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Justiça: sua relação conceitual com o direito e a possibilidade para alguns juristas de ser considerada como sinônimo de eficiência

25/12/2012 às 08:40
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No vasto cenário de teorias sobre a justiça, deve-se incluir o exame daquela que é hoje considerada a mais influente escola americana de teorização jurídica: a análise econômica do direito ou, na simplificação inglesa, law and economics.

Introdução

“A abordagem econômica do direito é criticada por ignorar a justiça. É preciso distinguir entre os diferentes significados desta palavra. Algumas vezes pode significar justiça distributiva, ou seja, o grau adequado de igualdade econômica. (...) Um segundo significado de justiça, talvez o mais comum, é o de eficiência”.

Richard A. Posner[1]

Inicialmente, antes de abordar em termos específicos o objeto deste breve estudo, o tipo de assunto escolhido como tema demanda um esclarecimento de alguns dos seus pressupostos. A justiça, nos termos em que aqui será analisada, será entendida como um conjunto de critérios de repartição ou participação embens de uma sociedade.[2] Para fins deste artigo, a justiçanão constituirá uma forma de atitude ou emoção. Em outras palavras, ela não será definida ou entendida como uma complexa forma de um sentimento altruísta.[3] Esta maneira de perceber a justiça, difundida na modernidade, é denominada por filósofos, como Alasdair MacIntyre, de emotivismo.[4] A justiça é identificada como uma simples manifestação subjetiva de cunho sentimental daquele que a invoca, o que a torna incapaz de ser empregada em um sentido racional que possa ser consensual no âmbito jurídico.

A afirmação no parágrafo acima conduz ao segundo pressuposto sobre a justiça: ela possui uma relação conceitual com o direito. Na medidaemque a justiça é compreendida comoumcritério de divisão de bens exteriores dentro de umgruposocial, o direito será um importante instrumento de sua manifestação.[5] Nesse aspecto, para se ter uma brevenoção da importância do pressuposto mencionado, observa-se queum dos teóricos do direito mais citados no Brasil sustentaque, por razões conceituais, cada ordenamento jurídico deve teruma pretensão de justiça, pois uma ordem normativa sem este intento não pode, conceitualmente, ser considerada direito.[6] Não obstante este tipo de consideração, há diversas maneiras de pensar esta relação. Este trabalho busca investigar uma das maneiras de perceber a relação conceitual existente entrejustiça e direito.

É relevante dizer também que subjaz a estes pressupostos o fato de necessitarmos de justiça porque somos seres humanos e vivemos em sociedade, junto com outras pessoas. Apesar de essas relações ocorrerem em diversos graus e níveis de complexidade, não podemos negar que os outros terão alguma influênciaem nossas vidas. Em uma vidaemsociedade, portanto, é fundamental que possamos pensar que nossas relações políticas e jurídicas sejam pautadas ao menospelajustiça. É interessante notarque, se justificarmos a vida em sociedade tanto pelo auto-interesse, quanto pelo contrário, não poderemos deixar de lado uma concepção de justiça. A justiça tem como elemento essencial, portanto, uma idéia de alteridade, pois somente terá algumsentido discuti-la quando pensamos em relações entre pessoas.[7] Nesse sentido, Tercio Sampaio Ferraz Junior adverte que a justiça possui uma natureza intersubjetiva e pensá-la em termos individuais constitui um equívoco.[8] Ao contrário, a alteridade da justiça qualifica-a como uma das principais virtudes políticas na vida em sociedade.

Nesse sentido, refletir sobre a necessidade humana de justiça não é algo novo na história. Na antigüidade, Aristóteles é o primeiro a propor uma teoria de carátersistemáticosobre a justiça e a destacar a sua relevância na realização do ser humano. Ainda no mundo clássico, para ilustrar a importância da justiça, podemos destacar a conhecida indagação de Santo Agostinho na sua obra A Cidade de Deus: "Retirada a justiça, então, o que são os reinos além de grandes roubos?" Tem razão, assim, José Reinaldo de Lima Lopes ao afirmar que a questão da justiça fornecia “um sentido a todo o estudo e aplicação do direito em tempos pré-modernos”.[9] Em outras palavras, a síntese de Lima Lopes é que “a justiça foi, durante muito tempo, o critério de racionalização do direito”.[10]

Compartilha-se, por conseguinte, pelo menos em algum nível, a noçãoque a justiça é essencialcaso tenhamos a pretensão de vivercom outras pessoas, emsociedade. Comojádisse, a relação entre justiça e Direito é pensada de inúmeras formas. Em um sentido geral, no projeto moderno traçado para o direito, observamos que é privilegiada na concepção de justiça a segurança jurídica, esta entendida no sentido que os sujeitos sabem quais serão as conseqüências jurídicas dos seusatos, ou seja, a previsibilidade consubstanciada na seguintefórmula “se A é, logo, B deve ser”. Nesse ponto, diagnostica Luis Fernando Barzotto que “um dos traços característicos do fenômeno conhecido como ‘modernidade’ é a crise de fundamentos”, assim, “a angústia provocada no homem moderno por essa situação, leva-o a uma busca desesperada por segurança e certeza”.[11]

Uma tentativa de refutação desse projetomodernoargumentaqueeste perdeu a noção de relação conceitual entre justiça e direito. Não se pode reduzirjustiça à ideia de segurança jurídicaporque, na verdade, esta últimanoção pode sersimplesmente pensada comoum aspecto interno da justiçaque pode muitobemconsistiremum dos critériospara se avaliar desigualdades sociaisoucomoumfator de justiçasocial.

