3. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E A OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste capítulo enfrentaremos especificamente o tema proposto, qual seja, a tendência de objetivação do controle difuso de constitucionalidade o seu mais importante expoente, o Recurso Extraordinário.
Buscaremos esclarecer as formulações proposta, no sentido de saber se devido à objetivação do controle difuso de constitucionalidade é possível o uso da reclamação constitucional contra decisão divergente da proferida pelo STF em julgamento de recurso extraordinário.
Responderemos à indagação de se a partir da instituição do requisito da repercussão geral para o recurso extraordinário o direito fundamental das partes a prestação jurisdicional efetiva ficou comprometido, e qual seria o recurso cabível contra decisão de Tribunal local que, ao julgar agravo regimental, mantém equivocadamente a aplicação a casos dissonantes o entendimento do Supremo Tribunal Federal em recurso extraordinário paradigmático (representativo de controvérsia), processado nos termos do artigo 543-B do CPC.
Então vejamos.
Nos últimos anos o sistema de controle difuso de constitucionalidade tem passado por mudanças consideráveis, tanto legislativas quanto de entendimento jurisprudencial pelo STF, o que demonstra a sua tendência de objetivação, muito em virtude de racionalização do trabalho judiciário, otimização na prestação jurisdicional e triagem de casos de referência, tudo para reduzir a crescente demanda nos Tribunais Superiores.
Nesse sentido devemos destacar a posição do Min. Gilmar Mendes, proferida no Processo Administrativo 318.715/STF:
O recurso extraordinário deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (...). A função do Supremo nos recursos extraordinário – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.
Importante mencionar que a EC nº 45/2004 inseriu o art. 103-A na CF/88 e criou o instituto a súmula vinculante, que poderá ser editada após decisões reiteradas do Supremo em matéria constitucional, cabendo inclusive reclamação constitucional da decisão judicial ou ato administrativo que a descumprir. Inclusão também digna de nota foi a previsão do requisito da repercussão geral para exame preliminar no recurso extraordinário, nos termos do §3º do art. 102 da CF, conforme já estudado anteriormente.
Assim, considerando a tendência de objetivação do controle difuso, é necessário considerar o cabimento da reclamação constitucional não só nos casos de controle concentrado de constitucionalidade, como já admite o STF (QO-Rcl nº 1.507-RJ e QO-Rcl nº 1.652-RJ, Rel. Min. Nery da Silveira, DJ 21.9.2000; Rcl nº 2.256-1, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 30.4.2004), mas também no âmbito do próprio controle difuso, dada a necessidade de prevalência do princípio interpretativo da máxima efetividade das normas constitucionais e da eficácia irradiante dos direitos fundamentais (dimensão objetiva).
Observe a lição de Fredie Didier Junior, que após dissertar sobre a evolução do recurso extraordinário e a aplicação de diversos institutos do controle concentrado ao recurso extraordinário, admite o cabimento da reclamação constitucional no controle difuso:
Tudo isso conduz a que se admita a ampliação do cabimento da reclamação constitucional para abranger os casos de desobediência a decisões tomadas pelo Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente da existência de enunciado sumular de eficácia vinculante. É certo, porém, que não há previsão expressa nesse sentido (fala-se de reclamação por desrespeito a “súmula” vinculante e a decisão em ação de controle concentrado de constitucionalidade). Mas a nova feição que vem assumindo o controle difuso de constitucionalidade, quando feito pelo STF, permite que se faça essa interpretação extensiva, até mesmo como forma de evitar decisões contraditórias a acelerar o julgamento de demandas (JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed, 3 vol, Salvador-BA: Juspodium, 2012, pág. 365/366).
Assim, é incontestável a mudança de paradigma que vem sofrendo o controle difuso de constitucionalidade em sede de Recurso Extraordinário, pois o mesmo passa a incorporar características próprias do controle concentrado ou abstrato.
Registramos que essa dita objetivação não se restringe ao recurso extraordinário, sendo extensível a qualquer ação que chegue ao STF e este decida o caso concreto pela aplicação ou rejeição de determinada norma, sob fundamento da mesma ser ou não constitucional.
Caso emblemático foi o julgamento pelo Supremo do HC 82.959-7/SP, que tratou da progressão de regime aos presos condenados por cometimento de crimes hediondos, na forma da Lei nº 8.072/90.
Na época o Juiz responsável pela decisão censurada recusou-se veladamente a cumprir o acórdão do STF, o que levou a Defensoria Pública da União a ajuizar a Reclamação 4335 devido ao descumprimento do acórdão proferido no julgamento do HC 82.959-7/SP.
