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Uma crítica interdisciplinar quanto ao exercício do poder pelo juiz: a correlação entre o juiz pacificador dos instrumentalistas e o líder carismático weberiano

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A discricionariedade do juiz que demonstra o paternalismo de um ser sábio, onipotente e promovedor de justiça é que aproxima a concepção de líder carismático de Weber com a Escola Instrumentalista do Processo.

Trata-se de artigo com o fim de realizar uma análise crítica interdisciplinar nas áreas do Direito Processual e da Sociologia Jurídica, em que o problema central é demonstrar o quanto a concepção de juiz da Escola Instrumentalista do Processo e a ideia de líder Carismático de Weber estão relacionadas e ao mesmo tempo em desconexão com o modelo do Estado Democrático de Direito. Para tanto, inicialmente foi realizada uma análise sobre a Teoria de Weber sobre os tipos de dominação social, especialmente a carismática. Posteriormente, disserta-se acerca da Escola Instrumentalista do Processo e a relação desta com a ideia de dominador carismático. Em seguida, discorreu-se acerca do marco teórico adotado: a Teoria Neoinstitucionalista do processo, partindo daí a crítica à discricionariedade concedida ao juiz pelos instrumentalistas, característica muito compatível com o dominador carismático weberiano, o que demonstra o completo desrespeito ao pressuposto da imparcialidade do juízo, ao devido processo legal e, por consequência, ao Estado Democrático de Direito.

Palavras-Chave: Dominação Carismática. Escola Instrumentalista. Discricionariedade. Estado Democrático de Direito.


INTRODUÇÃO

 A delegação de poder ao Estado é imprescindível para a existência de um Estado de Direito. Entretanto, isso não significa que se trata de uma autorização para a perpetuação do autoritarismo estatal e de seus agentes, devendo ser preservada a legalidade, principalmente os direitos fundamentais constitucionalizados, numa perspectiva do Estado Democrático de Direito.

O poder estatal, advindo do povo, é uno e indivisível, sendo, portanto, inadequada a denominada tripartição de poderes concebida por estudiosos que interpretaram de forma errônea as concepções de Montesquieu.

Nesse sentido, entendem vários doutrinadores.

(...) Paulo Bonavides, ao discorrer sobre o declínio e a reavaliação da doutrina da separação dos poderes, difundida a partir de Montesquieu, concede razão aos autores que consideraram a literal separação dos poderes como causa de destruição da unidade do poder estatal, indivisível por natureza. (DIAS, 2010, p. 15)

Por outro lado, a forma de exercer o poder é divisível, através das três funções fundamentais – legislação, administração e jurisdição – e dos órgãos responsáveis por efetivá-las. 

No presente trabalho, pretende-se enfocar na questão específica da atividade do juiz ao exercer a função jurisdicional como agente representante do poder estatal, ressaltando-se, desde já, a necessidade de limitação desse poder através das normas, em especial aquelas pertinentes aos direitos fundamentais.

Ressalta Aroldo Plínio Gonçalves que, nessas consideradas ordens jurídicas soberanas, ou seja, no Estado de Direito, “o poder legitimamente constituído se exerce nos limites da lei, e a função jurisdicional, que traz implícito o poder uno e indivisível do Estado, que fala pela nação, se exerce em conformidade com as normas que disciplinam a jurisdição”. (DIAS, 2010,p. 24)

Nesse passo, sendo o juiz agente atuante do poder estatal, a partir da jurisdição, verifica-se que a ele se aplica a análise brilhantemente formulada por Max Weber sobre os tipos de dominação social.

Diante disso, com fim de realizar uma análise crítica interdisciplinar, baseando-se no Direito Processual e na Sociologia Jurídica, pretende-se demonstrar o quão relacionado está o juiz na concepção dos instrumentalistas com a ideia de dominador carismático.

Ocorre que a doutrina majoritária, refletida na legislação processual brasileira, concebe o processo como instrumento de jurisdição, sendo o juiz um pacificador social, um indivíduo capaz de produzir justiça.

Nesse artigo, buscar-se-á expor de forma clara o quão inadequado é esse posicionamento ante o modelo constitucional do Estado Democrático de Direito, justificando, principalmente, tal incompatibilidade pela visão de juiz na perspectiva de um líder carismático.

