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A defesa da Fazenda Pública em caso de perda do prazo para embargos de devedor

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17/11/2012 às 09:28
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6. Ação de Improbidade Administrativa.

Tem previsão legal na Lei 8.492 de 02.06.92. É cabível contra qualquer agente público (servidor ou não), que tenha conduta desonesta, imoral, ímproba, causando lesão ao erário público, por violação dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos. Em todas as suas formas, exige que tenha havido lesão (é destinada a impor sanções ao ilícito praticado) não sendo punível em forma tentada. As tipologias principais do ilícito são: a)    enriquecer ilicitamente (art. 9º) o que exige dolo e dispensa dano ao erário; b) causar prejuízo ao erário (art. 10º) de forma dolosa ou culposa, o que exige o dano e dispensa enriquecimento do agente; c) atentar contra os princípios da Administração Pública (art. 11º) o que exige dolo, pois não houve menção na lei a tipo culposo e dispensa dano ao erário ou enriquecimento do agente ativo. Os citados artigos listam condutas genéricas,  e nos incisos exemplificam condutas, em rol não taxativo. Pelo artigo 12 da LIA, as sanções que ela contém são independentes daquelas  administrativas, penais e civis.

Assim, para o objetivo deste artigo, defesa do erário em execuções não embargadas, se vê que pode ocorrer a incidência de agente público e seu  co-autor,  nos tipos legais da LIA, por cobrar,  em execução, valor indevido, contra o erário, sem título executivo (fora ou além da coisa julgada) nos tipos legais da improbidade administrativa, o que podem se dar da seguinte forma, em  relação aos principais tipos da Lei de Improbidade:

 a)  enriquecimento ilícito, art. 9º. Há improbidade se o agente público lograr receber os valores indevidos,  que executou,  não ocorrendo  o tipo na forma tentada, mas só consumada, e exige-se dolo;

 b)  causar prejuízo ilícito ao erário, art. 10º., da LIA,  ocorre se o agente público incluir e conseguir receber (por dolo ou culpa, neste caso inclusive por não fiscalizar, negligentemente, a atuação de seu advogado que peça valores indevidos), na execução por ele intentada,  valores proibidos em lei, ilícitos, ou não previstos na coisa julgada ou, também, se previstos e autorizados na coisa julgada, forem, porém, totalmente ilícitos, especialmente quando vedados em lei  penal, ou em face dos princípios constitucionais, já que as sentenças cíveis (ainda que formando coisa julgada) não impedem a incidência da lei penal, da lei de improbidade, e das repercussões independentes das competências judiciais diferenciadas em face dos efeitos   jurídicos  diversos, decorrentes de um mesmo fato, sendo independentes as

esferas de direito material dos diversos ramos do direito, e em face do disposto na lei de improbidade, art. 12. Assim, vale dizer, a  ninguém é permitido cometer um crime, com chancela de coisa julgada cível, por ser situação teratológica que leva a sentença cível à inexigibilidade, derivada da sua  nulidade ou inexistência, por seu caráter patológico e teratológico (o direito não serve para avalizar absurdos), ou seja, o bom senso deita por terra o dogma da coisa julgada imutável e recomenda sua relativização, em tais casos;

  c) Violação dos princípios que informam a Administração Pública, tipo do  art. 11º., da LACP, por violação de princípios legais ou constitucionais, o que exige o dolo, o que  fatalmente ocorre se o agente público,  executa valores além (em excesso por não autorizados, em sua intensidade, no título judicial) ou fora da coisa julgada(sem título), conscientemente sabendo que os valores são indevidos, já que cabe ao agente público, deveres perante a administração pública, presentes no art. 37 da Carta de 1988, mesmo quando exercendo seu direito de ação constitucionalmente garantido, de respeito à legalidade e moralidade, probidade administrativa, não podendo exigir receber valores indevidos quando evidentemente ilícitos, proibidos em lei expressa, especialmente quando decorrem de crime. Assim, por exemplo, descabe ao servidor que falsificou diploma de escolaridade, e o apresentou em concurso de avanço na carreira,  executar a sentença em que obteve, com tal título falso, promoção em carreira com salários respectivos. Ainda que ultrapassado o prazo rescisório, a nosso ver, constatado o crime, descabe execução da sentença cível, em seu favor, posto que o direito não existe para chancelar situações criminosas ou teratolóticas, ainda que sob o manto da coisa julgada. Do mesmo modo, descabe a servidor que não trabalhou em horas extras, receber por elas, em dias não trabalhados, ou em afastamentos, ou quando exercente  de cargo de confiança, que não dá direito a horas extras, visto que estar-se-ia diante do delito de peculato, art. 312 § 1º. , e 71 “caput”, do CP., que serão melhor apontados adiante, na solução através de noticia crime e respectiva ação penal e meios cautelares penais. Pode ser acumulada com a ação civil pública de ressarcimento dos danos ou para evitar danos ao erário público.


