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Cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação ainda não recebida: competência do Tribunal

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25/01/2013 às 09:31
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A apreciação da cautelar para emprestar efeito suspensivo ao extraordinário e ao especial, quando ainda não admitido o recurso, deve ser submetida ao tribunal local, pela razão de que não é o mesmo órgão que realiza o juízo de admissibilidade.

1. Introdução

No presente trabalho procuramos espancar dúvida em torno da competência para o processamento de medida cautelar com finalidade de atribuir efeito suspensivo à apelação, quando esta ainda não subiu ao tribunal ou o Juiz do primeiro grau não exerceu o juízo de admissibilidade do recurso. Quando vislumbra situação de risco de dano de difícil reparação em razão do cumprimento da sentença, a parte (condenada) pode ingressar também com medida cautelar, sendo a apelação desprovida de efeito suspensivo ou havendo demora no seu recebimento. A questão é saber o órgão competente para o conhecimento da cautelar, quando ajuizada nesse período que medeia entre a publicação da sentença e a distribuição do recurso de apelação no Tribunal ad quem.

Parte da doutrina entende que falece competência ao Tribunal para apreciar a medida cautelar, quando, embora já interposta a apelação, esta (com os autos do processo principal) ainda não tenha subido ao órgão revisor, à falta do juízo de admissibilidade recursal pelo Juiz sentenciante. Essa posição tem sido seguida em sede jurisprudencial, pois alguns integrantes de tribunais costumam extinguir as medidas cautelares[1] interpostas nessa condição.

Em contraposição a esse ponto de vista, registramos que, após a edição da Lei n. 8.952/94, que deu nova redação ao parágrafo único do art. 800 do CPC, não mais se mostra admissível a tese de que a cautelar possa ser apreciada pelo Juiz de primeiro grau, pois esse dispositivo expressa que “interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal”. Ainda fazemos considerações sobre a inutilidade de cautelar que fosse dirigida ao próprio prolator da decisão recorrida, bem como invocamos a lição de renomados doutrinadores. Por fim, mostramos que a tendência jurisprudencial é no sentido inverso, pois já há precedente do STJ confirmando que medida cautelar para dotar a apelação de efeito suspensivo deve ser ajuizada diretamente no Tribunal, em todo e qualquer caso.

Antes de esmiuçarmos a questão da competência, também analisamos o próprio cabimento da medida cautelar. Isso porque existe séria discussão se o processo cautelar pode ser utilizado para dotar a apelação de efeito suspensivo. Para muitos, depois da Lei 9.139/95, que, ao dar nova redação ao art. 558 (e seu parágrafo único)[2] e instituir a faculdade para o relator, no tribunal, de conferir efeito suspensivo à apelação, não há mais sentido ou razão lógica se valer do processo cautelar para alcançar essa mesma finalidade, se o objetivo pretendido pode, agora, ser atingido mediante simples petição ou requerimento. Concluímos que, apesar dessa ampliação dos meios processuais para se atribuir efeito suspensivo à apelação, ainda perduram situações em que o direito da parte (apelante) pode ficar comprometido se lhe for negada a via cautelar. Na grande maioria dos casos, a parte (recorrente) pode requerer que a apelação seja recebida também no efeito suspensivo, esperando por um pronunciamento do Juiz da primeira instância e, na hipótese de indeferimento, interpor agravo de instrumento. Mas existem situações excepcionais, em que o pronunciamento do Juiz pode demorar excessivamente, configurando-se o prejuízo ou o risco iminente ao direito do recorrente. Além disso, o exame que o Juiz do primeiro grau faz é sempre um juízo vinculado (ope legis), limitando-se a examinar qual a previsão legal de efeitos para a hipótese recursal que lhe é submetida. O magistrado do primeiro grau em regra não desenvolve o juízo de admissibilidade do recurso sob a ótica da probabilidade de risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente. Por outro lado, é praticamente inútil submeter pedido de suspensividade ao Juiz sentenciante, o qual dificilmente reconhece que sua própria decisão é potencialmente capaz de gerar danos imediatos ao recorrente. 