Constituindo um aspecto da justiça, a segurança pode passar a relacionar-se conceitualmente com o direito, na formulação “segurança jurídica”, tanto de uma maneira interna à sociedade, quando consideramos qual o bem que será repartido, quanto de uma forma externa, na medida em que se pode utilizar este conceito como um argumento em favor da paz, evitando-se assim uma guerra. Um problema que se constata na negação da existência de uma relação de cunho conceitual entre justiça e direito reside no isolamento da noção de segurança jurídica em uma questão de mera previsibilidade que tem como referência apenas o direito.

É importante, contudo, destacar, seguindo o argumento de Lima Lopes, que da perda da relação conceitual entre justiça e direito não decorreu um esquecimento daquela na modernidade, masapenas uma alteração no seu papel nas discussões. Esta mudança de perspectiva para a segurança jurídica acabou porreduzir o âmbito de incidência da justiça apenas às relações de natureza contratual, à esfera privada.

O contexto acima descrito sofreu uma mudança nos últimos quarenta anos quando se observa que a discussão sobre a justiça voltou a ter um espaço maior no cenário político ocidental através da necessidade de deliberação sobre como deve serfeita a distribuição dos bens comuns em uma sociedade e, principalmente, pela incorporação de direitos sociais nos textos constitucionais.[12] Na terminologia de Lima Lopes, a existência de conflitos de ordem distributiva como a proteção do meio-ambiente, interesses difusos, etc., fizeram ressurgir a importância política e jurídica da justiça nos dias de hoje.

No início deste artigo disse que há muitas formas de pensar a relação entre justiça e direito e de como aquela pode ajudar a solucionar os problemas jurídicos ocasionados pelas discussões políticas mencionadas no parágrafo anterior. Durante o período referido, a tentativa ocorreu em parte mediante a formulação de novas teorias sobre a justiça ou através da adaptação de teorias clássicas como a de Aristóteles. Entre essas novas teorias e reformulações podemos citar os trabalhos de John Rawls[13], Michael Walzer[14], Ronald Dworkin[15], Briam Barry[16], Robert Nozick[17], Bruce Ackermam[18], Martha Nussbaum[19], Onora O’Neill[20], John Finnis[21], entre outros.

Neste vastocenário de teorias sobre a justiça, deve-se esclarecer como esta nova relevância da justiça foi também examinada peloque é hoje considerada a mais influente[22] escola americana de teorização jurídica: a análise econômica do direito ou, na simplificação inglesa, law and economics. Esta investigação, de uma escola de origem norte-americana, justifica-se pela observação de uma crescente americanização do direito em vários países[23], inclusive no Brasil. Ao utilizar a economia para avaliar e prescrever como o direito deve ser, a análise econômica do direito faz uso da principal via de acesso desse fenômeno de americanização.[24]

É possível formular a hipótese de que há uma concepção de justiça inerente à law and economics, segundo a visão do seu maior expoente e de suas referências teóricas: o professor da universidade de Chicago Richard Posner.[25] Neste autor, cabe destacar quais são os elementos centraisque compõem sua noção de justiça. Propõe-se que a referida composição reside nos conceitos análogos de maximização de riqueza e eficiência econômica. Assim, é possível afirmar que a justiça, para Richard Posner, é pensada como um conceito idêntico ao de eficiênciaeconômica.

Estecaminho conduz o argumento a uma aparente discordância com autores como James Gordley, pois este refere que “aqueles que tentam explicar o direito em termos econômicos não se preocupam com a justiça, mas apenas com a eficiência”.[26] Posner reconhece que esta crítica é recorrente quando se propõe uma análise da eficiência econômica, mas refere que a eficiência constitui um dos sentidos mais comuns de justiça.[27]

Porisso, o argumento fundamental da justiça como eficiência deve procurar indicar que, principalmente em suas obras The Economics of Justice e Economic Analysis of Law, Posner visa a explicar a justiça em termos de eficiência econômica, considerando ambos conceitos como correlatos.

Entendo que a divergência com Gordley não é real na medida em que este, em sua argumentação, acaba por considerar realmente a eficiência como um critério de repartição ou participação em bens de uma sociedade, discordando apenas dos seus resultados que considera ofensivos “ao senso de justiça da maioria das pessoas”.[28]


Conclusões

“Para se experimentar uma gratidão pura (deixando-se de lado o caso da amizade), tenho necessidade de pensar que me tratam bem, nãoporpiedade, simpatia ou capricho, a título de favor ou privilégio, tampouco por um efeito natural do temperamento, mas por desejo de fazer o que a justiça exige. Portanto, quem me trata assim deseja que todos que se encontram em minha situação sejam tratados assim por todos os que se encontram na situação dele”.

