RESUMO: O presente trabalho tem como objeto o estudo do princípio da capacidade contributiva em face do dever fundamental de pagar tributo, em busca de uma cidadania fiscal. Analisa a efetividade do princípio republicano e da capacidade contributiva nas relações fisco/contribuinte e suas características. Discorre sobre a adequação dos princípios para que sejam mecanismos hábeis para prover os recursos em benefício da coletividade, sem olvidar os limites dos imperativos fiscais. O artigo tem como principais referenciais teóricos CARRAZA, HARADA, VILLEGAS, MARTINS, MORAES, NABAIS e BALEEIRO.
PALAVRAS-CHAVE: Cidadania Fiscal, Capacidade Contributiva, Tributo, Princípio Republicano, Poder Fiscal.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, analisamos a cidadania fiscal diante de dois prismas: o princípio da capacidade contributiva e o dever fundamental de pagar tributo. Ao longo da história da tributação, assim era visto o tributo: como um ato de império do estado sobre os indivíduos. Era uma transferência compulsória de recursos privados ao estado. Idéia abandonada a partir da Constituição Federal de 1988, que, apesar de não trazer de modo explícito o dever fundamental de pagar impostos, em diversos dispositivos traz como dever do estado e da sociedade o financiamento de certas atividades.
As modernas constituições, a exemplo da Carta Cidadã de 1988, estabelecem um sistema tributário que vincula o pagamento de impostos à capacidade contributiva, necessária para uma tributação equânime, conferindo um caráter pessoal ao pagamento de impostos – o que confirma tratar-se de dever fundamental. O resultado disso é um sistema tributário capaz de assegurar, de um lado, o financiamento do Estado para o atendimento das necessidades da sociedade, mediante justa distribuição da carga tributária.
A história parece demonstrar o fato de que, desde os albores das relações sociais, o cidadão é averso a despender uma nesga da sua economia para o pagamento de impostos, taxas, emolumentos e outros gravames do gênero, de modo que foi sempre problemático, sob este aspecto, o relacionamento da Sociedade com o Estado.
Está repleta a literatura de passagens dando conta da antipatia recíproca das pessoas físicas e jurídicas com o Poder, quando o móvel da relação configura o tributo. Com efeito, no caso de demanda ou controvérsia, nem sempre o desfecho é tranquilo, nomeadamente para a pessoa ou empresa que se achava alcançada no seu direito de não pagar, haja vista a vis da lei que alberga o Estado.
Discussões, querelas mais fortes e até revoluções se originaram da cobrança (justa e injusta) de impostos, sendo revelador, por exemplo, desta repugnância natural o estatuto dos publicanos da Roma dos cesáres, havidos como estrato inferior. Possuía carga negativa de acepção, há poucas dezenas de anos, a expressão "fiscal do Estado", denotativa, então, de exploração, comportamento escroque e furto (velado ou não).
Os exageros tributários, a reversão inadequada dos recursos na implementação de bens, serviços, e programas sociais, bem assim os pesados onera incidentes sobre os atrasos, de uma parte, e o cultural exercício da sonegação, para maximização do interesse ou até para garantir a sobrevivência, de outro lado, é que sustentam essa polifonia de vozes adversas ao imposto, quando ainda não se atingiu a plenitude dos ideais de cidadania. Assim, na dependência da civilização e da cultura, são menos ou mais travosas as ligações Sociedade/Estado, tendo por objeto os impostos.
O Tributo, do que o Estado não pode prescindir, é figura bastante complicada, ao ponto de ter sido necessário a Sociedade instituir, modificando-o pro rata tempore, um corpo necessário de doutrinas e normas para delinear, regular e administrar os impostos (Direito Tributário), freando o arrebatamento rigorista estatal e neutralizando o laxismo do cidadão que paga tributos e recebe (deve receber) revertidos os bens e serviços do primeiro, mas que, com ou sem razão, resiste ao cumprimento dos deveres tributários.