Essa compreensão do problema como um todo, leva à conclusão do cabimento da ação cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação, quando os autos desta ainda estiverem na primeira instância, devendo o ajuizamento ser feito diretamente no tribunal.

Adiante exploramos em maiores detalhes todos esses aspectos, apresentando as conclusões ao final.


2. Do cabimento de medida cautelar como meio para atribuir efeito suspensivo à apelação

Não é pacífica a admissão do uso de medida cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso, mesmo no período que medeia entre a interposição do apelo e sua distribuição ao relator no segundo grau. Como lembra o advogado Amílcar Nadu[3], o STJ começou restringindo a via cautelar como meio processual para se atribuir efeito suspensivo a recurso. Para a Corte superior, somente através do agravo de instrumento da decisão que declara os efeitos em que a apelação é recebida é que se poderia, antes deste recurso chegar ao tribunal, requerer a suspensão dos efeitos da sentença. O entendimento prevalecente era o de que a extensão da suspensividade para outros meios processuais os transformaria em verdadeiros sucedâneos recursais, além de importar em burla do prazo preclusivo (de dez dias) previsto em lei para o agravo (CPC, art. 522). Confira-se na ementa abaixo:

“AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO SEM EFEITO SUSPENSIVO. MEDIDA CAUTELAR. INCABÍVEL. HONORÁRIOS.

1. Não cabe ação cautelar visando emprestar efeito suspensivo a apelação que não o tem. Adequada, no sistema do Código de Processo Civil, é a interposição de agravo de instrumento contra a decisão do Juiz que declara os efeitos em que recebe o apelo

2. Ajuizada ação manifestamente incabível e citado o réu, a sentença que declara a extinção do processo deve condenar o autor no pagamento de honorários”[4].

Como o acórdão acima demonstra, não havia, à época em que foi proferido[5], divergência a respeito do não cabimento de ação cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação (destituída de tal atributo)[6]. Essa posição era reforçada pela constatação de que, após a Lei n. 9.139/95, foi introduzida no sistema processual a previsão de suspensão do cumprimento da decisão (ou sentença) pelo relator do recurso, no tribunal. Diante da possibilidade de concessão imediata de efeito suspensivo ope judicis pelo relator do recurso, o entendimento era realmente o de que a apelação ou o agravo contra o despacho de inadmissão (ou que declara os efeitos do recurso), “não poderiam ser substituídos pela propositura de ação cautelar autônoma”[7].       

Paulatinamente, parece que o rigorismo dessa jurisprudência foi sendo alquebrado, pela constatação de que “os mecanismos de proteção do jurisdicionado contra lesões graves ou de difícil reparação devem ser observados de maneira mais ampliativa”. A necessidade de se prestar ao cidadão uma tutela adequada deve soprepujar entendimento mais restritivo, que inviabilize a utilização da cautelar. Essa é a orientação que se observa em acórdão mais recente, da relatoria da Min. Nancy Andrighi, com a seguinte ementa:   

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO E AUTORIZA O LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO JUDICIAL REALIZADO PELO RECORRENTE, INDEPENDENTEMENTE DE CAUÇÃO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR COM O INTUITO DE ATRIBUIR DE SUSPENDER OS EFEITOS DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE.

- Os mecanismos de proteção do jurisdicionado contra lesões de grave ou difícil reparação devem ser observados de maneira ampliativa, à luz da garantia constitucional do direito de ação, prevista no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, com o intuito de possibilitar a todos o amplo acesso a uma tutela jurisdicional adequada, assim entendida como aquela capaz de reparar ou evitar de maneira efetiva a lesão ou ameaça ao direito do cidadão.

- A possibilidade de atribuição de efeito suspensivo tanto ao recurso de agravo de instrumento quanto ao de apelação, prevista nos arts. 527, III, e 558 do CPC, não tem o condão de inviabilizar o ajuizamento de ação cautelar com idêntica finalidade.

- Recurso especial provido para reconhecer o cabimento da propositura da ação cautelar perante o TJ/MA”[8].

