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Da ação de revisão de contrato bancário.

Algumas questões processuais

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11/10/2012 às 23:37

Resumo:


  • O Juiz não deve conhecer pedidos de acertamento econômico do contrato cumulados com a declaração de nulidade de cláusulas em ações de revisão de contrato bancário, devendo a definição do quantum debeatur ocorrer em fase posterior.

  • É obrigatória a juntada do contrato com a petição inicial em ações de revisão de contrato bancário, e o autor deve indicar claramente as cláusulas consideradas abusivas.

  • A ação revisional não suspende automaticamente processos de execução ou busca e apreensão relacionados, e a suspensão da execução por meio de cautelar ou outros procedimentos pode violar o direito constitucional de ação do credor.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

 7. Valor da causa na ação revisional

O valor da causa em ação de revisão de contrato bancário deve corresponder ao valor do próprio contrato, nos termos do art. 259, V, do CPC, ou deve representar o benefício econômico que o autor espera obter? Se deve equivaler ao benefício econômico, como quantificá-lo nos casos e que o autor não fornece meios para se identificar o valor real da demanda, o resultado econômico que espera alcançar? Como se exigir do autor a definição de valor real da causa quando alega que, somente depois de ser revisado o contrato e expungido dele a cobrança de encargos abusivos – o que exige inclusive a realização de perícia técnica – é que terá condições de definir com precisão o conteúdo econômico da lide?

É preciso se oferecer correta interpretação à regra do inc. V do art. 259, do CPC, no sentido de que supõe que o litígio envolva o negócio jurídico por inteiro, não se devendo exigir, como valor da causa, o preço total do contrato em demandas onde não se pede a execução da totalidade do contrato. Por oportuno, transcrevo ementas de alguns julgados que esposam esse entendimento:

"A modificação a que alude o inciso V do art. 259 do CPC, que determina haja correspondência entre o valor da causa e o do contrato, só pode ser entendida como aquela que atinja o negócio jurídico em sua essência, e não apenas algumas de suas cláusulas, pois, do contrário, o valor da causa acabaria superando o real conteúdo econômico da demanda, o que não é admissível (STJ, 3ª Turma, Resp. 129.835-RS, rel. Min. Costa Leite, j. 26.5.98, DJU 3.8.98, p. 222).

"Quando a controvérsia não açambarca o contrato por inteiro, mas apenas um dos seus itens, aplica-se o art. 260, do CPC, e não o art. 259, V, do mesmo diploma legal" (Resp. 67.765, 1ª Turma, DJU 8.12.95).

A ação em que o autor pede a revisão de um contrato bancário não envolve o contrato por inteiro, referindo-se apenas a determinadas obrigações, dentre outras estipuladas, daí porque não pode o valor da causa corresponder ao valor global da avença. Nesse tipo de ação, o valor da causa deve equivaler à diferença entre o valor exigido pelo banco e aquele que o autor entende como devido. Nesse sentido: 

“VALOR DA CAUSA. Ação de revisão de contrato bancário.

O valor da ação de revisão de contrato que conteria cláusulas abusivas deve corresponder à diferença que o autor pretende abater do total exigido pelo credor. Recurso conhecido e provido, para afastar como valor da causa a quantia que o banco apurou como sendo o valor do débito” (STJ-4a. Turma, REsp 450631-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.12.02, DJ 10.02.03)

Essa jurisprudência acima transcrita, no entanto, tem aplicação para as hipóteses de ação revisional de contrato em que o autor, de logo, fornece os parâmetros para definição do conteúdo econômico da demanda. Em alguns casos, ocorre de o autor juntar uma perícia contábil sobre os cálculos da dívida, realizada por expert que ele mesmo contrata, já com a inicial. Nessas hipóteses, pode indicar o valor que entende como devido, e a diferença entre este e o valor cobrado pelo banco é que deve ser tomado como valor da causa, pois corresponde ao benefício econômico que espera almejar com o ajuizamento da demanda. Em outras situações, no entanto, o consumidor-autor vem a juízo reclamar a revisão do contrato bancário pura e simplesmente, sem qualquer elemento inicial ou parâmetro de redução da dívida, cuja definição fica a depender da conclusão do processo de revisão (às vezes com necessidade de realização de perícia técnica por perito do juízo). Nessas hipóteses, alega não poder determinar no limiar do processo o exato conteúdo econômico da demanda, e indica valor ínfimo para fins “meramente fiscais”, como valor da causa. 