1. O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTO
As implicações do poder têm sido estudadas sob os mais diferentes enfoques das Ciências Humanas, consistindo, quase sempre, numa relação em que de um lado “está quem manda” e do outro, “quem obedece”. Sendo assim, o poder é considerado “causa” e a correspondente obediência, é “efeito”.
O Estado desempenha um papel singular no desenvolvimento econômico e social de um país, com grandes reflexos na vida do cidadão. Para o seu aprimoramento físico, moral e intelectual, o cidadão conta com os meios postos à disposição pelo Estado que, exercendo sua soberania, estabelece um conjunto de regras que orientam a conduta dos que habitam em seu território.
Sobre a origem e a natureza do Estado o doutrinador VILLEGAS (2009) observa:
“El Estado ha sido definido de diferentes maneras, pero para las finanzas públicas, puede utilizarse el término como sinónimo de lo que usualmente se llama gobierno. El origen y la naturaliza del Estado ha originado polémicas y profundos estúdios que corresponden a la ciência política. Algunos creyeron que el Estado surgió de um contrato concertado entre los indivíduos de uma comunidade para protegerse reciprocamente y mejorar el bienestar de los componentes. Otros sostuvieron que los soberanos recibieron el poder por decisión de la divinidad y que los súbditos tenían ciertos deberes para com su rey, por derivación de su poder sagrado.”
O poder estatal é manifestado pelos órgãos estatais, segundo BONAVIDES (2000). Ensina esse autor que “todo Estado é poder, em sua essência e substantividade. O que difere são as formas como esse poder se manifesta e como ele se distribui”.
É em seu território que o Estado exerce o poder de império sobre as pessoas e as coisas que se encontram nele.
DEL VECCHIO (1972) observa que todas as atividades administrativas desenvolvidas pelo Estado moderno devem estar em conformidade com as leis. Mas, para o autor, a lei não deve ser um comando arbitrário de quem detém o poder, e sim a “expressão da igual liberdade de todos os que fazem parte da mesma ordem jurídica e que, por conseguinte, estão obrigados a observá-la, justamente por ela ser o registro das vontades de todos eles”.
O Estado, para cumprir com o seu papel institucional, deve dispor de uma estrutura organizacional e administrativa, além de recursos financeiros e humanos para dar suporte às suas atividades. Sendo detentor da soberania, tem o poder de atribuir aos seus habitantes determinadas obrigações pecuniárias e compulsórias, que são os tributos.
Segundo MORAES (1997), o poder fiscal, como poder de instituir tributos, encontra a sua legitimação na soberania do Estado, não podendo este sofrer qualquer tipo de supressão por se constituir na principal fonte de recursos para atender as necessidades da coletividade por meio das despesas públicas.
O poder fiscal é conceituado por MORAES (1997) como a “faculdade ilimitada que o Estado possui para criar tributos e exigi-lo das pessoas que se encontram dentro do âmbito de sua soberania territorial”. No entanto, como assegura CARRAZZA (2008), no Estado de Direito, “as pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária e sem obstáculo algum diante dos contribuintes”, devendo estes entes tributantes se submeterem a “um rígido regime jurídico” para garantia do contribuinte.
Ainda sobre poder fiscal, VILLEGAS (2009) traz a definição:
“Es la faculdad que tiene el Estado de crear, modificar o suprimir unilateralmente tributos. La creación obliga al pago por las personas sometidas a su competencia. Implica, por tanto, la facultad de generar normas mediaten las cuales el Estado puede compeler a las personas para que le entreguen una porción de sus rentas o patrimonios para atender las necesidades públicas.”
O artigo 111 do Código Tributário determina que se deve interpretá-lo literalmente, ou seja, na forma como está escrita a legislação tributária naquilo que disponha sobre “suspensão ou exclusão do crédito tributário; outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”.
O Estado exige o tributo dos cidadãos para, em troca, prestar-lhes serviços públicos e promover o bem-comum. Nessa relação, deve ficar evidente que não prevalece a vontade do cidadão de eximir-se da obrigação de pagar os seus tributos. É uma relação em que prevalece a vontade do Estado em receber as receitas tributárias e a obrigação do contribuinte em pagar seus tributos. A maior garantia da manutenção da justiça, neste caso, são os dispositivos constitucionais que asseguram os direitos do cidadão e do Estado.