 O STJ não poderia seguir caminho jurisprudencial diferente. Embora existindo no sistema processual vigente outros meios eficazes para se atribuir efeito suspensivo à apelação, a possibilidade de utilização da cautelar se impõe em razão da variedade de situações de risco que pode ocorrer para a parte sucumbente, em virtude da execução provisória da sentença recorrida. Na grande maioria dos casos, a parte (recorrente) pode requerer que a apelação seja recebida também no efeito suspensivo, esperando por um pronunciamento do Juiz da primeira instância e, na hipótese de indeferimento, interpor agravo de instrumento. Mas existem situações excepcionais, em que o pronunciamento do Juiz pode demorar excessivamente, configurando-se o prejuízo ou o risco iminente ao direito do recorrente.

Além disso, o exame que o Juiz do primeiro grau faz é sempre um juízo vinculado (ope legis), limitando-se a examinar qual a previsão legal de efeitos para a hipótese recursal que lhe é submetida. O magistrado do primeiro grau em regra não desenvolve o juízo de admissibilidade do recurso sob a ótica da probabilidade de risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente. Imagine-se, por exemplo, a hipótese de sentença que confirma tutela antecipada, para a qual só cabe apelação no efeito devolutivo (art. 520, VII, CPC). O Juiz sentenciante, ao receber o recurso, vai se limitar a referenciar essa regra.

É claro que não existe impedimento legal a que o Juiz desenvolva um exame do pedido de suspensão em si, apreciando a relevância do fundamento invocado e se do prosseguimento da execução (cumprimento da sentença) pode resultar lesão grave e de difícil reparação para o recorrente[9]. Todavia, é praticamente inútil submeter pedido de suspensividade ao Juiz sentenciante, o qual dificilmente reconhece que sua própria decisão é potencialmente capaz de gerar danos imediatos ao recorrente. A propósito dessa inutilidade prática de se submeter o requerimento de efeito suspensivo ao Juiz ao quo, adverte a Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier:

“Primeiramente, porque a medida seria, na prática, inútil. Em segundo lugar, porque não é de boa técnica exigir-se de um juiz, que, v.g., apenas proferiu sentença de mérito, baseado em cognição exauriente, dizendo não assistir razão ao autor (julgando improcedente o pedido), que vislumbre fumus boni juris na apelação desse mesmo autor, contrariamente a tudo quanto resolveu na sentença”[10].

Com esse sentir, embora advertindo que a decisão relativa “aos efeitos em que a apelação é recebida” deve ser atacada pela via do agravo de instrumento, na forma do que prescreve o art. 522 do CPC, defende a possibilidade de ajuizamento de medida cautelar dirigida ao tribunal ad quem quando não prestada a tutela tempestiva pelo Juiz:

“Com isso, não se descarta, contudo, que, presentes os respectivos pressupostos, a parte ajuize medida cautelar, com o intuito de suspender os efeitos de sentença contra a qual se apelou. Pense-se, por exemplo, na hipótese de sentença executiva lato sensu ou mandamental, que estabeleça medidas graves, a serem realizadas de imediato. Interposta apelação pelo réu, pode ocorrer que, por vários motivos – Juiz enfermo, quantidade expressiva de processos etc. -, a decisão contra a qual a parte poderia agravar não venha a ser proferida de imediato. Em casos assim, presente o periculum in mora, deve ficar aberta à parte a possibilidade de ajuizar medida cautelar. Solução diversa, que pudesse criar embaraço intransponível à parte, se afiguraria inconstitucional”[11].  

Não há dúvida, portanto, que sempre que o mandamento consignado na sentença possa trazer um dano grave ou de difícil reparação para o recorrente, este pode apelar e, paralelamente, se valer de medida cautelar de forma acessória. A medida cautelar inominada, nesse caso, mostra-se cabível para se buscar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, de forma a garantir e proteger o direito objeto da demanda até a decisão final. Inadmissível seria sacrificar medida indispensável à efetividade da prestação jurisdicional por meras questões de procedimentos recursais. "A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico. Portanto, o poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional”[12].

