I - INTRODUÇÃO
A ausência de norma específica a ditar o prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança da multa administrativa, situação que no âmbito da administração publica federal perdurou até a edição da lei 11.941/2009, determinou o surgimento de intensa polêmica acerca do prazo prescricional aplicável.
A questão foi submetida à análise do Superior Tribunal de Justiça e o Recurso Especial 1.105.442/RJ foi submetido ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil como representativo da controvérsia.
O artigo que se segue procura analisar o prazo prescricional para a cobrança da multa aplicada em razão do exercício do poder punitivo da Administração Pública e termo a quo para a contagem desse prazo prescricional, de acordo com o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Na ausência de norma específica a ditar o prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança da multa administrativa, situação que no âmbito da administração pública federal perdurou até a edição da lei 11.941/2009[1], surgiram duas posições acerca do prazo prescricional aplicável.
Para alguns, os prazos do Código Civil são aplicáveis às relações jurídicas de natureza pública ou privada, de forma que, na ausência de regra específica aplica-se a norma geral de prescrição da lei civil, ou seja, o art. 177 do Código Civil de 1916 (vintenária) ou o art. 205 do Código Civil de 2002 (decenal), conforme o prazo tenha se iniciado na vigência de um ou de outro diploma legal, observando-se sempre a aplicação da norma de direito intertemporal estabelecida no art. 2.028 do CC/2002.
Para os defensores dessa posição, as receitas não tributárias não representam débito da Fazenda Pública, o que afasta a incidência o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/32. Também não se cogita da aplicação, por analogia, desse prazo prescricional porque não existe lacuna a ser suprida, já que os prazos do Código Civil são aplicáveis às relações de natureza pública ou privada.
Nesse sentido o entendimento de Hely Lopes Meirelles, ao afirmar que a prescrição das ações a favor ou contra a Fazenda Pública rege-se pelos princípios do Código Civil, salvo as peculiaridades estabelecidas em leis especiais.[2]
Para outros há um vazio legislativo a ensejar a aplicação das regras de integração normativa. Sustentam que o art. 174 do Código Tributário não tem incidência porque não se cuida de crédito de natureza tributária. Também não teriam incidência as regras de prescrição do Código Civil, uma vez que também não se trata de relação jurídica de direito privado, mas, sim, de relação jurídica de direito público, regendo-se, por força mesmo da natureza das coisas, pelas normas de Direito Administrativo, já que se cuida de crédito de natureza evidentemente administrativa, oriundo do exercício do poder de polícia do Estado.
Por essas razões, os defensores dessa posição, reputam aplicável, por analogia, o prazo prescricional qüinqüenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32.
Celso Antonio Bandeira de Mello, ao rever posicionamento anterior, passou a defender a aplicação do prazo qüinqüenal previsto no Decreto nº 20.910/32 por reputar que esse prazo é uma constante nas disposições gerais estabelecidas em regras de direito público. Confira-se:
"(...)
No passado (até a 11a edição deste Curso)sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais deveriam ser decididos por analogia ao estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis.
Reconsideramos tal posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público.
