Artigo Destaque dos editores

Concessão de tutela de urgência por juiz absolutamente incompetente e a necessidade de um novo enfoque sobre a regra de competência

Exibindo página 4 de 4
08/12/2012 às 15:02
Leia nesta página:

6 CONCLUSÃO

O princípio do devido processo legal, que fundamenta todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais, assegura que todo julgamento seja realizado com observância das regras procedimentais previamente estabelecidas. No mesmo sentido, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional tem como corolário o direito à tutela jurisdicional adequada, preceituando que deve ser considerada inconstitucional qualquer norma que impeça o judiciário de tutelar de forma efetiva os direitos lesados ou ameaçados que a ele são levados em busca de proteção.

Igualmente, o princípio do juiz natural, compreendido como o juiz devido, estatui que os processos tramitem perante o juízo competente, cuja competência constitucional é preestabelecida.

A competência é definida como a quantidade de jurisdição por meio do qual o exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos. Se a competência for determinada segundo o interesse público (competência de jurisdição, hierárquica, de juízo e interna), será considerada absoluta, inadmitindo modificações nos critérios estabelecidos.

Assim, preceitua o art. 113, § 2º, do CPC que são nulos todos os atos decisórios atinentes à matéria ou hierarquia, de modo que, consequentemente isso importará na remessa dos autos ao juízo competente.

Não seria, segundo a interpretação literal ou gramatical do dispositivo mencionado, possível a concessão de tutela de urgência por juiz absolutamente incompetente.

Ocorre que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entende que o art. 113, § 2º do CPC é uma manifestação legislativa do princípio da economia processual, conquanto impõe que apenas os atos decisórios serão anulados quando reconhecida a incompetência do juízo. Todavia, não impede o juízo, ainda que incompetente, de deferir medidas de urgência, visando evitar o perecimento do direito controvertido.

O Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil, ao instituir em seu art. 64, § 3º que reconhecida a incompetência absoluta, conservar-se-ão os efeitos das decisões proferidas pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juiz competente, adotou o princípio da translatio iudicii ou reassunção do processo, com o aproveitamento dos atos de definição e satisfação de direitos que provenham de juízos incompetentes.

Ao se admitir a concessão de tutela de urgência por juiz absolutamente incompetente é flagrante a ofensa ao princípio do juiz natural. Destarte, não parece possível que o legislador preveja todos os casos possíveis ao elaborar as leis, como também não parece possível instituir fórmula pré-definida para o julgamento de tutela de urgência por juiz absolutamente incompetente.

Releve-se, outrossim, se um juiz incompetente em razão da matéria teria condições jurídicas para analisar devidamente um pedido de tutela satisfativa e prolatar uma decisão justa e fundamentada.

Mas se por um lado está o princípio do juiz natural e as regras de competência, por outro estão os princípios da economia processual, instrumentalidade das formas, aproveitamento dos atos processuais, efetividade e duração razoável do processo.

Considerando as múltiplas variáveis do caso concreto e a impossibilidade de prevê-las em lei, é premente a necessidade de se conferir um novo enfoque à regra de competência, em busca do entendimento da finalidade para a qual a norma foi editada, mediante uma interpretação teleológica e não gramatical.

Não se olvide que a solução para o conflito de garantias constitucionais encontra assento na regra da proporcionalidade, é dizer, a decisão deverá sacrificar o mínimo necessário da garantia violada, utilizando-se a tutela de urgência com observância da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, em busca da menor restrição possível e a salvaguarda do núcleo essencial da garantia mitigada no caso concreto.

Deve, então, o aplicador do direito analisar o caso concreto segundo a regra da proporcionalidade e, ponderando os princípios em conflito, apreciar ou não o pedido de tutela de urgência, ainda que absolutamente incompetente e remeter os autos ao juízo competente para prosseguimento.


REFERÊNCIAS

ABREU, Nylson Paim de. Princípio do juiz natural. Revista Jurídica Consulex. Ano VIII. nº. 188. p. 50-57, 2004.

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. V. 1. 9ª  ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

ALVIM, Tereza Arruda. Medida Cautelar, Mandado de Segurança e Ato Judicial. 3º ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Código de Processo Civil (1973). Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012.

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012.