Não se deve permitir, no entanto, que o autor de ação de revisão de contrato bancário deixe de fornecer valor da causa correspondente ao benefício econômico que espera obter, porquanto à toda causa deve ser  atribuído um valor certo, conforme preceitua o art. 258 do CPC. Para traduzir a realidade do pedido, necessário que corresponda à importância perseguida.

A ação de revisão de contrato bancário não se assemelha àquelas causas em que é impossível para o autor fixar, desde logo, no início da demanda, o valor exato que corresponda à tutela pretendida. Em causas em que não se pode determinar antecipadamente o benefício econômico perseguido, é lícito permitir que o autor complemente o valor das custa ao final, quando já estabelecido na sentença a definição do real conteúdo econômico da demanda. É a hipótese, por exemplo, das ações que envolvem discussão sobre dano moral, onde o autor não tem como fixar o valor exato que corresponda à tutela pretendida, até porque a indenização, nesses casos, é arbitrada pelo juiz, segundo seu prudente arbítrio. Assim, nada impede que o autor atribua outro valor, mesmo diferente do que entende lhe ser devido[3], pois pode ao final complementar as custas, se vencido, ou estas serem suportadas pelo réu no montante global, depois de indicada na sentença o valor da indenização. 

Na ação de indenização por dano moral puro, realmente, ao autor pode ser concedido o benefício de indicar um valor da causa provisório, pela razão de que a fixação do quantum indenizatório só depende do Juiz. A definição do valor do dano moral, conforme estabelecido pela doutrina e jurisprudência, fica ao exclusivo arbítrio do Juiz, que se serve apenas de alguns parâmetros para essa definição. O autor de ação de dano moral, por essa razão, não está obrigado a indicar o quantum do dano moral em relação ao qual espera ser indenizado, podendo dar à causa valor simbólico. Não tem meios para definir antecipadamente o conteúdo econômico da demanda, até porque este pode variar muito dependendo das convicções pessoais do Juiz.

o autor de ação de revisão de contrato bancário, ao contrário da situação acima explicada, tem perfeitas condições para expressar antecipadamente o real valor econômico da demanda. Como está obrigado a identificar previamente as cláusulas que entende nulas[4], e quanto isso representa em termos de diminuição dos encargos da dívida, tem meios para, sem maiores esforços, determinar a expressão econômica da demanda, o valor que pretende ver reduzido da dívida. Diferentemente da ação em que se pede indenização por dano moral, o devedor tem que de alguma maneira suprir o processo com indicativos da plausibilidade do direito invocado, o que geralmente se faz por meio da entrega de uma planilha ou memória discriminada de cálculo, contendo a evolução da dívida, os critérios de correção e índices adotados, de modo a chegar ao valor devido. É com base nessa planilha ou esboço de cálculo, demonstrativa da tese jurídica, que o devedor tem possibilidades de extrair o significado econômico da lide, ao qual corresponde o valor da causa. 

Se a parte autora de uma ação revisional não indica o benefício econômico exato que espera obter com o julgamento, então, o valor da causa, para efeito de custas, deve ser o do preço integral do contrato. Até para fins de política judiciária, não se deve permitir que o devedor indique um valor simbólico, como valor da causa. Não se deve admitir que o autor recolha valor ínfimo a título de custas judiciais para, só depois de fixado na sentença o acertamento econômico do contrato, se exigir da parte vencida o pagamento das custas pelo total, tomando-se por base eventual valor de redução da dívida. Isso dá margem a evasão de tributos – a taxa judiciária tem natureza tributária -, pois a prática demonstra que, quase sempre, os juízes não tomam o cuidado de verificar obrigação de complementação das custas em fase ulterior do processo. Além disso, é no início do processamento da causa que a parte se vê mais premida a pagar custas, pois sem o pagamento antecipado o feito não é processado e ela não recebe a tutela jurisdicional (muitas vezes liminar para retirada de seu nome de cadastro negativo). Por essas razões, não se deve permitir que o autor de uma ação revisional indique, como valor da causa, quantia simbólica, devendo o Juiz, em ocorrendo tal hipótese, determinar que complemente as custas pela importância equivalente ao valor integral do contrato. 