Nestas, encontram-se duas orientações com tal caráter:
a) a relativa à prescrição em casos inversos, isto é ,prescrição de ações do administrado contra o Poder Público. Como dantes se viu, o diploma normativo pertinente (Decreto 20.910 de 6.1.32, texto com forca de lei, repita-se, pois editado em período no qual o Poder Legislativo estava absorvido pelo Chefe do Executivo) fixa tal prazo em cinco anos. Acresça-se que é este também o prazo de que o administrado dispõe para propor ações populares, consoante o art. 21 da Lei da Ação Popular Constitucional (Lei 4.717, de 29.6.65). Em nenhuma se faz discrímen, para fins de prescrição entre atos nulos e anuláveis. O mesmo prazo, embora introduzido por normas espúrias (as citadas medidas provisórias expedidas fora dos pressupostos constitucionais), também é o previsto para propositura de ações contra danos causados por pessoa de Direito Público ou de Direito Privado prestadora de serviços públicos, assim como para as ações de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta ou por danos oriundos de restrições estabelecidas por atos do Poder Público;
b) a concernente ao prazo de prescrição para o Poder Público cobrar débitos tributários ou decadencial para constituir o crédito tributário. Está fixado em cinco anos, conforme há pouco foi mencionado. Também já foi referido que, a teor da Lei 9.873, de 23.11.99 (resultante da conversão da Medida Provisória 1.859-17, de 22.10.99),foi fixado em cinco anos o prazo para prescrição da ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, a menos que esteja em pauta conduta criminosa, hipótese em que vigorará o previsto para ela. É, outrossim, de cinco anos, o prazo para a Administração, por si própria, anular seus atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé (o que, entretanto faz presumir prazo maior quando houver comprovada má-fé) consoante dispõe o art. 54 da lei 9.784, de 29.1.1999, disciplinadora do processo administrativo.
Também aí não se distingue entre atos nulos e anuláveis.
Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais,salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações.
Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.
(...)” (ob. cit., págs. 1.046/1.048).
No âmbito da Administração Pública Federal, por força da alteração inserida pela Lei 11.941/2009, o prazo prescricional de cinco anos para a propositura da ação de execução da multa administrativa passou a ser expressamente previsto no art. 1-A da Lei 9.873/99, de teor seguinte:
Art. 1º A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.
Apesar disso, a solução da controvérsia continuava a despertar o interesse da Administração Pública Federal porque antes do início da vigência desta lei, ela, nas ações em que discutida essa questão, sustentava a aplicação do prazo prescricional geral do Código Civil.
A Administração Pública Estadual e Municipal também tinham interesse na solução da controvérsia jurídica porque também defendiam que os prazos do Código Civil os prazos do Código Civil são aplicáveis às relações jurídicas de natureza pública ou privada, de forma que, na ausência de regra específica, aplica-se a norma geral de prescrição da lei civil.
A controvérsia chegou ao Superior Tribunal de Justiça e o recurso especial 1105442 foi afetado como repetitivo nos moldes do art. 543 do CPC, incluído pela lei 11.672/08.
No recurso representativo da controvérsia manifestaram-se o Município de São Paulo e todos os Estados da Federação para defender o entendimento de que: (i) os prazos do Código Civil são aplicáveis às relações jurídicas de natureza pública ou privada, de forma que, na ausência de regra específica, aplica-se a norma geral de prescrição da lei civil; (ii) as receitas não tributárias não representam débito da Fazenda Pública, o que afasta a incidência o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/32; (iii) incabível a aplicação por analogia do prazo do Decreto 20.910/32 porque não existe lacuna a ser suprida, já que os prazos do Código Civil são aplicáveis às relações de natureza pública ou privada.
Na ocasião já existiam precedentes do Superior Tribunal de Justiça pela aplicação do prazo quinquenal, conforme se verifica no voto do Ministro Castro Meira, no REsp nº 946.232/RS:
"(...)
O Tribunal a quo decidiu aplicar o prazo prescricional de vinte anos, previsto no art. 177 do Código Civil de 1916, então vigente (a ação foi ajuizada em 28.02.92). Entendeu, então, que, à míngua de previsão legal de outro prazo, caberia invocar a norma geral constante do Código Civil.
O recorrente pede que seja adotado o prazo qüinqüenal previsto no CTN e/ou no Decreto 20.910/32.
O fato de achar-se inscrito na dívida ativa não é suficiente para que o crédito exeqüendo possa ter a natureza tributária ou sobre ele incidirem as regras próprias dos créditos tributários. Como sabido, a inscrição na dívida ativa da União configura mero ato de controle da sua legalidade, que permite a formação do título executivo extrajudicial – a certidão de dívida ativa (CDA), extraída do respectivo termo de inscrição. O ato de inscrição não tem o condão de alterar a natureza do crédito de forma a transformar toda a dívida ativa em dívida tributária. Cada crédito é regido pelas normas legais inerentes à sua natureza.
