Constituição Federal de 1967 que passou a ter a seguinte redação:

Art.175- A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.

§4º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais.

Como pode ser observado o dispositivo faz referência à expressão “excepcionais” e em comentário a essa disposição constitucional alguns doutrinadores a conceituaram. Como exemplo, tem-se Pontes de Miranda[3] que afirma que “excepcionais está, aí, por pessoas que, por faltas, ou defeitos físicos ou psíquicos, ou por procedência anormal (nascido, por exemplo, em meio social perigoso), precisam de assistência”.

A autora Nair Lemos Gonçalves[4], no texto em que comenta o artigo 175, §4º da CF de 1967, já mencionava a necessidade de normas para a integração das pessoas portadoras de deficiência mental, inclusive, com o objetivo de capacitar e profissionalizar os portadores de deficiência de modo a possibilitar que eles encontrassem oportunidades de emprego e acesso social. Logo veio a Emenda 12 de 1978 que trouxe um único artigo prevendo:

É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente mediante:

I- educação especial e gratuita;

II- assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País;

III- proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e salários;

IV- possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.

Verifica-se que a Emenda constitucional mencionada, inseriu no ordenamento constitucional tutelas ligadas à educação; reinserção na vida econômica e social; ao trabalho; e, por fim, a questão urgente da acessibilidade aos edifícios e logradouros públicos.

Embora a Emenda 12/78 tenha trazido direitos relacionados à pessoa portadora de deficiência, somente com a Constituição Federal de 1988 é que se tem um avanço no assunto. O presente texto constitucional foi além dos princípios e decidiu prever direitos das pessoas portadoras de deficiência em diversas áreas, além disso, parte das normas relacionadas ao tema na Constituição são normas programáticas, que dependem de legislação ordinária para sua regulamentação e nota-se que significativa parte já foi promulgada.

2.1.1 A Constituição Federal de 1988

Vários dispositivos da Constituição brasileira são dedicados a amparar as pessoas com deficiência no desejo de ressaltar que são estendidos a elas todos os direitos inerentes à cidadania e à dignidade, norma fundamental da estrutura da Magna Carta.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, caput, estabelece que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Com o que dispõe esse artigo considera-se que dignidade e pessoa humana devem ser levadas em conta em toda interpretação constitucional, pois se violado haverá a ausência de justiça. Nota-se, portanto, que a aplicação da Constituição e das leis deve tomar por conta a repercussão democrática dessas leis, tanto na origem, quanto no efeito. Não se trata puramente de aplicar a lei, ou qualquer lei. Deve ser uma lei democraticamente elaborada e voltada, sua aplicação, para os interesses do povo.

O art. 3º da Constituição Federal é à base das ações afirmativas públicas e privadas. A norma não se transige com a mera afirmação dos direitos de cidadania e dignidade, mas exige uma postura pró-ativa do Estado e da sociedade para que as desigualdades econômicas, políticas e sociais sejam enfrentadas e, efetivamente, superadas por meio de ações imperativas.

Dessa forma, O art. 3° é outro dispositivo da Constituição de 1988 que deve ser observado:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse dispositivo mostra que todos os cidadãos brasileiros devem ter uma vida digna.

Com base nisso, tanto o Estado como a sociedade estão obrigados a juntar esforços para promover a proteção das pessoas portadoras de deficiência e efetivar os direitos tutelados na Constituição e nas leis.

2.2 As pessoas portadoras de deficiência na Constituição Federal de 1988

Na Constituição Federal de 1988 foram introduzidos vários dispositivos acerca dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Vale destacar que foram inseridas, também, diversas normas relativas ao trabalho do portador de deficiência. Observa-se, portanto, que houve um grande avanço no assunto após 1988 com a promulgação da Carta Magna desse ano e, também, com as diversas leis ordinárias promulgadas após esse período.

2.2.1  Normatização constitucional

A Constituição Federal de 1988 prevê normas ligadas ao direito do trabalho das pessoas portadoras de deficiência, tanto no âmbito privado, tanto no âmbito público.

Afirma, Jaime Jose Bilek Iantas[5], de forma contundente que sensível aos anseios da população na batalha por uma sociedade justa, democrática e contra qualquer forma de discriminação, na Constituição de 1988, na esteira da Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Assembléia Geral da ONU, foi inserido diversos dispositivos de proteção a pessoa portadora de deficiência.  

Ao tratar da pessoa com deficiência, a Constituição determinou a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência (artigo 23, II); a competência concorrente para legislar visando à proteção e integração do deficiente (artigo 24, XIV).

O artigo 7º, XXXI, da CF, dentre o rol de direitos trabalhistas aplicáveis aos trabalhadores urbanos e rurais, proíbe qualquer discriminação salarial e critérios de admissão de trabalhadores com deficiência, dessa forma, assegura o princípio da igualdade.   

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

A respeito desse dispositivo Maria Aparecida Gugel[6] entende que esse artigo é de vital importância, eis que a nação brasileira assume o compromisso de admitir a pessoas com deficiência como trabalhador, desde que as limitações físicas não sejam incompatíveis  com a atividade disponível.

