4. Conclusões:
1ª. A possibilidade de atribuição de efeito suspensivo tanto ao recurso de agravo de instrumento quanto ao de apelação, prevista nos arts. 527, III, e 558 do CPC, não tem o condão de inviabilizar o ajuizamento de ação cautelar com idêntica finalidade. Sempre que o mandamento consignado na sentença possa trazer um dano grave ou de difícil reparação para o recorrente, este pode apelar e, paralelamente, se valer de medida cautelar de forma acessória. A medida cautelar inominada, nesse caso, mostra-se cabível para se buscar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, de forma a garantir e proteger o direito objeto da demanda até a decisão final.
2ª. Após a edição da Lei n. 8.952/94, que deu nova redação ao parágrafo único do art. 800 do CPC, não mais se mostra admissível a tese de que a cautelar possa ser apreciada pelo Juiz de primeiro grau, pois esse dispositivo expressa que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”. Pela nova redação, a lei processual não condiciona a competência do tribunal ao juízo de admissibilidade do recurso (apelação) pelo magistrado do primeiro grau ou que os autos do processo principal já tenham subido à corte revisora. A Lei não exige outra condição, para firmar a competência do tribunal, a não ser o simples ato de interposição do recurso.
3ª. Não se pode, a fim de justificar a competência do Juiz de primeiro grau para conhecer da cautelar (com finalidade de emprestar efeito suspensivo à apelação), traçar paralelo com o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, que embora realizado na instância de origem, tem alcance, forma e finalidade bem diferentes daquele que é feito pelo Juiz singular em relação ao recurso de apelação.
4ª. Admite-se que apreciação da cautelar para emprestar efeito suspensivo ao extraordinário e ao especial, quando ainda não admitido o recurso, deve ser submetida ao tribunal local pela razão de que não é o mesmo órgão que realiza o juízo de admissibilidade. A análise da probabilidade da execução imediata do acórdão da câmara ou turma julgadora causar prejuízo ao recorrente é feita pela presidência ou vice-presidência, órgãos distintos de um mesmo tribunal. O que não faz sentido é submeter o requerimento de suspensividade ao mesmo órgão que prolata a decisão da qual se recorre. A cautelar é um acessório do recurso principal, estando a ele vinculada. Sendo assim, não é razoável um instrumento suplementar do recurso ser apreciado pelo próprio produtor da decisão recorrida. Tal situação feriria a lógica da sistemática recursal, que pressupõe a revisão da decisão por outro órgão, diferente do prolator da decisão impugnada. Por isso, não é tecnicamente adequado que a cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação seja intentada perante o Juiz sentenciante, além do que é praticamente inútil submeter a ele o requerimento de suspensividade, pois muito dificilmente o próprio prolator reconhece que sua decisão é potencialmente capaz de causar dano grave ao recorrente, contrariando tudo o que escreveu na sentença.
Recife, 24.01.13
Notas
[1] Sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo Civil, pois enxergam ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido do processo cautelar.
[2] Esse artigo de lei, como se sabe, confere ao relator no tribunal a possibilidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso quando a execução da decisão recorrida puder resultar em lesão grave e de difícil reparação para o recorrente e desde que presente a plausibilidade da fundamentação.
[3] Concessão de efeito suspensivo (ou antecipação de tutela) à apelação dotada apenas de efeito devolutivo. Competência, meios e preclusão, artigo publicado no site Direito Integral. Acessível em: <www.direitointegral.com>. Visitado em 17.01.13.
[4] AgRg no REsp 845877-RO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 12.02.08.
[5] Fevereiro de 2008.
[6] Ainda, da mesma época, pode ser citado: REsp 775.548, rel. Min. Castro Meira. No mesmo sentido: REsp 263.824, rel. Min. Waldemar Zveiter, rel. p. ac. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.
[7] REsp 485.456, rel. Min. Luiz Fux.
[8] STJ-3a. Seção, REsp 1009460-MA, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.02.10, DJe 03.03.10.
