Muito se tem questionado a tributação das receitas de empresas sediadas em Manaus decorrentes de vendas de mercadorias dentro do espaço geográfico de exceção fiscal intitulado Zona Franca de Manaus (ZFM) a título de contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e de contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), ambos tributos que têm o “faturamento” como base de cálculo.
Demandas de massa têm sido ajuizadas perante a Justiça Federal do Amazonas, em manejo de elaborado arrazoado jurídico, fundamentado na lei de instituição da ZFM, Decreto-Lei nº 288/67, e na própria Constituição Federal.
O ponto de partida da tese é a equiparação à exportação venda feita à ZFM, realizada pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, o que levou ao reconhecimento de que as remessas de mercadorias de empresas nacionais de fora da ZFM com destino à ZFM recebessem tratamento tributário típico de exportação, com desoneração decorrente, principalmente, da imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição, sem embargo de isenções e “alíquotas zero” previstas em leis esparsas e na própria Lei da ZFM, o Decreto-Lei nº 288/67.
A construção, sob a perspectiva constitucional, considera que a lei equiparou à exportação qualquer venda à ZFM, não diferenciado se feito por empresas de fora da ZFM com destino à ZFM ou internamente, pelas empresas locais, a justificar também a desoneração das receitas destas últimas decorrentes de vendas em Manaus, a rigor dos incentivos de exportação.
Entendem, assim, os contribuintes, acompanhados por significativa parcela do Judiciário, que não há como diferenciar os fatos geradores realizados por empresas de fora da ZFM, ao venderem produtos com destino à ZFM, dos realizados pelas empresas de Manaus, ao venderem suas mercadorias internamente, dentro, pois, da zona de exceção fiscal. Sendo idênticos os fatos geradores, ambos equiparados à exportação nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, também as receitas das empresas de Manaus, oriundas das vendas realizadas localmente, estariam imunizadas pelo previsto no art. 149, §2º, I, da Constituição da República.
Não há dúvida de que essa é uma bem formulada articulação jurídica, razão pela qual já alcança sucesso não somente no Judiciário local, bastante sensível às demandas envolvendo os incentivos da ZFM e as empresas beneficiadas, mas também no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, sobretudo em razão do julgamento, pela Segunda Turma de Direito Público, do REsp 1.276.540/AM.
Contudo, em que pese a lucidez jurídica que demonstra ter a tese, é cabível uma análise mais profunda acerca dos limites jurídicos dessa equiparação legal à exportação, o que pode levar à fragilização de seus pilares.
Nestas linhas, é isso que se buscará fazer, sendo certo, outrossim, que a questão também envolve matéria infraconstitucional, que será objeto de outro trabalho.
1. Da Zona Fanca de Manaus, da Imunidade do Art. 149, §2º, I, da Constituição e Da Equiparação Prevista no Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma zona de exceção tributária, consistindo em uma área de livre comércio de importação e exportação criada com o fim de promover o desenvolvimento da região amazônica, isolada dos grandes centros do país e, por isso mesmo, necessitada de incentivos que lhe oportunizem acompanhar o ritmo de crescimento e desenvolvimento nacional. Obedece, assim, o objetivo da República Federativa do Brasil expresso no art. 3º, inciso III, e a previsão constante da parte final do inciso I do art. 151, todos da CF/88, que assim preveem:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
...
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
…
Art. 151. É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;
...”
É o que se extrai, também, do art. 1º do Decreto-Lei nº 288/67, sua lei instituidora, o qual anuncia:
“Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.”
Com efeito, a ZFM foi instituída ainda nos anos sessenta do século passado, tendo sido recepcionada pelo sistema constitucional atual não somente pela via implícita, em decorrência dos dispositivos citados, mas também de forma expressa, por conduto do art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura sua permanência “com suas características de área de livre comércio de exportação e importação, e de incentivos fiscais” até 2013, prazo postergado em mais dez anos pelo incluso art. 92 do mesmo ADCT.
