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Cidadania fiscal: o dever fundamental e a capacidade contributiva

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3. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A TRIBUTAÇÃO

Parece certo que o Estado, ao exercer a tributação, deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive no que atina com os direitos subjetivos públicos das pessoas.

Com estes preceitos, a Constituição determinou de modo negativo, isto é, através de proibições, o conteúdo possível das leis tributárias e, indiretamente, dos regulamentos, das portarias, dos atos administrativos tributários, entre outros.

Em outros termos, a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, ao fazerem uso de suas competências tributária, são obrigados a respeitar os direitos individuais e suas garantias.

Como apresenta CARRAZZA (2008), estes direitos constitucionais e suas garantias representam limitações ao poder do Estado, que não as pode desconsiderar, sob pena de invalidade do ato praticado. Neste passo, preconizava Pimenta Bueno (1958), “garantia é uma promessa que a lei estabelece para fazer respeitar efetiva e eficazmente um direito”.

Para HARADA (2000), ao contrário do que ocorre no setor privado, onde os objetivos são adequados aos recursos econômico-financeiros existentes, no setor público, primeiramente, elegem-se as prioridades da ação governamental para, depois, estudar os meios de obtenção de recursos financeiros necessários ao atingimento das metas politicamente estabelecidas.

Ainda levando em consideração as despesas públicas, nenhuma despesa pode ser realizada sem previsão orçamentária. O inciso II do artigo 167 da CF veda expressamente a “realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais”.

No que tange às necessidades públicas, VILLEGAS (2008) apresenta o seguinte pensamento:

O contribuinte tem a faculdade de, mesmo sendo tributado pela pessoa política competente, ver respeitados seus direitos públicos subjetivos, constitucionalmente garantidos.

Afinal, os direitos fundamentais do homem não foram elencados na Constituição apenas para serem formalmente reconhecidos, mas para serem concretamente efetivados, como bem o demonstrou BANDEIRA DE MELLO (2008).


4. O PRINCÍPIO REPUBLICANO E A CAPACIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio republicano leva-nos necessariamente, como podemos notar, ao princípio da destinação pública do dinheiro obtido mediante tributação. A lei que cria um tributo e que, nestes termos, exercita a competência tributária deve, em tese, atentar somente para os interesses do povo, e para o bem-estar do País.

Reforça o princípio republicano o da capacidade contributiva, agora expresso na primeira parte do § 1º do art. 145 da CF:

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.

O princípio tem por escopo o atingimento da justiça fiscal, repartindo os encargos do Estado na proporção das possibilidades de cada contribuinte. Note-se que o texto refere-se corretamente à capacidade econômica do contribuinte, que corresponde à capacidade contributiva.

O princípio da capacidade contributiva, também conhecido como princípio da capacidade econômica, é a forma de materialização do princípio da igualdade no Direito Tributário, compreendendo um sentido objetivo e um sentido subjetivo. O sentido objetivo, ou absoluto, informa que a capacidade contributiva é a presença de uma riqueza passível de ser tributada, logo, a capacidade contributiva seria um requisito para a tributação. Já o sentido subjetivo, ou relativo, dispõe qual parcela desta riqueza poderá ser tributada em face das condições individuais, funcionando como medida para gradação e limitação dos tributos (BALEEIRO, 1999).

No direito tributário, o que servirá como critério diferenciador entre os contribuintes é a menor ou maior capacidade contributiva que cada um detém. Em linhas gerais, os que ganham mais contribuirão com mais, e os que ganham menos contribuirão com menos, ou mesmo não contribuirão, de acordo com o limite de isenção.

 Capacidade contributiva em sentido objetivo funciona como fundamento jurídico para delimitar a atividade legislativa no momento da eleição fatos passíveis da dar nascimento a obrigações tributárias. Impedindo que o mero capricho do legislador venha a escolher situações que não sejam reveladoras de riqueza. Sendo assim, a elaboração de exações deve estar em harmonia com a Ciência das Finanças, pois é esta disciplina que estuda as situações que espelham as manifestações da riqueza das pessoas. Com isso não se quer dizer que o legislador esteja condicionado a tributar toda e qualquer manifestação de riqueza, pois a escolha de que situações serão efetivamente tributadas é sempre uma decisão política (COSTA, 2006).

Da leitura deste dispositivo constitucional emerge, de modo inequívoco, a necessária correlação entre os impostos e a capacidade contributiva. Para CARRAZA (2008), o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do quem tem menor riqueza. Em outras palavras, as pessoas devem pagar seus tributos na proporção dos seus haveres.

Sobre o princípio da capacidade contributiva, VILLEGAS (2008) traz como noções:

“Sin perjuicio de precisiones posteriores, digamos por ahora que la capacidade contributiva puede consistir em la aptitud económica de los membros de la comunidad para contribuir a la cobertura de los gastos públicos.”

É um princípio que goza de consenso geral. Muitos estão convencidos de que os valores de justiça e igualdade são razoavelmente cobertos quando se estabelece a possibilidade de pagamento público pelos membros da comunidade segundo seu nível de riqueza. É claro que o princípio tem os seus críticos, entre quem se contam, naturalmente, os cidadãos mais abastados e as empresas mais poderosas.

