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Judicialização da competição política e eleições municipais no Rio Grande do Sul

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Considerações Finais

Com a construção deste perfil dos processos de cassação e seus possíveis efeitos na dinâmica da competição política, vimos que as novas configurações do marco legal referente às eleições, assim como os recentes mecanismos de controle da corrupção e de práticas ilícitas operacionalizados pela Justiça Eleitoral, tem causado certo desconforto dentre as elites políticas locais, por conta de vários aspectos, especialmente no que diz respeito ao enxugamento dos gastos de campanha, as exigências mais rigorosas em termos de prestação de contas e a possibilidade concreta de punições às contravenções eleitorais. Esse papel de modificar o comportamento dos competidores políticos ficou a cargo da Lei 9.504/97, especialmente no momento em que a Lei 9.840/99 deu-lhe uma nova redação, tornando-a mais severa no combate à corrupção eleitoral.

As práticas ilícitas como a compra de votos, o “caixa dois”, o uso da máquina administrativa no favorecimento do candidato de situação, etc., eram praticados tranquilamente e de forma enraizada, especialmente nos municípios, onde a fiscalização parecia mais distante e havia certa segurança na inaplicabilidade de certos dispositivos legais já existentes, mas que se constituíam apenas em normas de papel. Essa fragilidade na aplicação dos princípios legais já existentes, remetiam a convicção da impunidade. Assim, tradicionais práticas corruptas de obtenção de voto eram vistas como normais e inerentes à própria política – embora essa visão ainda não tenha sido totalmente substituída.

O novo marco legal, instituiu novas possibilidades para a ação da Justiça Eleitoral. Os crimes eleitorais ficaram mais visíveis, e reconhecidos como tal, integrando o conceito de corrupção eleitoral. Passaram a ocorrer mais denúncias, os processos passaram a ser analisados e julgados com mais rapidez e presteza, e as sentenças, aplicadas de forma mais rigorosa e ágil. A partir de então, uma gama maior de atores foram legitimados a denunciar e adentrar com processos na via judicial, assim como a variedade de alegações legais, desencadeou um aumento significativo na procura pela intervenção da Justiça Eleitoral nos conflitos surgidos no pleito, como foi enfatizado nos capítulos anteriores do trabalho.

Vimos que os principais atores que provocam a Justiça Eleitoral a intervir não são propriamente os eleitores, os cidadãos comuns, os habitantes das cidades atingidas, e sim, os próprios agentes políticos envolvidos e auto-interessados na modificação dos resultados daquelas eleições. E portanto, interpretamos que a premissa do combate à corrupção eleitoral, justificativa plausível das transformações no marco legal das eleições, tem sofrido um processo de inversão quando aplicado na lógica de competição política dos municípios: as possibilidades instituídas pela legislação vem sendo utilizadas como instrumento no jogo político, como mais uma forma de desestabilizar o adversário ou anular resultados desfavoráveis.

Sendo assim, não é o combate à corrupção eleitoral que vem prevalecendo, e sim, a busca pelo erro do adversário em relação à condutas ilegais e seu uso em juízo, para a alteração de resultados. Por outro lado, percebemos na análise dos dados referentes aos processos de cassação, que a Justiça Eleitoral tem feito intervenções incisivas em uma parcela diminuta dos casos, o que não tem desencorajado os atores políticos a continuarem usando esse meio na competição política local. Argumentamos que basta a possibilidade de adentrar com o processo, e a chance ainda que remota que conquistar algum resultado positivo – a cassação ou a mera desestabilização da candidatura do oponente – já serve de incentivo para a busca cada vez maior dos atores políticos pelo Judiciário nesse tipo de situação.

O que vale ressaltar, é que essas situações novas, as cassações de mandato e as eleições suplementares, nada comuns a pouco tempo e agora bastante difundidas, tanto entre a massa de eleitores quanto entre os atores envolvidos diretamente com a política ou com a aplicação do Direito, tem conseqüências indubitavelmente impactantes na questão da política local. O eleitorado apresenta várias reações diferentes, dependendo da conjuntura local e das características do próprio pleito, que permeiam a questão política naquele município em questão. As reações vão desde a defesa do político cassado, a aversão/rejeição momentânea a tudo que se relacione a política, ou a aprovação da intervenção da Justiça Eleitoral, considerando-a importante para a garantia da lisura e credibilidade do pleito.

Muito mais do que observar se os tribunais têm optado por intervir ou não, percebemos pelo esboço construído no trabalho, que a competição política local tem sido alterada pela intervenção da Justiça Eleitoral ensejando a existência de uma judicialização da política, que já tem sua raiz no momento da formulação das leis que vão regrar as eleições. Esse novo ator, o Judiciário, remodela as estratégias utilizadas pelos competidores políticos, e independente do número de intervenções positivas da justiça, se verifica um fenômeno crescente de judicialização da competição política. Olhando de perto especificamente  os casos em que ocorreram cassações, vimos que o eleitor, quando teve uma segunda oportunidade de escolha, legitimou novamente o mesmo grupo político cassado, na maioria dos casos. E assim, chegamos a uma interpretação de que a intervenção da Justiça Eleitoral nos pleitos municipais não tem sido considerada bem vinda pela maioria dos eleitores envolvidos.