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3. Competência para apreciação da medida cautelar com finalidade de atribuir efeito suspensivo à apelação

Superada a questão quanto ao cabimento do processo cautelar de forma acessória ao recurso de apelação, trataremos, a partir daqui, da definição do órgão competente para processá-la, quando ajuizada no período que medeia entre a publicação da sentença e a distribuição do recurso no Tribunal ad quem.

Parte da doutrina entende que falece competência ao Tribunal para apreciar a medida cautelar, quando, embora já interposta a apelação, esta (com os autos do processo principal) ainda não tenha subido ao órgão revisor, à falta do juízo de admissibilidade recursal pelo Juiz sentenciante. Sérgio Bermudes é um dos expoentes dessa corrente, quando diz:    

“A medida cautelar em apelação só poderá ser requerida ao Tribunal quando o recurso já tiver subido, de modo que enquanto o apelo estiver sendo processado em primeira instância, a competência para o exercício geral de cautela é do juiz singular” (RT 846/374, Código de Processo Civil, Theotônio Negrão, 72ª. ed., 2010, pág. 879).

Essa posição tem sido seguida em sede jurisprudencial, pois alguns integrantes de tribunais costumam extinguir as medidas cautelares[13] interpostas nessa condição, conforme denota acórdão da 3ª. Câmara Cível do TJPE, cuja ementa está assim redigida:

“Processual Civil. Ação cautelar inominada. Competência. Apelação que se encontra em 1ª. instância. Incidência do § único do art. 800 do CPC. Extinção da ação sem apreciação do mérito com fulcro no art. 267, inciso IV do CPC. Ausência do pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido do processo. 1. Ação cautelar; 2. Encontrando-se a apelação em 1ª instância, cabe ao juízo de piso apreciar eventual pedido de medida cautelar; 3. Incidência do § único do art. 800 do CPC; 4. Extinção da ação sem apreciação do mérito, com fulcro no art. 267, inciso IV do CPC”[14].

Ainda podem ser citados acórdãos de outros tribunais, como por exemplo os seguintes arestos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. INTERPOSIÇÃO DIRETAMENTE NO TRIBUNAL. ARTIGO 800, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. RECURSO DE APELAÇÃO AINDA EM PROCESSAMENTO NA ORIGEM. DESCABIMENTO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. O ajuizamento de medida cautelar perante o Tribunal de Justiça somente é admissível nas hipóteses de competência originária ou quando esteja o feito tramitando em instância recursal. Exegese do artigo 800, parágrafo único, do CPC. Caso concreto em que, julgada improcedente a ação, o recurso de apelação ainda pende de admissibilidade na origem. Incompetência deste tribunal para o exame da questão. Carência de ação, processo extinto. Ação julgada extinta sem julgamento do mérito”[15].

“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. INDEFERIMENTO DA INICIAL.

Em que pese a interposição de apelo pelo requerente, tal recurso ainda se encontra sob processamento no primeiro grau de jurisdição. Ação cautelar que esbarra no quanto do disposto no art. 800, parágrafo único, do CPC. Indeferimento da inicial, na forma dos arts. 267, IV, e 295, III, do CPC. Extinção do processo sem resolução do mérito”[16].

Do Tribunal de Minas Gerais:

“AÇÃO CAUTELAR. REQUERIMENTO DIRETAMENTE AO TRIBUNAL. ART. 800, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. A cautelar é sempre dependente do processo principal, e só se justifica o seu requerimento diretamente ao tribunal quando em trâmite o recurso de apelação perante o tribunal, cabendo a distribuição daquela ao mesmo relator desta (art. 800, parágrafo único do CPC)”[17].

Como se observa, não se trata de jurisprudência esparsa, mas de parte expressiva da jurisprudência nacional, a qual prega que quando o recurso de apelação ainda se encontra na instância de piso, e não foi sequer submetido ao juízo de admissibilidade, ação cautelar proposta diretamente no tribunal deve ser extinta em virtude da ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.

Ousamos discordar desse posicionamento, por entendermos que a cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação deve, em todo e qualquer caso, ser interposta perante o tribunal, único órgão que detém competência para apreciá-la e julgá-la.

