Capa da publicação Machado de Assis e Günther Jakobs: diálogo entre escravidão e direito penal do inimigo
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Uma análise do ranço da escravidão no Brasil.

Os contos “O Caso da Vara” e “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis, à luz da teoria do Direito Penal do Inimigo

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07/10/2012 às 13:21
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste presente estudo foi possível analisar os dois contos Machadianos “Pai Contra Mãe” e “O Caso da Vara” sob o olhar crítico da escravidão vigente no Brasil na época da narrativa dos respectivos enredos.

A priori, o estudo contou com apresentação dos contos, com ênfase na questão da escravidão vivenciada pelos personagens e também pelo próprio autor Machado de Assis, não dispensando aqui o leitor de uma leitura prazerosa da íntegra desses contos, uma vez que há outras questões sociais e morais não estendidas neste estudo.

Em seguida, foi analisado o contexto histórico da narrativa dos contos machadianos, intercalando o papel do escravo delinquente e suas frequentes fugas com a situação política e social daquela época, mencionando o Código Criminal do Império do Brasil e o emprego de penas desproporcionais aos escravos os quais os diferenciavam dos demais cidadãos dignos de direitos.

Também foram mencionados neste estudo fatos históricos relevantes como a Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que correram o mundo influenciando outros movimentos sociais como a Revolução do Haiti, abordada também neste estudo. O “Haitianismo” difundiu o temor de rebelião nas demais colônias, vez que em doze anos de revolução conseguiu êxito com a abolição da escravatura no Haiti.

Por fim e no decorrer deste estudo, procurou-se demonstrar o papel de inimigo do escravo em relação à sociedade brasileira dos sécs.XIX à XX, correlacionado aquela ausência de direitos fundamentais e de desrespeito à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão com a teoria do Direito Penal do Inimigo idealizada por Günther Jakobs, sustentada por uma legitimação do Estado da preservação do cidadão, dividindo-o em duas categorias distintas, os de “não cidadãos” e de “não pessoas”, esta última classificada como “inimigo”, bem semelhante aos escravos e negros daquele período imperial.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Machado de. Obras Completas de Machado de Assis - Páginas Recolhidas. São Paulo: Ed. Formar Ltda.S/D

ASSIS, Machado de. Obras Completas de Machado de Assis - Relíquias da Casa Velha. São Paulo: Formar Ltda.S/D

BUSATO, Paulo César. Reflexões sobre o Sistema Penal do nosso tempo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CANCIO MELIÁ, Manuel e JAKOBS, Günther. Derecho penal del enemigo.Madrid: Civitas Ediciones, 2003.

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FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: 2 ed. Nacional, 1976.

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SOARES, Luis Carlos. “O Povo de CAM” na capital do Brasil: A Escravidão Urbana no Rio de Janeiro do séc.XIX. Rio de Janeiro: 7 letras, 2007.

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Derecho Penal, 2ªed. Buenos Aires: Ediar, 2011.


Notas

1 Citado no livro Gênio, de Harold Bloom, renomado crítico da atualidade, entre os cem maiores escritores mundiais. Segundo Bloom, “Machado reúne os pré-requisitos da genialidade. Possui exuberância, concisão e uma visão irônica ímpar do mundo”.

2 Vide: SOARES, Luis Carlos, “O Povo de CAM” na capital do Brasil: A Escravidão Urbana no Rio de Janeiro do séc.XIX, 2007, p.230 e 231.

3 A pena de morte disposta nos art. 38. ao 43 do Código Criminal do Império determinava que a mesma fosse dada na forca depois de ter sido irrevogável a sentença, devendo ser executada no dia seguinte ao da intimação. Previa ainda que o réu, com vestido ordinário, e preso, fosse conduzido pelas ruas mais públicas até a forca, ato este acompanhado de juiz criminal do lugar onde estivesse, com o seu escrivão, e da força militar que se requisitasse. E para iniciar os atos, o porteiro lia em voz alta a sentença a ser executada,o juiz presidia a execução e o escrivão certificava o ato.Os corpos dos enforcados eram entregues a seus parentes, ou amigos,se os pedirem aos juízes que presidirem à execução, não podendo ser enterrados com pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano.A mulher grávida, em regra, não estava sujeita a forca, somente quando merecesse e após quarenta dias depois do parto.

