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As políticas públicas sob a ótica da Advocacia-Geral da União

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19/10/2012 às 09:19
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3. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E SUA NATUREZA JURÍDICA – SEU STATUS CONSTITUCIONAL

A Advocacia-Geral da União – AGU, prevista no art. 131, acima transcrito, integra, topograficamente falando, o Capítulo IV, do Título IV da nossa Constituição, que trata, por sua vez, das Funções Essenciais à Justiça.

Esse registro é importante, para demonstrar inicialmente que a AGU não foi encartada pelo Legislador Constituinte Originário dentro de nenhum dos outros capítulos do referido Título IV da Constituição, reservados especificamente a cada um dos três Poderes Estatais constituídos, a saber: Capítulo I – Do Poder Legislativo; Capítulo II – Do Poder Executivo; e Capítulo III – Do Poder Judiciário.

Pela simples leitura da norma constante do art. 131 da CF/88 pode-se perceber a razão da inserção da Advocacia-Geral da União em Capítulo distinto: o fato é que compete à AGU representar judicial e extrajudicialmente a União (Administração Direita e Indireta). Assim, a AGU representa/defende todos os Órgãos e Poderes Públicos Federais, caso contrário, seria necessário haver uma Advocacia-Geral do Congresso Nacional, uma Advocacia-Geral do Poder Judiciário, uma Advocacia-Geral do Poder Executivo e assim sucessivamente.

Deste modo, vê-se que, na qualidade de entidade componente das Funções Essenciais à Justiça, a AGU goza, assim como o Ministério Público (entidade onde se consegue enxergar isso com maior nitidez e facilidade), de certa independência e liberdade no âmbito de sua atuação.

Tal assertiva resta mais robusta, quando se percebe que todos os órgãos que compõem as Funções Essenciais à Justiça são órgãos de advocacia em sentido lato. Com efeito, como registrado pelo professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o gênero advocacia se divide em advocacia privada e pública, sendo esta última subdividida em outras três categorias distintas[31]:

·                    A Advocacia da Sociedade – própria do Ministério Público;

·                    A Advocacia de Estado – própria da Advocacia-Geral da União e das Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal;

·                    A Advocacia dos Hipossuficientes – própria da Defensoria Pública.

Segundo Kirch[32], “Essa separação (...) é meramente formal, já que todas as funções cometidas a essas instituições são coerentemente as de ad vocare, ou seja, falar sempre por alguém e em seu interesse.” Tais palavras, descontextualizadas, podem parecer conferir só menos importância à lição do professor Moreira Neto, mas não foi isso, em absoluto, que César Kirch declinou em seu artigo. Na verdade, suas palavras confirmam a lição do professor Moreira Neto e apontam para uma opção política do Constituinte de 1987-1988, qual seja, a de subdividir as funções da advocacia pública, de modo a conferir maior efetividade às atividades desempenhadas por cada uma das três Funções Essenciais à Justiça. Isto se deu em razão do insucesso do modelo anteriormente vigente, no qual o Ministério Público congregava todas as funções da Advocacia Pública no âmbito Federal[33].

Além da independência própria dos órgãos que compõem as Funções Essenciais à Justiça, os membros das quatro carreiras[34] que integram a Advocacia-Geral da União – AGU gozam da independência particular dos advogados, em sentido estrito.

 Ora, como dito, a Advocacia de Estado nada mais é do que uma subdivisão da própria Advocacia, a expressão “de Estado”, adjetivando o termo Advocacia, embora confira uma missão diferenciada aos membros da AGU, não lhes retira o ethos de Advogado. Portanto, todas as normas próprias da advocacia privada, que não conflitem com a missão constitucional da AGU, lhes são aplicáveis[35].

