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Breve reflexão sobre a terceirização trabalhista na administração pública.

A decisão da ADC nº 16/DF

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27/12/2012 às 13:15
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O STF, ao reconhecer a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666, de 1993, não descartou a possibilidade de a Justiça trabalhista, no exame de cada caso concreto, responsabilizar o Poder Público por débitos trabalhistas, desde que se vislumbre a culpa da Administração.

Resumo: O presente artigo busca explorar as repercussões da recente decisão do Supremo Tribunal Federal na APDF Nº 16/DF sobre a responsabilidade da Administração Pública em relação a débitos trabalhistas decorrentes de terceirização de mão de obra. Para esse fim, será realizada uma análise das regras que regem a responsabilidade do poder público no âmbito da contratação de serviços, de modo a se chegar a conclusões sobre o caso específico a respeito dos débitos trabalhistas de empregados terceirizados.   

Palavras-chave: terceirização, responsabilidade, Administração Pública, verbas trabalhistas.

Sumário: Introdução. 1. A terceirização trabalhista e a redação anterior da Súmula n° 331 do TST. 2. Entendimentos sobre o antigo inciso IV da Súmula n° 331 do TST. 3. Da decisão do STF na ADC n° 16/DF. 4. Aferição da culpa da Administração Pública.


Introdução

A decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 16/DF lançou dúvidas sobre a responsabilidade a que o Estado está sujeito no âmbito da terceirização de mão de obra. Com vistas a compreender adequadamente os reflexos da decisão da suprema corte brasileira para a Administração Pública, pretende-se estudar os contornos da terceirização trabalhista e compreender como o instituto se apresenta no bojo das relações travadas entre o Poder Público e os administrados.  Traçado esse panorama, será possível compreender as responsabilidades da pessoa jurídica de direito público perante os empregados terceirizados na forma agora preconizada pelo STF.

Afirma-se que as empresas de trabalho temporário surgiram nos Estados Unidos, com o famoso caso do advogado Winters, que se viu em apuros quando sua secretária adoeceu no curso do prazo de apresentação de um recurso à Suprema Corte, documento que contava com 120 (cento e vinte) laudas, as quais deveriam estar devidamente datilografadas. Depois de comentar sua angústia com um colega, foi apresentado a Mary, uma antiga secretária que, naquele momento, dedicava-se exclusivamente ao lar, porém poderia querer ganhar um dinheiro extra. O recurso foi datilografado por Mary e protocolizado tempestivamente no Tribunal. Winters, pensando em quantos outros poderiam estar passando pelo mesmo problema, fundou uma empresa de terceirização, chamada Man Power, que hoje possui mais de 500 escritórios por todo mundo, que fornecem mão-de-obra temporária, visando aos trabalhos inesperados e de curta duração.

No Brasil, a idéia de terceirização foi implantada, por volta de 1950, pelas multinacionais interessadas em se dedicar apenas à essência de seus negócios.

As empresas automobilísticas, por exemplo, passaram a contratar a prestação de serviços de terceiros para a produção de componentes de automóvel. Reunindo as peças fabricadas por terceiras empresas, passaram apenas a proceder à montagem final do veículo.

Outras pioneiras no Brasil foram as empresas que se dedicavam à limpeza e conservação, dando inicio a suas atividades aproximadamente em 1967.    

A partir daí foram editados vários decretos-lei que se referiam à terceirização dos serviços de segurança em instituições bancárias, caixas econômicas e cooperativas de créditos, revelando que a partir deste momento, havia licitude na contratação de funcionários por meio de agências de colocação ou intermediação de mão-de-obra.  