Simone Weil, A Gravidade e a Graça.

É relevante trataracerca da justiça porque necessitarmos dela enquanto seres humanos que vivem em sociedade, junto com outras pessoas. Ou seja, apesar dessas relações ocorrerem em diversos graus e níveis de complexidade, não podemos negar que os outros terão alguma influência em nossas vidas. 

Sendo a justiça um critério de repartição e participação de bens em uma sociedade e não uma simples manifestação subjetiva de cunho sentimental daquele que a invoca, pode-se dizer que a justiça, no pensamento de Richard Posner, constitui uma tentativa de teorização desses critérios. A afirmação que a justiça, na perspectiva da law and economics defendida por Posner, é concebida como eficiência, ou maximização de riqueza, encontra plena justificativa em suas obras.


ReferênciasBibliográficas

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Notas

[1] POSNER, Richard. Economic Analysis of Law, p. 27.

[2] Nesse sentido, ver CAMPBELL, Tom. Justice. 2ª ed., EUA: St. Martin, 2001, p. 22.

[3] Uma defesa da justiçacomoespécie de sentimento pode ser encontrada em MCCANN, Charles R. IndividualismandtheSocialOrder: The SocialElement in LiberalThought. ReinoUnido: Routledge, 2004, p. 109.

[4]MACINTYRE, Alasdair. After Virtue.EUA: University of Notre Dame, 2ª ed., 1984, pp. 21-35.

[5] VILLEY, Michel. Filosofia do Direito.São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 66.

[6] ALEXY, Robert. On Necessary Relations Between Law and Moralityin Ratio Juris 22, 1989, pp. 167-182.

[7] FINNIS, John. Natural Law and Natural Rights.Reino Unido: Oxford University, 2000, p. 161.

[8] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito – Reflexõessobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. São Paulo: Altas, 2002, p. 176.

[9] LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a lei, p.24.

[10]Idem, ibidem, p. 266.

[11] BARZOTTO, Luis Fernando. O PositivismoJurídicoContemporâneo. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p.137.

[12] LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., p. 267.

[13]A Theory of Justice, Cambridge: HarvardUniversity, 1971.

[14]Spheres of Justice, Oxford: Martin Robertson, 1984.

[15]Sovereign Virtue, Cambridge: HarvardUniversity, 1999.

[16]Justice as Impartiality, Oxford: Clarendon, 1995.

[17]Anarchy, State and Utopia, Oxford: Blackwell, 1974.

[18]Social Justice in the LiberalState, New Haven: YaleUniversity, 1980.

[19] Beyond the Social Contract: Toward Global Justice, in Tanner Lectures on Human Values, EUA: University of Utah, 2003.

[20]Bounds of Justice, Cambridge, UK: CambridgeUniversity, 2000.

[21]Natural Law and Natural Rights, Oxford: Clarendon, 1980.

[22] O diretor da faculdade de direito de Yale, Estados Unidos, Anthony T. Kromman, sustentouque a análiseeconômica do direito “continua e permanece sendo a mais influente escola de teoria do direito” nosEstados Unidos. Second DrikerFórum for excellence in the Lawin Wayne Law Review no 42, vol 115, 1995, p. 160.

[23]Nessesentido, ver “L’americanisation du droit”, in Archives de philosophie du droit, tome 45, 2001.

[24] FREEDMAN, David. L’americanisation du droitfrançaispar la vie économiquein Archives de philosophie du droit, tome 45, p. 207.

[25] Esta escola denominada análise econômica do direito foi criada em Chicago nos Estados Unidos e possui suas fontes teóricas mais reconhecidas em trabalhos de acadêmicos como Ronald Cose, Gary Becker, Guido Calabresi e Richard Posner, publicados na década de 1960 e 1970, ainda que a conexão entre os campos do direito e da economia já tenha sido objeto de estudos por quase duzentos anos. A título exemplificativo, pode-se mencionar que filósofos como Jeremy Bentham, Adam Smith e Karl Marx, em diversos graus, debruçaram-se sobre as relações entre direito e economia. A lawandeconomics inicialmente ocupava-se apenas em estabelecer uma análise econômica do direito relacionado ao antitruste, dos contratos e do direito da empresa, mas acabou estendendo-se ao longo dos anos, para as mais diversas áreas do direito, como o direito tributário, constitucional e de família. Além do crescimento dentro do campo do direito, a disciplina evoluiu para além da esfera dos mercados e trata hoje de assuntos como teoria política e teoria do direito para tentar redefinir o papel do direito nas sociedades.

[26] GORDLEY, James. The Moral Foundations of Private Lawin The American Journal of Jurisprudence nº 47, 2002, p. 5.

[27] POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law, p. 27.

[28] GORDLEY, James. The Moral Foundations of Private Law, p.11.

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Sobre o autor
Luiz Reimer Rodrigues Rieffel

Mestre em Direito. Procurador Federal em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIEFFEL, Luiz Reimer Rodrigues. Justiça: sua relação conceitual com o direito e a possibilidade para alguns juristas de ser considerada como sinônimo de eficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3464, 25 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23281. Acesso em: 22 dez. 2024.

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