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Asilo e refúgio políticos: o caso Julian Assange

27/08/2012 às 08:05
Leia nesta página:

Serão analisadas as normas de Direito Internacional que regulamentam a proteção à Missão Diplomática, o asilo e o refúgio políticos, a fim de verificar a legalidade – ou não – dos atos praticados pelo Equador e pela Inglaterra.

Desde 2010, o australiano Julian Assange, um dos criadores e editores do site WikiLeaks1 (que publica documentos confidenciais de órgãos públicos e privados), enfrenta problemas judiciais e políticos, após ter divulgado milhares de documentos sigilosos do governo dos EUA.

Assange era domiciliado na Suécia (onde está, ou supõe-se estar, situada a sede física do WikiLeaks) e tinha a cidadania sueca. Entretanto, após ter sido acusado (e condenado) pela prática de crimes de abuso sexual e estupro, perdeu sua cidadania sueca e passou a residir em Londres.

Nos Estados Unidos também há processo em andamento e ordem de prisão contra Assange, pela referida divulgação de documentos militares sigilosos no WikiLeaks.

Após o pedido de extradição feito pela Suécia à Inglaterra, Assange foi inicialmente detido, passou para a prisão domiciliar e, em maio de 2012, a Supreme Court do Reino Unido decidiu definitivamente o pedido, negando o recurso de Assange e determinando sua extradição para a Suécia. A principal discussão envolveu a legalidade (ou não) da ordem de prisão emitida por um promotor (o que é permitido na legislação sueca), considerando que na Inglaterra (e no Brasil, com a exceção dos casos de flagrante e de prisão militar – art. 5º, LXI, da Constituição) apenas autoridade judiciária tem competência para determiná-la.

Diante disso, no dia 19 de junho de 2012, Julian Assange abrigou-se na Embaixada do Equador, em Londres, e requereu a concessão de asilo político.

No dia 16 de agosto de 2012, o Equador concedeu asilo diplomático a Julian Assange, mantendo-o em sua Embaixada.

Em contrapartida, o governo da Inglaterra ameaça desrespeitar esse ato, por meio de rompimento das relações diplomáticas do Equador e o consequente ingresso na Embaixada equatoriana, ou pela ausência de permissão de saída para que Assange deixe o prédio oficial do Equador e transite pelo território inglês2.

Neste artigo serão analisadas as normas de Direito Internacional que regulamentam a proteção à Missão Diplomática, o asilo e o refúgio políticos, a fim de verificar a legalidade – ou não – dos atos praticados pelo Equador e pela Inglaterra.


Inviolabilidade e Dever de Proteção da Missão Diplomática

Conforme prevê o Artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, o local da missão diplomática (ou local consular) é inviolável, e os agentes do Estado acreditado não podem ingressar nele sem o consentimento do Chefe da Missão:

“Artigo 22

1. Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão”.

O dispositivo também dispõe que é obrigação do país receptor da missão diplomática a adoção das medidas necessárias para proteger os locais da missão:

“Artigo 22

(...)

2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade.

3. Os locais da Missão, em mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”.

Como visto, a Inglaterra pretende efetivar a extradição de Assange para a Suécia, ainda que para isso seja necessário o desrespeito ao território equatoriano (isto é, de sua Embaixada), inclusive por meio da prisão durante o trajeto até um porto ou aeroporto.

Uma lei britânica de 1987 (Diplomatic and Consular Premises Act) permite indiretamente a revogação do status da missão diplomática. A Seção 1 de sua Parte I permite que o Secretário de Estado britânico defina os locais que poderão ser utilizados como Missões Diplomáticas e Consulares, bem como cancele tal delimitação, por duas razões: (a) quando o país acreditado deixar de utilizar a propriedade para os fins autorizados; (b) ou simplesmente quando revogar sua autorização, independentemente de motivação, para o uso do local como instalação diplomática ou consular3.

Entretanto, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas igualmente regulamenta essa questão, e protege a sede da missão diplomática inclusive no caso de suspensão temporária ou rompimento das relações entre os países.

Essa é a previsão do Artigo 45, ‘a’:

“Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois Estados, ou se uma Missão é retirada definitiva ou temporariamente: a) o Estado acreditado está obrigado a respeitar e a proteger, mesmo em caso de conflito armado, os locais da Missão bem como os seus bens e arquivos”.

Logo, ainda que a Inglaterra suspenda suas relações diplomáticas com o Equador, deverá respeitar a Embaixada do Equador e não poderá invadir o local da Embaixada ou prender Assange durante o trajeto até sua saída do país.

Ainda que lei inglesa autorize e seja aplicada pelos agentes administrativos, persistirá a responsabilidade internacional do país pela violação à Convenção de Viena.


Asilo e Refúgio Políticos

O asilo e o refúgio políticos são institutos diferentes no Direito Internacional, com algumas características similares.

Em comum, ambos possuem caráter humanitário e são medidas unilaterais que não demandam reciprocidade, tendo ainda o mesmo objetivo, de conferir autorização para um estrangeiro fixar domicílio no país.

