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Do litisconsórcio passivo necessário e do candidato aprovado em concurso público dentro do número previsto de vagas

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15/10/2012 às 08:55
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3 DO CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS

A jurisprudência consolidada no seio dos tribunais era no sentido de que o candidato aprovado em concurso público, não importando se dentro ou fora do número de vagas previstas no edital, apenas tinha expectativa de direito à nomeação, sendo ela transformada em direito subjetivo apenas quando houvesse preterição na ordem de classificação, cuja configuração poderia ocorrer por meio de contratação precária (terceirização).

O que não se tem admitido é a obrigação de a Administração Pública nomear candidato aprovado fora no número de vagas previstas no edital, simplesmente, pelo surgimento de vagas, seja por nova lei, seja em decorrência de vacância, sob pena de engessá-la a ponto de perder sua discricionariedade quanto à melhor alocação de vagas, inclusive, no que toca à eventual necessidade de transformação ou extinção de cargos vagos.

No MS 24.660[15], restou consignado pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de abertura de novo concurso, a despeito da existência de candidatos classificados em evento ocorrido antes. O que não se permite, no entanto, é a preterição dos candidatos classificados na seleção anterior e durante o prazo de validade do seu concurso pelos aprovados no novo certame[16].

No caminho da evolução jurisprudencial, chegou o momento de decidir a situação jurídica de candidato aprovado dentro no número previsto de vagas.

3.1 Dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da confiança

É objetivo fundamental da República Federativa Brasileira construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3°, I, da Constituição Federal). Um dos componentes de um seio social justo é o compromisso de lealdade e probidade com que os indivíduos devem se portar.

Dispensando-se comentários a respeito da sua origem e evolução, vislumbra-se a dual conceituação da boa-fé em subjetiva e objetiva. Buscando os respectivos conceitos na ordem civil, a boa-fé subjetiva é um estado psicológico, em que a pessoa crer possuir um direito, que, em verdade, só existe na aparência, isto é, o sujeito encontra-se em escusável situação de ignorância. Já sua face objetiva é um princípio de conduta, um modelo de comportamento social, “caracterizado por uma atuação de acordo com determinado padrões sociais de lisura, honestidade de modo a não frutar a legítima confiança da outra parte.” (PELUSO, 2009, p. 458).

Não obstante o status constitucional do princípio da boa-fé reconhecido pelo próprio STF[17], a teoria do diálogo das fontes já seria suporte suficiente para a interação entre os ordenamentos civil, processual civil e constitucional. Segundo ela, em vez de exclusão, devem os ordenamentos jurídicos específicos interagir-se mutuamente na tentativa de irradiar suas normas para o mesmo foco, quando elas regerem tema comum[18].

Ademais, os cientistas políticos entendem ser necessário um grau de segurança e certeza para o homem conduzir-se, planejar-se e desenvolver-se nos diversos ramos sociais. Nossa Constituição refere-se à segurança – incluída aí a segurança jurídica –, além de outras passagens, em seu preâmbulo e no caput do artigo 5°. A função da segurança jurídica, enquanto subprincípio ou elemento conceitual do Estado de Direito e projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, não é outra, senão conferir estabilidade às relações sociais (CRUZ, 2012).

O princípio da confiança é tido como elemento da segurança jurídica[19]. O testemunho intelectual de Joaquim Gomes Canotilho, invocado pelo Min. Ayres Britto no julgamento do MS 25.403[20], confirmou esses dois postulados – segurança jurídica e proteção da confiança – andarem associados, a ponto de alguns considerarem esse último princípio como um subprincípio ou dimensão específica da segurança jurídica. Não obstante exposto algum traço distintivo, no final, o relator narrou a comunhão das normas deles dimanadas:

Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. 

Analisando a doutrina estrangeira e brasileira e a jurisprudência da nossa Suprema Corte, resta evidente o princípio da confiança ser aplicável nas relações de direito público, quando a própria Administração Pública age de tal modo a criar favorável expectativa na esfera de direitos do particular[21].

