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Da ação de revisão de contrato bancário.

Algumas questões processuais

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11/10/2012 às 23:37
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10. Conexão da ação de revisão de contrato bancário com os embargos à execução 

Embora possa haver conexão entre uma ação ordinária de revisão de contrato e uma execução, a conveniência da reunião dos processos fica a depender da existência dos embargos.

O art. 105 do CPC “não contém regra de competência, mas somente de direção processual” (RT 677\131), no sentido de que deixa certa margem de discricionariedade para o juiz decidir pela conveniência (ou não) da reunião de processos conexos. O limite da conveniência será sempre a possibilidade de decisões contraditórias (RSTJ 112\169). O julgamento conjunto de processos se impõe sempre que haja o risco de decisões contraditórias.

Entre uma ação ordinária e uma ação de execução originárias de um mesmo contrato pode existir risco de decisões conflitantes, entre a sentença a ser proferida na primeira e a sentença dos embargos opostos à execução. Se o processo de execução nem sempre comporta uma sentença, esta é sempre exigida quando esse tipo de ação vem a ser atacada por meio dos embargos do devedor – que é uma ação de cognição incidental ao processo de execução. A sentença dos embargos pode entrar em conflito com a da ação ordinária quando sejam exigidas soluções para questões comuns.

Assim, embora havendo conexão entre uma execução e uma ação ordinária originárias do mesmo contrato (RT 718\163), só haverá risco de decisões conflitantes quando a primeira for embargada. A reunião dos processos somente se justificará nessa hipótese, porque aí nasce o risco de decisões conflitantes. Daí se explica a jurisprudência firmada pela 4ª. Turma do STJ no sentido de que “o não oferecimento de embargos do devedor é obstáculo à reunião do processo de execução ao de ação ordinária que persegue a nulidade do título executivo” (STJ-4ª. Turma, REsp 11.620-SP, rel. Min. Fontes de Alencar, j. 16.3.93, DJU 17.05.93).  

A jurisprudência, realmente, já deixou assentado o entendimento de que a oposição dos embargos, na execução, faz nascer a conveniência para a reunião dos processos conexos, como demonstram os arestos abaixo ementados:         

“EXECUÇÃO POR TITULO EXTRAJUDICIAL, CONTRATOS DE MÚTUO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE "REVISÃO" DOS CONTRATOS. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 265, IV, A E 791, II, DO CPC.

O Ajuizamento de ação buscando invalidar cláusulas de contratos com eficácia de título executivo, não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso normal. Opostos e recebidos embargos do devedor, e assim suspenso o processo de execução CPC, art. 791, I poder-se-ia cogitar da relação de conexão entre a ação de conhecimento e ação incidental ao processo executório, com a reunião de processos de ambas as ações, para instrução e julgamento conjuntos, no juízo prevalecente.

Recurso especial não conhecido.” (STJ-4a. Turma, REsp 8859-RS, rel. Min. Athos Carneiro, j. 10.12.91, DJ 25.05.92

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL. ULTERIOR OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR À EXECUÇÃO MOVIDA COM LASTRO NO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL CUJA REVISÃO SE REQUEREU. SENTENÇAS AINDA NÃO PROFERIDAS. CONEXÃO. EXISTÊNCIA. REUNIÃO DOS PROCESSOS. RAZÕES DE ORDEM PRÁTICA.

- Proposta ação de conhecimento pelo devedor onde se postula a revisão judicial de cláusulas constantes de título executivo extrajudicial, ou do contrato que o originou, e opostos, posteriormente, embargos do devedor à execução movida pelo credor com lastro no título executivo objeto da ação revisional, a identidade de partes e de pedido autoriza a reunião dos processos em consideração à carga de conexidade existente entre eles e por razões de ordem prática, desde que ambos ainda não tenham sido apreciados no primeiro grau de jurisdição. Precedentes. Recurso especial provido” (STJ-3a. Turma, REsp 514454-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.09.03, DJ 20.10.03).  


11. Conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal

 Qual procedimento a ser seguido diante da concorrência de um processo de execução hipotecária (e os respectivos embargos), aforado perante a Justiça Comum, com uma ação ordinária, de revisão do contrato de financiamento habitacional, esta tramitando perante a Justiça Federal? O Juiz estadual deve, reconhecendo conexão, remeter os autos da execução para a Justiça Federal? Mesmo que não reconheça a existência de conexão, a execução deve ser suspensa, por depender da sentença de mérito que será proferida naquela ação (ordinária de revisão), em obediência à regra do art. 265, VI, “a”, do CPC?

Essas são questões recorrentes quando se trata de decidir sobre o andamento desses dois tipos de ações, ajuizadas em ramos diferentes da Justiça. Para dar um exemplo de como isso pode acontecer na prática, relembramos que a Caixa Econômica Federal alienou parte de sua carteira habitacional para bancos privados, que passaram a executar os mutuários em situação de inadimplência junto à Justiça Comum. Ocorre que esses mutuários, nas mais das vezes, já tinham promovido (ou vêm a promover) ações de revisão do contrato habitacional na Justiça Federal. Esta é competente para a primeira ação (revisão), mas não para a segunda (execução). As ações, contudo, guardam estreita conexão entre si. Elas devem ser reunidas ou simplesmente suspensa a execução?    

 Evidentemente, não se pode negar a existência de conexão entre a execução (os embargos) e a ação ordinária que tramita na Justiça Federal, nessas hipóteses. Ambas decorrem de um mesmo contrato, ou seja, têm a mesma causa de pedir (art. 103). A jurisprudência já registrava haver conexão entre execução e ação ordinária originárias do mesmo contrato (RT 718/163). Mais recentemente, o STJ reafirmou esse entendimento, deixando claro a existência de conexão entre embargos do devedor e a ação em que pretende a “revisão judicial das cláusulas constantes do título executivo extrajudicial, ou do contrato que o originou” (STJ-3ª. Turma, REsp 514.454-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.09.03, DJU 20.10.03).

Essa realidade, no entanto, não gera a obrigatoriedade de remessa do processo de execução para a Justiça Federal, ainda quando este juízo haja despachado em primeiro lugar. A regra do art. 219 do CPC, que define a prevenção do juiz que despacha em primeiro lugar, refere-se à competência relativa dos órgãos jurisdicionais. Quando o caso é de conexão entre causas submetidas a juízes de diversa competência territorial (espécie de competência relativa), prevento é aquele em cujo processo ocorreu citação válida (art. 219). Já em se tratando de juízes de mesma competência territorial, prevalece a regra do art. 106, que considera prevento o que despacha em primeiro lugar. Em ambas as situações, pode haver reunião dos processos propostos em separado perante o juiz prevento, “a fim de que sejam decididas simultaneamente” (art. 105), evitando-se, dessa forma, a possibilidade de decisões contraditórias. Ambos os dispositivos (art. 106 e 219), no entanto, regulam a conexão em face da competência relativa (territorial). Melhor dizendo, ambos contêm regras de deslocação da competência territorial. A conexão entre causas submetidas a juízos em razão da competência absoluta deles não produz a reunião de processos. Isso porque a conexão não modifica a competência absoluta, mas tão-somente a relativa (em razão do valor ou território), nos termos do art. 102 do mesmo Código.

Se a ação ordinária tramita perante a Justiça Federal em razão de a Caixa Econômica Federal figurar no pólo passivo, para tal processo é competente esse ramos da Justiça em azão da sua competência absoluta, definida constitucionalmente (art. 109 da CF), que a reserva para todo tipo de ação em que a União, suas autarquias, empresas e fundações públicas sejam partes ou interessadas. Já o processo que tramita na Vara da Justiça Comum não pode ser abarcado na sua competência (da Justiça Federal), se não incluir nenhuma dessas pessoas.

A jurisprudência tem consagrado o entendimento de que, na hipótese de conexão de causas em que ambos os juízos são absolutamente incompetentes para julgar uma das demandas, não ocorre a reunião das ações, permanecendo elas em seu leito judicial original:

“AGRAVO. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA NA JUSTIÇA FEDERAL (UNIÃO ASSISTENTE) QUESTIONANDO A NULIDADE DE CONTRATO E MONITÓRIA NA JUSTIÇA ESTADUAL QUERENDO O CUMPRIMENTO DO MESMO. CONEXÃO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DA REUNIÃO DOS PROCESSOS.

Somente os juízos determinados pelos critérios territorial ou objetivo em razão do valor da causa, chamada competência relativa, estão sujeitos à modificação de competência por conexão (art. 102, CPC).

A reunião dos processos por conexão, como forma excepcional de modificação de competência, só tem lugar quando as causas supostamente conexas estejam submetidas a juízos, em tese, competentes para o julgamento das duas demandas.

Sendo a justiça federal absolutamente incompetente para julgar ação monitória entre particulares, não se permite, na hipótese, a modificação de competência por conexão (STJ-2ª. Seção, AGRCC 35129/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 26.06.02, DJ 24.03.03)”.

Ainda:

COMPETENCIA. CONFLITO. JUIZOS FEDERAL E ESTADUAL. CONEXÃO. ANULATORIA PROPOSTA CONTRA BANCO CREDOR E ENTES FEDERAIS EM LITISCONSORCIO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. EXECUÇÃO E EMBARGOS. COMPETENCIA ABSOLUTA. ART. 102, CPC. ART. 109, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES.

I – Nos termos do art. 102, CPC, a competência prorrogável por conexão ou continência é somente a relativa. 

II – A competência da Justiça Federal, fixada na Constituição, somente pode ser ampliada ou reduzida por emenda constitucional, contra ela não prevalecendo dispositivo legal hierarquicamente inferior. 

III – Não há prorrogação da competência da Justiça Federal se em uma das causas conexas não participa ente federal (STJ-2a. Seção, CC 14460-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. un., j. 14.02.96, DJ 18.03.96).  

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Como se vê, a competência cível da Justiça Federal não se prorroga, não atraindo causa submetida a outro juízo. A reunião de processos perante essa Justiça, em obediência ao princípio do privilégio de foro (da parte), só ocorre se, em relação ao outro processo aforado originariamente na Justiça estadual, a União (ou suas autarquias, fundações e empresas públicas) intervém no feito e demonstra seu interesse pela causa (nesse sentido: CC 12620-DF, rel. Ministro Demócrito Reinaldo, j. 04.04.95, DJ 15.05.95; CC 27627-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 24.10.01, DJ 04.02.02). A preferência da Justiça Federal para a reunião dos processos, de maneira a evitar decisões conflitantes, só pode ocorrer quando ela detém competência para ambas as ações, por figurar nelas um dos entes federais já mencionados ou quando um deles, embora não constando como parte originária no feito, vem depois manifestar seu interesse na causa.

A respeito do tema, já decidiu o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis do Estado de Pernambuco:

Enunciado 27 FVC-IMP: "A conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal, não autoriza a reunião dos processos quando esta última não detém competência para julgar ambos" (unânime)”.

Concebido que a causa de competência (absoluta) da Justiça estadual não se transfere, por conexão, para a Justiça Federal, então deve-se concluir pela necessidade de suspensão do curso da execução, naquele juízo? A resposta é negativa. Não há motivo para que seja sobrestado o regular curso da execução. 

O que se alega costumeiramente em favor da suspensão é que, em sendo dado provimento à ação ordinária proposta (na Justiça Federal), o título executado se torna ilíquido e incerto. Ainda se costuma ajuntar o argumento de que o devedor corre o risco de sofrer prejuízo irreparável, caso se permita a continuidade dos atos executórios, antes de resolvida a questão da revisão contratual (por sentença do juízo federal). Esse raciocínio tem respaldo em corrente jurisprudencial, confortada inclusive em decisões do próprio STJ, no sentido de que “não pode o agente financeiro prosseguir na execução extrajudicial enquanto pendente de julgamento a medida cautelar ou a ação principal em que se discute o critério a ser adotado no reajuste das prestações da casa própria” (1ª. Turma, REsp 0017742-MG, rel. Min. Garcia Vieira, DJU 01.06.92; 3ª. Turma, REsp 508944-DF, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 10.06.03, DJ 28.10.03). Essa argumentação, no entanto, só está aparentemente correta, pois o prosseguimento da execução não frustra necessariamente eventual reconhecimento de direito (diminuição ou anulação da própria dívida) do devedor, em outro processo. Além do mais, é preciso buscar a exata compreensão e sentido prático dessa jurisprudência, sob pena de trazer prejuízos de ordem processual para o credor.

Com efeito, não se deve paralisar a execução no início ou logo após garantido o juízo pela penhora. Deve-se deixá-la prosseguir até fase que represente, aí sim, uma possibilidade de dano irreparável, e tal só acontece quando está ela pronta para a realização do leilão. É com o ato do leilão e a emissão da carta de arrematação que se ultima o processo de adjudicação do bem ao agente do sistema financeiro ou da transferência a terceiro. Nessa fase final do procedimento pode ser enxergado risco ao direito do executado sobre o imóvel; não antes. É razoável que o mutuário requeira a suspensão da realização do leilão ou a emissão da carta de arrematação, porque, uma vez transferida a titularidade do bem imóvel objeto da execução hipotecária, seria ineficaz eventual reconhecimento de direito na conexa ação revisional. O que não parece lógico é paralisar uma execução no seu nascedouro, até que decisão em outra causa seja proferida, porque isso representaria a possibilidade de maiores prejuízos à outra parte. Contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão indefinida da execução.

A paralisação de um processo de execução logo no início representaria, por via transversa, um impedimento ao direito constitucional de ação do exeqüente. A jurisprudência tem entendido que o devedor não pode impedir a parte contrária de ingressar em juízo com a ação ou execução que tiver contra ele (RSTJ 10/474, 12/418, JTA 105/156, RF 304/257), sob pena de cercear-lhe seu direito (do credor) de recorrer ao Judiciário, garantido pelo art. 5º., XXXV, da CF. Impedir que ele não ingresse com a execução ou que não a movimente, na prática, tem o mesmo efeito.  

Deixar, portanto, para decidir sobre eventual suspensão da execução somente na fase dos procedimentos finais (simplesmente suspendendo-se a emissão da carta de arrematação), é medida que traz menos prejuízos e é compatível com o próprio espírito da Lei 5.741/71.

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Da ação de revisão de contrato bancário.: Algumas questões processuais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3389, 11 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22793. Acesso em: 24 abr. 2024.

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