Quanto às distinções, o asilo político é concedido em virtude de uma perseguição político-criminal, enquanto no refúgio existe risco à liberdade ou à vida da pessoa em seu país, por razões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, ou em consequência da violação generalizada de direitos humanos.

Na doutrina, o asilo é definido como a proteção conferida “(...) a uma pessoa cuja vida ou liberdade se acha ameaçada pelas autoridades de seu país por estar sendo acusado de haver violado a sua lei penal, ou, o que é mais frequente, tê-lo deixado para se livrar de perseguição política”4. De modo semelhante, Francisco Rezek conceitua-o como sendo “(...) o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país atual – por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configurem quebra do direito penal comum”5.

Divide-se o asilo político em: (a) territorial, concedido dentro da área geográfica, ou seja, o requerente já se encontra no território do país ao qual pleiteia o asilo; e (b) diplomático, requerido no local em que se situa a missão diplomática do país, dentro do território de outro Estado (situação em que se enquadra Julian Assange).

O Artigo XIV da Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento da ONU de 1948, determina que “toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”; e que “este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas”.

O asilo político tem fundamento em diversos tratados internacionais. Por exemplo, os países da América observam dois tratados internacionais de 1954 da OEA (Organização dos Estados Americanos): a Convenção sobre Asilo Diplomático (incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 42.628/57) e a Convenção sobre Asilo Territorial (Decreto nº 55.929/65).

De forma mais ampla, a Declaração sobre Asilo Territorial da ONU (Resolução nº 2312 da Assembleia Geral), de 1967, assim trata da questão:

“Artigo 1.º

O asilo concedido por um Estado, no exercício da sua soberania, a pessoas que tenham justificação para invocar o artigo 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, incluindo as pessoas que lutam contra o colonialismo, deverá ser respeitado pelos restantes Estados.

Nenhuma pessoa sobre a qual existam motivos fundados para considerar que tenha cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, como definido nos instrumentos internacionais que contêm disposições relativas a esses crimes, pode invocar o direito de procurar e de beneficiar de asilo.

Caberá ao Estado que concede o asilo determinar as causas que o motivam”.

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Seu Artigo 4º acrescenta que “os Estados que concedam asilo não permitirão que as pessoas que tenham adquirido esse estatuto se dediquem a atividades contrárias aos objetivos e princípios das Nações Unidas”.

Logo, apesar de a concessão de asilo ser um ato soberano, encontra limites no Direito Internacional.

O refúgio é regulamentado principalmente pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, que buscava inicialmente a tutela dos refugiados após a II Guerra Mundial, e teve sua abrangência ampliada por um Protocolo de 1967. O art. 1º traz a definição de refugiado:

“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.

Enquanto o refúgio consiste em um acolhimento por razões humanitárias, abrangendo questões raciais, religiosas, de nacionalidade, grupos sociais ou por opiniões políticas, o asilo tem fundamento eminentemente político.

Outra diferenciação está no fato de que o asilo costuma ser concedido em situações personalizadas, individuais, em que uma ou determinadas pessoas sofrem perseguição política no país. Por sua vez, o refúgio é deferido em virtude de atos generalizados de perseguição em um Estado, a todas as pessoas de uma mesma raça, grupo social, religião, ascendência ou partido político, entre outros fatores.


Asilo Político a Julian Assange e Proteção da Embaixada do Equador

Diante das normas acima citadas, destaca-se que a Inglaterra não pode determinar a entrada de seus policiais na Embaixada do Equador sem autorização. Além disso, tem o dever de protegê-la.

A atitude da Inglaterra poderá importar em transgressão ao dever da não-intervenção, segundo o qual um país não pode ter ingerência, interferir ou impor sua vontade sobre outro Estado soberano, a não ser em situações excepcionais (como a proteção de direitos humanos, de interesses de nacionais do país interventor). Sobre o assunto, o Artigo 2.4 da Carta da ONU dispõe que “todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.

Ainda, deve respeitar o ato soberano praticado pelo governo equatoriano e permitir que Julian Assange deixe a Inglaterra, independentemente de salvo-conduto ou de outra espécie de autorização, alterando o status de seu asilo político, de diplomático para territorial.


Notas

1 https://wikileaks.org/

2 Conforme, por exemplo, noticiado em https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/bbc/2012-08-16/entenda-os-possiveis-desfechos-para-o-impasse-para-julian-assange.html; e em https://www.bbc.co.uk/news/uk-18521881.

3 Texto integral disponível em: <https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1987/46>. Acesso em 24 ago. 2012. A lei foi motivada pela morte da policial britânica Yvonne Fletcher em 1984, por um tiro disparado da Embaixada da Líbia, e foi aplicada em 1988, para expulsar invasores da Embaixada do Camboja. Sobre o assunto: https://www.bbc.co.uk/news/uk-18521881.

4 SILVA, G.E. do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 391.

5 REZEK, Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 214-215.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Asilo e refúgio políticos: o caso Julian Assange. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3344, 27 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22498. Acesso em: 21 nov. 2024.

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