8. Impossibilidade de revisão de contratos anteriores no âmbito dos embargos do devedor    

É certo que, havendo confissão de dívida ou renegociação contratual, o novo contrato não fica indene (no que tange à sua validade) à apreciação judicial, nem tampouco os contratos anteriores dos quais resultou a dívida no último estágio. Na hipótese de relação financeira continuativa, que se processa através de contratos encadeados, resultando em confissão de dívida na qual se confirma cláusulas e condições anteriores, a investigação judicial abrange a relação como um todo. Essa possibilidade inclusive já consta da Súmula do STJ, verbete 286, de teor seguinte: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.

É de se notar, no entanto, que o exame de forma retroativa (incidente sobre os contratos originários) somente pode ser viabilizado em sede de ação revisional. Diga-se, aliás, que os precedentes jurisprudenciais que deram origem à citada súmula destacam bem isso, como demonstram os arestos abaixo transcritos em ementa:

CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. REVISÃO DE CONTRATOS CUMPRIDOS. POSSIBILIDADE.

I - "A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores" (Súmula 286/STJ).

II  -  Agravo regimental desprovido AgRg no Ag 562350 / RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 19.05.05, DJ 13.06.05 .

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO BANCÁRIO - AÇÃO REVISIONAL - NOVAÇÃO - REVISÃO DOS CONTRATOS ANTERIORES - POSSIBILIDADE  - DESPROVIMENTO.

1 - A Eg. Segunda Seção desta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que, na ação revisional de negócios bancários, é possível a discussão a respeito de contratos anteriores, ainda que tenham sido objeto de novação. Precedentes (REsp nºs 332.832/RS, 470.806/RS e AgRg Ag 571.009/RS).

2 - Agravo Regimental desprovido (STJ-4ª. Turma, AgRg no REsp 537029 / RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.08.05, DJ 05.09.05.  .

A possibilidade de discussão de contratos anteriores, portanto, não impede que o detentor do título exeqüendo (o novo contrato) promova a execução deste. O devedor tem a faculdade de requerer a revisão de contratos que originaram o débito na sua versão renegociada, mas isso em nada interfere com o direito do credor, que, de posse de novo título, desde que perfaça os requisitos formais de executoriedade, pode promover a execução da dívida.

A dívida, consubstanciada em contrato, assinado por duas testemunhas, perfaz as características de liquidez e certeza exigidas em lei de modo a propiciar o processo executivo (art. 585, II, CPC). Desde que a versão renegociada dela se faça por meio de título que ofereça todos os elementos para que se possa aferir a liquidez e certeza do débito, sem haver necessidade de apuração de fatos ou qualquer operação que somente possa ser alcançada através de um processo de conhecimento, o credor pode executá-la, sem que ao devedor fique assistido o direito de alegar sua desnaturação com base em eventuais ilegalidades inseridas nos contratos primitivos. O termo de renegociação ou confissão da dívida é título hábil para a execução, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito em conta corrente:

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“Direito processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Recurso especial. Embargos do devedor à execução. Confissão de dívida. Oriunda de contrato de abertura de crédito. Título extrajudicial.

- A confissão de dívida é título hábil para a execução, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito, novado ou não, goza de plena liquidez, certeza e exigibilidade, constituindo-se, portanto, título executivo extrajudicial.

Agravo não provido.” (STJ-3a Turma, AgRg nos EDcl no Ag 598767-MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.06.05, DJ 27.06.05) 

No mesmo sentido: STJ-3ª. Turma, REsp 578960-SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.10.04, DJ 08.11.04; STJ-3ª. Turma, AgRg no Ag 589802-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.09.04, DJ 04.10.04.

Até que seja, em ação própria, desconstituída a validade do título, este fica valendo como instrumento suficiente à viabilidade de um processo executivo. E o devedor não pode se insurgir contra a cobrança, na via estreita dos embargos à execução, requerendo a revisão da dívida desde a sua origem, pois tal possibilidade somente é admissível através da via própria, que é a ação revisional de contratos bancários. Se, em eventual ação revisional for ordenada redução no valor da dívida garantida pelo título que está sendo executado, ao Juiz processante da execução caberá apenas adequá-la ao valor apurado como devido naquela outra ação:

“Processual civil. Execução de título extrajudicial. Ação revisional julgada procedente. Liquidez do título que embasou a execução.

