Resumo: Existe certa confusão sobre o modo como o Poder Público contratará a distribuição de energia elétrica, que pode se dar por dispensa ou por inexigibilidade de licitação. No entanto, ambas as hipóteses têm aplicação em casos bastante distintos, conforme o Poder Público acione o mercado como consumidor cativo ou como consumidor livre.
Palavras-chaves: Distribuição de energia elétrica. Contratação. Dispensa. Consumidor livre. Inexigibilidade. Consumidor cativo.
Existe certa confusão sobre ao procedimento que resultará na contratação direta de distribuição de energia elétrica pela Administração Pública em razão do tratamento dado pela Lei nº 8.666/93: dispensa ou inexigibilidade? Na lei, aparentemente há possibilidade de escolha de quaisquer uma das vias, que têm pressupostos diferentes: na inexigibilidade a competição é impossível, ao passo que, na dispensa, ela não é desejável.
Com efeito, em princípio, todas as obras, serviços, compras e alienações promovidas pelo Poder Público devem ser precedidas de licitação, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta (CF art. 37, XXI).
Excepcionalmente, a competição pode se mostrar inviável por razões de mercado, hipótese em que os pressupostos lógico ou fático da licitação não estarão presentes no caso concreto.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, a existência da licitação está condicionada à verificação de três pressupostos[1]: a) lógico, consistente na pluralidade de objetos e de ofertantes, viabilizando a competição; b) fático, configurado na existência de interessados em licitar; e c) jurídico, caracterizado pela certeza de que a licitação possa se constituir em meio apto para a satisfação do interesse público.
No caso da distribuição de energia elétrica, pode-se imaginar que não haveria maiores empecilhos em aceitar que a contratação da distribuição de energia para as repartições públicas se daria por inexigibilidade de licitação, uma vez que haveria apenas uma distribuidora em determinadas localidades geográficas, nos termos do caput do art. 25, da Lei 8.666/93, in verbis:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição (...)”
No entanto, o tema não oferece contornos tão simples, pois a Lei nº 9.648/98, que deu nova redação ao inc. XXII do art. 24 da Lei 8.666/93, tratou como dispensa de licitação a contratação para fornecimento ou suprimento de gás natural e energia elétrica, in verbis:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
XXII – na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionária, permissionária ou autorizado, segundo as normas da legislação específica”
Afinal, o Poder Público pode contratar a distribuição de energia para atender a suas necessidades mediante dispensa ou inexigibilidade?
A dúvida decorre, na verdade, da reformulação do setor energético brasileiro, iniciado com as privatizações de estatais compreendidas durante a reforma do Estado, na década de 90, em que as atividades de distribuição e de geração de energia elétrica foram dissociadas, sujeitando-as, em diferentes graus, à competição de mercado. Como pondera Marçal Justen Filho[2], “(...) a atividade de geração de energia elétrica foi aberta à competição, inclusive com algumas hipóteses de descaracterização de serviço público. A transmissão de energia elétrica continua a ser um serviço público sob regime de monopólio. A distribuição é reconhecida como serviço público, mas com crescente abertura à competição, o que é incrementado por meio de atividades específicas de comercialização”.
Inaugurado o ambiente de contratação livre pela Lei nº 9.648/98, posteriormente implementado pela Lei nº 10.848/2004 e regulamentada pelo Decreto nº 5.163/2004, tornou-se possível aos consumidores livres (em geral, aqueles que tem carga superior a 3.000 kW) a compra de energia elétrica dos agentes concessionários e autorizados de geração, comercializadores e importadores de energia elétrica.
Portanto, o Poder Público pode comprar energia por inexigibilidade de licitação, quando necessitar ser atendido como qualquer outro consumidor cativo, ou pode comprar energia, mediante dispensa de licitação, quando se caracterizar como consumidor livre, nos casos, por exemplo, de grandes indústrias estatais.
Notas
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 20004, p. 496-497.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos. 10ª ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 263.