No voto do RE 598.099[22], o Min. Gilmar Mendes cita a seguinte lição de Karl Larenz:

“O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica.” (LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 91)

O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um comportamento de ética jurídica, que se expressa no princípio da boa-fé. Diz:

“Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável, quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é idêntico ao princípio da confiança. (...) Segundo a opinião atual, [este princípio da boa-fé] se aplica nas relações jurídicos de direito público”. (Derecho Justo – Fundamentos de Ética Jurídica. Madri. Civitas, 1985, p. 95 e 96)

Já se percebe que deixar de nomear candidato aprovado dentro do número das vagas previstas no edital sem apontar qualquer escusa excepcional devidamente motivada no interesse público viola os princípios da boa-fé, segurança e confiança, tendo em vista essa recusa ir de encontro ao comportamento legitimamente esperado pelo particular.

3.2 Do RE 598.099

O voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, foi acompanhado à unanimidade pelos membros presentes à sessão do dia 10/08/2011. Eis os pontos principais da linha argumentativa:

a) Quando a Administração torna público um edital de concurso, prevendo o preenchimento de certo número de vagas, ela gera expectativa que se comportará como informado. Assim, nessa relação, quem prestará o exame se empenhará física e espiritualmente em prol do concurso, abrirá mão de parcela de sua vida social, será diligente com sua documentação e na apresentação do dia do exame etc., e a Administração deverá cumprir a obrigação de nomear quantos candidatos publicamente divulgou que necessitava;

b)  É possível a Administração, dentro do prazo de validade do concurso, escolher o melhor momento no qual realizará a nomeação, mas não poderá dê-la dispor;

c) O direito à nomeação é direito público subjetivo em face do Estado decorrente do princípio da acessibilidade aos cargos públicos, o qual, por sua vez, está fundado em alguns princípios informadores da organização do Poder Público: 1) princípio democrático de participação política: participação plural e universal dos cidadãos na estrutura do Poder Público (servidores públicos); 2) princípio republicano: participação efetiva do cidadão na gestão da coisa pública; 3) princípio da igualdade: isonomia de oportunidades no acesso ao serviço público (ROCHA, 1999).

d)  Apesar do direito do concursando aprovado e do dever imposto ao poder público, situações excepcionais e devidamente motivadas no interesse público podem justificar a recusa da Administração Pública em nomear novos servidores[23];

e)  A força normativa do princípio do concurso público impõe ao Poder Público a observância de garantias fundamentais que possibilitem seu pleno exercício pelos cidadãos.

Segue a ementa dessa importante decisão que bem resume a discussão travada naquela sessão:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

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3.3 Da judicialização do concurso e a necessariedade do litisconsórcio