Em relação ao setor público, o artigo 37, VIII, da CF estabelece que seja reservado, por lei, um percentual de cargos e empregos públicos as pessoas com deficiência e também sejam definidos os critérios de admissão. Esse dispositivo estipula a discriminação positiva na esfera da administração direta e indireta. É o texto, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

Esse dispositivo salienta que o candidato portador de deficiência não poderá habilitar-se para qualquer vaga, mas apenas para aquela que esteja apto.

O artigo 203, IV e V, da CF prevê, in verbis:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...)

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Nota-se que o artigo mencionado estabelece que a assistência social será prestada a quem dela precisar, independentemente de contribuição à seguridade social. E tem como objetivos a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração a vida comunitária; a garantia de um salário mínimo mensal a essas pessoas e ao idoso que comprovem não ter meios de se manter, ou que sejam mantidos por sua família, conforme dispuser a lei. A referida lei á que trata do benefício assistencial (Lei 8.742/93) Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS[7].

Por sua vez, a educação das pessoas portadoras de deficiência é especificamente tutelada no ordenamento constitucional vigente em dois dispositivos distintos, quais sejam artigos 208, III e 227, §§ 1º e 2º:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

(...)

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Primeiramente prevê o artigo 208, III, da CF que a educação é dever do Estado e será efetivado pela garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Já o artigo 227, § 1º II, prevê é necessária a criação de programas de prevenção e atendimento especializados para os portadores de deficiência (física, sensorial ou mental), bem como a integração social do adolescente com deficiência, por meio de treinamento para o trabalho, convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos físicos.

Além disso, o § 2º do artigo 227, dispõe sobre a acessibilidade dos deficientes às escolas, aos hospitais, aos parques e aos locais de trabalho.

A Carta Magna ainda traz instrumentos para defesa e garantia dos direitos fundamentais assegurados às pessoas portadoras de deficiência, como o mandado de segurança coletivo e a ação civil pública (arts. 5º, LXX e 129, III).

E, ainda, a Constituição ao proibir em seu art. 60, § 4º, IV, qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, traz mais uma vez em seu texto um grande avanço na proteção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Ocorre que os direitos e garantias individuais tratados no inciso IV dizem respeito aos direitos elencados no art. 5º e nos do art. 6º, ambos da Constituição.

Entende-se, então, que nenhuma reforma poderá reduzir os níveis de proteção social dispostos originariamente no texto constitucional, cabendo sempre a manutenção de certos conteúdos determinados na Constituição, especialmente os que integram o núcleo material da ordem constitucional.

2.3 O princípio da igualdade e a proteção da pessoa portadora de deficiência

O princípio da igualdade está previsto no art.5º, caput, da Constituição Federal, este princípio vem à frente de todos os direitos e garantias fundamentais, orientando a interpretação a ser dada aos direitos e deveres individuais e coletivos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 A Carta Magna de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo que todos têm o direito de tratamento idêntico. Embora seja essa a determinação da lei, hoje não é mais suficiente considerar todos iguais perante a lei, é preciso tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida das desigualdades. Desse modo, surge para o Direito o que se conhece como isonomia material.

É no contexto de tratamento diferenciado das pessoas que se encontram em circunstâncias de desigualdade que o legislador constituinte com base no princípio da igualdade reservou a devida atenção à questão relacionada aos direitos pertinentes às pessoas portadoras de deficiência.

No mesmo sentido Alexandre de Moraes[8] entende que:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, e exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito(... ).

Ademais, uma forma de efetivar o princípio da igualdade seria a proibição de toda e qualquer forma de discriminação.

A Constituição Federal de 1988, em art.7º, XXXI, traz expressamente a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

Contudo, ao fazer uma análise superficial pode-se chegar a uma conclusão equivocada de que a proteção dada aos portadores de deficiência gera uma quebra do princípio constitucional da igualdade. Verifica-se que no caso dos direitos protetivos da pessoa portadora de deficiência não existe conteúdo discriminatório, uma vez que há total compatibilidade entre estas e os interesses constitucionalmente tutelados. Cabe destacar que o próprio Direito do Trabalho já tem esta característica marcante de proteger o hipossuficiente na relação contratual de modo a tentar reduzir as desigualdades existentes entre os detentores do capital e da força de trabalho, mediante normas elaboradas e interpretadas de acordo com o principio protetivo. Como este, pode-se dizer que existem muitos exemplos de discriminação legítima (é aquela que não ofende ao princípio constitucional da igualdade).

Esse modo atual de considerar o princípio da igualdade como igualdade material, ressalta a vedação geral do arbítrio, ou seja, a proibição de medidas legislativas arbitrárias. Considera-se lei arbitrária aquela que trata desigualmente as pessoas em situações iguais, e, igualmente situações desiguais sem que haja um motivo para a diferença ou identidade no tratamento. Conclui-se, que deve haver uma igualdade proporcional.

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Sobre a autora
Fernanda Pereira Costa

Advogada, Especilista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fernanda Pereira. A inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3323, 6 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22270. Acesso em: 20 abr. 2024.

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