- Não retira a liquidez do título, possível julgamento de ação revisional do contrato originário, demandando-se, apenas, adequação da execução ao montante apurado na ação revisional.

Recurso especial parcialmente provido.

(STJ-3a. Turma, REsp 593220-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.04, DJ 21.02.05)


 9. Ajuizamento de ação revisional não suspende execução

Também tem sido muito comum, em tema de ação de revisão de contrato bancário, de o devedor requerer a suspensão da execução fundada no mesmo título, ao argumento de que depende da sentença de mérito naquela outra ação (de conhecimento). O pedido de suspensão é feito com base na regra do art. 265, IV, “a”, do CPC, que prevê a suspensão do processo quando a sentença de mérito “depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência de relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente”. Em geral, o devedor alega que corre o risco de sofrer prejuízo irreparável ou de difícil reparação se excutidos os seus bens (na execução) antes de resolvida a questão da redução da dívida (ou mesmo sua completa extinção) na ação revisional.

Não se deve, todavia, concluir aprioristicamente pela necessidade de suspensão do curso da execução. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a circunstância de que os casos de suspensão do processo de execução não são os mesmos do processo de conhecimento. O art. 791 do CPC, que trata das hipóteses específicas de suspensão da execução, não previu, dentre as situações que ali enumera, a existência de causa conexa pendente de julgamento. O inc. II do art. 791 repete algumas das hipóteses do art. 265 (especificamente os seus incisos I a III), mas excluiu o inc. IV deste último artigo - a alínea “a” do inc. IV do art. 265, é que prevê a suspensão do processo de conhecimento quando a sentença “depender do julgamento de outra causa...”. Ora, ao não repetir a previsão do inc. IV do 265, o legislador fez uma intencional opção pelo afastamento da suspensão do processo de execução quando coexistentes outras ações relacionadas e pendentes de julgamento. “Isso significa que o processo de execução, em regra, não é suspenso pelo mero ajuizamento ou pendência de demandadas “paralelas”, que impugnem a validade ou a eficácia do título, ou a exigibilidade do crédito” (STJ-4ª. Turma, REsp 10.293-PR, rel. Min. Athos Carneiro, j. 8.9.92, DJU 5.10.92). 

Nesse assunto específico, não se pode buscar na regra da subsidiariedade (art. 598 do CPC)[5] fundamento para justificar a suspensão do processo executivo. O processo de execução possui norma específica prevendo as hipóteses em que se admite sua suspensão (art. 791). “Existindo norma específica no processo executivo, não se aplicam subsidiariamente normas do processo de conhecimento” (RSTJ 6/419). Mas o grande impedimento à suspensão do processo executivo (pelo motivo da concorrência de ações) não é somente o fato de possuir norma específica sobre a matéria, mas a circunstância, já realçada, de que o legislador, na enumeração que fez dos casos de suspensão (efetivada no art. 791), repetiu os incisos I a III do art. 265, mas parou até aí, não produzindo a mesma repetição em relação ao seu inc.  IV. O legislador, portanto, interferiu claramente no sentido de afastar peremptoriamente a concorrência de ações como motivo de suspensão do processo executivo.

Assim, ainda que se possa entender que o art. 791 não é exaustivo[6], e que outras hipóteses de suspensão podem ser admitidas no processo de execução[7], a existência de outras ações (que de alguma maneira tenham relação com o objeto da execução) não pode servir de motivo para a suspensão.    

 Não há motivo realmente para que seja sobrestado o regular curso da execução, ao contrário do que possa aparentar. É certo que, sendo dado provimento à ação ordinária de revisão, o devedor pode obter efeito liberatório da dívida (ou ao menos sua redução), daí que corre o risco de sofrer lesão patrimonial caso se permita a continuidade dos atos executórios, antes de resolvida a questão da revisão contratual. Essa argumentação, no entanto, só está aparentemente correta, pois o prosseguimento da execução não frustra de maneira absoluta eventual reconhecimento de direito (diminuição ou anulação da própria dívida) do devedor, em outro processo. A sentença final na ação revisional vai formar título executivo em favor do autor-devedor, o qual terá sempre a possibilidade de recuperar o que eventualmente pagar a mais na execução. Além do mais, paralisar uma execução logo no início poder trazer prejuízos maiores e de ordem inversa (para o credor). Os prejuízos decorrentes da obstrução do processo de execução para o credor são acentuadamente superiores àqueles alegados pelo devedor. Enquanto este se preservaria da possibilidade de alienação judicial antecipada de seus bens, o credor restaria sujeito à formação da prescrição[8], ao possível desfalque do patrimônio do devedor e à perda de eventual preferência pela primeira penhora, sem contar a demora em receber o que lhe é devido.