A partir dessa interpretação, surgem novas inquietações empíricas que devido aos limites do trabalho, não poderão ser respondidas aqui, mas ficam como norte para novas agendas de pesquisa – estaria a intervenção da Justiça Eleitoral relativizando a vontade do eleitor? Estaria essa intervenção ferindo os princípios democráticos? Em que momento o controle exercido pelo nosso organismo eleitoral deixa de ser algo necessário à lisura e credibilidade do pleito, e passam a gerar uma semente de não-aceitação dos resultados pelos competidores? E ainda, em que momento passa a gerar uma forma possível de anulação da vontade soberana da maioria expressa nas urnas? Não se trata aqui de fazer uma apologia à impunidade daqueles políticos que se utilizam de toda e qualquer forma de corrupção para alcançar o poder. Nem mesmo de questionar a idoneidade da aplicação das regras pelo órgão competente. Trata-se de pensar, em futuros estudos mais aprofundados,  os efeitos dessa intervenção na dinâmica política, em que medida tais efeitos podem, numa perspectiva mais focada, constituir em impactos positivos ou negativos dentro de um cenário municipal.

Quando os competidores confiam nas regras, a tendência é aceitar e respeitar os resultados de uma eleição. Essa confiança mútua possibilita, numa democracia, que o perdedor de hoje conforme-se com a sua derrota, recolha-se ao seu posto de oposição ao governo, e aguarde a próxima oportunidade de competir. Não parece ser o caso do fenômeno da judicialização da competição política, onde a esperança depositada nas regras eleitorais e na intervenção da Justiça Eleitoral, faz com que os perdedores não aceitem os resultados do pleito, tentando derrubar o vencedor na via judicial. Assim, a priori, a escolha dos governantes não tem seu fim, não termina, no momento da divulgação oficial dos resultados ou da diplomação dos eleitos, e acaba se estendendo na arena jurídica por um bom período posterior ao processo de escolha.

Ainda, vislumbramos um importante indicativo: nenhum processo chegou a via judicial pela iniciativa de um eleitor comum, um cidadão indignado com a corrupção, um habitante de determinada cidade que se sentiu ferido em sua dignidade quando lhe foi ofertado algo em troca do seu voto. Na maioria dos casos, foram atores políticos interessados e diretamente envolvidos no pleito que efetuaram a denúncia e arrolaram as provas, exceto nos casos em que o processo veio da iniciativa do Ministério Público Eleitoral. Assim, tendo em mente tal perfil, interpretamos que a possibilidade da cassação de um mandato consolidar-se, tem tornado os mecanismos judiciais mais um instrumento na busca pelo poder. Ou seja, mesmo que determinado oponente vença as eleições, é possível reunir provas, e derruba-lo no âmbito jurídico, cassando o seu registro de candidatura ou mesmo seu mandato, caso já tenha sido empossado. E mesmo que esse objetivo maior não seja atingido, por motivos vários, o fato de ser alvo de um processo na Justiça Eleitoral desestabiliza e fragiliza a candidatura do adversário, tendo seus benefícios imediatos de qualquer forma. Os dispositivos instituídos pela legislação eleitoral, portanto, aliados aos mecanismos de aplicação do organismo eleitoral responsável, tornam-se utilitários para desbancar um adversário.

O conjunto que compõe a legislação eleitoral e os mecanismos judiciais dela derivados, como a possibilidade de uma nova eleição, são utilizados para modificar um resultado negativo. Tendo esgotado todas as outras estratégias utilizadas para vencer, a última cartada no jogo, diante da derrota, é tentar retirar o vencedor do poder mediante a via judicial. O que significa que a partir dessa possibilidade, o fim das eleições, a apuração e divulgação dos resultados oficiais, não é necessariamente o fim do jogo: ele pode continuar em outra arena, não política, mas judicial.

Vale a velha lógica de Maquiavel, que continua atual apesar do tempo decorrido, de que os fins justificam os meios: se há mais um instrumento possível para ser usado, por que não usar? Se determinada coligação ou candidato teve uma conduta ilegal e a possibilidade de provar existe, move-se o processo e se faz uso dessa falha do adversário, mesmo que se tenha cometido as mesmas práticas ilegais. A diferença está em quem tem a prova contra o outro. Uma forma de conquistar o poder mediante o uso de instrumentos jurídicos disponíveis. Não se pretende entrar aqui em uma discussão ética ou moral. E sim, objetiva-se demonstrar que as soluções institucionais/legais utilizadas para combater a corrupção eleitoral e garantir a lisura e a credibilidade das eleições, não é suficiente. Outras ações paralelas precisam ser consideradas. Tendo isso em mente, é preciso que novas pesquisas sobre o tema sejam realizadas.


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Notas

[1] http://www.tre-rs.gov.br/apps/inteiro_teor/index.php

[2] http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos

[3] http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1

[4] http://www.pnud.org.br/home/

[5] http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp

[6] REspe 25.805/TSE, de 12.06.2007, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ de 21.08.2007, vol. 1, p. 136 (SALES, 2012).

[7] Vide acórdãos do TSE nº 24.861 e 24.863

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Sobre a autora
Juliana Costa Meinerz Zalamena

Graduada em Serviço Social, graduanda em Sociologia, Mestranda em Ciência Política.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZALAMENA, Juliana Costa Meinerz. Judicialização da competição política e eleições municipais no Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3424, 15 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23021. Acesso em: 19 dez. 2024.

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