A Constituição, ao manter a ZFM, não estabeleceu os benefícios fiscais que lhe configurariam, remetendo-os à disciplina de lei, lei essa que, é prescindível dizer, reclama interpretação literal, a teor do disposto no art. 111, I e II, do CTN[i].
Ao criar a ZFM, o Decreto-Lei nº 288/67 instituiu um sistema de isenções de “impostos” aduaneiros e de produção, em especial o imposto de importação e o IPI. Eis o que consta de seu art. 3º:
“Art 3º A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação, e sôbre produtos industrializados.”
Destarte, a Zona Franca de Manaus foi projetada e pensada como uma zona de exclusão fiscal de II e IPI e só, até porque o modelo ZFM foi criada em 1967, com o advento do Decreto-Lei nº 288/67, portanto antes da instituição da contribuição para o PIS e da COFINS, de 1970 e 1991, respectivamente, surgidas, em princípio, pelas Leis Complementares nº 07/70 e 70/91. Além disso, é dispensável dizer, as isenções, mormente por serem interpretadas restritivamente, obedecem o postulado da contemporaneidade, não se estendendo a tributos outros criados posteriormente à edição da lei isentiva, conforme disposição do art. 177, II, do CTN[ii].
Contudo, a despeito de a contribuição para o PIS e a COFINS sucederem a instituição do modelo ZFM e não estarem previstas nos benefícios trazidos pelo Decreto-Lei nº 288/67, não ficaram inertes aos incentivos da região manauara, sofrendo desonerações decorrentes de leis esparsas e de imunidades constitucionais.
Segundo a doutrina de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “As imunidades são verdadeiras limitações à competência tributária das pessoas políticas, obstando a própria atividade legislativa, impositiva sobre determinados bens, pessoas, operações e serviços. Pode-se afirmar, simplificadamente, que caracteriza a imunidade o fato de a Constituição, direitamente, excluir parcela da competência das pessoas políticas que, não fosse a regra imunizante, estariam aptas a instituir tributo sobre aquele ato ou fato.”[iii]
Nesse diapasão, não há dúvida de que o §2º, I, da regra matriz das contribuições (art. 149 da Constituição) traz hipótese de imunidade tributária, ao afastar a possibilidade de incidência das contribuições especiais, principalmente as CIDEs e as contribuições sociais, das receitas derivadas de exportação. Eis a previsão:
“Art. 149. ...
...
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
...”
Por sua vez, o art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, como dito, equipara à exportação a venda de produtos originários de qualquer estado brasileiro destinadas à ZFM. Vale transcrever:
“Art 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.”
Evidentemente, portanto, que as receitas decorrentes de vendas de produtos nacionais para a ZFM, em razão da equiparação legal, são imunizados pela regra abstratamente prevista no inciso I do §2º do art. 149 da Constituição, passando a receber tratamento tributário de uma exportação típica.
Todavia, a projeção desse raciocínio às empresas de Manaus ao venderem produtos internamente exige parcimônia.
Ora, a exportação, enquanto atividade imunizada, presume a remessa de um bem nacional para o exterior. Hugo de Brito Machado, ao comentar o imposto de exportação, esclarece que “O fato gerador desse imposto é a saída do território nacional”[iv]. Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo, ao comentarem o mesmo tributo e, mais especificamente, o termo “para o exterior”, previsto no art. 23 do CTN, destacam:
“A expressão ‘para o exterior’ deixa claro que só é admissível a tributação da saída de produtos do país para outro, jamais de um Estado-Membro para outro Estado-Membro, como se dava sob a égide da Constituição de 1891, ou mesmo de um município para outro.”[v]
Ocorre que, consoante ponderam os mesmo mestres, essa regra sofre exceção quando se trata da saída de produtos de estados-membros para a Zona Franca de Manaus (ZFM), já que o art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 equipara à exportação a remessa de produtos de qualquer região do país para a ZFM. Continuam a lição:
“... A legislação, contudo, ainda se vale do termo “exportação” no âmbito interno. É interessante atentar para os termos em que o Decreto-Lei 288/67, que regula a Zona Franca de Manaus, faz referência à exportação para a Zona Franca de Manaus, equiparando-a a uma exportação brasileira para o estrangeiro: (...)”[vi]
Porém, a caracterização da exportação, mesmo com a citada equiparação legal, não deixou de exigir o trânsito de uma mercadoria de um lugar para outro. Permanece imprescindível, para que haja exportação, típica ou por equiparação, a ocorrência de uma operação de saída de um produto, seja do território nacional para outro país seja de qualquer estado-membro brasileiro para a Zona Franca de Manaus, visando sua incorporação na economia do lugar de destino. Ensinam Leandro Paulsen e José Eduardo Soares de Melo que:
“Exportar, conforme o Aurélio, é ‘Mandar, transportar para fora de um país, estado ou município’ (artigos nele produzidos). ‘Exportação’ é o ato de exportar. Mas, assim como na importação não basta a transposição da fronteira, o simples ingresso físico, na exportação, para sua configuração, não basta a saída física do produto do território nacional, exigindo-se sua saída para fins de incorporação à economia interna de outro país. ...