Tal entendimento decorre da modificação no parágrafo único do art. 800 do CPC pela Lei n. 8.952, de 13.12.94[18], que agora tem a seguinte redação:

“Art. 800.  As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.

Parágrafo único.  Interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal” (grifo nosso).  

Como se observa, a lei processual não condicionou a competência do tribunal ao juízo de admissibilidade do recurso (apelação) pelo magistrado do primeiro grau ou que os autos do processo principal já tenham subido à corte revisora. A Lei não exige outra condição a não ser o simples ato de interposição do recurso.   

Portanto, não há mais dúvida quanto à competência dos tribunais locais (estaduais e regionais) para conhecer de medidas cautelares destinadas a emprestar efeito suspensivo a recurso de apelação. Tal competência decorre da letra da lei (§ único do art. 800 do CPC), que não mais deixa dúvida quanto à interpretação da norma, diante da clareza do dispositivo em questão. Inexistindo recurso contra a sentença do Juiz que tem competência originária para conhecer da ação principal, a cautelar tem que ser interposta perante ele mesmo. Mas, havendo recurso já interposto, a competência se desloca para o tribunal a quem caberá conhecer do apelo. Antes da mudança legislativa, a dúvida se instalou em razão de que a redação do parágrafo único do art. 800 exigia que a causa (o processo principal) já estivesse no tribunal, devendo, nesse caso, a cautelar ser distribuída para o mesmo relator. Observe-se como era a redação anterior:

“Parágrafo único. Nos casos urgentes, se a causa estiver no tribunal, será competente o relator do recurso”.      

Nessa perspectiva da redação antiga da norma, é que se justificou a formação da jurisprudência no sentido de que a cautelar só não poderia ser conhecida pelo juízo recorrido quando já em trâmite no tribunal, inclusive com relator sorteado, o recurso de apelação. Não há mais razão para que a jurisprudência continue inalterada.

Por outro lado, não tem sentido ou razão prática a interpretação de que a medida cautelar só é de competência do tribunal quando os autos da apelação já houverem subido ao tribunal. Isso porque, nessa situação o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação já pode ser feito diretamente ao relator, diante da faculdade prevista no art. 558 e seu parágrafo único do CPC. Esse artigo de lei, como se sabe, confere ao relator no tribunal a possibilidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso quando a execução da decisão recorrida puder resultar em lesão grave e de difícil reparação para o recorrente e desde que presente a plausibilidade da fundamentação. Observe-se a redação:        

“Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

Parágrafo único.  Aplicar-se-á o disposto neste artigo as hipóteses do art. 520[19]”.

Vê-se, portanto, que uma vez chegando ao tribunal os autos da apelação, não há mais necessidade sequer da utilização de um processo cautelar autônomo, pois o próprio sistema processual prevê meio adequado para o interessado (apelante) requerer a suspensão dos efeitos da sentença recorrida, o que pode ser feito através de simples petição dirigida ao relator. Na verdade, já estando a apelação no tribunal, o apelante nem sequer pode ingressar com cautelar exclusivamente para fins de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por lhe faltar interesse de agir. Se tem à sua disposição o remédio próprio, que é o pedido de suspensão com base no art. 558 do CPC (seu parágrafo único), a cautelar não mais se mostra como meio processual adequado ou necessário, não podendo ser utilizada, como esclarece Leonardo José Carneiro da Cunha:

“Quando a apelação já tiver desencadeado a remessa dos autos ao tribunal, estando em poder do relator, não se afigura mais cabível a ação cautelar. É que o pedido de efeito suspensivo, fundado no parágrafo único do art. 800 do CPC, pode ser feito por petição, despontando a desnecessidade da propositura da ação cautelar. Nesse caso, faltará à ação cautelar o indispensável interesse de agir, eis que este somente estará presente se houver necessidade da providência jurisdicional, além de sua utilidade e da corrente adequação do correspondente procedimento”[20].