Para isso, primeiramente, discorrer-se-á acerca da Teoria Weberiana, dissertando, de forma breve, a respeito dos tipos de dominação social, especialmente a dominação carismática.

Ficará evidente a incompatibilidade entre o tipo de dominação carismática e o modelo de Estado Democrático de Direito.

Em seguida, será feita uma análise quanto à Escola Instrumentalista do Processo, desenvolvida a partir dos estudos de Cândido Rangel Dinamarco, que partiu das concepções da Teoria da Relação Jurídica, muito difundida no Brasil por Enrico Túlio Liebman.

Objetiva-se indicar a concepção equivocada de processo dessa teoria em razão de diversos motivos, dentre eles a visão de magistrado como um típico líder carismático, nos moldes concebidos pela citada teoria weberiana.

Para embasar a crítica, nos capítulos seguintes, discorrer-se-á sobre o marco teórico adotado, a Teoria Neoinstitucionalista do Processo de Rosemiro Pereira Leal, que concebe o processo de forma diferenciada dos instrumentalistas, exigindo presença do pressuposto da imparcialidade do juízo, combatendo a ideia de juiz pacificador e onipotente.

Nesse sentido, em conclusão, defende-se que a atuação do juiz, representante do poder estatal, enquanto líder carismático, na forma defendida pela doutrina majoritária, mostra-se desconexa com o Estado Democrático de Direito, que impõe que os cidadãos devem ser capazes de perseguir seus direitos e efetivá-los por diversas maneiras, inclusive pelo processo.

Ou seja, o juiz deve possibilitar que as partes discutam seus interesses e apresentem seus argumentos em defesa de seus direitos. Não cabe ao magistrado a função de pacificador social dotado de poder para exercer medidas paternalistas, tornando os cidadãos meros coadjuvantes.


A DOMINAÇÃO CARISMÁTICA E SUA INADEQUAÇÃO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O estudo da sociologia jurídica para o Direito é fundamental, sendo muito útil inclusive para tecer uma análise crítica, seja positiva ou negativa, às concepções da doutrina em vários ramos do direito.

Nesse artigo, por exemplo, pretende-se demonstrar tal utilidade da sociologia, realizando-se uma crítica ao modo como doutrina majoritária sobre Direito Processual concebe o juiz e sua forma de atuação no processo relacionando à sociologia da dominação desenvolvida pelo sociólogo Max Weber.

Traça-se a partir dessa teoria uma relação entre poder e dominação.

Particularmente nas formações sociais economicamente mais relevantes do passado e do presente – o regime feudal, por um lado, e a grande empresa capitalista, por outro -, a existência de dominação desempenha o papel decisivo. Dominação, como logo veremos, é um caso especial de do poder.

(...)

Dominação, no sentido muito geral de poder, isto é, de possibilidade de impor ao comportamento de terceiros a vontade própria, pode apresentar-se nas formas mais diversas.  (WEBER, 1999, p. 188)

E qual seria a relação do juiz com essa sociologia da dominação?

WEBER (1999) ressalta que “o juiz é um homem privilegiado pelo monopólio de fornecer a uma parte uma decision, por meio da qual esta pode forçar terceiros a determinados atos ou, ao contrário, proteger-se contra a exigência, por parte destes, de realizar certos atos”.   

Tendo em vista que o juiz é um agente público, atuante do poder estatal através da atividade jurisdicional, comprova-se a possibilidade de se fundamentar a crítica à concepção da doutrina majoritária processual sobre a atuação do magistrado com base nos estudos weberianos sobre dominação e poder.

Em síntese, Weber discorreu acerca dos três tipos legítimos de dominação, quais sejam: dominação legal ou burocrática, dominação tradicional e dominação carismática.

Antes de se fazer uma análise sobre o tipo de dominação carismática, faz-se importante discorrer brevemente sobre as duas outras formas de dominação.