O acórdão recorrido optou pela adoção por analogia do art. 177 do Código Civil de 1916, ainda que se cuide de crédito que não possua natureza civil, mas administrativa por tratar-se de multa aplicada em razão do exercício do poder de polícia exercido pela extinta Sunab.
A dificuldade acerca da questão existe porque a lei não é expressa quanto ao prazo para a cobrança de créditos dessa natureza. Inexistindo regra específica sobre prescrição, deverá o intérprete valer-se da analogia e dos Princípios Gerais do Direito como técnica de integração, já que a imprescritibilidade é exceção, somente aceita por expressa previsão constitucional.
A doutrina, em sua maioria, posiciona-se pela aplicação do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que diz respeito às dívidas passivas da Administração, por isonomia (...)
A jurisprudência desta Corte, ainda que empreste interpretação restritiva às regras de prescrição, tem analisado a matéria à luz do disposto nos arts. 1º do Decreto 20.910/32, optando por reconhecer que se deve considerar qüinqüenal o prazo em análise, sob pena de restar violado o princípio da simetria.
(...)
Cabe, assim, reformar o acórdão recorrido restabelecendo a decisão de primeira instância, tendo em vista que a prescrição de créditos de natureza administrativa se rege, por analogia, pelo art. 1º do Decreto 20.910/32, no prazo de cinco anos.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial ."
O voto proferido pelo relator Ministro Hamilton Carvalhido no recurso repetitivo reputou existir entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado sobre a aplicação do prazo quinquenal, citou diversos precedentes do STJ pela aplicação desse prazo e reafirmou esse entendimento, conforme se verifica no seguinte excerto:
De todo o exposto resulta que, conquanto se entenda não atribuir à Lei nº 9.873/99 aplicação subsidiária nos âmbitos estadual e municipal, eis que sua eficácia é própria do âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta, resta incontroverso, de todo o constructo doutrinário e jurisprudencial, que é de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito, com o vencimento do prazo do seu pagamento (cf. artigo 39 da Lei nº 4.320/64), aplicando-se o artigo 1º do Decreto nº 20.910/32 em obséquio mesmo à simetria que deve presidir os prazos prescricionais relativos às relações entre as mesmas partes e até autoriza, senão determina, a interpretação extensiva, em função de sua observância.
Dentre os diversos precedentes das duas Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça citados pelo ministro relator, destacam-se os seguintes:
'PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - COBRANÇA DE MULTA PELO ESTADO - PRESCRIÇÃO - RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO - CRÉDITO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA - INAPLICABILIDADE DO CC E DO CTN - DECRETO 20.910/32 - PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
1. Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil.
2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a título de multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa, não representando, por isso, a exigência de crédito tributário, afasta-se do tratamento da matéria a disciplina jurídica do CTN.
3. Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela .
Aplicação do princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria.
3. Recurso especial improvido.'
13. Precedentes jurisprudenciais: REsp 444.646/RJ , DJ 02.08.2006; REsp 539.187/SC , DJ 03.04.2006; Resp 751.832/SC , Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, DJ 20.03.2006; REsp 714.756/SP , REsp 436.960/SC , DJ 20.02.2006.
14. Agravo regimental desprovido. " (AgRg no Ag 951568/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 02/06/2008 – nossos os grifos).
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO.APLICABILIDADE DO DECRETO 20.910/32.
1. 'Segundo a jurisprudência do STJ, a prescrição das ações judiciais para a cobrança de multa administrativa ocorre em cinco anos, à semelhança das ações pessoais contra a Fazenda Pública, prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32. Em virtude da ausência de previsão expressa sobre o assunto, o correto não é a analogia com o Direito Civil, por se tratar de relação de Direito Público' (AgRg no Ag 842.096/MG, 2ª Turma, Relator Ministro João Otávio de Noronha DJ de 25.6.2007).