Na definição legal do tributo está expresso que se trata, pois, de uma prestação pecuniária compulsória. O Código Tributário Nacional define tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
MORAES (1997) considera que o tributo deve ser exigido pelo Estado, independentemente da contraprestação, em forma de benefício, em relação ao contribuinte que paga. E assegura que “o indivíduo, pelo fato de ter pago, não tem o direito de pretender, do Estado, qualquer atividade, pois apenas adimpliu obrigações decorrentes de lei”. Assegura ainda que “o dever de pagar tributo nasce, naturalmente, do fato de o indivíduo sujeitar-se ao Estado”.
Ainda conforme MORAES (1997), essa condição de obrigatoriedade é a chamada “teoria do poder de império ou do poder soberano”. O Estado, apesar de possuir o poder fiscal, só pode manifestá-lo mediante uma lei, aceita pelo povo, devendo esta ser submetida à aprovação pelo Poder Legislativo, representante deste povo.
No Estado de Direito, toda a atividade do fisco é baseada exclusivamente na lei, sendo este “forçado a desdobrar-se em funções específicas que permitam harmonizar certo discricionarismo com a legalidade”, limitando ao máximo a “faixa de arbítrio e reduzindo-a ao mínimo em face da competência vinculada à lei”. No entendimento de LINS e LOUREIRO (1961), a discricionariedade e a faixa de arbítrio são exclusividade do Direito Administrativo e não do Direito Tributário.
Como apresenta DÓRIA (1970), dada a tensa relação tributária entre a Administração Tributária e o contribuinte que, na maioria das vezes, procura resistir à “contratação compulsória do patrimônio particular” em forma de tributo pelo Estado, é que gradativamente foi gerada toda a “superestrutura dos princípios, normas e limitações que formam o arcabouço do Direito Tributário contemporâneo”.
Assim para MORAES (1997), fica evidente que somente a lei pode manifestar o poder fiscal do Estado de instituir os tributos para o financiamento das despesas públicas. Com a norma jurídica tributária, o poder fiscal deixa de ser um poder de fato e passa a ser um poder jurídico. Portanto, no Estado moderno e democrático, o poder fiscal, aquele que institui tributos, se manifesta através da edição de normas jurídicas para serem cumpridas tanto pelo Estado como pelos contribuintes.
Esse poder está expresso tanto na Constituição Federal como também no Código Tributário Nacional. A Constituição Federal estabeleceu no artigo 150, inciso I, o que se segue:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
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O Código Tributário Nacional – CTN, por uma questão de segurança jurídica, no seu artigo 97, foi taxativo naquilo que somente pode ser estabelecido por intermédio de lei:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
Essa prerrogativa constitucional, na verdade, é uma garantia para ambos os entes da relação jurídico-tributária: o sujeito ativo, que é o próprio Estado, e o sujeito passivo, o contribuinte do tributo.
A despesa pública é custeada pela arrecadação fiscal e segundo BALEEIRO (1969), pode significar duas coisas: “Em primeiro lugar, designa o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos”. Pode, também, significar “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro duma autorização legislativa, para execução de fim a cargo do governo”.
O importante é ressaltar que a despesa pública há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público que é aquele interesse coletivo, encampado pelo Estado.
Se for verdade que o Estado fundado na propriedade privada e nos meios de produção, é obrigado a sobreviver mediante tributos, não é menos verdade que sem tributos e contribuintes não se pode construir nenhum Estado, nem Estado de Direito, nem muito menos um Estado Social, portanto, é princípio de justiça tributária que todos devam pagar tributos com base em sua capacidade contributiva.
O conjunto de tributos e suas respectivas normas jurídicas formam o sistema tributário, cujo nível de complexidade e participação na economia varia em cada país. A eficiência do sistema tributário é um fator fundamental para que haja justiça fiscal aliada ao desenvolvimento econômico e social.