A forma de dominação legítima classificada como dominação tradicional ou como denominada também por alguns autores de dominação patriarcal, justifica-se em uma fonte de autoridade, nesse caso, “a do “ontem eterno”, isto é, “dos mores santificados pelo reconhecimento inimaginavelmente antigo e da orientação habitual para o conformismo.[...]Teríamos como exemplo aquele domínio exercido pelo patriarca e pelo príncipe relativo a seu patrimônio.”(QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 129)

Pela dominação burocrática, assim se entende:

Finalmente, há do domínio da legalidade, em virtude da fé na validade do estatuto  legal e da competência funcional, baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se o cumprimento das obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno servidor do Estado e por todos os portadores de poder que, sob este aspecto, a ele se assemelham. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVERIA, 2002, p.129).

Esse tipo de dominação “corresponde ao tipo especificamente moderno de administração, racionalmente organizado, ao qual tendem as sociedades ocidentais e que pode aplicar-se tanto a empreendimentos econômicos e político quanto aqueles religiosos, profissionais, etc.”(QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p.131).

Trata-se de dominação carismática aquela que “fundamenta-se em condutas cujo sentido não são racionais. [..]baseia-se na “entrega extra-cotidiana à santidade, heroísmo ou exemplaridade de uma pessoas às regras por ela criadas ou reveladas.”(QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p.131).

Para Weber, a dominação carismática justifica-se que em uma fonte de autoridade denominada “a do dom da graça (carisma), vejamos:

A do dom da graça (carisma) extraordinário e pessoal, a dedicação absolutamente pessoal e a confiança pessoal na revelação, heroísmo ou outras qualidades da liderança individual. É o domínio carismático exercido pelo profeta ou- no campo da política- pelo senhor da guerra eleito, pelo governante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do partido político. (QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002, p. 129).

É justamente essa visão de herói sábio, solucionador de todos os conflitos de forma individual, do líder carismático é que ao mesmo tempo aproxima a ideia de dominação carismática das concepções da doutrina processual majoritária e a afasta da proposta do Estado Democrático de Direito.

O modelo do Estado Democrático de Direito prevê a delegação de poder por motivos desvinculados de características de sabedoria, heroísmo, superioridade, sempre impondo limites a tais poderes e permitindo que os destinatários das decisões estatais participem da sua construção.

É nisso que a ideia de líder carismático se distancia do modelo constitucional vigente, incompatibilidade também presente nas concepções instrumentalistas, conforme se demonstrará no capítulo seguinte.


O JUIZ COMO PACIFICADOR SOCIAL: UMA VISÃO INSTRUMENTALISTA DO PROCESSO

No Estado Social, através da democracia social, os direitos coletivos ficam em primeiro plano, evidenciando-se a preocupação do Estado em reverter a crise social causada pelo liberalismo.

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Neste contexto, o Estado passa a intervir diretamente na sociedade, com isso exigindo uma participação maior do juiz no processo.

Com o surgimento da democracia social, intensifica-se a participação do Estado na sociedade e, por conseqüência, a participação do juiz no processo, que não deve mais apenas estar preocupado com o cumprimento das “regras do jogo”, cabendo-lhe agora zelar por um processo justo, capaz de permitir (a) a justa aplicação das normas de direito material, (b) a adequada verificação dos fatos e a participação das partes em um contraditório real e (c) a efetividade da tutela dos direitos, pois a neutralidade é mito, e a inércia do juiz, ou o abandono do processo à sorte que as partes lhe derem, não é compatível com os valores do Estado atual.(MARINONI, 1996, p. 66)

No campo da Hermenêutica Jurídica, o juiz também assume outro posicionamento após a crise do Liberalismo. Esse é o entendimento de Menelick de Carvalho Netto.

O juiz agora não pode ter a sua atividade reduzida a uma mera tarefa mecânica de aplicação silogística da lei tomada como a premissa maior sob a qual se subsume automaticamente o fato. A hermenêutica jurídica reclama métodos mais sofisticados como as análises teleológica, sistêmica e histórica capazes de emancipar o sentido da lei da vontade subjetiva do legislador na direção da vontade objetiva da própria lei...Aqui o trabalho do juiz já tem que ser visto como algo mais complexo a garantir as dinâmicas e amplas finalidades,sociais que recaem sobre os ombros do Estado. (CARVALHO NETTO, 1999, p. 108)

Tais ideais de participação ativa do juiz norteiam as Teorias do processo surgidas no período do Estado Social.

