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Instituto do habeas corpus: a figura do jus postulandi e o (in)acesso à justiça

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4. DO HABEAS CORPUS E O (IN) ACESSO À JUSTIÇA

No escopo de se trata o presente artigo, traz-se à baila a questão do Direito Processual Penal. Assim, no campo Processual Penal, com a prática de uma conduta prevista como em lei como ilícito penal, surge um conflito de interesses entre o Direito Subjetivo do Estado, visando a punição do infrator (jus puniendi) e o direito de liberdade do autor da conduta (jus libertatis). Emerge-se, assim, a pretensão punitiva que é a exigência de subordinação do interesse do autor do ilícito penal ao interesse do autor do ilícito penal ao interesse do Estado.

Neste plano, não pode o Estado promover a imposição de seu interesse repressivo. Assim, a oposição do titular do direito de liberdade frente à pretensão punitiva do Estado faz surgir, desta forma, a lide penal, que somente pode ser equaciona pela jurisdição.

O conflito de interesses, resultante da oposição do titular do jus libertatis a pretensão punitiva estatal, não pode ser solucionado pelo instituto da autodefesa, que pressupõe a aplicação da força e, assim, a negação de direito, com o predomínio do mais forte sobre o mais fraco.

O princípio do devido processo legal, previsto no Artigo 5º, LIV, da Constituição Federal, assim dispõe: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Assim, somente por meio de um processo, no qual sejam observadas as prescrições legais, é que se torna possível a imposição de sanção ao infrator. Assim, em sede de desobediência ao Princípio Constitucional acima mencionado, é de direito que o indivíduo impetre o Remédio Constitucional do Habeas Corpus, a fim de evitar ou fazer cessar a violência ou coação à liberdade de locomoção decorrente e ilegalidade ou abuso de poder. Em seu Art. 5º, LXVIII, dispõe a CF/88: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

A grande problemática aqui tratada não é o instituto do Habeas Corpus, enquanto remédio Constitucional, mas, sim, desde a sua impetração e a eficácia da produção de seus efeitos. O Habeas Corpus tem sua origem no Direito Romano, onde todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine[13].

Em linha de entendimento doutrinário, é apontada divergência quanto á origem, atribuindo à mesma, ao que se encontrava positivado no Capítulo XXIX da Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra, em 1215. Tal dispositivo encontrava-se no art. 48 do referido diploma e assim dispunha: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento por seus pares, de acordo com as leis do país”.

No Brasil, o diploma do Habeas Corpus foi introduzido em caráter inicial, no Código Criminal de 1832, que assim determinava em seu art. 340: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito de pedir uma ordem de Habeas Corpus em seu favor”. Conforme lição de Fernando Capez explicita-se a natureza jurídica do referido instituto:

Ação Penal Popular com assento constitucional, voltada à tutela da liberdade ambulatória, sempre que ocorrer qualquer dos casos elencados no art. 648 do Código de Processo Penal. Nas hipóteses previstas nos incisos II, III, IV e V, assume a função de verdadeira ação penal cautelas. Nos incisos VI e VII, funciona como ação rescisória (constituição negativa), se o processo estiver em andamento. No inciso I, poderemos ter a ação cautelar, declaratória ou constitutiva, dependendo do caso[14].

Após a explanação acerca da natureza jurídica do Habeas Corpus, em consonância com o objeto de estudo do presente artigo, partir-se-á para o entendimento da legitimidade ativa para a impetração do referido Remédio Constitucional.

No que tange à impetração do Habeas Corpus, é realizado por qualquer pessoa, denominada impetrante. No escopo deste instituto cita-se o órgão jurisdicional a quem é endereçada, o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer a coação – denominado paciente; o nome de quem exerce a coação ou ameaça; a descrição dos fatos que configurem o constrangimento; a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo.  Em sede de explanação da legitimidade para impetração, cita-se jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que de maneira clara e objetiva trata da questão em tela:

RECURSO DE "HABEAS CORPUS". SE QUALQUER PESSOA PODE IMPETRAR "HABEAS CORPUS" EM FAVOR DE OUTREM (ART. 654 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL), NÃO HÁ DE SE EXIGIR QUE, PARA RECORRER, ESTEJA MUNIDO DE PROCURAÇÃO. INEPCIA DA DENUNCIA. ARGÜIÇÃO NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL "A QUO". RECURSO PROVIDO, PARA QUE SEJA APRECIADO O PEDIDO EM TODA A SUA EXTENSAO. 654 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (60287 ES, Relator: DJACI FALCAO Data de Julgamento: 13/09/1982, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 08-10-1982 PP-10188 EMENT VOL-01270-01 PP-00171)[15].

Diante do exposto, aparentar-se uma simplicidade para impetração do presente instituto. Porém, há de ressaltar os requisitos para que se configurem as possibilidades para sua admissibilidade, ou não. Para melhor entendimento, cita-se o que dispõe a legislação frente ao caso, em sede de inadmissibilidade:

Arts. 138 CF/88: O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.

Art. 139, I e II CF/88: Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no artigo 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

I – obrigação de permanência em localidade determinada;

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

Art. 142, §2º CF/88: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam?se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Súmula 694 STF: Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.

Súmula 395 STF: Não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.

Súmula 695: Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.

Súmula 692 STF: Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito.

