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Lei da adoção: o lado bom da burocracia oficial

12/10/2012 às 10:05
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A burocratização da lei é uma a tentativa de salvaguardar o melhor interesse da criança e do adolescente de maneira integral, evitando que seja colocado nova em situação de sofrimento.

Muito se discute sobre a exacerbação de regras impostas pela Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009, conhecida como “lei da adoção”, que dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, assim retirando a matéria do corpo do Código Civil.

A maior parte dos doutrinadores defende que a demora com cadastros regionais e nacionais, estágio de convivência, processo judicial, além do processo de habilitação são prerrogativas que atrasam, dificultam e desestimulam a adoção no Brasil; impedem ou delongam a efetiva convivência familiar; e tardam a concretização do melhor interesse da criança.

Este pequeno ensaio pretende apontar o lado bom de todo esse aparato legislativo que pretendeu reorganizar e resguardar a proteção integral e a garantia de convivência familiar à infância e juventude entregue para a adoção no país.

Antes de tudo, cabe relembrar a evolução histórica do instituto da adoção no Brasil.

De acordo com Monaco[1], a adoção surgiu por influência das Ordenações do Reino de Portugal, tendo sido incluída, posteriormente, no Código Civil de 1916, sendo este diploma elaborado em contexto que privilegiava assegurar a unidade formal da família, ou seja, o adotando teria laços apenas com aquele que o adotou, mas não com os demais. Assim, o art. 377 do CC de 1916 dispunha que, na hipótese do adotante conceber um filho biológico, esse voltava para sua família de origem.

 Mais tarde, a Lei. 3.133/57 admitiu a adoção por casais que já possuíssem filhos legítimos, evitando assim, a cessação dos efeitos da relação em virtude de prole superveniente, porém, essa prole legitimada, não detinha direitos sucessórios.

Em 1979, com o Código Melo e Matos, criou-se a adoção plena que se contrapôs à adoção simples (presente do CC de 1916) ampliando os efeitos da adoção considerados subjetivamente, os quais se estenderam  aos demais integrantes do grupo familiar. Desta forma, a partir desse momento, a família deixa de ser uma unidade biológica, iniciando-se talvez, o conceito de família afetiva, garantindo àquele filho “não-natural” a paridade sucessória em relação aos demais integrantes da prole.

A Constituição Federal de 1988 pôs fim a toda e qualquer diferença entre os indivíduos, determinando em seu art. 5º, a igualdade sem distinção de qualquer natureza ao povo brasileiro. Essencial à formação e materialização de um Estado Democrático de Direito, a CF de 1988 destinou seu capítulo VII do título VIII para a Família, a Criança, o Adolescente e ao Idoso, constitucionalizando o Direito Civil, e permitindo a intervenção do Estado na seara privada. Importante é, para este ensaio, o art. 227 que dispõe sobre a garantia à Convivência Familiar e Proteção Integral, bem como, a salvaguarda dos menores de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e pressão a qualquer criança ou adolescente. Seu parágrafo 6º consagra o princípio da igualdade dos filhos, não importa a sua origem, incluindo aqueles havidos por adoção.

Esmiuçando e regulamentando essa norma geral, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei. 8.069 de 1990) regulamentou a adoção, que depois passou a ser tratada também no Código Civil, até o advento das alterações introduzidas pela comentada Lei. 12.010 de 2009.

Se feita uma comparação entre o regime antigo de adoção com o regime atual, é fácil perceber o quanto o legislador inovou e desenvolveu quanto às famílias substitutas, sobretudo a adoção. De mero “estranho no ninho”, o adotado passou a ser filho no melhor sentido da palavra, tendo condições paritárias em relação aos irmãos concebidos biologicamente pelo casal adotante, além de se inserido no direito sucessório daquela família.   

Portanto, até este momento, pode-se notar claramente a evolução histórico-social que teve o Direito da criança, e em especial, ao adotado ao longo dos séculos XX e XXI. Pretendeu a legislação, nessa trilha evolutiva, dar a máxima dignidade e garantias básicas de humanidade àquele que, sozinho, não tem como defender-se, quais sejam a criança e adolescente. 

Não foi diferente com a Lei 12.010 de 2009, carinhosamente chamada de nova lei da adoção. Apesar de conter falhas - como tudo que é feito por humanos - que ainda podem ser reparadas, a referida lei, notadamente se preocupou com a criança que já saída de um primeiro trauma - que é o abandono, violência ou abuso da família natural – não merece ser inserida em um segundo, muitas vezes até maior, ou irreversível.