A utilização da medida cautelar, portanto, deve ser reservada ao momento em que a apelação ainda não chegou ao tribunal, embora já tendo sido interposta na origem. Interposto o recurso de apelação, o efeito devolutivo transfere o conhecimento da matéria recursal para o tribunal, perante o qual deve ser intentada a medida cautelar, como também ensina Leonardo José Carneiro da Cunha:

“Interposta a apelação, opera-se o efeito devolutivo, tendo a matéria sido transferida ao conhecimento do tribunal. Significa que, a partir desse momento, a cautelar que se faça necessária deverá ser intentada diretamente no tribunal, vindo o seu relator a ficar prevento para a apelação.

Diante do fumus boni juris e do periculum in mora, poderá o relator da cautelar, verificando ser relevante o fundamento da apelação e divisando risco de grave lesão ou de difícil reparação, conceder a liminar destinada a comunicar efeito suspensivo à apelação que dele desprovida”[21].     

Alexandre Freitas Câmara também se posiciona no sentido de que compete à segunda instância o julgamento da cautelar antes de a apelação ser recebida no tribunal:

“Problema maior surge, porém, quando a demanda cautelar é ajuizada após a interposição do recurso, mas antes do momento em que o mesmo chega ao tribunal. Basta pensar, por exemplo, em demanda cautelar ajuizada quando está em curso para que o apelado apresente suas contra-razões ao recurso interposto contra a sentença. Não é pacífica a solução do problema, mas a nosso sentir será competente, ainda aqui, o tribunal a que couber a competência para apreciar o recurso já interposto. Isto se deve ao fato de a lei processual (art. 800, parágrafo único, do CPC) ser clara ao estabelecer, como fato determinante da fixação da competência do tribunal, a interposição de recurso contra a sentença”[22].

Para Barbosa Moreira, a competência para apreciar a eficácia da sentença é do tribunal, que pode ser acionado mediante simples petição instruída com documentos, para que a corte se pronuncie sobre a medida suspensiva:

“A demora no processamento da apelação, até que os autos cheguem ao relator, pode criar dificuldade para o apelante interessado em obter a suspensão. Um modo de obviá-la é admitir que, durante a tramitação do recurso em primeiro grau, o apelante formule o requerimento de suspensão, devidamente instruído, ao órgão ad quem, para que o relator sorteado ‘delibere somente sobre a medida suspensiva”[23].

Em sede jurisprudencial, o próprio STJ já deu a interpretação mais escorreita ao art. 800 do CPC, ao dizer que não compete ao Juiz de primeiro grau processar e julgar medida cautelar que visa atribuir efeito suspensivo a recurso apelatório, ajuizada no período entre a publicação da sentença e distribuição do recurso de apelação no Tribunal ad quem, conforme demonstra a ementa abaixo transcrita:

“PROCESSO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. SENTENÇA PROFERIDA. APELAÇÃO INTERPOSTA. EFEITOS. TRIBUNAL COMPETENTE. ART. 800, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. 1. Cessando a jurisdição do juiz singular com a prolação de sentença e tendo a parte irresignada interposto recurso de apelação, eventual medida cautelar deverá ser ajuizada diretamente no Tribunal ad quem, com caráter incidental ao recurso interposto. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e provido”.    

Nesse sentido, o simples ato de interposição da apelação, já é, por si só, suficiente para configurar a competência do Tribunal para a apreciação da cautelar.

Por fim, aproveitamos a última parte deste trabalho para afastar o argumento de que, à semelhança com o que o ocorre com a cautelar para emprestar efeito suspensivo a recurso especial e recurso extraordinário, essa medida deve ser intentada perante o órgão judicial a quo quando utilizada com a finalidade de atribuir efeito suspensivo a recurso de apelação. Os defensores da tese de que é o Juiz singular o competente para apreciar a ação cautelar, na hipótese de a apelação ainda não haver subido ao tribunal, traçam uma analogia com a situação de recurso especial ou extraordinário ainda não admitido na origem, circunstância que, segundo o STJ e o STF, firma a competência do tribunal local para conhecer da cautelar com o objetivo de emprestar-lhes efeito suspensivo.