Conforme relata o eminente professor Sérgio Pinto Martins:

“A terceirização é, portanto, um fenômeno que vem sendo largamente utilizado no mundo moderno, especialmente na Europa. Em nosso país é que recentemente passou a ser adotada pelas empresas. Isso mostra que estamos saindo da era industrial para entrar na era dos serviços.” (MARTINS, 1996, p. 27)

A Administração Pública, nas três esferas da federação, também passou a se valer de mão de obra terceirizada, objetivando, com isso, suprir necessidades advindas dos mais variados ramos de atuação do Estado. Serviços temporários e atividades não finalísticas de entidades e órgãos públicos receberam uma enxurrada de empregados vinculados a empresas especializadas, que, uma vez contratadas pelo Poder Público, assumem a condição de provedoras da força de trabalho de custo razoável e de fácil administração pelo agente estatal.  

Contudo, a despeito da utilização generalizada da terceirização trabalhista, inexiste regulamentação específica para amparar juridicamente o instituto. À míngua da normatização estatal, como seria tratada a responsabilidade do tomador público dos serviços?

Em princípio, entende-se que a ilicitude da terceirização dá origem ao reconhecimento de vínculo trabalhista entre o empregado terceirizado e o tomador do serviço. Contudo, tal solução não pode ser aplicada na hipótese de o tomador ser o Estado, pois o ingresso no serviço público, a teor do art. 37, II, da Constituição, deve se dar por intermédio do concurso público.

Contudo, ainda que lícita a terceirização, o tomador do serviço pode se ver responsabilizado pelo cumprimento de obrigações trabalhistas. Entendia o Tribunal Superior do Trabalho que, não honrados os débitos trabalhistas pela empresa especializada em terceirização, o tomador responderá subsidiariamente perante o empregado. Esse entendimento estava plasmado na Súmula nº 331 da mais alta corte trabalhista. Até o ano de 2010, a tese era objetivamente aplicada ao Poder Público, isto é, bastava que a empresa fornecedora da mão de obra não cumprisse seus deveres para que a Justiça do Trabalho imputasse a responsabilidade à pessoa jurídica de direito público.

Com a decisão proferida pelo STF na ADC nº 16/DF, a imputação da responsabilidade subsidiária ao Estado passou por profunda modificação. Em princípio, o ente ou entidade públicos só poderão se ver obrigados a honrar débitos trabalhistas oriundos de terceirização caso a gestão do contrato correspondente não tenha sido realizada com a diligência devida. Nas demais hipóteses, apenas o empregador direto se verá diante da obrigação de desembolsar o montante necessário a pagar as verbas trabalhistas arbitradas.

Contudo, devem-se entender melhor os contornos dessa decisão, com o objetivo de garantir segurança jurídica aos agentes públicos envolvidos com a administração de mão de obra terceirizada, bem como no intuito de permitir que o Estado tome medidas capazes de suprimir ou de mitigar o risco legal advindo da terceirização.

Assim, se o agente público tiver agido com a diligência adequada, estará o Estado livre de responsabilidade? O que poderia ser considerado conduta culposa para o efeito de responsabilização? Essas e outras perguntas que certamente surgirão precisam ser respondidas para que a Administração Pública navegue por águas mais tranqüilas quando necessitar da prestação de serviços terceirizados.


1. A terceirização trabalhista e a redação anterior da Súmula n° 331 do TST

Examinar os contornos jurídicos da responsabilidade da Administração Pública pela contratação de mão de obra terceirizada é tarefa que exige prévio domínio de conceitos e definições abrangidos pelo tema. Assim é que se mostra imprescindível lançar os olhos preliminarmente sobre o próprio conceito de “terceirização trabalhista”, de modo que, sedimentada essa noção, possa-se evoluir para a problemática que ora se propõe enfrentar. 