2. Agravo Regimental não provido." (AgRg no Ag 889000/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 24/10/2007 p. 206).
A decisão proferida no recurso repetitivo representativo da controvérsia reafirmou, por maioria de votos, a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e foi assim ementada:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ARTIGO 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.
1. É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32).
2. Recurso especial provido
REsp 1105442 / RJ RECURSO ESPECIAL 2008/0252043-8;Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112); S1 - PRIMEIRA SEÇÃO DJe 22/02/2011.
Assim, o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça é o de que créditos decorrentes da aplicação de multas administrativas devem ser ajuizados no prazo de 05 (cinco) anos contados do momento em que se torna exigível o crédito, ou seja, com a sua constituição definitiva após o término regular processo administrativo sancionatório.
Isso porque, o termo inicial da prescrição é fixado no momento do nascimento da pretensão, caracterizada esta pela existência e violação de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo. A propósito do tema, a doutrina de Agnelo Amorin[3] no artigo destinado a estabelecer critérios científicos para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, aqui transcrita no que interessa:
Mas há um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessa fundamentalmente às conclusões do presente estudo: os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação (actio nata), determinado, tal nascimento, pela violação de um direito. SAVIGNY, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra, dedicado ao estudo das condições da prescrição, inclui, em primeiro lugar, a actio nata, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) - existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo; e b) - violação desse direito (op. cit., tomo IV, pág. 186). Também CÂMARA LEAL afirma, peremptoriamente:
sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, ou não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem por condição primária a existência da ação.
.................................................................................................................
Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (nata) segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual tem ela por fim remover.
................................................................................................................
O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação - actioni nondum natae non praescribitur.
Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofre qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável.
Mas, se o direito é desrespeitado, violado, ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe da ação... (CÂMARA LEAL, Da Prescrição e da Decadência, págs. 19, 32 e 256).
Opinando no mesmo sentido, poderão ser indicados vários outros autores, todos mencionando aquelas duas circunstâncias que devem ficar bem acentuadas (o nascimento da ação como termo inicial da prescrição, e a lesão ou violação de um direito como fato gerador da ação).
Dessa forma, no tocante a multa administrativa, o termo inicial da prescrição é a constituição definitiva do crédito, porque a partir dessa constituição o crédito se torna exigível e o não adimplemento da obrigação autoriza o Fisco a ajuizar a correspondente ação para a cobrança do seu crédito.
Essa orientação de que o termo inicial coincide com o término do processo administrativo, quando se torna definitivo o crédito e exigível a multa aplicada, está amparada, no âmbito da administração pública federal, pela disposição contida no art. 1ª-A da Lei 9.873/99, de teor seguinte.
Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.
Dito posicionamento também encontra respaldo na doutrina, como se observa do texto extraído da Revista de Direito Administrativo, Contabilidade e Administração Pública da IOB, de autoria de Bruno Lemos Rodrigues[4]:
Para que o prazo de prescrição da ação de cobrança inicie a fluir, faz-se necessário que a multa administrativa esteja definitivamente constituída no âmbito da Administração Pública.
É certo que a Administração Pública também tem prazo para lançar multas administrativas, seja o prazo contado da efetiva prática do ato ilícito, seja contado de outro termo que o legislador escolher como inicial, porém, o objeto do presente estudo é apontar o prazo prescricional da ação de cobrança, ou seja, após constituída definitivamente a multa no âmbito administrativo, que é quando surge o direito de crédito da Administração Pública.
A multa administrativa só pode estar definitivamente constituída, após regular trâmite de procedimento administrativo com ampla defesa, como assegurado constitucionalmente. Tal definitividade ocorre com a confirmação da legalidade da multa pela Administração Pública, seja após esgotadas as vias de defesas do interessado no âmbito administrativo, seja após a fluência do prazo sem apresentação de recurso administrativo pelo interessado, mesmo que não conste nos autos do procedimento administrativo certidão do servidor público declarando a definitividade da multa.