 A paralisação de um processo de execução logo no início representaria, por via transversa, um impedimento ao direito constitucional de ação do exeqüente. A jurisprudência tem entendido que o devedor não pode impedir a parte contrária de ingressar em juízo com a ação ou execução que tiver contra ele (RSTJ 10/474, 12/418, JTA 105/156, RF 304/257), sob pena de cercear-lhe seu direito (do credor) de recorrer ao Judiciário, garantido pelo art. 5º., XXXV, da CF. Impedir que ele não ingresse com a execução ou que não a movimente, na prática, tem o mesmo efeito. Contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão indefinida da execução.

Assim, o entendimento prevalecente deve ser o de que “o ajuizamento de ação buscando invalidar cláusulas de contratos com eficácia de título executivo, não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso normal. (STJ-4ª. Turma, REsp 8859-RS, rel. Min. Athos Carneiro, j. 10.12.91, DJ 25.05.92). Se, em eventual ação revisional for ordenada redução no valor da dívida garantida pelo título que está sendo executado, ao Juiz processante da execução caberá apenas adequá-la ao valor apurado como devido naquela outra ação. “Não retira a liquidez do título possível julgamento de ação revisional do contrato originário, demandando-se, apenas, adequação da execução ao montante apurado na ação revisional” (STJ-3a. Turma, REsp 593220-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.04, DJ 21.02.05).

O devedor terá sempre a possibilidade de embargar a execução, e os embargos, estes sim, produzem a suspensão do processo de execução (CPC, art. 791, I)[9]. Com a propositura dos embargos, surge também a conexão que implica na necessidade de reunião dos dois processos, para julgamento em conjunto. Julgados em conjunto os embargos e a ação revisional, não haverá risco de o devedor pagar mais do que deveria. A questão quanto a eventual redução da dívida é resolvida na mesma sentença que julga os embargos e a ação de revisão.  

Na jurisprudência do STJ registra-se uma situação que tem justificado a suspensão do processo de execução, quando diante de outra ação revisional ou declaratória da inexigibilidade do título executivo. É quando ocorre de, por algum motivo, os juízes não providenciarem a reunião dos embargos à execução com a ação revisional (ou declaratória), para decisão conjunta. Pode-se constatar esse ponto de vista nas seguintes ementas:

“Havendo conexão e prejudicialidade entre os embargos do devedor e a ação declaratória, não tendo sido reunidos os feitos para julgamento em conjunto, recomendável a suspensão dos embargos até o julgamento da causa prejudicial, nos termos do art. 265, IV, ‘a’, CPC” (STJ-4ª. Turma, Ag. 35.922-5-MG-AgRg, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 24.6.93, DJU 2.8.93).

“Processo de execução. Pendência de ação declaratória de inexigibilidade parcial do título executivo (exclusão da correção monetária em mútuo rural) e de embargos do devedor incidentais ao processo de execução do mesmo título. Procedimento aconselhável. Não tendo sido reunidos os processos em tempo hábil, e estando a ação declaratória pendente de julgamento no segundo grau de jurisdição, impõe-se no caso concreto a aplicação do disposto no art. 265, IV, ‘a’, do CPC, com a suspensão da ação incidental de embargos do devedor, mantido seu efeito suspensivo da execução” (STJ-4ª. Turma, Resp 6.734-MG, rel. Min. Athos Carneiro, j. 31.10.91, DJU 2.12.91).