Essa analogia, no entanto, não é válida, pois nem sempre a falta de juízo de admissibilidade pelo tribunal local firma a competência deste para apreciação da medida cautelar com objetivo de emprestar efeito suspensivo a recurso especial. O STF tem jurisprudência mais rigorosa, em relação à admissibilidade de medidas cautelares, pois só admite a sua interposição quando admitido o recurso extraordinário na origem. Já o Superior Tribunal de Justiça concebe a interposição da medida cautelar antes de admitido o recurso especial, em circunstâncias excepcionais. De um modo geral, a jurisprudência do STJ é no sentido de que a competência daquela corte somente se firma, para apreciar cautelar com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso especial, quando já ocorrente o “juízo positivo de sua admissibilidade pela Corte de origem[24]. Mas tem admitido, em circunstâncias excepcionais, apreciar medida cautelar quando o recurso ainda está pendente de despacho de admissibilidade na corte inferior[25]. Alguns julgados do STJ confirmam a concessão de liminar cautelar antes mesmo de ser interposto o recurso especial[26]. Ora, se nem sempre o STJ tem reconhecido que a sua competência para apreciar cautelar depende de prévio exercício do juízo de admissibilidade no tribunal a quo, não se pode afirmar que a cautelar para emprestar efeito à apelação estaria sempre condicionada à definição dos efeitos em que recebe o recurso pelo Juiz singular.

Mas outras circunstâncias impedem a analogia com a cautelar para atribuir efeito suspensivo a recurso especial e recurso extraordinário. É que cautelar com essa finalidade tem feição bem mais estreita, em razão das peculiaridades do recurso especial e do extraordinário, que são formas de impugnação para instâncias extraordinárias (STJ e STF), mediante condições excepcionais e preenchimento de requisitos extremamente formais. A acessoriedade que caracteriza esse tipo de medida cautelar também a faz sofrer outros tipos de restrições, decorrentes dos pressupostos específicos previstos para o recurso especial e o extraordinário previstos na Constituição (arts. 102, III, e 105, III) e nas súmulas e regimentos internos do STJ e STF. Os pressupostos de admissibilidade recursais transportam-se para a cautelar, pela razão de que o relator realiza um exame da viabilidade do recurso. Na hipótese de medida cautelar ajuizada com objetivo de atribuir efeito suspensivo a recurso especial ou extraordinário, o relator procede a um juízo prévio de viabilidade do recurso extremo, pois, “apresentando-se este manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante do tribunal superior, o seu aparente insucesso prejudica a admissibilidade do pedido cautelar”[27]. Assim, pode-se afirmar que além dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, a cautelar com objetivo de emprestar efeito suspensivo a recurso especial ou extraordinário deve conter um requisito adicional, que é a demonstração da viabilidade de admissão do recurso[28]. Estando vinculada ao especial ou extraordinário, a petição da cautelar deve reportar-se à tese jurídica veiculada por meio do recurso, demonstrando haver, no conteúdo do acórdão do tribunal estadual ou regional recorrido, negativa de vigência a preceito de lei federal (no caso do REsp) ou violação a preceito da Constituição (no caso do ReExt). Em outras palavras, não só a plausibilidade da tese jurídica deve ficar demonstrada, mas também que sua formulação atende aos pressupostos de admissibilidade do recurso especial[29] ou do recurso extraordinário. Na cautelar específica para atribuir suspensividade ao recurso extremo, o requisito do "fumus boni juris" é uma conjunção de dois fatores: a plausibilidade jurídica da tese e a viabilidade do recurso.

Isso explica porque o STF e o STJ exigem o prévio juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e do especial no tribunal a quo, como condição para apreciarem a cautelar com a finalidade de emprestar efeito suspensivo. O relator da cautelar tem que ter uma percepção da viabilidade do recurso, que só fica caracterizada quando é realizado o juízo de admissibilidade (de forma positiva).

Outro aspecto serve para afastar a analogia entre a cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação e aquela utilizada para conferir o mesmo atributo aos recursos dirigidos às instâncias extraordinárias. Diz respeito à forma e amplitude do juízo de admissibilidade desses recursos. Tanto o recurso especial quanto o recurso extraordinário envolvem juízo de admissibilidade totalmente distinto do que é exercido pelo Juiz singular ao receber apelação.