A Reclamação 4335 está pendente de julgamento, mas alguns votos já foram proferidos, cabendo destacar os seguintes:
Informativo STF 454:
O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser preservada. No ponto, afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluiu relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, tendo concluído pelo cabimento da reclamação para todos os que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC 82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade.
Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.
Informativo STF 463
O Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos - v. Informativo 454. O Min. Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei. Em divergência, o Min. Sepúlveda Pertence julgou improcedente a reclamação, mas concedeu habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão. Reportando-se aos fundamentos de seu voto no RE 191896/PR (DJU de 29.8.97), em que se declarou dispensável a reserva de plenário nos outros tribunais quando já houvesse declaração de inconstitucionalidade de determinada norma legal pelo Supremo, ainda que na via do controle incidente, asseverou que não se poderia, a partir daí, reduzir-se o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a 1934 mantiveram. Ressaltou ser evidente que a convivência paralela, desde a EC 16/65, dos dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da execução da lei tem se tornado cada vez mais obsoleto, mas afirmou que combatê-lo, por meio do que chamou de "projeto de decreto de mutação constitucional", já não seria mais necessário. Aduziu, no ponto, que a EC 45/2004 dotou o Supremo de um poder que, praticamente, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante (CF, art. 103-A). Por sua vez, o Min. Joaquim Barbosa não conheceu da reclamação, mas conheceu do pedido como habeas corpus e também o concedeu de ofício. Considerou que, apesar das razões expostas pelo relator, a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento. Aduziu, de início, que as próprias circunstâncias do caso seriam esclarecedoras, pois o que suscitaria o interesse da reclamante não seria a omissão do Senado em dar ampla eficácia à decisão do STF, mas a insistência de um juiz em divergir da orientação da Corte enquanto não suspenso o ato pelo Senado. Em razão disso, afirmou que resolveria a questão o habeas corpus concedido liminarmente pelo relator. Afirmou, também, na linha do que exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, a possibilidade de edição de súmula vinculante. Dessa forma, haveria de ser mantida a leitura tradicional do art. 52, X, da CF, que trata de uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF. Afastou, ainda, a ocorrência da alegada mutação constitucional. Asseverou que, com a proposta do relator, ocorreria, pela via interpretativa, tão-somente a mudança no sentido da norma constitucional em questão, e, que, ainda que se aceitasse a tese da mutação, seriam necessários dois fatores adicionais não presentes: o decurso de um espaço de tempo maior para verificação da mutação e o conseqüente e definitivo desuso do dispositivo. Por fim, enfatizou que essa proposta, além de estar impedida pela literalidade do art. 52, X, da CF, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski
A demonstrar a objetivação do controle difuso é importante observar que houve outra evolução do STF referente aos requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário, sobretudo no prequestionamento. A Suprema Corte tem relativizado a necessidade do prequestionamento quando a matéria já houver sido discutida anteriormente pelas instâncias inferiores, pois a discussão sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma específica deve ser ampla.
Esse entendimento foi esposado pela Min. Ellen Gracie no julgamento do AgRg-AI nº 375.011/RS, no qual a Ministra se manifestou expressamente sobre a mutação do recurso extraordinário em mecanismo de controle abstrato de constitucionalidade, e com essa fundamentação dispensou o referido requisito do prequestionamento para fazer prevalecer a posição do STF no caso concreto.
Outrossim, é necessário destacar que a instituição da repercussão geral nos recursos extraordinários, nos termos do §3º art. 103 da CF, regulamentada pela Lei nº 11.418/2006, embora seja um importante mecanismo de triagem de causas relevantes, pois a Suprema Corte não deve em tese analisar questões menores, não pode impedir a prestação jurisdicional efetiva a que tem direito o jurisdicionado que busca o Poder Judiciário.
Acerca do direito fundamental a prestação jurisdicional efetiva, cumpre transcrever o ensinamento de Gilmar Mendes:
Da mesma forma, a falta de regras processuais adequadas poderia transformar o direito de proteção judiciária em simples esforço retórico. Nessa hipótese o texto, o texto é explícito ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV). Fica evidente, pois, que a intervenção legislativa não apenas de afigura inevitável, como também necessária. Veda-se, porém, aquela intervenção legislativa que possa afetar a proteção judicial efetiva. É o núcleo essencial do direito fundamental à proteção judicial que deve ser respeitado por produção legislativa superveniente, sob pena de inconstitucionalidade da regra posterior. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011)
Devemos ter em mente o princípio da supremacia da Constituição, que é fundamental de um Estado de Direito. Inocêncio Mártires Coelho bem define a importância de se respeitar a Supremacia da Constituição em um Estado de Direito:
Visualizando o ordenamento jurídico como uma estrutura hierarquizada de normas, cuja base repousa na ficção da norma fundamental hipotética, de que se utilizou Hans Kelsen para descrever a estática e a dinâmica jurídicas e, assim, a própria existência do direito, emerge, nítida, a supremacia da Constituição como ponto de apoio e condição de validade de todas as normas jurídicas, na medida em que é a partir dela, como dado de realidade, que se desencadeia o processo de produção normativa, a chamada nomogênse jurídica (...)