Assim, é de se destacar a norma constitucional presente no art. 133 do texto constitucional, que assevera ser o advogado indispensável à administração da justiça, bem como inviolável por seus atos e manifestações, no exercício de sua profissão, respeitados os limites da lei. De igual modo, o art. 7º, I do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) estabelece como direito do advogado o exercício, com liberdade, da profissão em todo o território nacional; e o art. 31, § 1º da mesma lei o dever de independência, em qualquer circunstância, que o advogado deve guardar no exercício do seu mister.[36] Por óbvio, registre-se, que tal liberdade e independência, frutos da inviolabilidade, devem ser lidos em consonância com os ditames da legalidade e dos entendimentos sumulados que vinculam a atuação do Advogado Público Federal.[37]

Tal independência é de crucial importância para exercício do múnus do Advogado Público Federal, especialmente se considerarmos (e não podemos desconsiderar) que referidos agentes constantemente sofrem pressões políticas internas e externas que visam de todas as maneiras interferir na manifestação livre do seu entendimento, externada diuturnamente no exercício hermenêutico das normas constitucionais e legais conjugadas com as situações fáticas que lhes são submetidas.


4. DESENVOLVIMENTO DO ESTADO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOB A ÓTICA DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO – AGU

Consoante normatizado pelo artigo 131 da Constituição Federal de 1988, antes reproduzido, a Advocacia-Geral da União representa a União (entenda-se Administração Direta e Indireta) judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe ademais o assessoramento jurídico e a consultoria do Poder Executivo Federal.

Vê-se, deste modo, que a atuação da AGU se dá em dois momentos distintos:

·                    O primeiro com um viés preventivo, orientando e apontando o norte a ser seguido pelo gestor público. Este seria o papel dos Advogados Públicos Federais que atuam nas consultorias jurídicas (seja nos Ministérios, seja nas consultorias junto às Autarquias e Fundações Públicas Federais). Seria um “a priori” (etapa da formulação da política pública);

·                    O segundo com um viés mais combativo, em contraposição ao primeiro, dir-se-ia repressivo. Este papel competiria aos Advogados Públicos Federais que atuam nos órgãos de contencioso judicial da AGU. Seria um “a posteriori” (etapa da implementação).

Segundo Rommel Macedo, o papel das consultorias jurídicas seria garantir a higidez, entendida esta sob as perspectivas da legalidade e legitimidade, do ato administrativo praticado pelo gestor, responsável pela formulação da política pública de Estado que se visa implementar.[38] Nessa linha, Macedo destaca a nítida finalidade preventiva da atividade consultiva, como acima declinado, na medida em que impede que políticas públicas formuladas venham, no momento da sua implementação, a ser consideradas contrárias ao ordenamento jurídico, e, portanto, questionadas judicial ou extrajudicialmente.

Em imprescindível complementação, Bercovici destaca que as políticas públicas podem e devem ser controladas não apenas no que toca à legalidade formal dos seus atos constitutivos, mas, sobretudo, no que concerne à sua adequação constitucional[39], especialmente quanto aos objetivos fundamentais fixados no art. 3º da nossa Constituição[40].

Não discrepando do entendimento acima esposado, Kirch[41] aponta que a consultoria jurídica da AGU irá auxiliar o Gestor/Governante e demais colaboradores, na correta elaboração do seu plano político. Tal plano deve se guiar pelos corolários da moralidade, legalidade e eficiência, de modo que se possa alcançar o sucesso na elaboração e futura execução das políticas públicas que visem a proporcionar o bem comum da sociedade em geral. Tal norte é de ser apontado pela referida consultoria jurídica[42].

Contudo, se ainda assim ditas políticas públicas forem contestadas, caberá à Advocacia-Geral da União sob a perspectiva do contencioso judicial, ou seja, da defesa dos interesses públicos em juízo, atuar de modo a garantir a implementação do ato Administrativo Estatal.

Percebe-se, deste modo, que as atribuições Constitucionalmente previstas como próprias à Advocacia-Geral da União não são nem estanques nem separadas, ao contrário, complementam-se e comunicam-se mutuamente.

Tanto isso é verdade que o Procurador-Geral Federal, chefe da Procuradoria-Geral Federal – PGF[43], em artigo anteriormente citado[44], informou que até outubro de 2008, data do fechamento do referido ensaio, não havia nenhum projeto do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal – PAC paralisado em razão de decisão judicial, fosse ela liminar ou definitiva.