2. A RELAÇÃO ENTRE O FISCO E O CONTRIBUINTE
O Estado, em seu território exerce a soberania e tem o poder para, através de uma relação jurídica com o cidadão (contribuinte), criar tributos para custear suas despesas referentes à prestação dos serviços de interesse da coletividade e à preservação dos serviços de interesse da coletividade e à preservação do bem-comum. Portanto, o poder de tributar constitui uma manifestação do poder do Estado.
Como assinala BALEEIRO (1999):
“para auferir o dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais: a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d) tomam ou forçam empréstimos; e) fabricam dinheiro metálico ou de papel”.
O Estado distingue-se pela soberania que lhe é inerente e pela faculdade de utilizar a coação, obedecidos os princípios da ética, para impor suas decisões aos seus cidadãos. No Estado democrático esse poder emana do próprio povo.
Já se foi o tempo em que o Estado supria suas necessidades financeiras por meio de conquistas, de doações voluntárias e de vendas de bens de seu patrimônio. O crescimento de despesas públicas, resultante do acesso das massas ao poder político, tornou imprescindível ao Estado lançar mão de outras fontes de obtenção de recursos financeiros, capazes de manter um fluxo regular e permanente de ingressos.
Segundo CARRAZZA (2008), a tributação era realizada por meio tirânico: cabia ao monarca instituir os tributos e aos súditos, sem reclamar, a obrigação de pagá-los. E mesmo após o fim do feudalismo, quando a aprovação dos tributos dependia dos “conselhos do reino” ou das “assembleias populares”, o povo não ficou resguardado do arbítrio do poder tributante.
CATARINO (1999) destaca que “o facto tributário existiu antes dos conceitos de soberania e de Estado” e reporta-se à origem dos tributos como uma vertente punitiva, relacionando-o aos despojos de guerra para a “satisfação dos vencedores e custeio das despesas da conquista”, evidentemente incidindo sobre os povos vencidos.
Pela complexidade de suas atribuições e considerando as relações conflituosas que se estabelecem no exercício das atividades fiscais, diz-se que “o fisco tem na sua agressividade o seu atributo natural”.
Para SMITH (apud DEODATO, 1984), há quatro princípios denominados “cânones”, que devem ser observados ao se instituir os impostos. São eles:
· Princípio da justiça:
Os cidadãos de um Estado devem contribuir para a existência do governo, na maior escala possível, em proporção da renda por eles auferida sob a proteção do Estado;
· Princípio da certeza:
O imposto ou parte do imposto que o cidadão é o obrigado a pagar deve ser certo e não-arbitrário. A época do pagamento, o modo, a soma que deve ser paga, tudo deve estar claro e preciso, tanto para o contribuinte como qualquer outra pessoa;
· Princípio da comodidade:
Todo imposto deve ser arrecadado em época e modo que possam ser possivelmente presumidos e declarados como os mais cômodos para o contribuinte;
· Princípio da economia:
Obter o máximo proveito com o mínimo esforço, ou seja, todo imposto improdutivo deve ser afastado e todo imposto cujo serviço de lançamento e arrecadação seja mais dispendioso que a quantia a entrar para o Fisco, deve ser desprezado.
Esses princípios são de importância fundamental e servem de bússola para os administradores fazendários traçarem suas políticas tributárias, que tem como foco o cidadão-contribuinte, na busca de um sistema tributário justo e eficiente.
Sobre o poder de império e o dever de pagar tributo, leciona VILLEGAS (2008):
“La prestación que configura el tributo se exige mediante la coacción, o sea, la facultad de ‘compeler’ el pago de la exacción requerida. La coacción se manifiesta especialmente en la presidencia de la voluntad del obligado encuanto a la creación del tributo. La ‘bilateralidad’ de los negocios jurídicos es substituida por la ‘unilateralidad’ encuanto al nacimiento de la obligación.”
Somente com o Estado de Direito é que os contribuintes tiveram certas garantias contra esses abusos e o “poder de tributar” passou a ser limitado pelas constituições, que estabeleceram o Princípio da Legalidade.
