Se comparado a outros ramos, o direito digital ainda é um ramo extremamente novo do direito, despertando inúmeras dúvidas sobre sua aplicação.
Um tema que ainda gera grande confusão entre os operadores do direito é a responsabilidade do provedor de conteúdo por informações postadas por terceiros.
Primeiramente é importante ressaltar que existem vários tipos de provedores que compõe a internet, sendo que o provedor de conteúdos é um destes.
Provedor de conteúdo é aquele que, dentre outras coisas, disponibiliza informações, opiniões e comentários de seus usuários. Podemos citar como exemplo as redes sociais e os fóruns.
Um dos primeiros casos sobre difamação na internet que chegou aos tribunais foi o caso Cubby, Inc, x CompuServe, julgado na Corte Distrital de Nova York.
Naquela oportunidade concluiu-se que o provedor de conteúdo não tinha responsabilidade pelo conteúdo das informações postadas em seu sistema, uma vez que não teve oportunidade de analisar o conteúdo antes da postagem. [1]
No Brasil, inicialmente adotou-se o entendimento de que o provedor de conteúdo tinha o dever de vigilância sobre o conteúdo postado em seu sistema, responsabilizando-se por tudo que fosse postado em seu site/blog/fórum.
Contudo, este posicionamento vem sendo alterado, sobretudo após decisão do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 1.193.764-SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi. [2]
Após referido julgamento, a jurisprudência pátria vem consolidando o entendimento de que a fiscalização do conteúdo das informações postadas por cada usuário não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, razão pela qual os provedores de serviços não podem ser previamente responsabilizados.
Neste sentido o entendimento do professor Rui Stocco, que leciona que o provedor de conteúdo age como mero intermediário, repassando mensagens transmitidas por terceiros, não podendo ser responsabilizado por eventuais excessos. [3]
Consolidou-se, ainda, o entendimento de que o controle editorial prévio do conteúdo das informações se equipara à quebra do sigilo das informações, matéria constitucionalmente tutelada.
Paulo Nader também questiona a viabilidade de impor essa conduta aos provedores, levantando, ainda, a questão da censura, tão repudiada no Estado Democrático de Direito. [4]
Em que pese a plausibilidade dos entendimentos supramencionados, certo é que a internet não pode continuar a ser considerada “terra de ninguém”, sendo utilizada como local para disseminação de ofensas.
Embora não possuam responsabilidade prévia pelo conteúdo postado em seus sistemas, os provedores de conteúdo devem, assim que tomarem ciência, retirar imediatamente qualquer conteúdo ilícito de seu sistema, sob pena de responsabilização.
Esse é o entendimento, por exemplo, da advogada Patrícia Peck Pinheiro, pioneira em direito digital no Brasil. [5]
Este foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no já citado REsp nº 1.193.764-SP. Vejamos um resumo do voto da ministra Nancy Andrighi:
“Em suma, pois, tem-se que os provedores de conteúdo: (i) não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações ilegais; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações postadas no site por seus usuários; (iii) devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos; (iv) devem manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será avaliada caso a caso.” (Grifo Nosso)
Importante ressaltar que a matéria ainda é regulada pela Jurisprudência, existindo, porém, projetos de lei em trâmite no Congresso que preveem exatamente essas diretrizes, tratam-se dos PL 4.906/01 e do PL 2.126/11, este último conhecido como Marco Civil da Internet.
No entanto, enquanto o projeto de lei não for aprovado e sancionado, caberá ao Poder Judiciário decidir sobre o tema, sendo certo que o Recurso Especial nº 1.19.764-SP servirá de norte para futuras decisões.
Vale destacar que o Marco Civil da Internet, prevê que os provedores de conteúdo só serão responsabilizados se a ordem de retirada for emanada por decisão judicial.
No nosso entendimento, a aprovação do projeto, nestes termos, será um grande retrocesso, afinal, imporá um óbice a mais para a retirada do conteúdo ofensivo do ar.
Enquanto a ofensa se espalha em minutos na internet, conseguir uma tutela antecipada e cientificar o provedor de conteúdo da mesma pode demorar dias.
Ressalta-se, ainda, que o Marco Civil da Internet prevê a responsabilidade criminal dos provedores de conteúdo, o que levará a responsabilização das pessoas envolvidas na direção dos provedores, uma vez que pessoas jurídicas não podem responder criminalmente.
Comungamos do entendimento do STJ, ou seja, de que os provedores de conteúdo não podem ser responsabilizados previamente pelo conteúdo das informações postadas por terceiros em seus sistemas.
Contudo, ao serem cientificados do teor das postagens, devem retirar o conteúdo do ar imediatamente, sob pena de responderem de forma solidária com relação aos eventuais danos ocasionados.
Discordamos do artigo 15 do PL 2.126/11, que prevê que os provedores de conteúdo só serão responsabilizados pela não retirada de um conteúdo do ar se o pedido for oriundo de uma ordem judicial, entendendo que tal medida burocratizará a questão, além de movimentar o Poder Judiciário com questões que podem ser resolvidas com uma simples notificação extrajudicial.
Outra questão importante é a criação de ferramentas para que postagens ofensivas possam ser identificadas, informadas e imediatamente retiradas. Afinal, não adianta nada instituir uma responsabilização em caso de ciência do conteúdo sem que existam meios de cientificar o provedor sobre os mesmos.
NOTAS:
[1] FILHO, Demócrito Reinaldo. A jurisprudência brasileira sobre responsabilidade do provedor por publicações na internet. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/18513. Acesso em 12 dez. 2.012;
[2] STJ, Recurso Especial nº 1.193.764-SP, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, publicado no DJE em 08/08/11;
[3] STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora RT;
[4] NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro. Editora Forense;
[5] PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. São Paulo. Editora Saraiva.