Dando continuidade ao raciocínio, cita-se, aqui, os pressupostos de admissibilidade. Para tanto, assim positiva o Art. 648 do Código do Processo Penal:

Art. 648. A coação considerar?se?a ilegal:

I – quando não houver justa causa;

II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para faze?lo;

IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;

VI – quando o processo for manifestamente nulo;

VII – quando extinta a punibilidade.

Nas breves linhas acima mencionadas, o que se percebe é que não é um instituto de simples operacionalização. A figura do impetrante necessita, assim, ser possuidor de um arcabouço cognitivo para que sua petição obtenha êxito quanto sua demanda jurisdicional. Além do que fora exposto no que diz respeito à impetração e à legitimidade da impetração, há de se expor, ainda, os institutos da legitimidade passiva;  da competência; do processamento; do julgamento e efeitos; e dos recursos.

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Buscando referendar a complexidade que engloba o rol do Habeas Corpus, cita-se, infra, instituto jurisprudência que coaduna com o escopo da complexidade de operacionalizar o presente Remédio Constitucional pelo jus postulandi, onde Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus n.º 82.959-7/SP, decidiu que o artigo 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, padecia de vício de inconstitucionalidade por vedar a progressão de regime prisional aos condenados por crimes hediondos.

Ementa

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER.

A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

Decisão

Apresentado o feito em mesa pelo Relator, o julgamento foi adiado. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 01.07.2003. Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Março Aurélio, Relator, e Carlos Britto, que deferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e assentar o direito do paciente à progressão no regime de cumprimento da pena, e dos votos dos Senhores Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, indeferindo-a, pediu vista o Senhor Ministro Cezar Peluso. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 06.08.2003. Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Março Aurélio, Relator, e Carlos Britto, que deferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e assentar o direito do paciente à progressão no regime de cumprimento da pena; dos votos dos Senhores Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que a indeferiam; e o do Senhor Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o Relator e cancelava ex officio o aumento da pena do artigo 226, III, do Código Penal, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, os Senhores Ministros Nelson Jobim e Joaquim Barbosa. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 18.12.2003. Decisão: Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Gilmar Mendes, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Senhor Ministro Maurício Corrêa. Plenário, 28.04.2004. Decisão: Após os votos dos Senhores Ministros Março Aurélio (Relator) e Carlos Britto, que deferiam a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e assentavam o direito do paciente à progressão do regime de cumprimento da pena; dos votos dos Senhores Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que indeferiam a ordem; do voto do Senhor Ministro Cezar Peluso, que acompanhava o Relator e cancelava ex officio o aumento da pena do artigo 226, III, do Código Penal; e do voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes, que declarava a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º, com eficácia ex nunc, pediu vista dos autos a Senhora Ministra Ellen Gracie. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 02.12.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista da Senhora Ministra Ellen Gracie, justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº 278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 24.02.2005. Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, "incidenter tantum", a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Presidente (Ministro Nelson Jobim). O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. Votou o Presidente. Plenário, 23.02.2006[16].

Assim, a complexidade frente à jurisprudência explicitada, evidencia como a atuação do jus postulando torna-se incompatível com o acesso à justiça, mas em contrapartida, torna-se compatível com o acesso ao judiciário.

Diante do que fora exposto com o Habeas Corpus n.º 82.959-7/SP, percebe-se que o acesso à justiça na proposta de Cappelletti e Gorf, encontra eficácia de subsídios no que por ora positiva a Constituição da República de 1988 nos arts. 127 a 135, desde que tenha-se aparato financeiro e técnico para o atendimento, em especial pela Defensoria Pública,   e possibilidade de ineficácia com atuação do jus postulandi, mas referenda-se aqui o atendimento aos princípios constitucionais, em especial os da igualdade e liberdade, no que diz respeito á figura do jus postulando.


CONCLUSÃO

O presente trabalho aqui desenvolvido, referendou ao longo do seu corpo textual, buscou elucidar o processo para a construção de uma organização para instituição do acesso à justiça. Ilustrou-se como as conquistas pertinentes à institucionalização do Estado de Direito e do Estado Democrático de Direito, primando, pela obediência ao texto Constitucional em consonância com a proteção dos direitos individuais, coletivos e difusos.

O que se afirma no âmbito do acesso é justiça, encontram-se problemas para o efetivo acesso, principalmente no que diz respeito às falácias econômico-financeiras vividas pelo Estado brasileiro. Isto faz emergir a figura do jus postulandi, representando, assim, um instrumento de democratização para buscar a resposta jurisdicional do Estado, em um escopo litigioso. No que tange à figura do jus postulandi, apresentou-se um questão complexa, tendo como análise a impetração de habeas corpus, pois mesmo podendo ser impetrado por qualquer do povo, há a necessidade de obediências a critérios técnicos para seu possível provimento.

Diante de todo o exposto, o presente trabalho trata da questão do acesso à justiça como instrumento de efetivação da cidadania, mas a configuração como jus postulandi, em especial quanto à impetração de habeas corpus, pode ensejar óbice para o efetivo acesso à justiça, configurando, apenas, o acesso ao Judiciário.

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Sobre o autor
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Roberto Metzker Colares. Instituto do habeas corpus: a figura do jus postulandi e o (in)acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3375, 27 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22692. Acesso em: 18 abr. 2024.

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