Com efeito, Sérgio Pinto Martins assim conceitua a terceirização de mão de obra:

“Trata-se, na verdade, de uma estratégia na forma de administração das empresas, que tem por objetivo organizá-la e estabelecer métodos da atividade empresarial. (MARTINS, 1996, p. 12)”

Ao conferir enfoque mais jurídico à matéria, Maurício Godinho Delgado define o instituto de forma analítica, com a percuciência que lhe é peculiar:

“[...] a terceirização é fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação da força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídico trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido” (GODINHO, 2003, p. 424)

À vista desses ensinamentos, a terceirização trabalhista pode ser entendida como um fenômeno jurídico-econômico que se destina a possibilitar ganhos de produtividade mediante a contratação de terceiro especializado para realizar atividade não diretamente relacionada aos fins da empresa contratante. Por meio dela, desdobra-se a típica relação bipolar empregado-empregador, definida no art. 3º da CLT, em uma relação triangular, da qual participam a empresa prestadora, o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora do serviço.   

A terceirização das relações de trabalho no Brasil é matéria que nunca contou com vasto suporte normativo. Podem ser citadas, como fontes legais do instituto, basicamente duas leis ordinárias, a saber: Lei n° 6.019, de 1974, que cuida do trabalho terceirizado de cunho temporário (máximo de três meses, salvo autorização do Ministério do Trabalho); a Lei n° 7.102, de 1984, que previu a terceirização de caráter permanente no Brasil, limitando o objeto do contato à categoria dos vigilantes dos bancos, escopo que foi posteriormente ampliado pela Lei n° 8.863, de 1994, para abranger diversos serviços de segurança privada.

Foi o Tribunal Superior do Trabalho, que, por intermédio da Súmula n° 331, disciplinou a terceirização de mão de obra de modo mais amplo, reconhecendo seu cabimento em outras situações além daquelas já previstas na legislação. Como se sabe, a redação original do enunciado dessa súmula se dividia em quatro incisos. No primeiro, se reconhecia a legitimidade da terceirização de serviços temporários, a teor da Lei n° 6.019, de 1974. No segundo, estipulava-se que a contratação irregular de empregado mediante uso de empresa interposta não geraria relação de emprego com a Administração Pública, por violação da regra constitucional do concurso público (art. 37, II, da Constituição). O inciso III inova em relação às leis já citadas ao prever a possibilidade de terceirização de serviços de limpeza e de “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” O último inciso e certamente o mais polêmico da súmula previa, sem base legal clara, a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, inclusive da Administração Pública, pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas pelo empregador.             


2. Entendimentos sobre o antigo inciso IV da Súmula n° 331 do TST

A atribuição de responsabilidade subsidiária ao Poder Público pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas a cargo da empresa fornecedora de mão de obra terceirizada sempre foi objeto de acalorados debates na doutrina e jurisprudência brasileiras. O principal cerne da controvérsia residia não na inexistência de norma legal prevendo a responsabilização do tomador (público ou privado) dos serviços nessas hipóteses, mas na expressa disposição do art. 71, § 1º, da Lei n° 8.666, de 1993, assim redigido:

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“Art. 71 [...]

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.” (Brasil, 1993)

Da simples leitura do dispositivo, percebe-se seu integral contraste com o quanto previsto no inciso IV da súmula trabalhista. A lei é muito clara ao afastas a responsabilidade da Administração Pública pelos encargos trabalhistas não honrados pelo prestador dos serviços, ao passo que o entendimento sumulado impõe a responsabilização do Poder Público em tal situação. Segundo Juliana Haas (HAAS, 2011), Sérgio Pinto Martins defende que, conquanto o TST não tivesse dito que o art. 71,§ 1º, seria inconstitucional, o fundamento que vinha sendo levantado no julgamento de casos da espécie consistia no confronto dessa regra com o comando insculpido no art. 37, § 6º, da Constituição. Para o tribunal trabalhista, a norma constitucional, ao prever a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadora de serviços públicos, não fez distinção quanto ao tipo de responsabilidade, se cível ou trabalhista, de modo que não caberia à lei de licitações promover essa distinção.     