7. Notícia Crime e Ação Penal como via de defesa do patrimônio público em execuções não embargadas.

Primeiro indaga-se: se uma pessoa se utiliza da ação cível para cometer crime, maneja pretensão criminosa sob aparente normalidade civil, e o juízo cível, por qualquer motivo, lhe dá procedência à ação,  por  não perceber a ocorrência do ilícito e não vislumbrar ilícito algum (nem pena nem cível), e tal decisão transita em  julgado, tal coisa julgada impede investigação e punição penal ao agente do delito, que se valeu de via cível para travestir cometimento de delito? É tal decisão cível após o prazo da ação rescisória cível inatacável?  

Ora, primeiramente,  as jurisdições cível e penal são independentes, ou seja, nada impede, em tal situação, que um juiz penal receba denúncia por crime contra a administração pública, ainda que coisa julgada cível já tenha decidido em favor do agente  a entrega do produto do crime, não sendo tal decisão impeditiva do exame dos fatos para averiguação de eventual cometimento de delito penal pelo juiz competente. Fundamentamos tal afirmação na lei  art. 935 do CPC que assim dispõe: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”  Portanto não é a previsão de entrega de bem em coisa julgada ao autor da demanda cível, que pode impedir o ajuizamento da demanda penal, se o credor se utilizou do processo civil para obter bem por via de conduta que tipifique delito penal, e, assim, àquela pretensão cível não seja verdadeiro e salutar regular exercício de direito, mas, pretensão delituosa!

Mas, como ficaria o conflito entre a coisa julgada cível que determinou entrega do bem, e a coisa julgada penal que declarou que tal bem é proveniente de ato criminoso? Se o produto do crime já foi entregue em execução (cível) ao agente criminoso, pode o juiz penal desfazer tal coisa julgada, mandado devolver à vítima o produto do crime? Ora, há entendimentos de que não, em face da coisa julgada cível ser soberana em sua competência. Tais entendimentos não são, porém, fáceis de aceitar, porque um ato criminoso não poderia, em tese,  produzir efeito civis, pela sua própria natureza, sendo razoável alegar que nem após o prazo rescisório tal sentença cível pode produzir efeitos, já que a sentença neste caso, seria inexistente ou nula, e não anulável por ação rescisória, pelo que não deveria existir limite de tempo, neste caso especifico, para a rescisória, devendo merecer revisão qualquer entendimento em contrário, porque sentença cível que manda cometer-se ilícito penal se aproxima mais de sentença inexistente (por ser teratológica e ferir a essência do direito de modo gravíssimo) do que de sentença anulável por malferir apenas direito civil. Esta controvérsia é tema em debate, apesar de a lei dizer que são independentes as esferas cível e penal.

 Cabem, porém várias soluções na esfera cível. O lesado pode pedir, via ação autônoma de qualquer espécie, entre as aqui estudadas,  a restituição do valor indevidamente obtido pela sentença da coisa julgada cível, alegando, por analogia, o fato superveniente, art. 462 do CPC., o enriquecimento ilícito do credor cível, e o direito ao ressarcimento do valor executado ilicitamente por nova sentença cível, baseado no art. 574 do CPC[13]., que determina ressarcimento do devedor pelo credor em caso de nova sentença desfazer a execução, o que é avalizado em doutrina, de Priscilla Paula de Oliveira, 2006, p. 250-262, citando solução preconizada pelo Desembargador Ênio Santarellli Zuliani,  como segue ...

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O desembargador Ênio Santarellli Zuliani, dá a solução a esse problema dizendo que deve ser aplicado o art. 574 do CPC, que nas palavras do desembargador é “um tipo de responsabilidade objetiva” (...) E na mesma linha, Ênio Santerelli Zuliani conclui que: Esse dispositivo tanto se aplica às execuções provisórias, como às definitivas, esclareceu DONALDO ARMELIN, o que conduziu ARAKEN DE ASSIS a afirmar, com critério, que a eliminação do efeito civil da sentença penal condenatória, pela revisão que absolve o réu, faz desaparecer a obrigação de reparar o dano, conforme disposto no art. 91, I, do CP, fazendo surgir ‘o dever de indenizar o antigo condenado

Assim, se poderá intentar, nova ação para desconstituir  a sentença cível com base em condenação penal do credor, alegando enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) e direito de repetição de indébito (art. 876 do mesmo diploma), ou poderá propor a ação rescisória cível, se ainda no prazo legal de dois anos para seu manejo, podendo, ainda, no caso de se tratar da Fazenda Pública, manejar todas essas  pretensões,  em ação civil publica, seja com cunho preventivo (inibitório) se ainda impago o valor indevido, seja de cunho repressivo ressarcitório (para obter sua devolução se já pago),  pretensão a qual, neste caso, seria imprescritível, não só no caso de dano ilícito praticado por agente público contra o erário (art. 37, § 5º., da Carta de 88), como, também,  em qualquer caso em que os fundamentos da ação cível que gerou o dano ilícito chancelado em sentença cível se constituir em ilícito penal, posto que o Código Civil,  em seu art. 200, na Seção III, “Das Causas que Interrompem a Prescrição” diz que NÃO CORRE PRESCRIÇÃO, DE PRETENSÃO CÍVEL, SE A AÇÃO SE FUNDAMENTAR EM FATO QUE DEVA SER APURADO NO JUÍZO PENAL, até sentença penal definitiva..


