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O parecer jurídico e a atividade administrativa.

Aspectos destacados acerca da natureza jurídica, espécies e responsabilidade do parecerista

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3. A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAR O PARECERISTA JURÍDICO

Conforme demonstrado no decorrer do item anterior, o parecer caracteriza-se como um ato opinativo.

No âmbito jurídico, sobretudo na Administração Pública, o parecer denominado de parecer jurídico, surge, na maioria dos casos, de uma consulta realizada por órgãos ou agentes públicos.

A opinião do parecerista exterioriza-se a partir da emissão do respectivo parecer jurídico, do qual, em regra, não vincula o administrador, possuindo este a discricionariedade de seguir a opinião disposta ou não.

Assim, de regra, o parecer consubstancia uma opinião técnica, pessoal do emitente, ou seja, reflete apenas um juízo de valor, não vinculando o administrador, que tem a competência decisória, para praticar o ato administrativo de acordo ou não com o sugerido pelo consultor jurídico. Sendo atos diversos, o parecer jurídico e o ato próprio e discricionário praticado pela autoridade competente.

Neste sentido, tem-se que o parecer jurídico concretiza-se, seja a pedido do administrador ou por exigência legal, para aclarar e nortear o administrador que pode segui-lo ou ignorá-lo, quando da prática de determinado ato administrativo.

Seguindo a regra, de que o parecer jurídico não vincula o administrador, e de que este pode praticar o ato seguindo ou não o posicionamento defendido e sugerido pelo parecerista, tem-se consequentemente que o agente emissor do parecer não pode ser considerado responsável solidariamente com o agente que possui a competência e atribuição para emissão do ato administrativo decisório.

Desta forma, compreende-se que apesar de o administrador ter praticado o ato administrativo em consonância com o parecer, e em decorrência disso, ter sido responsabilizado, não se pode admitir de imediato a responsabilização solidária do parecerista, pois, este não pode ser responsabilizado só por que proferiu opinião em dissonância com a do órgão fiscalizador, até porque a legislação por vezes a disposição deste para a confecção do melhor caminho a ser adotado admite interpretações das mais variadas possíveis, e estando o seu parecer devidamente embasado, defendendo uma tese aceitável juridicamente, com base na doutrina, na legislação e na jurisprudência, não se pode falar em responsabilização conjunta.

Sobre a responsabilidade, há necessidade de considerar ainda que, se o parecerista não pode ser responsabilizado por uma opinião, devidamente fundamentada, só porque interpretou ou opinou de maneira divergente da entendida pelo agente fiscalizador, será justa a responsabilização, por exemplo, de um prefeito que, na maioria das vezes, não dispõe do conhecimento jurídico necessário para a prática de determinado ato. Consequentemente solicita o amparo do consultor, que sugere a realização do ato de dada maneira, e no final do procedimento, o prefeito é responsabilizado por seguir a opinião sugerida pelo profissional, que em tese, teria mais condições de discernir o melhor posicionamento jurídico a ser realizado?

A respeito do tema, manifestou-se o doutrinador Gasparini (2008, p.94) com base em decisão já proferida pelo Tribunal de Contas da União, afirmando que se o administrador decide embasado nas disposições sugeridas pelo parecerista não pode ser responsabilizado.

Em consonância com entendimento supra mencionado entende Di Pietro (2001, p. 163) que se o parecerista “defende tese aceitável, se está alicerçado em lição de doutrina ou de jurisprudência, não há como responsabilizar o advogado, nem, em consequência, a autoridade” que decidiu amparado no parecer jurídico emitido.

Entendimento diverso possui o Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que não se estende ao administrador a benesse concedida ao parecerista, de não ser responsabilizado em parecer meramente opinativo, pois entende o referido Tribunal que a ele a lei conferiu o poder de decisão, o qual poderia rejeitar o referido ato opinativo, evitando a prática dos atos por ele ora recomendados (MS 24.073, REL. MIN. CARLOS VELOSO, JULGAMENTO EM 6-11-02, DJ DE 30-10-03)

Nota-se, desta forma, certa nebulosidade envolvendo o tema em contento, pois conforme exposto há posicionamentos doutrinários que escusam o administrador, que age de acordo com o parecer emitido pelo responsável técnico, e entendimentos jurisprudenciais afirmando exatamente o contrário.