É entendimento jurisprudencial reiterado a inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos aprovados em concurso público em ação judicial que envolva o certame, uma vez que possuem apenas expectativa de direito a nomeação:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. ARTS. 3º E 41 DA LEI 8.666/93. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. “É Dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos aprovados em concurso público, uma vez que possuem apenas expectativa de direito a nomeação” (AgRg no AREsp 20.530/PI, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe 13/10/11). 2. Para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. No caso em exame, o Tribunal de origem não emitiu nenhum juízo de valor acerca dos arts. 3º e 41 da Lei 8.666/93. Aplicação das Súmulas 282 e 356/STF e 211/STJ. 3. No presente caso, o segundo fundamento adotado na decisão agravada para afastar a tese de violação aos arts. 3º e 41 da Lei 8.666/93 - incidência da Súmula 284/STF - não foi infirmado no agravo regimental. Incidência da Súmula 182/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 89.428/BA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 17/05/2012, DJe: 23/05/2012)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ARESP. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. 1. Em se tratando de concurso público, não há a formação de litisconsórcio passivo necessário, visto que os candidatos detêm apenas uma expectativa de direito à nomeação. 2. O acórdão recorrido, com base na prova dos autos, foi explícito ao afastar a necessidade de formação de litisconsórcio passivo entre os candidatos, “por não possuírem interesse na demanda”. Para revisar essa premissa seria necessário revolver as provas e fatos dos autos, o que se mostra vedado nos termos da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 83.020/GO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01/03/2012, DJe: 12/03/2012)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS COM MANIFESTO DESEJO DE OBTER A ALTERAÇÃO DO JULGADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. FORMAÇÃO. CITAÇÃO DOS DEMAIS CANDIDATOS APROVADOS. DESNECESSIDADE. 1. Admitem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos em face de decisão monocrática, ante o caráter infringente que se pretende, em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade. Precedentes. 2. O litisconsórcio passivo necessário dos aprovados em concurso público cuja nulidade pode ser decretada em sede de ação civil pública não se impõe, porquanto eventual procedência da demanda não é suficiente, por si só, para demonstrar a comunhão de interesses entre todos os inscritos no certame, pois os eventuais aprovados possuem mera expectativa de direito. Precedentes.    3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1164151/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/10/2011, DJe: 11/11/2011)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ART. 47 DO CPC. DESNECESSIDADE. 1. A ocorrência no julgado de qualquer um dos vícios elencados no art. 535 do CPC enseja o acolhimento dos embargos de declaração. 2. Este Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de ser desnecessária a citação dos demais candidatos aprovados em concurso público, porquanto possuem apenas a expectativa de direito à nomeação, razão pela qual não são considerados litisconsortes passivos necessários. 3. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes, tão somente para declarar a desnecessidade da formação do litisconsórcio. (EDcl no AgRg no Ag 1285947/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16/08/2011, DJe: 31/08/2011)

Entrementes, esse pressuposto – mera expectativa de direito – não pode ser generalizado. Candidato aprovado dentro do número de vagas previstas do edital tem direito público subjetivo à nomeação e é litisconsorte passivo necessário em ação judicial cuja sentença, eventualmente, possa prejudicá-lo.

Eis um exemplo hipotético para uma melhor compreensão: a) edital de concurso público com previsão de 40 vagas; b) o candidato “A” que, no final do concurso, logrou nota 8,0 e ocupa a 41ª posição, ingressa com ação judicial, na busca de anular determinada questão, de sorte a ser-lhe acrescida pontuação (0,2); c) o candidato “B” que ocupa a 40ª posição logrou como nota final 8,1; d) se julgado procedente o pedido de “A”, ele passará para a 40ª posição, ficará dentro do número de vagas e passará a ter direito subjetivo à nomeação, enquanto “B” o perderá.

A própria ratio da configuração do litisconsorte necessário-unitário é quem evidencia a situação acima narrada enquadrar-se nele. Com base na doutrina italiana, Dinamarco (2009, p. 214, grifos do autor) expôs as razões que conduzem à necessariedade do litisconsórcio: “a) individualização do petitum formulado; b) ‘individualização dos limites subjetivos e objetivos do provimento do pedido’; c) ‘determinação dos sujeitos que devem participar do processo a fim de que tais efeitos possam efetivar-se’”.

Nossa Suprema Corte já definiu o caminho por onde se desvenda a obrigação de formação do litisconsórcio:

MANDADO DE SEGURANÇA. COMPLEXIDADE DOS FATOS. LITISCONSORCIO NECESSARIO. I. A complexidade dos fatos não exclui o caminho do mandado de segurança, desde que todos se encontrem comprovados de plano. II. O litisconsórcio necessário, a conta da natureza da relação jurídica, tem lugar se a decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo. Não se configura, na espécie, qualquer dessas hipóteses. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 100.411, Relator(a): Min. Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 04/09/1984, DJ: 26/10/1984)