... saída de produtos do país para outro, ...”[vii]
Em resumo, o que insta considerar é que a exportação se configura com uma operação de "saída" de mercadorias de um local para outro (sentido de dentro para fora). Ou seja, é quando ocorre uma "externação" de produtos.
Por sua vez, se a operação é de entrada de mercadorias (sentido de fora para dentro), não há exportação, mas sim importação. Na hipótese, a operação é de "entrada"; ocorre uma "internação".
Tendo-se por base a atividade de um fabricante de produtos em São Paulo, por exemplo, ao vender da origem para a ZFM, é clara a configuração de uma atividade equiparada a exportação, nos termos do art. 4º do Dec. Lei 288/67, já que está destinando mercadoria fabricada em seu estado para consumo ou processamento na ZFM. O fabricante paulista realiza operação de “saída” ou “externação”, “movimento de dentro para fora”.
Já o destinatário dessa mercadoria na ZFM, longe de ser um exportador, é o importador da operação, que promove uma “entrada” de mercadoria (sentido de fora para dentro).
Equiparar-se-ia a atividade deste a uma exportação se a empresa re-exportasse os mesmos produtos que importa, já que, no próprio art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, há a previsão de “reexportação para o estrangeiro”, o chamado drawback. Se não promove nova saída do produto para outras regiões ou países, não realizando drawback, não há atividade de exportação.
No entanto, decisões judiciais estão sendo exaradas abstraindo-se a origem da mercadoria, se de fora ou de dentro da ZFM, e concentrando-se no ato seguinte da atividade econômica: a venda desses produtos pela empresa de Manaus para o consumo dentro da ZFM. Aduz-se que as receitas decorrentes dessa atividade são fatos geradores idênticos aos realizados pelas empresas de fora que vendem para a ZFM.
Não se questiona que é sim uma receita decorrente de "venda para a ZFM". Porém, é uma "venda da ZFM para a ZFM".
Questiona-se: nessa hipótese, há "externação" de mercadoria? Há "saída" de mercadoria de um local para internação em outro?
Evidentemente que essa nuança diferencia o fato gerador realizado pela empresa de fora da ZFM que vende para dentro da ZFM do realizado pela empresa de dentro da ZFM que vende para dentro mesmo da ZFM.
Com efeito, não são iguais os fatos geradores.
Não é possível se entender como exportação a venda de uma mercadoria de um local para este mesmo local. A lei equiparou à exportação a venda de fora da ZFM para dentro da ZFM, mas não equiparou à exportação a venda de dentro da ZFM para dentro mesmo da ZFM.
Se, para que haja exportação, exige-se um movimento de mercadoria de dentro para fora, não há como entender haver exportação em um movimento de fora para dentro e, menos ainda, em um movimento de dentro para dentro, ou um não movimento de mercadoria.
Neste último caso, não há nem importação nem exportação, há uma operação local.