Conforme estampado em seu 1º Balanço[45] (janeiro a abril de 2007), o PAC é um programa de desenvolvimento que ingressou na agenda política nacional, fazendo parte da ordem do dia da sociedade brasileira.

Constitui-se em um amplo conjunto de ações governamentais que tem por objetivo acelerar o ritmo de crescimento da economia, como sua própria denominação já denota, aumentando o emprego e a renda e diminuindo as desigualdades sociais e regionais, mantendo, por conseguinte, os fundamentos macroeconômicos que o Brasil vem implementando nos últimos anos, visando o controle da inflação, a consistência fiscal e a solidez nas contas externas[46].

O principal instrumento por meio do qual o PAC pretende alcançar os objetivos acima traçados é a elevação dos investimentos privados, ao lado do incremento no investimento público. Nesse sentido, o Governo Federal instituiu políticas de aumento do crédito e redução de juros, melhoria do ambiente de investimento, investimentos em infra-estrutura e aperfeiçoamento do sistema tributário.

Como se vê[47], ainda que com uma rápida passada de olhos, há todo um planejamento voltado à formulação e implementação de políticas públicas de desenvolvimento em grande parte já iniciado. E, como dito por Bercovici[48], o conceito de desenvolvimento nacional é a principal política pública que um governo pode pretender, e esse é o objetivo do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

Mas o que efetivamente é desenvolvimento? Seria o mesmo que modernização? Nas palavras de Bercovici[49], não. Segundo o autor, o desenvolvimento só pode ocorrer por meio de um processo de ruptura com o sistema político vigente em determinado Estado.

Para que haja desenvolvimento é necessário haver transformação das estruturas sociais. Sem referidas transformações, não se está diante de um processo de desenvolvimento, mas de simples modernização, que, ao contrário, mantém o subdesenvolvimento que se visa superar, agravando a concentração de renda.

Deste modo, o conceito de desenvolvimento compreende, porém supera, o de crescimento. Nele, deve estar incluído, por exemplo, o elemento redistribuição de renda, conforme lecionam Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto no Capítulo I de sua obra[50], “Dependência e Desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica”.

Tal ideal é externado de modo bastante contundente por Bercovici ao afirmar que o desenvolvimento não é uma mudança simplesmente quantitativa, mas acima de tudo qualitativa. E citando a conceituação de Fábio Konder Comparato, diz que o desenvolvimento é um processo de longo prazo, induzido por políticas públicas interligadas de três distintas ordens: econômicas, sociais e políticas[51]. O destaque se dá para as políticas ou programas sociais, que objetivam a aquisição da progressiva igualdade de condições básicas de vida da população nacional.

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Tanto isso é verdade, que o próprio Governo Federal ao instituir o Programa de Aceleração do Crescimento destacou dentre seus objetivos o aumento do emprego e da renda com a conseqüente diminuição das desigualdades sociais e regionais, para torná-lo um verdadeiro programa desenvolvimentista e não simplesmente modernizador.

Todavia, para se tentar tecer qualquer sorte de relação entre as políticas públicas do Governo Federal e a atuação da Advocacia-Geral da União - AGU, há de se limitar a análise, como dito anteriormente, às fases de formulação e implementação da ação governamental, não sendo função da AGU ingressar no campo da avaliação dos rumos da referida política pública[52], mas tão somente apontar o norte da legalidade e da constitucionalidade ao Gestor, a fim de que a agenda política do Governo possa ser praticada com higidez e legitimidade. Afora isto, também compete à AGU defender a política pública desafiada judicialmente, já que, em face da sua atuação consultiva prévia, em tese, a mesma se adéqua aos referidos pré-requisitos básicos e indispensáveis à sua execução: respeito à Constituição e às normas legais que a conduzem.

Nessa esteira e tomando o PAC como paradigma do trabalho executado pela Advocacia-Geral da União, vê-se os resultados oriundos da atuação dos seus órgãos na defesa dessa(s) política(s) pública(s), tal qual se pode perceber pelos dados abaixo indicados, extraídos de notícias divulgadas no site da AGU (portanto, com caráter informativo):

·                    Em dezembro de 2009 a Advocacia-Geral da União – AGU acompanhava 6.948 ações judiciais e procedimentos administrativos referentes ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC do Governo Federal. Corroborando o dado de outubro de 2008, acima mencionado, nenhuma obra do Programa se encontrava parada, de acordo com o 9º Relatório do Grupo de Acompanhamento do PAC (Gepac/AGU)[53].

·                    Em fevereiro de 2010, a Advocacia-Geral da União, representada pelo seu dirigente máximo, o Advogado-Geral da União, participou da apresentação do 9º Balanço do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.  Na referida solenidade a coordenadora do Comitê Gestor do PAC informou que 50% das ações do PAC estavam concluídas, sem contar as áreas de saneamento e habitação, de acordo com dados consolidados até 31 de dezembro de 2009.Ressaltou-se que para tratar de forma especial as ações do PAC, a AGU criou, em 2007, o Grupo de Acompanhamento do PAC, cuja função, dentre outras, consiste em monitorar diariamente os processos judiciais que tenham relação com o Programa de Aceleração do Crescimento, com o objetivo de manter a execução dos seus projetos (políticas públicas do Governo Federal).No referido ano, a instituição acompanhava de forma atenta e proativa mais de 7.000 ações, cujas vitórias garantiram, por exemplo, a manutenção da 10ª Rodada de Licitações de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural; da licença de instalação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio e da construção das UHEs de Santo Antônio, Jirau, Belo Monte e Mauá; além da realização do Leilão nº 01/09 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para a concessão de dezenove (19) linhas de transmissão de energia elétrica e nove (09) subestações em treze (13) estados do país[54].

·                    Em julho de 2011, foi divulgado o seguinte dado pelo Gepac: A Advocacia-Geral da União (AGU) acompanha, atualmente, 10.619 processos que envolvem obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A maior parte – 4.486 – deve-se à ampliação de rodovias e ferrovias, bem como a construção de açudes e aeroportos em terrenos particulares. A AGU atua de maneira proativa com a proposição de ações de desapropriação, para viabilizar as políticas públicas.

Do total, 6.207 são ações judiciais (cujo aumento se deu em razão do avanço das obras do PAC) e 4.412 extrajudiciais, relacionadas a obras como reformas e construção de rodovias federais, Usinas Hidrelétricas (UHEs) para geração de energia, ampliação e instalação de novos aeroportos para receber turistas na Copa de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, metrôs, ferrovias e portos.

O relatório também informa que as obras na área de infraestrutura logística são as campeãs em processos – 3.331. As hidrelétricas e hidrovias estão entre os segmentos mais questionados, com 1.472 ações. Em seguida estão outros empreendimentos não especificados (1.282), rodovias (1.244) e aeroportos (1.051). Sendo que a região com maior número de processos é a Nordeste, que totaliza 2.422 ações na Justiça. Depois está o Sudeste com 1.693, o Sul com 1.272, o Norte com 608 e o Centro-Oeste com 212.

Ademais, é de se registrar, que o relatório aponta um percentual de êxito, em razão da atuação da AGU, superior a 95% nas ações que envolvem obras do PAC.[55]

Tais números visam demonstrar, ainda que de modo singelo, que a atuação da AGU, seja no âmbito das consultorias jurídicas, com um viés preventivo, seja no contencioso judicial, na defesa das políticas públicas pretendidas por um determinado Governo, resulta, efetivamente, em dados favoráveis ao país e que, de fato, a instituição detém um papel de relevo na seara desenvolvimentista da nação brasileira, sob o viés da orientação jurídica e defesa judicial das políticas públicas pretendidas pelo Estado e desenvolvidas por um Governo legítima e democraticamente escolhido/sufragado.     

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Sobre o autor
Filipo Bruno Silva Amorim

Procurador Federal, atualmente exercendo o cargo de Vice-Diretor da Escola da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela UFRN. Especialista em Direito Constitucional pela UNISUL. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. As políticas públicas sob a ótica da Advocacia-Geral da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3397, 19 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22842. Acesso em: 24 nov. 2024.

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