Noutras palavras, pela sua própria localização na base da pirâmide normativa, é a Constituição a instância de transformação da normatividade, puramente hipotética, da norma fundamental, em normatividade, concreta, dos preceitos de direito positivo – comandos postos em vigor – cuja forma e conteúdo, por isso mesmo, subordinam-se aos ditames constitucionais. Daí se falar em supremacia constitucional formal e material, no sentido de que qualquer ato jurídico – seja ele normativo ou de efeito concreto -, para ingressar ou permanecer, validamente, no ordenamento, há se mostrar conforme aos preceitos da Constituição[8].
No que tange ao direito fundamental de acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV da CF) e de proteção jurisdicional efetiva, cumpre transcrever a lição de Gilmar Mendes:
Valendo-se da fórmula ambígua constante do art. 5º, XXXV - a lei não poderá excluir -, pode-se sustentar que, ao lado da tarefa conformadora, o legislador não está impedido de restringir ou limitar o exercício do direito à proteção judicial, especialmente em razão de eventualmente colisão com outros direitos ou valores constitucionais. Resta claro que o núcleo essencial do direito fundamental à proteção judicial efetiva não pode ser agredido, porém a relatividade deste núcleo essencial e a compreensão segundo a qual as restrições operam externamente e não internamente permitem que a dimensão a posteriori deste direito seja menor do que a sua feição a priori.
Nesse âmbito coloca-se o debate sobre as fórmulas de preclusão que muitas vezes impõem limites temporais ao exercício do direito, tendo em vista considerações de segurança jurídica.
Qualquer que seja a conclusão a propósito do caráter de mera conformação ou de limitação, não pode o legislador, a pretexto de conformar ou disciplinar a garantia de proteção judicial efetiva, adotar disciplina que afete, de forma direta ou indireta, o exercício substancial desse direito. O núcleo essencial, embora relativo, não poder ser agredido. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 455)
O que se extrai desse ensinamento para o presente estudo é que ao disciplinar o cabimento do recurso extraordinário, instituindo a repercussão geral como mais um requisito de admissibilidade recursal, o legislador não pode ir ao ponto de tolher a expectativa legítima de acesso à jurisdição efetiva da parte recorrente, que pretende levar sua tese para apreciação do STF.
Deve atuar com proporcionalidade e razoabilidade, procurando uma ponderação entre o direito fundamental de acesso ao judiciário, a segurança jurídica, a razoável duração dos processos e a supremacia do interesse público sobre o interesse particular.
Sabe-se que a análise constitucional dos dispositivos passa pela necessária ponderação de princípios e regras constitucionais.
O constitucionalismo pós-moderno, ou pós-positivista considera que as normas jurídicas compreendem regras e princípios, e que diante de “antinomias de princípios, quando em tese mais de uma pauta lhe parecer aplicável à mesma situação de fato, em vez de se sentir obrigado a escolher este ou aquele princípio, com exclusão de outros que, prima facie, repute igualmente utilizáveis como norma de decisão, o intérprete fará uma ponderação entre os standards concorrentes – obviamente se todos forem princípios válidos, pois só assim podem entrar em rota de colisão – optando, afinal, por aquele que, nas circunstâncias, lhe pareça mais adequado em termos de otimização de justiça”[9].
Assim, é necessário o intérprete fazer uma ponderação de princípios constitucionais para poder chegar a um resultado justo. Daí que nenhuma demanda ajuizada pode ser deixada sem resposta, e em virtude da garantia do duplo grau de jurisdição, aplicável ao processo civil, nos casos de recurso extraordinário representativo de controvérsia, processado conforme art. 543-B do CPC, a decisão do Tribunal local que mantenha decisão anterior agravada não pode ser a última no feito.
Isso porque se aplicado inflexivelmente o rigoroso entendimento do STF não se vislumbra, a princípio, nenhum recurso apto a levar para a Suprema Corte a matéria e corrigir a aplicação equivocada da repercussão geral ao caso, o que irremediavelmente implicaria em ofensa a garantia fundamental de prestação jurisdicional efetiva, de acesso ao judiciário ao duplo grau de jurisdição.
Assim, é necessária a utilização de um novo recurso extraordinário, mas desta vez por fundamento diferente do anteriormente intentado, para corrigir o equívoco. Explica-se.