O juízo de admissibilidade que o Juiz do primeiro grau realiza ao receber a apelação traduz-se num exame vinculado (ope legis), praticamente limitando-se a reconhecer a previsão legal de efeitos para a hipótese recursal que lhe é submetida. Já o exame que é feito na corte local em relação ao recurso especial e o extraordinário, tem características bem mais amplas, envolvendo não somente os pressupostos recursais específicos, mas também o próprio mérito da peça recursal[30]. Essa incursão no mérito da pretensão recursal se explica em razão da necessidade de se fazer uma espécie de triagem, nos tribunais locais, dos recursos enviados para as instâncias extraordinárias[31]. O Tribunal inferior, ao realizar o juízo de admissibilidade, efetivamente desenvolve uma análise prévia sobre o mérito da pretensão recursal, para impedir o aporte e uma desnecessária remessa de recursos aos tribunais superiores com grande possibilidade de não serem providos ou sequer serem conhecidos.

Essa é mais uma circunstância que denota porque o STF e o STJ exigem o prévio juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e do especial no tribunal a quo, como condição para apreciarem a cautelar com a finalidade de emprestar efeito suspensivo. É preciso que seja feita, antes, essa triagem (exame meritório) do recurso na origem, para que o relator possa decidir sobre a cautelar. Seria ilógico e contra-producente apreciar cautelar quando não caracterizada a adequação meritória do recurso, pelo juízo de admissibilidade prévio na instância inferior.

É de se observar, em última análise, que o juízo prévio de admissibilidade dos recursos para as instâncias extraordinárias (recurso especial e recurso extraordinário) não é feito pelo mesmo órgão que produz o decisum recorrido, ao contrário do que ocorre com a apelação. O exame do preenchimento dos pressupostos do recurso especial e do extraordinário não é levado a efeito pela câmara ou turma que profere o julgado (acórdão) impugnado, mas pela presidência ou vice-presidência do Tribunal (na conformidade dos artigos 541 e 542, § 1.º, do CPC). Na apelação, é o próprio Juiz sentenciante quem aprecia o cabimento e adequação do recurso contra sua sentença. Em matéria de recurso para as instâncias extraordinárias (STJ e STF), o órgão que emite juízo positivo ou negativo de admissibilidade ao recurso interposto é outro distinto daquele que julga. São órgãos fracionários distintos, embora de um mesmo tribunal, o que realiza o julgamento e o que examina as condições de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário interposto.

Essa, portanto, é mais uma circunstância que aponta para a dessemelhança entre o juízo de admissibilidade que é feito em relação à apelação e aquele que é realizado em vista dos recursos especial e o extraordinário. Admite-se que apreciação da cautelar para emprestar efeito suspensivo ao extraordinário e ao especial, quando ainda não admitido o recurso, deve ser submetida ao tribunal local pela razão de que não é o órgão prolator do acórdão recorrido que realiza o juízo de admissibilidade. A análise da probabilidade da execução imediata do acórdão da câmara ou turma julgadora causar prejuízo ao recorrente é feita pela presidência ou vice-presidência, órgãos distintos de um mesmo tribunal. O que não faz sentido é submeter o requerimento de suspensividade ao mesmo órgão que prolata a decisão da qual se recorre. A cautelar é um acessório do recurso principal, estando a ele vinculada. Sendo assim, não é razoável um instrumento suplementar do recurso ser apreciado pelo próprio produtor da decisão recorrida. Tal situação feriria a lógica da sistemática recursal, que pressupõe a revisão da decisão por outro órgão, diferente do prolator da decisão impugnada.

Diga-se, portanto, em conclusão, que não se pode, a fim de justificar a competência do Juiz de primeiro grau para conhecer da cautelar (com finalidade de emprestar efeito suspensivo à apelação), traçar paralelo com o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, que embora realizado na instância de origem, tem alcance, forma e finalidade bem diferentes daquele que é feito pelo Juiz singular em relação ao recurso de apelação. 

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Cautelar para emprestar efeito suspensivo à apelação ainda não recebida: competência do Tribunal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3495, 25 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23537. Acesso em: 2 nov. 2024.

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