É imperioso observar, todavia, que o segundo aresto transcrito restringe a suspensão diante da iminência de julgamento da ação ordinária (“pendente de julgamento no segundo grau de jurisdição”). Mas, mesmo com a ressalva dessa circunstância, esse tipo de medida (suspensão) somente deve ser adotado com os olhos voltados para a economia processual. Ainda que possa parecer recomendável, a suspensão pode terminar causando prejuízos de ordem inversa ao credor-exeqüente, como já antes assinalamos. O julgamento do processo de conhecimento (ação de revisão), mesmo no segundo grau, pode consumir tempo exagerado, prejudicando o direito do credor (na execução) de ver o seu crédito atendido em tempo razoável. Assim, em determinadas situações, pode ser mais aconselhável não se trilhar o caminho da suspensão do processo (de execução). Ainda que a execução se conclua com a alienação de bens do devedor, com o pagamento da dívida originária, a ele sobrará sempre a possibilidade de ver formado título judicial em seu favor, com o julgamento posterior da revisional, para buscar, então, a diferença do que pagou a mais. Pelo menos o risco de prejuízo irreparável (para ele, executado) fica afastado, considerando-se a elevada solvabilidade das instituições financeiras. Em momento posterior, terá sempre a possibilidade de recuperar o que eventualmente pagar a mais no processo de execução.

A suspensão também não é adequada quando o devedor, em processo cautelar autônomo ou pedido cautelar nos próprios autos da ação revisional (na forma prevista no par. 7º. do art. 273, CPC), ou mesmo por meio de ação consignatória, requeira o depósito de parte da dívida. O depósito de valores a critério exclusivo do devedor, efetuado ao largo do leito da execução, não significa pagamento e, conseguintemente, não é suficiente para suspender seu curso normal. Mesmo numa consignatória, a eficácia de pagamento fica a depender do juízo posterior que o julgador faz a respeito do montante devido. É com a manifestação judicial sobre a causa que se produzem os efeitos próprios de pagamento; antes disso o que se tem é mero ato unilateral do depositante. A eficácia de pagamento, repita-se, decorre da sentença, e não do simples depósito[10]. Assim concebida a questão, vê-se que a definição do direito na execução não tem que esperar o julgamento da consignatória (ou de cautelar), não ficando suspenso aquele processo. A respaldar esse entendimento, acórdão do STJ, da relatoria do Min. Athos Carneiro Gusmão, portando a seguinte ementa:

“EXECUÇÃO E CONSIGNATÓRIA.

A circunstância de o devedor ajuizar ação de consignação em pagamento não impede o credor de pretender a execução. Eventuais embargos poderão ser decididos na mesma sentença da consignatória.

Não se pode, entretanto, obrigar o credor a aguardar o desfecho da ação de conhecimento para exercer sua pretensão executória.

Ao credor por título executivo assiste o direito à segurança do juízo, através da penhora, além da garantia constitucional do acesso pleno ao Judiciário.

Ilegalidade de decisão que, em ação cautelar, proíbe o credor de agir m juízo até a decisão da consignatória” (REsp 2.793, DJU 03.12.90).

A suspensão da execução, por meio de cautelar ou qualquer outro procedimento estranho aos embargos, mesmo que suplementada pelo depósito em forma de caução do valor da execução, importará sempre em ofensa ao princípio constitucional de acesso à tutela executiva do Estado, ainda quando limitada (a suspensão) ao marco temporal do julgamento da ação ordinária de revisão. É o que se extrai dos seguintes arestos:    

“Processo civil. Cautelar. Sustação de procedimento judiciais. Ilegalidade.

- Segundo tem assinalado este tribunal, o poder cautelar qual atribuído ao juiz não pode ser absoluto, de molde a inviabilizar o princípio constitucional de acesso à tutela executiva do Estado” (REsp 5.052, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).

No mesmo sentido: REsp 2.819, rel. Min. Athos Carneiro, DJU 04.02.90.

“Recurso especial. Concessão de medida cautelar para impedir ao credor o exercício do direito de demanda. Contrariedade aos art. 566, I, do CPC, e 43 da Lei Uniforme. Violação à garantia constitucional da ação” (REsp 2.644, DJU 10.09.90).

De tudo se conclui que não se pode conferir liminar, em ação cautelar ou qualquer procedimento especial, para frustrar a exeqüibilidade ínsita do título de que o credor é legítimo beneficiário, direito que lhe é plenamente garantido pelo art. 580 e par. únic. do CPC.  

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Da ação de revisão de contrato bancário.: Algumas questões processuais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3389, 11 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22793. Acesso em: 19 dez. 2024.

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