De acordo com DERZI (apud BALEEIRO, 1997):

O art. 145, §1º, fala em pessoalidade sempre que possível. A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao contrário, o advérbio sempre acentua o grau da imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. E quando será impossível? A doutrina costuma apontar a hipótese dos impostos que são suportados pelo consumidor final, como exemplo de tributação não-pessoal. É que nos impostos incidentes sobre a importação, a produção ou a circulação, o sujeito passivo, que recolhe o tributo aos cofres públicos (o industrial ou o comerciante), transfere a um terceiro, o consumidor final, os encargos tributários incidentes. Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadoria de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo.

O princípio da capacidade contributiva informa a tributação por meio de impostos. Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada justiça fiscal.

Conforme VILLEGAS (2008), a capacidade tributária do contribuinte tem quatro implicações transcendentais, quais sejam:

“a) Requiere que todos los titulares de médios aptos para hacer frente al tributo contribuyan, salvo aquellos que por no contar con un nível económico mínimo quedan al margen de la imposición; b) El sistema tributario debe estructurarse de tal manera que quienes tengan mayor capacidad económica tengan uma participación más alta en las rentas tributarias del Estado; c) No pueden seleccionarse como hechos imponibles o bases imponibles, circunstancias o situaciones que no sean abstractamente idóneas para reflejar capacidade contributiva; d) En ningún caso el tributo o conjunto de tributos que recaiga sobre un contribuyente puede exceder la razonable capacidade contributiva de las personas, ya que de lo contrario se atenta contra la propriedade, confiscándola ilegalmente.”

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Com o ajustamento dos impostos à capacidade contributiva, a remoção dos obstáculos de ordem econômica e social que limitam é facilitada e permite que os cidadãos cumpram, perante a comunidade, seus deveres de solidariedade política, econômica e social. É por isso que, em nosso ordenamento jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. O atendimento ao princípio da capacidade contributiva está intrinsecamente ligado ao respeito ao princípio da progressividade.

Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do poder do Estado, na busca de uma sociedade mais igualitária, menos injusta, impondo uma tributação mais pesada sobre aqueles que têm mais riqueza.


CONCLUSÃO

Ao longo deste artigo, procurou-se mostrar que o contribuinte deseja receber serviços com qualidade compatíveis com os tributos que paga e que a carga tributária deve observar os limites da capacidade contributiva de cada cidadão, em busca de um tratamento igualitário.

A relação entre a administração pública e o cidadão-contribuinte poderá ser melhorada à medida que se criem oportunidades de ouvi-lo e se dê maior transparência à aplicação dos recursos públicos, procedimentos que se devem aliar à moralidade administrativa e à educação tributária, além de colaborar na formação da cidadania, conscientiza a pessoa sobre a responsabilidade social dos tributos, capacitando-o a colaborar com o processo tributário.

Por fim, constatou-se ser imperativa a transparência na relação entre o Estado e o cidadão, sobretudo para que haja eficácia das atividades e dos serviços executados pelo Estado.

Ressalta-se, ainda que para êxito nas relações fisco/contribuinte e se diminuam os ilícitos fiscais, faz-se necessário que haja uma consciência dos participantes da sociedade para discutir e defender os interesses públicos e o bem-comum, desconsiderando os interesses particulares dos representados; que o Estado honre suas em suas ações os compromissos assumidos e que suas atitudes sejam coerentes, a fim de fortalecer os liames entre Estado e contribuinte.


REFERÊNCIAS

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª ed. ver. Ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

CATARINO, João Ricardo. – Para uma teoria política do tributo. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1999.

CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, Códigos Atlas. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 1986.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Coleção Saraiva de Legislação. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

DERZI, Misabel Machado apud BALEEIRO. Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997.

DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio – Relatório Nacional Brasileiro, In: A IV JORNADAS LUSO-HISPÂNICO-AMERICANAS DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS, Estoril, 1970 – La evasion Legal Impositiva: Concepto y problema: ACTAS: Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1970.

GONÇALVES, João Gomes – A Tributação, a relação Estado/cidadão e o controle social. Brasília: ESAF (mimeo), 1999.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2003.

LOUREIRO, Célio e LINS, Miguel. Teoria e Prática de Direito Tributário. Rio de Janeiro, Edição Forense, 1º edição, 1961 

MARITAIN, Jacques apud, MALTEZ, José Adelino – Princípios de Ciências Políticas: O problema do Direito. Lisboa: ISCSP, 1996.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Aspectos práticos da teoria da imposição tributária. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária. 2. ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 1998.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. 3ª ed. ver. Atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1997.

NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.

OLIVEIRA, Régis Fernandes et al. Manual de Direito Financeiro. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores/Serviço de Documentação, 1958; Rio de Janeiro, 1857.

SMITH, Adam apud, DEODATO, Alberto, - Manual de Ciência das Finanças. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

VECCHIO, Giorgio Del. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de Antônio José Brandão. Atualizada por Anselmo de Castro. Coimbra: Armênio Amado, Editor, Suc., 1972.

VILLEGAS, Curso de finanzas, derecho financeiro y tributario. 9ª ed. Buenos Aires: 2008.

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Sobre o autor
Strauss Liszt Nasar dos Santos

Especialista em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Strauss Liszt Nasar. Cidadania fiscal: o dever fundamental e a capacidade contributiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3340, 23 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22475. Acesso em: 22 dez. 2024.

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