O Estado de Direito, que limita os poderes públicos, assegura o império da lei como “expressão da vontade popular”. No Estado de Direito tanto os governantes quanto os governados sujeitam-se ao império da lei. O princípio da legalidade se constitui num princípio básico do Direito Tributário e da garantia da justiça fiscal, sendo que todo ato administrativo tributário deve ser respaldado por este princípio sob pena de se tornar nulo.
Na relação jurídica entre o Estado e o contribuinte existem no Direito Tributário características do Direito das Obrigações. Conforme MACHADO (1996), Essas características ficam patentes por haver uma relação jurídica entre sujeito ativo (Estado) e um sujeito passivo (contribuinte), envolvendo uma prestação (tributo). A relação jurídica tributária entre o Estado e o contribuinte é de natureza obrigacional e impositiva.
Para MARTINS (1998), que formulou uma teoria geral sobre a imposição tributária, o fato que provoca maiores implicações na existência do Estado é a imposição tributária que, por estar associada às questões econômicas, sociais e políticas, deu origem a quase todos os grandes movimentos revolucionários da história, dada a aplicação inadequada de políticas tributárias.
Ainda para MARTINS (1996), a participação desmedida do Estado nas relações econômicas transformou a norma tributária em norma de rejeição social, incluindo esta norma dentre aquelas que “poucas pessoas cumpririam sem sanção”, ou seja, “nas normas de rejeição social, a sanção é o único elemento efetivamente assegurador de seu cumprimento, pois sem ela a grande maioria da sociedade não lhe obedeceria”.
Apresentam-se, portanto, dentre os motivos enumerados por MARTINS (1998), os que tornaram as normas tributárias rejeitadas socialmente:
· Definição de objetivos e necessidades pelo Estado incompatíveis com os interesses coletivos;
· Desperdícios dos recursos públicos com gastos supérfluos;
· Contribuintes apenados com medidas tributárias injustas;
· Insatisfação dos contribuintes que pagam suas obrigações com relação àqueles que não pagam;
· Fiscalização excessiva e amoral;
· Elevação de carga tributária para compensar a sonegação fiscal.
Apesar de o tributo ter uma função socioeconômica e se constituir no principal instrumento financeiro para o financiamento das atividades do Estado, o cidadão reage à sua imposição por meio de alegações tais como: o tributo é injusto; a carga tributária já é elevada; não há retorno social do que paga em forma de tributo, ou seja, o gestor das finanças públicas e assim por diante.
O conflito entre o cidadão-contribuinte e o Estado quanto às questões tributárias parece ter como uma das causas a desconfiança mútua. Se houvesse participação do cidadão nas políticas públicas e maior transparência nas ações do Estado, acredita-se que, em parte, esse conflito se reduziria. Porém para GONÇALVES (1999), “para os governantes, a sociedade não colabora, a maioria de seus elementos são sonegadores de impostos e só sabem criticar. Para o cidadão comum, os governantes e os políticos são desonestos em sua grande maioria e não administram os recursos públicos na busca do bem-estar da população.”.
Analisando o princípio da coerência do sistema fiscal no contexto dos limites formais da tributação, NABAIS (1998) observa que:
“... por toda a parte, se assiste ao apelo a uma superação da actual cultura do segredo e à reinvindicação de uma culturade transparência, de modo a que haja um maior equilíbrio entre o relevantíssimo interesse fiscal na justa e atempada arrecadação das receitas fiscais, de um lado, e os direitos fundamentais do contribuinte (...) e o interesse público (...) do outro”.
Conforme conceitua MARITAIN (apud MALTEZ,1996), o cidadão-contribuinte conscientizado tem conhecimento de sua responsabilidade social de pagar seus tributos, porém exige que haja respeito mútuo na relação jurídica e uma justa e transparente aplicação dos recursos públicos para que se tenha mais credibilidade e menos antagonismo nessa relação. O desejável seria que a autoridade do Estado, na questão tributária, fosse obedecida pela consciência, da maneira como os homens livres obedecem no interesse do bem comum.