Sobre o posicionamento favorável à legitimidade da Súmula n° 331, vale reproduzir trecho do trabalho de Juliana Haas no qual é exposta a opinião de Ilse Marcelina Bernardi Lora, para quem a responsabilização do Poder Público não decorre apenas da dicção do art. 37, § 6º, da Constituição, mas também dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Confira-se:

“Ilse Marcelina Bernardi Lora, por exemplo, defendia a tese de que o mencionado dispositivo era ofensivo ao princípio da dignidade e da valorização do trabalho e do trabalhador insculpidos na CF e que comprometia, portanto, o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, provocando seu esvaziamento. Nesse contexto, afirmava que afastar a responsabilidade do Estado significava deixar o trabalhador ao desamparo, numa atitude excessiva, desproporcional e afrontosa ao mínimo existencial.

Sustentava ainda que o dispositivo era incompatível com a regra insculpida no já citado § 6º do art. 37 da CF, segundo o qual o Estado responde objetivamente nos casos em que seu comportamento determina o dano e também nas situações em que o dano não é gerado por sua atuação, mas por atividade sua que cria a situação ensejadora do dano.

Concluía que nessas circunstâncias, detinha o Judiciário Trabalhista, no exercício do controle de constitucionalidade difuso, o poder-dever de afastar a aplicação do dispositivo em comento, reconhecendo a responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização de serviços” (HAAS, 2011, p. 140 e 141)

Outros autores entendiam, a meu ver com acerto, que o art. 37, § 6º, da Constituição não poderia amparar a responsabilidade do Poder Público nas hipóteses de terceirização. Isso porque o dispositivo constitucional diria respeito à responsabilidade extracontratual do Estado, não prejuízos causados no âmbito dos contratos administrativos. Além disso, não estaria presente na espécie um dos elementos inafastáveis da responsabilidade objetiva, qual seja, o nexo de causalidade entre a conduta do responsabilizado e o dano sofrido pela pessoa a ser indenizada. Desse modo, o TST haveria criado, sem respaldo legal ou constitucional hipótese de responsabilidade total do Poder Público por atos de empresa contratada licitamente[1] para ofertar mão de obra terceirizada. José dos Santos Carvalho Filho é peremptório ao afirmar o desacerto da intelecção do TST:      

“Entretanto, no afã de proteger o empregado, de fato a parte mais frágil na relação jurídica, a justiça trabalhista ampliou-lhe as garantias em contraposição ao que está definido na legislação própria, atribuindo à entidade administrativa, sem amparo legal, a condição de garante dos débitos trabalhistas decorrentes do inadimplemento da empresa contratada.” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 133)

Em trabalho recente, Carlos Augusto Junqueira Henrique, ao analisar o inciso IV da Súmula n° 331, preconiza que o TST extrapolou suas funções jurisdicionais ao criar hipótese de responsabilidade do Poder Público não amparada no ordenamento jurídico vigente:

“Por fim, a imposição da responsabilidade subsidiária também à Administração Pública. Aqui o entendimento jurisprudencial já representaria algo de inadmissível. Sabe-se que as súmulas representam o entendimento jurisprudencial predominante de um tribunal quanto à inteligência emprestada a um determinado dispositivo legal. O enunciado da súmula reflete essa inteligência que sempre há de estar voltada à lei em sua aplicação. O dictum da súmula não pode criar norma de conduta porque, se assim o faz, extrapola as funções jurisdicionais para ingressar no terreno legislativo.” (HENRIQUE, 2011, p. 89)

As divergências a respeito da legitimidade de a justiça trabalhista imputar ao Estado a responsabilidade por atos da empresa prestadora de mão de obra eram, como se vê, acaloradas. A nosso ver, a existência de dispositivo de lei ordinária federal impedindo a responsabilização do Poder Público constituía óbice instransponível à concretização do “comando” insculpido no inciso IV da Súmula n° 331. Além disso, o fundamento constitucional invocado para justificar o entendimento do TST parece-nos dizer respeito à responsabilidade extracontratual da Administração Público, sendo descabida sua aplicação às relações contratuais em que o Estado figura como parte.