A lei não equiparou tal operação local à exportação e nem poderia fazê-lo. Acaso o fizesse, desnaturaria o próprio conceito, a definição e o alcance do instituto comercial da exportação, em ofensa direta à proibição do art. 110 do CTN, que assim estabelece:
"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
Destarte, a tributação da contribuição para o PIS e da COFINS sobre receitas de empresas da ZFM decorrentes de vendas realizadas localmente não ofende a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF/88.
2. Da Análise Sistêmico-Constitucional da Imunidade do Art. 149, §2º, I, da Constituição
Vale acrescentar que Imunidades não se presumem, mas apenas existem quando previstas, explicitamente, pela Constituição.
Por isso mesmo, a interpretação das imunidades, assim como a das isenções, conforme alhures ponderado, jamais pode ser irresponsavelmente extensiva, mas sim literal, mormente por implicar, em última análise, redução de arrecadação pública e, portanto, diminuição de recursos públicos.
Nesse sentido, também ponderou o Min. Ricardo Lewandowski, ao relatar o RE 566.259/RS, que apreciou exatamente a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF e cujo início de julgamento foi noticiado no Informativo nº 532 do STF.
Na oportunidade, o Min. Lewandowski assinalou que a interpretação das imunidades há de ser não apenas restritiva, mas também teleológica e ressaltou que o interesse do constituinte ao outorgar a imunidade do art. 149, §2º, I, foi incentivar a exportação, concedendo, pois, o benefício ao exportador, e somente a ele, do que se conclui não ser possível sua extensão a quem assim não se caracterize inequivocamente.
Destacou, também, o nobre ministro, que, considerando que a imunidade afasta a tributação (já que limita a própria competência tributária ou seu exercício[viii]), à aplicação de imunidade de contribuições sociais de Seguridade Social há de preceder um sopesamento de valores.
É que as imunidades, em geral, têm uma finalidade econômica (como no caso da imunidade da exportação, que objetiva incentivar as exportação do país, ou o setor produtivo exportador). Já as contribuições sociais são exemplos dos chamados “tributos finalísticos”, instituídos com a finalidade específica de prover de recursos ações estatais também específicas. Daí também serem chamados de “tributos de arrecadação vinculada”, pois o produto de sua arrecadação é necessariamente destinado a um programa de Estado voltado à implementação de políticas públicas específicas, concretizando, assim, direitos sociais (direitos fundamentais de segunda geração, de cunho prestacional e que se voltam à satisfação do imperativo da igualdade material)[ix]. Satisfazem o Postulado da Dignidade da Pessoa Humana. São pautadas, portanto, pelo Princípio da Solidariedade, segundo o qual toda a sociedade, principalmente as camadas mais abastadas, abastecem de recursos os programas de políticas públicas destinados, principalmente, aos setores mais desfavorecidos.
Ora, o princípio da solidariedade há de prevalecer frente a qualquer outro de cunho econômico, haja vista satisfazer o postulado da Dignidade da Pessoa Humana.
A contribuição para o PIS e a COFINS são contribuições sociais, de Seguridade Social, a primeira voltada a prover de recursos o programa do seguro-desemprego e o abono anual de que trata o §3º do art. 239 da Constituição, nos termos do previsto no caput, e a segunda a fazer o mesmo quanto às demais ações públicas relativas à saúde, previdência e assistência social (CF, arts. 194 e 195, I, b).
A outra conclusão não se pode chegar senão a de que a imunidade do art. 149, §2º, I, da CF/88 não pode ser estendida de modo a subverter essa ordem de prioridades.