Assim sendo, confirmada a multa administrativa lançada, a decisão será considerada coisa julgada administrativa, no dizer de alguns doutrinadores, significando que a multa será crédito da Administração Pública, sendo seu dever de ofício buscar os meios judiciais para cobrar do sancionado, diante da indisponibilidade do interesse público, se este não pagar espontaneamente, e, assim, inaugurando o prazo prescricional da ação de cobrança.
A inscrição da multa administrativa em dívida ativa só vem a suspender o prazo de prescrição em 180 dias (art. 2º, § 3º, da Lei Federal nº 6.830, de 22/09/1980), porque tal ato vem a ser controle administrativo de legalidade, além de apurar a liquidez e certeza do débito e viabilizar a propositura da ação executiva fiscal. A inscrição em dívida ativa, pois, não inaugura a prescrição, que já foi iniciada com o término em definitivo do procedimento administrativo que lhe serviu de fundamento, mas apenas suspende a prescrição não finda nos termos da norma citada.
A abordagem conjunta do prazo prescricional para a cobrança da multa administrativa e da contagem desse prazo prescricional a partir da data da constituição definitiva do crédito foi realizada pelo Superior Tribunal de Justiça na decisão assim ementada:
ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÃNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008.
1. (...).
2. A questão debatida nos autos é, apenas em parte, coincidente com a veiculada no REsp 1.112.577/SP, também de minha relatoria e já julgado sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008. Neste caso particular, a multa foi aplicada pelo Ibama, entidade federal de fiscalização e controle do meio ambiente, sendo possível discutir a incidência da Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999, com os acréscimos da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009. No outro processo anterior, a multa decorria do poder de polícia ambiental exercido por entidade vinculada ao Estado de São Paulo, em que não seria pertinente a discussão sobre essas duas leis federais.
3. A jurisprudência desta Corte preconiza que o prazo para a cobrança da multa aplicada em virtude de infração administrativa ao meio ambiente é de cinco anos, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, aplicável por isonomia por falta de regra específica para regular esse prazo prescricional.
4. Embora esteja sedimentada a orientação de que o prazo prescricional do art. 1° do Decreto 20.910/32 – e não os do Código Civil – aplicam-se às relações regidas pelo Direito Público, o caso dos autos comporta exame à luz das disposições contidas na Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999, com os acréscimos da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009.
5. A Lei 9.873/99, no art. 1º, estabeleceu prazo de cinco anos para que a Administração Pública Federal, direta ou indireta, no exercício do Poder de Polícia, apure o cometimento de infração à legislação em vigor, prazo que deve ser contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado a infração.
6. Esse dispositivo estabeleceu, em verdade, prazo para a constituição do crédito, e não para a cobrança judicial do crédito inadimplido. Com efeito, a Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, acrescentou o art. 1º-A à Lei 9.873/99, prevendo, expressamente, prazo de cinco anos para a cobrança do crédito decorrente de infração à legislação em vigor, a par do prazo também qüinqüenal previsto no art. 1º desta Lei para a apuração da infração e constituição do respectivo crédito.
7. Antes da Medida Provisória 1.708, de 30 de junho de 1998, posteriormente convertida na Lei 9.873/99, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal. Assim, a penalidade acaso aplicada sujeitava-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos, segundo a jurisprudência desta Corte, em face da aplicação analógica do art. 1º do Decreto 20.910/32.
8. A infração em exame foi cometida no ano de 2000, quando já em vigor a Lei 9.873/99, devendo ser aplicado o art. 1º, o qual fixa prazo à Administração Pública Federal para, no exercício do poder de polícia, apurar a infração à legislação em vigor e constituir o crédito decorrente da multa aplicada, o que foi feito, já que o crédito foi inscrito em Dívida Ativa em 18 de outubro de 2000.