MANDADO DE SEGURANÇA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSARIO. Se o ato impugnado conferiu direito subjetivo em favor de terceiro, este há de ser citado para integrar a lide, como parte passiva, pois a decisão a ser proferida diz diretamente com sua situação jurídica, e assim, não é lícito impedir participe o terceiro do devido processo legal, omitindo seu chamamento a juízo, a fim de se defender. Inteligência do art. 19 da Lei n. 1.533, de 31.12.51, com a redação da Lei n. 6.071, de 3.7.74, e do art. 47 do CPC. Precedentes do S.T.F. Conhecimento e provimento parcial do recurso. (RE 91.246, Relator(a): Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, julgado em 03/11/1981, DJ: 18/12/1981)

Destarte, quem, por exemplo, demanda judicialmente a anulação de uma questão em concurso público pretende, obviamente, que lhe seja atribuída a pontuação correspondente e, em consequência do acolhimento do pedido, subirá na classificação do certamente, fazendo com que outro(s) candidato(s) passe(m) a ocupar classificação inferior.

Essa percepção já encontra eco em alguns julgados do STJ:

a)  No RMS 27.777, identificou-se, ante à própria natureza da relação jurídica, que o eventual reconhecimento da tese deduzida na impetração iria atingir diretamente a esfera jurídica dos demais candidatos aprovados, alterando-lhes a classificação, razão pela qual era mesmo de se determinar a sua integração ao processo, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil[24];

b) No RMS 24.080, verificou-se a necessariedade de litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos classificados em ordem antecedente à do recorrente, pela possibilidade de alteração na ordem de classificação[25].

c) Essa também foi o pensamento exarado nos acórdãos, cujas ementas estão abaixo transcritas:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. PROVIMENTO. AÇÃO CAUTELAR. CONCURSO PÚBLICO. FISCAL DO TRABALHO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. ALTERAÇÃO DA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO DOS CANDIDATOS. LITISCONSÓRCIOS PASSIVOS NECESSÁRIOS. FALTA DE CITAÇÃO. NULIDADE DO PROCESSO. ART. 47 DO CPC. DESCUMPRIMENTO. Sempre que os efeitos da sentença atingem os candidatos já aprovados, alterando-lhes notas e ordem de classificação, devem todos eles integrar a lide na condição de litisconsortes necessários, em aplicação ao comando do art. 47 do CPC, sob pena de nulidade do processo a partir de sua origem. Recurso não conhecido. (REsp 208.373/CE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 28/04/2004, DJ: 14/06/2004)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL - NOMEAÇÃO PARA CARGO PÚBLICO - PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO - ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO - LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO - INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO. 1. Ainda que indeclinável a ordem de classificação em concurso público, havendo demanda onde se pleiteia a nomeação, deve-se chamar à lide todos dos candidatos em classificação melhor que o litigante, aplicando-se à espécie o princípio da instrumentalidade do processo. 2. Recurso parcialmente conhecido. (REsp 93.765/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Ministro Anselmo Santiago, Sexta Turma, julgado em 17/11/1998, DJ: 05/04/1999)

Ajuizada ação apenas contra o Estado e/ou organizar do certame, deve o juiz, com esteio nos arts. 284 e 47, ambos do CPC, determinar que seu autor emende ou complemente a inicial, no sentido requerer a citação daqueles que serão supostamente prejudicados com o acolhimento do pedido[26], sob pena de acarretar prejuízo jurídico a outrem sem, sequer, concede-lhe o direito de exercer o contraditório.

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Sobre o autor
Henrique Jorge Dantas da Cruz

Servidor do TJPB de 2003 a 2007, procurador federal (AGU) de 2007 a 2016 e juiz federal (TRF-1) desde 2016.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Henrique Jorge Dantas. Do litisconsórcio passivo necessário e do candidato aprovado em concurso público dentro do número previsto de vagas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3393, 15 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22808. Acesso em: 19 abr. 2024.

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