No ensejo, é cabível transcrever o artigo publicado no Informativo nº 532 do STF, cuja inteligência é de peculiar aplicação ao presente caso:
“Art. 149, § 2º, I da CF e CPMF
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se a imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da CF, na redação dada pela EC 33/2001, alcança a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso. Salientou, inicialmente, que, em se tratando de imunidade tributária, a interpretação do texto há de ser não apenas restritiva, mas, sobretudo, teleológica, devendo o exegeta atentar para os fins que o legislador buscou lograr com a benesse fiscal. Ressaltou que o inciso I do § 2º do art. 149 da CF teve como objetivo incentivar as exportações brasileiras, contribuindo para o bom desempenho do balanço de pagamentos do País, e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico nacional, mediante a desoneração das receitas oriundas dessas atividades, mas tão-somente quanto às contribuições expressamente referidas no caput do art. 149 da CF, dentre as quais não se inclui a CPMF, que tem como destinação o custeio da Seguridade Social. Asseverou que as movimentações financeiras são fatos que decorrem das receitas, mas que com elas não se confundem, por consubstanciarem hipóteses de incidência tributária diversas. Esclareceu que a hipótese de incidência da CPMF é a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, a teor do art. 74 do ADCT, inserido pela EC 12/96, cujo regulamento é dado pela Lei 9.311/96, alterada pela Lei 9.539/97, nada tendo a ver, a não ser indiretamente, com as receitas resultantes de exportações. Aduziu, ainda, que, o financiamento da Seguridade Social está fundado no princípio da solidariedade e que, quando se trata de reconhecer a imunidade relativamente a contribuições sociais, é necessário sempre sopesar valores, sendo prescindível afirmar que o valor da solidariedade prepondera sobre qualquer outro de cunho econômico, haja vista estar ele diretamente referenciado ao princípio da dignidade humana. Por fim, registrou que o art. 85 do ADCT, inserido pela EC 37/2002, previu, de forma minuciosa, várias hipóteses de não-incidência da CPMF, não tendo, entretanto, feito qualquer menção às receitas decorrentes de exportação, silêncio eloqüente que tem de ser levado em consideração para a correta exegese do preceito analisado. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.RE 566259/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.12.2008. (RE-566259)”
O RE comentado foi julgado em 12/08/2010, DJe 24/09/2010, pelo Plenário do STF e nos termos do voto do Min. Relator, cuja ratio é peculiarmente chamada ao caso da extensão da imunidade do art. 149, §2º, I, da CF às receitas da empresas de Manaus decorrente de venda de produtos internamente, no âmbito geográfico da ZFM.
Aliás, é no ensejo que se faz salutar chamar a atenção para o risco da consolidação judicial da tese usada pelas empresas da ZFM, a qual possibilitará que nenhuma empresa sediada em Manaus, responsável pelo sexto maior PIB municipal do país, recolha contribuições para o PIS e da COFINS. Como visto, os benefícios fiscais de incentivo à ZFM não se voltam a isso. Seria um grande calote institucionalizado, pois realizado sob o manto judicial, e de cunho não somente tributário, mas social, mormente porque desfalcando a Seguridade Social. Decerto, o impacto causado superaria o de escândalos de fraudes históricos, como o caso da Procuradora Georgina de Freitas, descoberto pela "Operação Farizeu" no início dos anos 90, só para citar exemplo pertinente à Seguridade. Dado o volume da arrecadação tributária decorrente da contribuição para o PIS e da COFINS em Manaus, não há dúvida que a extensão judicial dessa imunidade às vendas locais manauaras faria de escândalos como o do “Mensalão” e o dos “Anões do Orçamento” fraudes de prejuízos financeiros diminutos.
Soma-se a tudo isso o caráter fiscal dos tributos envolvidos.
É sabido, "O tributo possui finalidade fiscal quando visa precipuamente arrecadar, carrear recursos para os cofres públicos", como ensina Ricardo Alexandre[x]. É o caso da contribuição para o PIS e da COFINS, as quais, reitera-se, não somente se voltam à arrecadação de dinheiro, mas à arrecadação de dinheiro destinado à satisfação do compromisso estatal com a Seguridade Social, ao que está vinculada o produto desta arrecadação.
Não é corriqueiro que esse tipo de tributo seja utilizado como forma de intervenção do Estado na Economia, como é o caso da utilização de isenções e imunidades como forma de desenvolvimento regional ou de um determinado setor produtivo (e.g, o exportador).
Primeiro porque abrir mão da arrecadação destes tributos em prol de um desenvolvimento econômico setorial seria um terrível contrassenso, uma absoluta inversão de valores, consubstanciada no desprezo de compromissos sociais em prol de avanços econômicos. Sobre isso se manifestou o Min. Ricardo Lewandowski quando do julgamento do RE 566.259/RS, acima citado.
Ademais, se uma região precisa de incentivos para o crescimento econômico é porque, decerto, é mais pobre do que outras. E se tem mais tendência à pauperização, é com mais razão que não pode abdicar de tributos finalísticos sociais. Sua população, por ser mais carente, tem bem mais dependência, e.g, do serviço público de saúde e de benefícios assistenciais, componentes do sistema de Seguridade Social, nos termos do art. 194 da CF.
Ora, não é contraditório que, em uma região que precisa mais da Seguridade Social, se permita a desoneração tributária exatamente na parte voltada ao seu financiamento?
Em segundo lugar, existem tributos especialmente criados para utilização pelo Estado na condução da economia nacional e regional, os chamados "tributos de finalidade extrafiscal".
Ao contrário do que muitos pensam, a intervenção do Estado no Domínio Econômico, mesmo em um Estado cujo meio de produção seja o capitalista, em se falando de uma Constituição Dirigente como a brasileira, é permanente e forte, sendo excepcional tão-somente a intervenção direta, por absorção ou participação do mercado, nos termos do art. 173 da CF/88. A intervenção indireta do Estado na Economia é um imperativo que decorre de todo o Capítulo I do Título VII da Constituição, que trata da Ordem Econômica e Financeira.
A esse respeito, são pertinentes as lições de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino extraídas da obra Direito Constitucional Descomplicado, transcreve-se:
“A intervenção do Estado no setor econômico, dessarte, é hoje vista como um fato inelutável. As forças econômicas, quando não direcionadas de algum modo, além de solaparem a livre concorrência e acarretarem a concentração de quase toda a riqueza produzida pela nação nas mãos de uma diminuta plutocracia (em termos numéricos), podem mostrar-se extremamente prejudiciais à própria economia global do Estado, de que é exemplo mais emblemático a grande depressão da década de 30. Em nenhum Estado, atualmente, é praticado, ou mesmo propugnado, o Liberalismo puro nos moldes dos séculos XVIII e XIX.
A Constituição de 1988 tem como núcleo a dignidade da pessoa humana. ... todos os preceitos constitucionais devem ser interpretados adotando-se como marco referencial a dignidade humana.
Assim, o fato de o constituinte originário haver agrupado normas constitucionais em um título (Título VII), que nominou ‘Da Ordem Econômica e Financeira’, só pode significar a pretensão de, juridicamente, conformar a realidade econômica sob a perspectiva da dignidade humana, por outras palavras, o ordenamento jurídico somente considerará legítima a atividade econômica que tenha como fundamento e objetivo assegurar a todos condições materiais assecuratórias de uma existência digna (mínimo vital).
A Constituição vigente, promulgada em 5 de outubro de 1988, é classificada como uma Constituição tipicamente dirigente. Significa isso que ela não apenas cuidou da estruturação do Estado e do exercício do poder, mas também estabeleceu expressamente os fins que devem ser perseguidos pelo Estado em toda sua atuação.
...
Nossa Constituição de 1988 claramente originou um Estado capitalista. É fundamento da República o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV). São fundamentos da ordem econômica, dentre outros, a livre iniciativa, a propriedade privada, a livre concorrência (art. 170, caput, e incisos II e IV). Ora, conforme exposto acima, no capitalismo, as forças econômicas, deixadas a seu alvedrio, resultam em concentração de riqueza, anulação da livre concorrência e, sobretudo, em condições materiais de vida miseráveis para a quase totalidade da população. Dessarte, é evidente que o Estado brasileiro tem como uma de suas funções indeclináveis intervir no setor econômico, de sorte a assegurar que a riqueza produzida seja efetivamente um meio de prover a todos uma existência digna.
Em síntese, a Constituição de 1988, conquanto não tenha instituído um Estado Socialista, tampouco fundou um Estado abstencionista nos moldes do liberalismo clássico (na realidade, não existem Estados assim no mundo atual). Nossa ordem jurídico-política prevê e autoriza a intervenção do Estado no domínio econômico de variadas formas, sempre tendo como escopo possibilitar que a dignidade da pessoa humana seja um fundamento efetivo de nossa República, e não simples retórica.”[xi]
Uma dessas formas indiretas de intervenção do Estado no domínio econômico é a chamada “intervenção por indução”, através da qual “o Poder Público direciona a atuação dos agentes econômicos privados, incentivando determinadas atividades e desestimulando outras. A indução, portanto, pode ser positiva (fomento), operando-se por meio de benefícios fiscais, subsídios, construção de infra-estrututra, financiamento de projetos etc., ou pode ser negativa, consubstanciando-se, por exemplo, na imposição ... de tributos ...” (Op. Cit., p. 930). Luís Eduardo Schoueri destaca, em artigo publicado em revista especializada, que, “No art. 170 deste diploma, nós encontramos objetivos de atuação positiva do Estado, como, por exemplo, erradicar desigualdades regionais, diminuir desigualdades sociais, promover a microempresa, garantir a soberania nacional, assegurar o exercício da função social da propriedade. ... Em ambos os casos, surgida a necessidade de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, aparece a possibilidade de cobrança de uma CIDE”[xii], por exemplo.
Portanto, a intervenção do Estado no domínio econômico pode ser feita através do manejo tributário, e é recomendável que se dê dessa forma, seja aumentando ou diminuindo tributos para uma dada região ou seguimento econômico seja isentando-os ou mesmo imunizando-os.
Isso é feito, porem, a rigor, através do manejo dos chamados "tributos extrafiscais", exatamente aqueles cuja razão de existir principal não é a arrecadação de recursos para o Estado, mas sim a interferência oficial no domínio econômico, como é o caso das CIDE's (contribuições de intervenção no domínio econômico - cuja designação já evidencia sua finalidade) e também do imposto de importação (II), do imposto de exportação (IE), do imposto sobre produtos industrializados (IPI), do imposto sobre operações financeiras e de câmbio (IOF) etc.
Ensina Ricardo Alexandre que:
"O tributo possui finalidade extrafiscal quando objetiva fundamentalmente intervir numa situação econômica. São os casos, entre outros, dos impostos de importação e exportação, que, antes de arrecadar, objetivam o controle do comércio internacional brasileiro, podendo, às vezes, servir de barreira protetiva da economia nacional e outras de estímulo à importação ou exportação de determinadas espécies de bens.”[xiii]
No mesmo sentido, em brilhante apontamento, o professor Hugo de Brito Machado, verbis:
"Embora se trata de matéria própria das Finanças, não se pode deixar de fazer referência à função dos tributos. O objetivo dos tributos sempre foi o de carrear recursos financeiros para o Estado. No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. Aliás, registros existem da utilização do tributo, desde a Antiguidade, com a finalidade de interferir nas atividades econômicas; mas os autores em geral apontam o uso do tributo com essa finalidade como um produto do moderno intervencionismo estatal. Essa função intervencionista do tributo dá-se o nome de função extrafiscal.
...
Assim, quanto a seu objetivo, o tributo é:
a) Fiscal, quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado.
b) Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros.
c) Parafiscal, ...”[xiv]
Evidentemente que a criação da ZFM foi um nítido exemplo de intervenção estatal no domínio econômico, por indução, com a utilização de incentivos fiscais voltados ao desenvolvimento regional amazônico.
Em sendo assim, é elementar a conclusão de que, ao fazê-lo, o manejo tributário da intervenção econômica deve restringir-se aos tributos extrafiscais, sendo excepcional a utilização, para tanto, de tributos fiscais e desaconselhada a utilização de tributos finalísticos sociais, para evitar o descrédito de compromissos sociais em favor de econômicos.
Mister afirmar, pois, que a ZFM foi pensada e realizada como uma zona de exclusão de tributos extrafiscais, notadamente II e IPI, mas não como zona de exclusão de contribuições sociais de Seguridade Social, que não se prestam, a princípio, à intervenção do Estado na economia, a não ser que justificadamente e com amparo em disposição legal expressa e inequívoca.