Primeiramente, tem-se a Teoria da Relação Jurídica, que tem como pioneiro Von Bülow. Concebe-se o processo como uma relação jurídica de direito público, a qual envolve juiz, autor e réu, se diferenciando da relação de direito material, tendo em vista que necessita da existência prévia dos chamados pressupostos processuais.

Verifica-se a inserção desta Teoria no Estado Social na medida em que, na relação jurídica processual, o interesse público prevalece sobre o individual.

[...] a relação jurídica que se estabelece no processo não é uma relação de coordenação, mas, como já vimos, de poder e sujeição, predominando sobre os interesses divergentes dos litigantes, o interesse público na resolução (processual e, pois, pacífico) dos conflitos e controvérsias. (CINTRA;DINAMARCO;GRINOVER, 1999, p. 90)

Tendo como inspiração a Teoria da Relação Jurídica, mais precisamente os estudos de Liebman, é também no paradigma do Estado Social que surge a Teoria Instrumentalista do Processo, criada por Cândido Rangel Dinamarco e seguida por doutrinadores como Ada Pelegrini Grinover, Luiz Guilherme Marinoni, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Humberto Theodoro Júnior.

O processo é tido como meio, método ou mero instrumento do exercício da jurisdição, estando a serviço da paz social.

Falar em instrumentalidade do processo, pois, não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminando os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada. O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por três ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o Estado persegue: sociais, políticos e jurídico. A consciência dos escopos da jurisdição e sobretudo do seus escopo social magno da pacificação social(v. supra, n. 4) constitui fator importante para compreensão da instrumentalidade do processo, em sua conceituação e endereçamento social e político. (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2000, p. 41)

Com relação à atuação do juiz no processo, os instrumentalistas defendem que a participação do magistrado deve ser efetiva, garantindo um processo a rigor democrático, não devendo o julgamento da lide ser prejudicado pela má ingerência das partes na instrução do processo. Assim Marinoni disserta:

O processo, como é obvio, exige que os fatos sejam verificados de forma adequada, ou melhor, para a jurisdição dos nossos dias não é concebível que os fatos não sejam devidamente verificados em razão da menor sorte econômica ou da melhor astúcia de um dos litigantes. (MARINONI, 1996: 66)

Somado a isso, Marinoni afirma que “na ideologia do Estado social, o juiz é obrigado a participar do processo, não estando autorizado a desconsiderar as desigualdades sociais que o próprio Estado visa a eliminar. Na realidade, o juiz imparcial de ontem é justamente o juiz parcial de hoje.”(MARINONI, 1996, p. 67)

Nota-se, portanto, que, no Estado Social, o juiz passa a ser o disseminador da justiça social, já que representando o Estado, agia de acordo com o interesse estatal. Essa nova postura do magistrado segundo Marinoni não feria os princípios da imparcialidade, tão pouco do contraditório.

O princípio da imparcialidade do juiz não é empecilho para a participação ativa do julgador na instrução; ao contrário, supõe-se, na fase atual, é o juiz, que sabendo que uma prova é fundamental para a elucidação da matéria fática, queda-se inerte. Nem mesmo o contraditório é arranhado pela nova postura assumida pelo juiz. O principio do contraditório, por ser informado pelo principio da igualdade substancial, na verdade é fortalecido pela participação ativa do julgador, já que não bastam oportunidades iguais àqueles que são desiguais. Se não existe paridade de armas, de nada adianta igualdade de oportunidades, ou um mero contraditório formal. (MARINONI, 1996: 66)

Ainda neste sentido, Marinoni afirma que o princípio da proporcionalidade deve ser trabalhado pelo magistrado na medida de cada caso concreto, já que é necessário uma “ponderação” dos direitos ou bens jurídicos invocados de acordo com a importância de cada um. Assim dispõe:

O principio da proporcionalidade, é claro, pressupõe um juiz aberto aos valores do seu tempo. Aliás, e aqui nos encontramos diante de outro ponto, é fundamental que os textos legais sejam lidos de acordo com os valores da Constituição e que o juiz se convença, definitivamente, de que a neutralidade é um mito. O juiz deve atuar a vontade da lei, diz Chiovenda. Mas, atuando a vontade da lei, o juiz atua, também, a sua vontade. Atua a sua vontade, compreenda-se, quando aplica a forma adequando-se aos novos tempos e aos valores, fundamentos e princípios contidos na Constituição. Na verdade, esse conjunto de idéias que decorrem da Constituição é que indica o conteúdo do direito determinado tempo e lugar. O juiz que aprende o conteúdo do direito do seu momento histórico sabe reconhecer o texto de lei que não guarda ligação com os anseios sociais, bastando a ele, em tal situação, retirar do sistema, principalmente da Constituição, os dados que lhe permitem decidir de modo a fazer valer o conteúdo do direito do seu tempo (MARINONI, 2000, p. 107-108)

Desta forma, o juiz é visto como um sujeito capaz de assegurar às partes uma decisão justa, baseando-se em suas convicções, já que está acima das partes. Defende-se que o magistrado chega a uma melhor análise da forma de condução, para que ao final a decisão justa seja tomada, decisão esta que deverá, acima de tudo, visar a vontade do Estado.

Diante disso, Bernardo Gonçalves Fernandes e Flávio Quinaud Pedron tecem uma crítica à ideologia dos instrumentalistas:

Nunca é demais lembrar que a teoria axiológica, ora criticada, busca fugir da discricionariedade, mas acaba por se afundar ainda mais na mesma. Isto ocorre na medida em que, se as normas são tratadas como valores, elas viram questões de preferências (o que é preferível ao invés do que seja devido), ficando atreladas a uma racionalidade meramente INSTRUMENTAL. Portanto, a fundamentação das decisões judiciais pautada em argumentos jurídico-normativos (com vistas a um “acesso à Justiça” qualitativo) cai por terra, já que questões politicas (ou éticas, ou morais ou pragmáticas) podem sobrepor-se a questões jurídicas, no momento de aplicação do direito.(FERNANDES; PEDRON, 2008,  p.168)

 Coadunando com este entendimento, Oliveira critica todo este “poder” que foi colocado sob responsabilidade do magistrado:

[...] o direito, ao contrário do que defende a jurisprudência dos valores, possui um código binário, e não um código gradual: que as normas posam refletir valores, no sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve questões não só acerca do que é justo para todos(morais), mas também acerca de o que é bom, no todo e a longo prazo, para nós (éticas) não quer elas sejam ou devam ser tratadas como valores. (...) as normas- quer como princípios, quer como regras – visam ao que é devido, são enunciados deontológicos: à luz de normas, posso dizer qual é a ação ordenada. Já os valores visam ao que é bom, ao que é melhor; condicionados a uma determinada cultura, são enunciados teleológicos: uma ação orientada por valores preferível. Ao contrario das normas, valores não são aplicados, mas priorizados. (OLIVEIRA, 1997, p.137)

Sendo assim, mostrou-se claramente frágil essa teoria na medida em que o juiz considerado como um “ser superior”, capaz de identificar a melhor maneira para condução do processo, mostrava-se tendencioso a um pré-julgamento, retirando a segurança jurídica, tão importante para alcançar uma efetiva e justa decisão.

 Verifica-se que a Teoria da Relação Jurídica e a Teoria Instrumentalista foram concebidas tomando como referência o falido paradigma do Estado Social, o que as tornaram falhas também. A necessidade da busca da paz social através da discricionariedade do juiz demonstra o paternalismo, comprovando-se a relação entre referidas teorias e o paradigma do Estado Social.

O juiz aqui é entendido como um ser sábio, onipotente, um agente político dotado de poder e promovedor da justiça social, características que o aproximam da concepção de líder carismático formulada por Weber. 

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Sobre os autores
Diogo Henrique Dias da Silva

Pós-Graduado em Processo Civil no CEAJUFE. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Belo Horizonte. Advogado.

Simone Amalia Calili

Mestranda em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Helder Camara.Pós- graduanda em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011).Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Diogo Henrique Dias ; CALILI, Simone Amalia. Uma crítica interdisciplinar quanto ao exercício do poder pelo juiz: a correlação entre o juiz pacificador dos instrumentalistas e o líder carismático weberiano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22320. Acesso em: 19 mar. 2024.

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