9. A partir da constituição definitiva do crédito, ocorrida no próprio ano de 2000, computam-se mais cinco anos para sua cobrança judicial. Esse prazo, portanto, venceu no ano de 2005, mas a execução foi proposta apenas em 21 de maio de 2007, quando já operada a prescrição. Deve, pois, ser mantido o acórdão impugnado, ainda que por fundamentos diversos.
10. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao art. 543-C do CPC e à Resolução STJ n.º 08/2008. Resp 115078/RS.. Rel. Min. Castro Meira. S1 - PRIMEIRA SEÇÃO. Data do julgamento: 24.03.2010. Dje 06.04.2010.
Definido que o início do decurso do prazo prescricional – o termo inicial - para o exercício da pretensão executiva tem inicio na data da constituição definitiva do credito, cumpre registrar que essa constituição ocorre na data da solução final do processo administrativo, que pode se dar em momentos diferentes a depender da ocorrência ou não do esgotamento recursal.
Caso o interessado tenha esgotado todas as instâncias recursais, o crédito considera-se constituído na data em que ocorrer a notificação da decisão administrativa irrecorrível que mantenha total ou parcialmente o lançamento.
Na hipótese do não esgotamento das instâncias recursais, o crédito é considerado definitivamente constituído na data em que houver o decurso in albis do prazo recursal.
Em outras palavras, a constituição definitiva do crédito ocorrerá na data em que houver o decurso do prazo legal sem a interposição do recurso administrativo, ou da data da notificação da decisão definitiva sobre o recurso eventualmente interposto.
Há que se considerar, todavia, as hipóteses de interrupção do prazo prescricional, previstas no ordenamento jurídico. No âmbito federal, as hipóteses de interrupção estão previstas no art. 2º da Lei 11.941/2009, a saber:
Art. 2o-A. Interrompe-se o prazo prescricional da ação executória:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor;
V – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.”
Importante ressaltar que a inscrição do crédito em Dívida Ativa tem o condão de suspender o prazo prescricional por 180 (cento e oitenta dias), conforme disposição do §3º do art. 2º da Lei 6.830/80, a seguir transcrita:
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
Dessa forma, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para o exercício da pretensão executiva da multa administrativa e que o termo inicial para a contagem desse crédito é a data da sua constituição definitiva, cabendo considerar nessa contagem as hipóteses de suspensão e interrupção do prazo prescricional
III- CONCLUSÃO
Na ausência da lei específica a ditar o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de multa de natureza administrativa, assim entendidas todas as decorrentes do exercício do poder punitivo pelos órgãos da Administração Pública, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, por isonomia, é aplicável o prazo de cinco anos previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, contado a momento em que se torna exigível o crédito.
No âmbito da Administração Pública Federal, por forca da alteração inserida pela Lei 11.941/2009, o prazo prescricional de cinco anos para a propositura da ação de execução da multa administrativa passou a ser expressamente previsto no art. 1-A da Lei 9.873/99.
No momento em que se torna exigível o crédito, o que ocorre na data da sua constituição definitiva, tem início o decurso do prazo prescricional de 05 anos para a cobrança judicial do crédito, findo o qual não terá mais o fisco o direito de ajuizar a ação e se o fizer pode ver essa prescrição declarada de ofício pelo magistrado, conforme autoriza a disposição contida no art. 219,§ 5º,do Código Civil.
Notas
[1] A lei 11.941/2009, de 27.05.2009, incluiu na Lei 9.873 o art. 1º-A, de teor seguinte: “Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor
[2]Direito Administrativo Brasileiro, 28ª edição; Ed. Malheiros, p. 700
[3] Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para identificar as Ações Imprescritíveis. Revista dos Tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., ano 49, n. 300, pp. 7-37, outubro de 1960
[4] extraído do texto do acórdão proferido no RESP Nº 1.112.577 - SP (2009/0044141-3), disponível site do STJa