O Pleno do STF, ao julgar Questão de Ordem em Agravo de Instrumento nº 760.358-SE, em novembro de 2009, decidiu que o recurso cabível contra decisão do Tribunal de origem que em cumprimento ao §3º do art. 543-B do CPC aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral é o agravo regimental. Vejamos o julgado:
Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao declarar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem.
Do voto condutor do aresto é importante transcrevermos o seguinte:
O que estou defendendo, portanto, é que os tribunais e turmas recursais de origem têm competência para dar encaminhamento definitivo aos processos múltiplos nos temas levados à análise de repercussão geral. Não há, nesta hipótese, delegação de competência. O Tribunal a quo a exerce por força direta da nova sistemática legal. [...] Sob pena de subverter-se toda a lógica do sistema, não cabe agravo de instrumento de cada decisão que aplica a jurisprudência desta Corte em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do Código de Processo Civil. [...] Tampouco será cabível a conversão do agravo em reclamação, o que implicaria, da mesma forma, a remessa individual de processos, em total desconformidade com o novo sistema de controle difuso de constitucionalidade.
Vejamos os argumentos da Ministra Ellen Gracie:
Entretanto, Senhor Presidente, entendo que o presente caso apresenta peculiaridade. O tribunal a quo aplicou a decisão desta Corte a respeito da extensão aos inativos da GDATA ao caso da gratificação GDPGTAS. Naquele julgamento apenas examinamos a natureza de uma determinada gratificação (GDATA) que possuía características específicas em relação a sua aplicação no tempo, o que não permite ¿ segundo me parece ¿ estendê-la à GDPGTAS. Desse modo, a instância de origem, ao assemelhar a hipótese dos autos a outra em que a repercussão geral fora reconhecida por este Plenário, na verdade não seguiu devidamente o disposto na sistemática da repercussão geral. Tanto o § 5º do art. 543-A, quanto o caput do art. 543-B, ambos do CPC, estabelecem a aplicação da decisão sobre a existência ou não de repercussão geral a matérias idênticas. As instâncias originárias somente estão autorizadas a aplicar o entendimento fixado por esta Corte. Se não o fizerem, em juízo de retratação, ficam obrigadas a enviar-nos ao agravos opostos pelas partes. Mas não há qualquer previsão legal ou regimental para a extensão por analogia de hipótese de repercussão geral reconhecida pela Corte. O que justifica todo o novo sistema de racionalização da Justiça é que hipóteses idênticas recebam a mesma solução. É dizer, não estão os tribunais ou instâncias de origem autorizados a aplicar o instituto da repercussão geral a casos assemelhados, porém distintos. Poder-se-ia teorizar que, para a correção do erro de aplicação da decisão desta Suprema Corte ao processo sobrestado na origem, cabível seria a reclamação constitucional, prevista no art. 102, I, l, da Carta Magna. Entendo, todavia, não ser o caso, uma vez que a competência desta Corte somente estará desrespeitada no caso de uma indevida retenção do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento sem que o Tribunal de origem realize a necessária retratação, nos termos do art. 543-B, § 3º, do CPC. Além disso, também não estaria sendo descumprida qualquer decisão emanada deste Supremo Tribunal.
Penso não ser adequada a ampliação da utilização da reclamação para correção de equívocos na aplicação da jurisprudência desta Corte aos processos sobrestados distribuídos e desvirtuamento dos objetivos almejados com a criação da repercussão geral. (destacamos)
Portanto, nos casos de Recurso Extraordinário em que o precedente que analisou a repercussão geral da matéria foi indevidamente aplicado na origem, considerando o entendimento acima exposto, onde o STF decidiu não ser cabível Agravo de Instrumento ou Reclamação, mas somente Agravo Regimental ou interno no âmbito da Corte local, inicialmente deve a parte recorrente alegar nas razões do Agravo Regimental violação aos artigos 543-A e § 5º e 543-B, caput e § 3º, do CPC, bem como o §3º do artigo 102 da Constituição Federal.
Nessa hipótese também deve ser arguida no referido Agravo Regimental a negativa de vigência ao art. 97 da CF/88 por o Tribunal local não aplicar as normas previstas no CPC, o que seria uma declaração velada de inconstitucionalidade com a inobservância da cláusula de reserva de plenário, estabelecida no art. 97 da CF, sendo essa conduta judicial vedada pela Súmula vinculante nº 10 do STF.
Entendemos que somente assim a parte recorrente poderia fazer chegar ao STF seu recurso extraordinário para que o equívoco referente a aplicação equivocada do instituto da repercussão geral seja contornado, sendo respeitado seu direito fundamental à prestação jurisdicional efetiva e à ordem jurídica justa.
Por fim, destacamos que é a mesma conclusão elaborada no Parecer COJ/ADCONT/PGF/AGU nº 73/2010, que revisou a Nota Técnica nº 55/2009.