Em outras palavras, não há como o Estado acelerar, agir com imperícia ou ignorar percalços que existem em qualquer procedimento familiar. Relembra-se aqui que a adoção é irrevogável. Os adotantes serão o seio base, de apoio, educação e acompanhamento que a criança levará para todo o sempre, em sua vida, sob pena de construir, o Estado imperito, uma sociedade desestabilizada, criadora de personalidades fracas e psicopatas.

Assim, a garantia à Convivência Familiar, defendida pela maioria e respeitada doutrina brasileira, como Maria Berenice Dias, Euclides de Oliveira e Zeno Veloso, deve ser garantida, porém, de forma saudável e atestada, sim, pelo Estado que tutela esse adolescente ou criança abandonado (art.227, VI da CF/88). Não sendo a celeridade garantia máxima da Convivência Familiar ou Proteção Integral deste indivíduo em formação. É como bem diz o ditado popular: a pressa é inimiga da perfeição.

Deve, portanto, a adoção ficar a míngua da morosidade do Estado, entupindo os abrigos, as ruas e a marginalidade com crianças esperançosas por um lar, uma família, um apoio? A reposta é não! Quando se afirma que a burocratização da nova lei (quanto aos Cadastros nacionais (art. 50 ECA), ou ao processo de habilitação § 3º art. 50 do ECA, por exemplo), está correta, não está neste espaço, implantando-se o fim ou a ruína do processo de adoção brasileiro, mas sim, a tentativa de salvaguardar o melhor interesse da criança e do adolescente de maneira INTEGRAL!

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Ora, se uma criança com antecedentes de sofrimento, distúrbios, maus-tratos, já não tão cuidada pelo Estado, for inserida às pressas no seio familiar, de um suposto casal, ansiado por uma prole, sem as devidas observações, e este menor sofrer coisas piores ou continuar “na mesma”, será o Estado o culpado. Mas, se o Judiciário demorar a inseri-lo em uma família feliz o Estado será culpado mais uma vez. Assim, sendo o Estado (e frise-se, não está o artigo pintando-o de bonzinho) sempre o culpado, que pelo menos tente fazer seu trabalho com eficiência, certificando-se de que esta família aspirante estará apta para cuidar e não promover mais danos àquele adotado.

 O ponto mais importante para efetivação dos direitos e garantias dos menores adotados seria a reorganização Judiciária, quais sejam Juízes, Defensores e Promotores especializados e comprometidos com a saúde mental e física da família, além de uma equipe interdisciplinar permanente na Vara da Infância e da Juventude para que estes profissionais – da área da Saúde, Psicologia, por exemplo – pudessem auxiliar no entendimento psicológico dos adotantes e do adotado, o qual, os operadores do Direito, por mais que estudem, nunca serão competentes para fazê-lo. A avocação de competência de toda lide ou procedimento que envolvesse menores para estas Varas, - que já estariam equipadas para o desenrolar de um processo mais ágil, pois contaria com profissionais especializados no assunto -, seria fundamental.

Portanto, a lei tem de ser seguida, não de forma fria, ao pé da letra, mas sim interpretada pelos magistrados. Eles devem saber dosar o que foi positivado através de lei – como no caso de adoção intuitu personae, concorda-se, aqui, com a não utilização de preferência dos cadastros regionais ou nacionais –, não deixando de observar as etapas enunciadas pelo legislador, contudo, suprimindo, com bom senso, aquelas que não se aplicarem ao caso concreto. Tudo isso em prol de um bem maior: o melhor interesse da criança ou adolescente adotado

Nota

[1]MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. O novo regramento da adoção no Direito Brasileiro: Codificar o mesmo ou um exemplo d codificação a droit constant? in: Direito de Família no Novo Milênio,(org. Chinellato, Simão, Fujita, Zucchi et. al.) São Paulo: Atlas, 2010, p. 547-589.

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Sobre a autora
Jamille Saraty

Advogada. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Pós- graduada no 15o. Curso de Pós-Graduação "Proteção de Menores" Prof. Doutor F.M. Pereira Coelho organizado pelo Centro de Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Membro do Instituto Brasileira de Direito de Família -IBDFAM. Associada ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós - Graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARATY, Jamille. Lei da adoção: o lado bom da burocracia oficial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3390, 12 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22790. Acesso em: 19 nov. 2024.

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