Recentemente o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso despejou uma “bomba” na mídia nacional, afirmando que preferia morrer a cumprir pena em uma prisão brasileira. Nossa, que susto! Então o Sistema Prisional brasileiro encontra-se nessa situação medonha!? O que é isso!? E ninguém sabia de uma coisa dessas acontecendo debaixo de nossos narizes de Pinóquio!? Ainda bem que vivemos num sistema democrático em que a Imprensa, essa ferramenta indispensável de informação e denúncia, fez ecoar com o destaque merecido essa manifestação assustadora e surpreendente do Excelentíssimo Senhor Ministro, inclusive secundada por diversas confirmações de especialistas de todas as áreas. É, porque era preciso mesmo que tal estado de coisas fosse confirmado, afinal uma novidade medonha dessas, da qual ninguém fazia sequer ideia, precisa ser confirmada por especialistas, com cientificidade e grau de certeza, senão haveria dúvida de que talvez não passasse de alguma brincadeira de mau gosto, não é? Afinal é muita novidade para nossas cabeças!
É claro que não é! É óbvio que não é! O que o Ministro disse é sabido por qualquer pessoa por mais ignara e alienada que seja. Era sabido de outros Ministros da Justiça que ao longo de todo o tempo em que o Brasil existe como nação passaram por esse nobre posto; era sabido de todos os operadores do Direito que trabalham e trabalharam com essa questão, que estão na ativa, que já se aposentaram e que já morreram; é sabido por todos os governantes e políticos em todos os níveis que hoje atuam e que atuaram, que vivem e que já passaram desta para melhor (ou pior). Entretanto, nada jamais foi feito. Nunca a questão foi posta em pauta, sequer posta em pauta, muito menos com ares de urgência como agora parece acontecer. É isso que realmente surpreende. O que será que aconteceu? Por que essa repentina percepção exposta aos quatro ventos sobre o caos do sistema prisional brasileiro? Por que isso agora, justo agora?
Todo mundo sabe que temos no Brasil alguns diplomas legais os quais não sabemos se são bons ou maus. Isso por uma simples razão: nunca foram cumpridos. Dois exemplos ligados ao tema ora em discussão: Lei de Execuções Penais e Estatuto da Criança e do Adolescente. Ninguém sério pode formular uma crítica à efetividade desses diplomas, a não ser em um nível estritamente teórico, discutindo institutos, fazendo talvez alusões a experiências de Direito Comparado. Mas, afirmar com base empírica, que o Estatuto da Criança e do Adolescente ou a Lei de Execuções Penais, embora vigentes há muitos anos, sejam bons ou maus diplomas, sejam ou não capazes de cumprir seus desideratos, isso é impossível afirmar com seriedade, já que nunca foram cumpridos.
Para que os menos avisados não me acusem de loucura, esclareço que não estou falando da aplicação desta ou daquela norma contida nesses diplomas, mas sim do sistema como um todo. Da efetiva aplicação de toda a normatização e, principalmente, do conteúdo principiológico e teleológico desses diplomas.
Será que algum jurista, algum Ministro da Justiça ou qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento não sabe disso? Então que susto é esse com o nosso Sistema Prisional? Que drama é esse? Que novela mexicana de última hora é essa? “Prefiero la muerte a la prisión!!!”
Ah! É que ultimamente, não muitos, mas alguns indivíduos da classe alta, dos meios políticos e empresariais, têm frequentado o cárcere. Na maior parte das vezes brevemente, uma visitinha turística. Mas, agora já há alguns com expectativas mais permanentes, coisas em torno de 10 a 40 anos, que obviamente não serão cumpridos integralmente, mas que já assustam um pouco, não é?
É nessa hora que as prisões brasileiras são “descobertas” como verdadeiras “masmorras”, como “depósitos de gente”, “infernos na terra” ou, como diria um Dostoievski, “verdadeiras casas de mortos”. Que terrível, não? Que absurdo! Que crueldade! É preciso fazer algo urgente!
É mesmo, só que a Lei de Execuções Penais data de 1984 (Lei 7210/84). Ela estabelece, dentre muitas outras coisas, espaços mínimos para ocupação de celas, assistência médica, odontológica e até religiosa aos presos, salubridade, direito ao trabalho, ao estudo, ao lazer, à alimentação condigna, à higiene etc. Ah! E estabelece prazo para cumprimento de suas determinações. Esse prazo é de (pasmem) 6 (seis) meses no termos do artigo 203, da Lei de Execuções Penais. É para rir ou para chorar?
Não havia pressa, havia? De 1984 para cá ou mesmo antes disso, quantos ricos ocuparam essas lúgubres instalações prisionais? Quantos julgamentos similares ao do atual “mensalão” ocorreram no Supremo Tribunal Federal? Não é preciso muito esforço estatístico para a resposta.
De repente há toda uma mobilização pela salubridade das prisões, pela melhoria das condições do sistema prisional e não é de espantar que sejam criados pioneiros projetos – piloto exatamente nas prisões para onde forem levados os “mensaleiros” e outros que tais.
Tomara que esses projetos-piloto não se transformem em mais uns monumentos à desigualdade e à injustiça e que, se não por princípio, ao menos para manter as aparências, as benesses venham a atingir à população prisional como um todo, em sua maioria formada por párias sociais.
Escrever esse texto para dizer tantas obviedades não tem por finalidade contribuir para a cultura jurídica nacional. Trata-se tão somente de um dever moral.