[9] Ver, a propósito, artigo de nossa autoria, onde defendemos a faculdade de o Juiz do primeiro grau examinar pedido de suspensão da execução de sua própria sentença (ou ao menos de alguns atos executórios) até o julgamento da apelação, nesses termos:
“Com efeito, o Código contém norma que permite ao relator de recurso no tribunal suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara (art. 558). O parágrafo único desse artigo refere que a mesma medida pode ser aplicada às hipóteses previstas no art. 520 do mesmo Código, ou seja, abrange os casos de apelação recebida apenas no efeito devolutivo. Assim, o cumprimento da sentença pode ser suspenso por ato do relator do recurso, desde que seja relevante o fundamento invocado e do prosseguimento da execução possa resultar lesão grave e de difícil reparação. Ora, se o relator pode atribuir efeito suspensivo ao recurso, é razoável também se entender que o Juiz a quo possa tomar medida que traga o mesmo resultado. Essa regra (art. 558 do CPC) existe dentro do sistema de normas processuais para evitar prejuízos patrimoniais irreversíveis ao executado. A lógica dela é justamente essa: de impedir a consumação de atos que produzam resultados irreversíveis, em termos de prejuízo patrimonial (ao executado). Ora, se existe norma com esse objetivo, nada mais natural que se atribuir ao Juiz da primeira instância a faculdade de, divisando a possibilidade de o prosseguimento dos atos de execução produzir prejuízo incontornável, atribuir efeito suspensivo ao recurso” (em Apelação de sentença que julga improcedentes embargos à execução: possibilidade de atribuição de efeito suspensivo pelo próprio juiz prolator. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3410, 1 nov. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22931>).
Para Araken de Assis, no entanto, não se deve dirigir o pedido ao Juiz do primeiro grau, que não tem competência ope iudicis para concessão do efeito suspensivo:
“A competência para conceder o efeito suspensivo ope iudicis escapa ao órgão a quo, atribuindo-a o art. 558, caput, ao relator. Logo, não é cabível requerê-la ao juiz de primeiro grau e agravar do indeferimento. É da decisão que admite a apelação sem efeito suspensivo que se cogita agravo de instrumento” (em Manual dos Recursos, Editora Revista dos Tribunais, 2º. ed.).
[10] Em Os Agravos no CPC Brasileiro, editora RT, 4ª. edição,
[11] Ob. cit.
[12] Min. José Delgado, do STJ, ao julgar a MC 3791-MG, na 1a. Turma, em 07.0.02, DJ 18.03.02.
[13] Sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo Civil, pois enxergam ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido do processo cautelar.
[14] TJPE, Cautelar Inominada n. 225723-8, rel. Alfredo Sérgio Magalhães jambo, j. 14.7.11. Também podem ser citados, em reforço à tese da competência do Juiz singular, os seguintes precedentes do TJPE: CI n. 0084888-4, CI n. 0191056-5, CI n. 0191049-0, CI n. 0240943-6, CI n. 0175937-5.
[15] Cautelar Inominada n. 70050766328, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, rel. Denise Oliveira Cezar, j. 26.09.12.
[16] Cautelar Inominada n. 70051029957, 14ª. Câmara Cível, TJRS, rel. Roberto Sbravatti, j. 13.09.12.
[17] TJMG, AR n. 1.0000.05.430386-2/001, rel. Fernando Bráulio, j. 15.03.06.
[18] Essa Lei promoveu alterações no CPC, em relação ao processo de conhecimento e processo cautelar. É uma das leis que compõem a chamada reforma do Código de Processo Civil.
[19] O art. 520 é o que trata dos efeitos em que a apelação é recebida, estabelecendo as hipóteses específicas em que deve ser recebida somente no efeito devolutivo.
[20]Meios processuais para a concessão de efeito suspensivo a recurso que não o tem, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais, vol. 8, RT, 2005, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr..
[21] Ob. cit.
[22] Câmara, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III. Lumen Juris Editora. 10ª. Ed. 2006, p. 64.
[23]Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Ed. Forense.
[24] AgRg na MC 17995/SP, rel. Min. Raul Araújo, 4ª. Turma, j. 07.06.11, DJe 01.08.11; AgRg na MC 11.964/SP, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª. Turma, j. 19.09.06, DJ 03.10.06.
[25] Confira-se a ementa abaixo:
"Conforme já se posicionou esta Corte, é viável a prestação jurisdicional em sede de medida cautelar, com a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial, nas hipóteses em que estão caracterizados os requisitos autorizadores da tutela, mesmo que ainda não tenha sido proferido o competente despacho de admissibilidade" (1a. Turma, AGRMC 3911/SC, rel. Min. Francisco Falcão, j. 11.09.01, DJ 18.02.02).
Veja-se ainda:
"PROCESSO CIVIL - CAUTELAR: EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO MAS AINDA NÃO ADMITIDO.