Ainda, quanto à questão de responsabilizar o parecerista, pelo fato de sua opinião ter sido mal sucedida, tem-se que ele somente pode ser responsabilizado se agiu culposamente e, desde que o parecer seja o fundamento jurídico para a prática de um ato ilícito pela autoridade competente. Logicamente, poderá ainda ser responsabilizado se agir dolosamente. Em ambos os casos a responsabilidade é subjetiva, dependendo de comprovação.

No que tange a responsabilização do parecerista Carvalho Filho (2010, p. 152) assevera que o mesmo só pode ser responsabilizado se houver como comprovar limpidamente que tenha agido dolosamente, ou seja, com o intuito de prejudicar a Administração Pública e/ou o agente público, agindo contra o interesse público, e com o objetivo de cometer ato ímprobo. Além disso, expõe ainda, que a prova do ato contrário as normas jurídicas não decorre do parecer, mas constitui ônus da parte que alega provar a exteriorização de um ato opinativo ilegal e inconstitucional.  

De acordo com o entendimento do doutrinador tem-se que o parecerista somente poderia ser responsabilizado se comprovado fosse o dolo.

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se afirmando que apesar do parecer caracterizar-se como ato de mera opinião, que juridicamente não produz efeitos, o seu emissor pode sim ser responsabilizado quando da exteriorização de um parecer jurídico vinculante, pois nele há transparente repartição do poder de decisão (MS 24.631, REL. MIN. JOAQUIM BARBOSA, JULGAMENTO EM 9-8-07, DJ DE 31-1-08).

Verifica-se, deste modo, que há atribuição de responsabilidade ao parecerista jurídico quando o conteúdo do parecer deixa de ser meramente opinativo, e passa a ter um condão decisório.

Em tese, conforme relatado há efetiva partilha do poder de decisão, quanto se está diante de um parecer jurídico vinculante, pois, o parecerista acaba sendo quem de fato decide, competindo à autoridade administrativa a mera exteriorização do ato administrativo em consonância com a conclusão do profissional técnico. Em virtude disso, o autor do parecer pode acabar sendo responsável solidariamente com aquele que a lei atribui o poder de decisão.

Assim, deduz-se que nos casos dos pareceres facultativos, técnicos, normativos e obrigatórios não há corresponsabilidade entre o parecerista e a autoridade competente para decidir, a não ser, que haja dolo ou culpa do parecerista, ou o erro cometido pelo mesmo seja inescusável, grosseiro.

Já, na hipótese de parecer vinculante, caso em que há compartilhamento do poder de decisão, pois o administrador fica vinculado às conclusões emanadas pelo parecerista, os órgãos julgadores têm admitido, em principio, que possa sim, haver responsabilização do profissional técnico conjuntamente com a autoridade competente para exteriorizar o ato administrativo decisório, mas também desde que haja com dolo ou culpa.

Depreende-se, desta forma, que não é qualquer ato opinativo que pode ensejar a responsabilização de seu emissor, mas se faz necessário tratar-se de ato praticado com má-fé ou com negligência, imprudência, imperícia que consubstancie um erro grosseiro, inescusável. Portanto, não há como responsabilizar um parecerista pela emissão de um ato opinativo devidamente fundamentado, pois o direito trata-se de uma ciência não exata que, consequentemente, provoca sobre um só tema várias divergências doutrinárias ou discordâncias de interpretação, e a simples diferença de opinião, não pode servir como base para a responsabilização do emissor de um parecer jurídico.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em sede de considerações finais, diante da pesquisa levada a termo, pode-se firmar que em virtude do direito ser uma “ciência” em mutação, não exata, a diversidade de idéias e posicionamentos divergentes surge constantemente, conforme pode-se perceber ao estudar as obras doutrinárias e pesquisar as jurisprudências dos tribunais.

Diferentemente disso, não é, por vezes, o entendimento dos consultores, advogados e assessores jurídicos e os posicionamentos adotados pelos órgãos julgadores e fiscalizadores.

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Contudo, apesar de existir interpretações e posicionamentos divergentes, a respeito de determinadas questões a serem decididos pela Administração Pública, esses não podem servir como base para a responsabilização do agente ou órgão técnico, que chamado para opinar, emitiu o seu parecer.

Desta forma, tem-se que apenas interpretações diferentes não pode ser fundamento para a responsabilização dos pareceristas.