3. Da decisão do STF na ADC n° 16/DF

Tendo em vista a insegurança que as posições divergentes sobre o assunto poderiam gerar e levando em conta a inexistência de pronunciamento das cortes trabalhistas a respeito da juridicidade da disposição da Lei n° 8.666, de 1993, o Governador do Distrito Federal houver por bem levar a discussão a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal. Para tanto, valeu-se de instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, ou ADC.

Ao ajuizar a ADC n°16/DF em março de 2007, o governador em questão argumentou que o art. 37, § 1º, da Lei de Licitações, não encontrava óbices na Constituição e que seu objetivo seria o de resguardar a Administração Pública da responsabilização indevida nos casos em que o Poder Público houvesse agido diligentemente no exame da qualificação econômico-financeira. Afirmou, nessa linha, que o dispositivo em apreço vinha sofrendo ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial o TST, que diuturnamente lhe negavam vigência.

 Após ter sido negado o pedido de liminar pelo ministro Cezar Peluso, que entendeu ser a matéria assaz complexa para merecer julgamento no bojo de cognição superficial, o Plenário do Tribunal, em novembro de 2010, julgou procedente a ação nos votos do ministro relator (Cezar Peluso), vencido o ministro Ayres Britto.

Entendeu o STF que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, na forma preconizada no inciso IV da Súmula n° 331 do TST. No entanto, reconheceu-se que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado não viesse a gerar a responsabilidade do Poder Público pelo pagamento das verbas trabalhistas. Registrou-se que, entretanto, a tendência da Justiça do Trabalho não seria de analisar a omissão, mas aplicar, irrestritamente, o entendimento do TST. 

Se, deu um lado, o STF afastou a possibilidade de aplicação automática da responsabilidade subsidiária estampada no inciso IV da súmula, de outro, a corte não consagrou uma interpretação literal do comando do art. 71, § 1º, da Lei n° 8.666, de 1993. A despeito da dicção legal, o tribunal consignou ser viável a responsabilização do Poder Público por encargos trabalhistas não pagos pela empresa prestadora do serviço nos casos em que tenha havido omissão na fiscalização do cumprimento do contrato. É possível, assim, que o Judiciário trabalhista, no exame de cada situação concreta, decida que, à luz da falta de diligência da Administração, o empregado terceirizado poderá  buscar nos cofres públicos os valores relativos a verbas empregatícias a ele devidas.   

A discussão a ser travada doravante nos processos deslocou-se para o exame da culpa da Administração Pública no âmbito da fiscalização das obrigações contratuais. Se da falta de diligência dos agentes públicos responsáveis decorrer o inadimplemento das parcelas laborais, ficará o Estado responsável, subsidiariamente ao empregador, por pagar ao terceirizado as verbas trabalhistas pertinentes.            

Como decorrência do decisum do STF, o TST reformou recentemente a Súmula n° 331, cujo inciso IV acabou transformado em três novos itens, vazados nos seguintes termos: 

“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.” (BRASIL, 2011)

O desafio para os operadores do Direito daqui em diante reside em desvendar os exatos contornos que o novo pressuposto para a responsabilização subsidiária do Estado deverá assumir. Advogados públicos, magistrados e gestores governamentais necessitam conhecer as formas pelas quais poderá se revelar a “culpa” da Administração Pública no âmbito da fiscalização dos contratos de terceirização de mão de obra, de modo que possam, no exercício de suas correspondentes atribuições, tomar decisões seguras e adequadas sobre a matéria.

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Sobre o autor
Lucas Alves Freire

Procurador do Banco Central. Procurador-Chefe da Coordenação-Geral de Consultoria Internacional, Monetária e em Regimes Especiais da Procuradoria-Geral do Banco Central. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília (UNB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, Lucas Alves. Breve reflexão sobre a terceirização trabalhista na administração pública.: A decisão da ADC nº 16/DF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3466, 27 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23316. Acesso em: 26 abr. 2024.

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