4A pena de galés, disposta no art. 44. do Código Criminal do Império do Brasil, sujeitava os réus a andarem com calceta no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido cometido o delito, á disposição do Governo.

5 Código Criminal, artigo 60, verbis: “Se o réo fôr escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condemnado na de açoutes, e depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira que o juiz designar. O numero de açoutes será fixado na sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta” - artigo posteriormente revogado pela Lei 3.310 de 1886.BRASIL. Código Criminal do Império. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm> acesso em 13 jun. 2012.

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6 Vide SOARES, Luis Carlos:“O Povo de CAM” na capital do Brasil: A Escravidão Urbana no Rio de Janeiro do séc.XIX, 2007, p.230

7 “Sociedade dos Amigos de Negros”, era um grupo de homens e mulheres franceses, em sua maioria brancos, que eram abolicionistas (adversários do negro a escravidão e o tráfico de escravos Africanos ). A Sociedade foi criada em Paris em 1788, e permaneceu em existência até 1793. Foi conduzido por Jacques-Pierre Brissot,com conselhos de Thomas Clarkson , que liderou o movimento abolicionista no Reino da Grã-Bretanha . No início de 1789, que tinha 141 membros. Durante o período de cinco anos de sua existência, publicou anti-escravidão literatura e dirigiu as suas preocupações em um nível político substancial na Assembléia Nacional da França . Ironicamente, no entanto, qualquer real, mitigação prática legislativa da situação dos escravos iria surgir apenas após o desaparecimento da Sociedade em 1793. Em fevereiro de 1794, a Assembleia Nacional legislou o decreto da emancipação universal, o que efetivamente libertado todos os escravos coloniais.

8 Trata-se da primeira revolução de negros do período escravocrata bem sucedida em todo mundo. Em 1791 três anos antes dos franceses abolirem a escravidão em suas colônias, Toussaint L'Ouverture, um ex- escravo, lidera uma rebelião que mais tarde iria abolir a escravatura e expulsar todos os brancos da ilha. A luta dos haitianos durou cerca de 12 anos. Com medo que o exemplo dos haitianos se espalhasse pelas outras colônias que também exploravam o trabalho escravo dos negros, a Espanha e a Inglaterra se uniram aos franceses para tentar conter a rebelião no Haiti.Em 1801 Toussaint consegue vencer as tropas inglesas e espanholas. Após a sua prisão e morte os generais Jacques Dessalines e Alexandre Ption prosseguem a luta expulsando os franceses em 1803.Assim o Haiti torna-se a primeira república de negros no mundo e a segunda nação a se tornar independente na América (a primeira foi os Estados Unidos).Ver.

9 Catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito pela Universidade de Bonn, Alemanha.

10 JAKOBS, Günther.Derecho Penal del enemigo. Trad.Manuel Cancio Meliá. Madrid: Civitas, 2003

11 GOMES,Luiz Flávio. Direito Penal do Inimigo(ou Inimigos do Direito Penal) Revista Jurídica Unicoc, disponível em <www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf>

Acesso em 03set 2012.

12 ITO, Marina. Função do Direito Penal é limitar o poder punitivo.Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2009-jul-05/entrevista-eugenio-raul-zaffaroni-ministro-argentinoER , acesso em 03 set. 2012.


An analysis of rancidity of slavery in Brazil, present in the stories "The Case of the Stick" and "Father Against Mother", Machado de Assis, in the light of the theory of the Criminal Law of the Enemy.

Abstract: This study is to examine the issue of slavery in Brazil in the XX sécs.XIX based on tales machadianos "The Case of the Stick" and "Father Against Mother." The study will include notes of crime and frequent escapes of slaves described in those respective stories, making a correlation with the criminal laws in force at that time. Proposes a new look at the inhumane treatment suffered by slaves, correlating it with the theory of the criminal law of the enemy designed by Günther Jakobs.

Key words: Machado de Assis, haitianismo, slavery, enemy

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Sobre a autora
Renata Rodrigues

Advogada em Montes Claros (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata. Uma análise do ranço da escravidão no Brasil.: Os contos “O Caso da Vara” e “Pai Contra Mãe”, de Machado de Assis, à luz da teoria do Direito Penal do Inimigo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3385, 7 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22748. Acesso em: 22 nov. 2024.

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