Os pareceres, de acordo com o demonstrado, podem exteriorizar-se de várias formas, dependendo da necessidade determinada pela lei, podendo ser facultativos, técnicos, obrigatórios, normativos e vinculantes.

No primeiro, facultativo, sua consulta não é obrigatória, mas a autoridade competente para decidir pode o solicitar. As recomendações sugeridas pelo parecerista, neste caso, não vinculam a autoridade podendo ela decidir de acordo com as suas convicções e interesses.

Já, o parecer técnico emitido por agentes ou órgãos especializados na matéria, não podem ser desconsiderados, ficando a autoridade administrativa subordinada às determinações proferidas. 

Diverso dos expostos, tem-se também o parecer obrigatório, neste a consulta é obrigatória, mas sua decisão pode ser praticada de forma contrária a sugerida, desde que submeta a matéria em epigrafe, a novo parecer.

Em suma, o parecer caracteriza-se como um ato individual. Entretanto, este pode transformar-se em geral e ser aplicado a todos os casos idênticos, desde que, o agente público responsável emita ato administrativo competente, homologando-o e, consequentemente, convertendo-o em o parecer normativo.

A última forma analisada foi a vinculante, nesta a consulta é obrigatória e a decisão a ser proferida pela autoridade investida no poder de decisão fica vinculada às conclusões dispostas no parecer.

Vislumbra-se, desta forma, que no parecer vinculante há certo desvio de qualificação jurídica, pois o ato caracterizado como opinativo, acaba vinculando a autoridade competente para decidir, assumindo esta, papel meramente secundário, frente às conclusões dispostas no respectivo parecer.

Em decorrência do exposto, verifica-se que neste tipo de parecer há efetiva repartição do poder de decisão, em consequência disso, pode o parecerista ser indiciado para responder futura ação juntamente com o administrador, pois, no caso, o parecerista também seria administrador.

No entanto, para que isso ocorra há necessidade de avaliar a relação de causalidade estabelecida entre o parecer e o ato administrativo irregular e ilegal praticado, para que não ocorra abusiva responsabilização.

Ainda, a respeito da responsabilização destes profissionais tem-se entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, de que estes podem ser responsabilizados, quando suas manifestações jurídicas estiverem eivadas de má-fé e dolo e, igualmente, nos casos culpa e prática de erro grosseiro injustificável, desde que haja comprovação dos elementos subjetivos.

Constata-se, portanto, que se os pareceristas jurídicos exercerem legitimamente a advocacia, observando os princípios da imparcialidade, igualdade e boa-fé, com opiniões jurídicas fundamentadas em bases doutrinárias e jurisprudenciais, não haverá motivo para responsabilizá-los, pois a singela diferença de opinião jamais poderá sustentar a responsabilização deste profissional.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24073. REL. MIN. CARLOS VELOSO, julgado em 06/12/2002 e publicado no DJ em 30/10/2003.  Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2824073%2ENUME%2E+OU+24073%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 19 de jun. 2011.

_____. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24.631. REL. MIN. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 09/08/2007 e publicado no DJ em 31/01/2008.  Disponível em:                                                          <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2824631%2ENUME%2E+OU+24631%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos>. Acesso em: 19 de jun. 2011.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

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MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato Administrativo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.


ABSTRACT: This research proposes to analyze the responsibility of the issuer related to an opinionated act, called legal opinion, emitted most of the times, after consulting agents or government agencies, with the essential purpose of elucidating, informing, suggesting providences to be established and/or behavior to be practiced by the public administration, or by who represents it, when the practice of an administrative act may externalize itself in various ways, depending on the degree of necessity that the law imposes. This legal opinion, the mere opinionated act, can sometimes blame the issuer together with the competent administrative authority to decide if the damage caused to the public administration were caused by deceit, guilt and / or serious error and it should not characterize reason for accountability mere doctrine differences and / or case law, therefore, it is an inexact science, law, in which differences of opinion about the legal bases are common.

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Key-words: opinion; responsibility; opinion giver.

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Sobre os autores
Charliane Michels

Bacharel em Direito pela UNIDAVI. Pós Graduanda em Direito. Administrativo pelo Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI.

José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MICHELS, Charliane ; CRISTÓVAM, José Sérgio Silva. O parecer jurídico e a atividade administrativa.: Aspectos destacados acerca da natureza jurídica, espécies e responsabilidade do parecerista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3470, 31 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23349. Acesso em: 22 nov. 2024.

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