1. Em caráter excepcional, a fim de evitar a perda de objeto do recurso especial, tem o STJ dado a ele efeito suspensivo.
2. Hipótese em que estão presentes os requisitos ensejadores da cautela.
3. Medida liminar acautelatória concedida
(2a. Turma, AGRMC 3968/RJ, rel. Min. Eliana Calmon, ac. un., j. 04.09.01, DJ 29.10.01).
[26] Claro que são casos excepcionalíssimos. Na maioria deles, a cautelar foi concedida para impedir a liberação de quantias vultosas. Nessas circunstâncias, pode ser citado o seguinte precedente: MC 2540/RS, rel. Min. José Delgado, 1a. Turma, v. u., DJ 08.10.01.
[27] Nesse sentido, em relação ao recurso especial: STJ-3a. Turma, AGRMC 3955/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.08.01, DJ 17.09.01.
[28] Maiores explicações sobre os requisitos adicionais de viabilidade da cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso especial, podem ser obtidas no nosso artigo CAUTELAR PARA ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL - um estudo com base na jurisprudência do STJ, no Repertório de Jurisprudência IOB: Civil, Processual, Penal e Comercial – v. 03, n. 7, abr. 2003, São Paulo, p. 179-174. Publicado também no sistema de biblioteca jurídica virtual Busca Legis, da Universidade Federal de Santa Catarina, disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/17555-17556-1-PB.htm
[29] "Incumbe, portanto, ao requerente da medida [cautelar] demonstrar a verossimilhança do que alega, bem como a possibilidade de acolhimento do Recurso Especial a que pretende dar efeito suspensivo" (STJ-1a. Turma, AGRMC 4762-MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 16.04.02, DJ 06.05.02).
[30] Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, desde o princípio de suas atividades jurisdicionais até os dias atuais, seguindo o que já fazia o STF em relação ao recurso extraordinário, vem reiterando o poder do Tribunal de origem para a delibação do mérito do recurso quando da triagem feita no juízo de admissibilidade, conforme se observa:
“I - É possível o juízo de admissibilidade adentrar o mérito do recurso, na medida em que o exame da sua admissibilidade, pela alínea a, em face dos pressupostos constitucionais, envolve o próprio mérito da controvérsia” (STJ-4ª. Turma, Ag. Reg. no Ag. de Inst. nº 228.787/RJ. Órgão julgador: 4ª Turma. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. no DJ em 04/09/2000).
“No exame dos pressupostos gerais e constitucionais do recurso especial, o juízo de admissibilidade originário pode adentrar no mérito recursal” (STJ, AgRg no AI n.º 330.705/SP, Rel. Min. Paulo Medina, 6.ª Turma, DJ de 06.03.06, p. 458).
“Agravo Regimental. RECLAMAÇÃO. INCABIMENTO. CORTE ESTADUAL. JUÍZO PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DE ADENTRAR NO MÉRITO DA PRETENSÃO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. INOCORRÊNCIA. 1. A teor do artigo 105, I, "f", da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões. 2. Cabe à Corte Estadual efetuar o juízo prévio de admissibilidade do recurso especial, revelando-se possível que examine o mérito do pedido, conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não sendo de falar em usurpação de competência. (...) (STJ-3ª. Seção, Agravo Regimental na Reclamação número 1.479/AL, rel. Min. Ministro Paulo Gallotti, j. 12/12/07, p. DJ 19.12.07)
A reiteração dessa jurisprudência fez com que fosse edita a Súmula 123 do STJ, que alargou definitivamente o âmbito do juízo de admissibilidade do recurso especial pelo tribunal inferior, verbis:
“Súmula 123. A decisão que admite, ou não, o recurso especial deve ser fundamentada com exame dos seus pressupostos genéricos e constitucionais” (grifo nosso)
[31] É o que esclarece Athos Gusmão Carneiro, apontando a necessidade de diminuir a imensa leva de recursos sem viabilidade de serem providos que sobem ao STJ:
“E é indispensável para impedir a automática remessa à instância extraordinária de uma pletora de irresignações fadadas, mui provavelmente, ao insucesso. Ante a generosidade com que a legislação brasileira propicia sucessivos recursos (e sucedâneos recursais...), a existência de prévios juízos de triagem afigura-se evidentemente necessária à própria eficácia do processo” (in Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno. 2009, p. 95).