8. Pedido de Revisão de Precatório ao Presidente do Tribunal.

O art. 1º.- E da Lei Federal 9494 de 1997, na redação dada pela MP 2.135/2001, impõe poder-dever ao Presidente do Tribunal encarregado da expedição do precatório, de REVER os valores do precatório, de ofício, ou a pedido da parte interessada, para impedir pagamento de valores ilícitos (em sentido amplo, ilícito civil e penal, em nosso entender), em descompasso com a lei ou com os princípios e regras constitucionais.

A jurisprudência vem aceitando este modo de controle dos valores do precatório, posteriormente à formação da coisa julgada, à formação do titulo judicial e expedição de precatório sobre eles tirados.


9. A ação rescisória.

Um dos meios legais de afastar a execução, ainda que não embargada de devedor, e anular todos os seus efeitos, esteja ou ao em curso execução contra o devedor, é manejar a ação rescisória. Não tem natureza de recurso. Provida esta, desaparece o título judicial, e as conseqüências do mesmo perdem validade e eficácia, ou seja, afasta-se a execução e precatório nela retirado contra a Fazenda Pública.  Sua previsão legal está no art. 485 do CPC.

Em tal ação, busca-se desconstituir a coisa julgada material. É de  competência originária dos tribunais. Nela se requer a anulação ou desconstituição de uma sentença ou acórdão transitado materialmente em julgado (com resolução de mérito),  e  eventual novo julgamento do  mérito. A sentença de mérito não pode ser anulada por ação anulatória, mas só por via da ação rescisória, a nosso ver, havendo algumas exceções  a tal entendimento, como já vimos neste trabalho, pois,  em casos excepcionais, teratológicos, patológicos, em especial quando a coisa julgada é inexistente, nula ou adveio de pretensão que corresponda à fraude contra o erário público, ou improbidade administrativa, conforme precedente, em que se aceite a teoria da “relativização da coisa julgada”, se pode obter efeitos rescisórios sem manejo da ação rescisória. Também constitui exceção o previsto no art. 741 parágrafo único, o manejo de embargos de devedor com efeitos rescisórios, em ocorrendo a inexigibilidade do título judicial (caso legal expresso de efeitos rescisórios fora da ação rescisória), por via de embargos de devedor.

A sentença meramente homologatória e a sentença terminativa não podem ser atacadas por meio de ação rescisória, restando  apenas outros meios de defesa, conforme previsto na lei. O rol, dos casos de rescisão do artigo 485 é taxativo. Somente Tribunais, aquele que iria reapreciar o recurso da ação, têm  competência para rescindir sentença ou acórdão. O prazo (decadencial) para aviar tal demanda é de dois anos, contados do trânsito em julgado da sentença ou acórdão rescindível. Na ação rescisória, a lei  previa, até 2006,  que ela não suspenderia a execução da sentença rescindenda, mas após vários julgados que fizeram uma alteração jurisprudencial deste principio, autorizando cautelar ou antecipação de tutela, para suspender a execução do mérito rescindendo, a fim de impedir risco de dano irreparável ou de difícil reparação, quando há demonstração de “fumus boni iuris” e “fumaça do bom direito”, ou “verossimilhança e risco de dano irreparável”,  respectivamente, em 2006, veio alteração legislativa para autorizar a suspensão da execução e do mérito rescindendo, pela lei 11.280 de 2006, sendo a nova redação do art. 489[14] do CPC autorizativa da suspensão em tela.

Outras características desta ação em seu rito são: 1) o ministério público, nela, é fiscal da lei, podendo porém ser parte na defesa do patrimônio público, via ACP;  2) não há revelia do réu na  ação rescisória; 3) é possível  rescisória de rescisória; 4) o prazo para contestá-la será de 15 a 30 dias, conforme fixado pelo juízo;  5)  após a instrução, o relator abrirá o prazo de 10 dias para manifestação do autor e do réu; 6) o autor tem que depositar 5% da ação rescisória, mas há exceções jurisprudenciais; 7) o juiz de primeiro grau não têm competência para rescindir a sentença; 8) a competência para julgar a ação rescisória é especificada nos regimentos internos dos tribunais; 9) a sentença rescindível, não é aquela nula ou inexistente (caso em que cabe a “querella nulitatis insanabilis” que já vimos neste trabalho, mas apenas anulável;

Portanto, dentro do prazo de 2 anos para sua propositura, ainda que não embargada a execução, esta poderá ser anulada se alcançada a anulação da sentença de mérito.

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Sobre o autor
Lidson José Tomass

Procurador do Município de Curitiba, desde 1992. Graduação UFPR, 1987. Pós Graduado em Direito Público UFPR, 1995. Foi professor de Direito Administrativo PUC-PR e membro do Conselho Superior dos Procuradores do Município de Curitiba. Concluiu EMATRA-PR, 2010. Especialista em processo civil, UNINTER, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMASS, Lidson José. A defesa da Fazenda Pública em caso de perda do prazo para embargos de devedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3426, 17 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23043. Acesso em: 16 abr. 2024.

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