BRASIL. Reforma do Código de Processo Civil (2010). Projeto de lei do Senado nº. 166/2010. Brasília, 08 jun. 2010. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:senado.federal:projeto.lei;pls:2010-06-08;166>. Acesso em: 14 set. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp. 355.099 – PR. Rel. Min. Denise Arruda. Diário de Justiça eletrônico, Brasília, 18 ago. 2008.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.104.546/ES. Rel. Min. Luiz Fux. Diário de Justiça eletrônico, Brasília, 08 out. 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.273.068/ES. Rel. Min. Castro Meira. Diário de Justiça eletrônico, Brasília, 13 set. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1511-7 DF. Medida Liminar. Rel. Min. Carlos Velloso. Diário de Justiça, Brasília, 14 ago. 1996.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 529.733. Rel. Min. Gilmar Mendes. Diário de Justiça, Brasília, 01 dez. 2006.

CAMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I. 16ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, 4ª ed. Coimbra: Coimbra Almedina, 2000.

CARVALHO, Victor Nunes. O princípio do juiz natural e a competência por prerrogativa de função. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1112, 18 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8665>. Acesso em: 30 ago. 2012.

CINTRA, Antonio C.A; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada P. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol.1. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. Vol.2. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

ESPÍRITO SANTO. Tribunal de Justiça. Apelação cível 14080053235. Rel. Juiz Ronaldo Gonçalves de Sousa. Diário de Justiça do Estado, Vitória, 23 out. 2009.

FERNANDES, Antônio S.; GRINOVER, Ada P.; GOMES FILHO, Antônio M. As

nulidades do processo penal. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

GRECO, Leonardo. Translatio iudicii e reassunção do processo. Revista de Processo. v. 33, n. 166, p. 9-26. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Inafastabilidade do controle jurisdicional e uma nova modalidade de autotutela. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 10, jul./dez. 2007.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil: lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Volume VIII, tomo I. 8ª ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LAZARI, Rafael José Nadim de; SOUZA, Gelson Amaro de. A nulidade dos atos decisórios praticados por juiz absolutamente incompetente no processo civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, 8 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17555>. Acesso em: 30 ago. 2012.

LIMA, Fausto Luz. O devido processo legal (due process of law). Aspectos relevantes. Âmbito Jurídico. Rio Grande. 21 dez. 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8634&revista_caderno=21>. Acesso em: 30 ago. 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5281>. Acesso em: 30 ago. 2012.

_______________________. Abuso do direito de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

_______________________. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. 2ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Millenium, 2000.

MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MITIDIERO, Daniel. Processo civil e Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 11ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2008.

PAIM, Gustavo Bohrer. Estabilização da tutela antecipada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

PIZZOL, Patrícia Miranda. A competência no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ROCHA, Andréa Presas. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (direito de ação). Jus Navigandi, Teresina, 3 mai. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14788>. Acesso em: 30 ago. 2012.

SANTOS, Fernando dos. A Garantia Constitucional de Devido Processo Legal. Jus Vigilantibus, 21. Nov. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/29833/2>. Acesso em: 30 ago. 2012.

SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Agravo de Instrumento nº. 234.283. Rel. Desembargador Federal Carlos Muta. Diário de Justiça da União, Brasília, 16 nov. 2005.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

___________________________. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 35ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005.


Notas

[1] Art. 64, § 3º.

[2] Sobre a regra da proporcionalidade, conferir artigo de minha autoria em <http://jus.com.br/revista/texto/22687/a-utilizacao-da-regra-da-proporcionalidade-como-forma-de-concretizacao-do-principio-da-supremacia-do-interesse-publico-quando-em-conflito-com-o-interesse-privado/>.

[3] Com efeito, rezava o art. 105, 2ª alínea da Constituição de Weimar, que "ninguém poderá ser subtraído ao seu juízo legal". Nessa senda, dispunha o §95, da Constituição de Würtemberg, que: "O recurso aos juízes não se pode fechar aos cidadãos que se creem lesados em direito privado, que assente em título particular, por ato do Poder Público".

[4]  A exemplo de Patrícia Miranda Pizzol, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Natália Hallit Moyses

Procuradora Federal. Chefe do Serviço de Orientação e Análise em Demandas de Controle da PFE-INSS. Especialista em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOYSES, Natália Hallit. Concessão de tutela de urgência por juiz absolutamente incompetente e a necessidade de um novo enfoque sobre a regra de competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3447, 8 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23193. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos