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Provas ilícitas no processo penal

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Somente as doutrinas da descoberta inevitável, limitação da contaminação expurgada e a limitação das fontes independentes se coadunam com o nosso Estado Democrático de Direito, uma vez que privilegiam aspectos da conexão lógica entre as provas ilícitas e as demais provas licitamente produzidas.

Resumo: Estuda a admissibilidade das provas ilícitas no processo penal. Analisa os aspectos relevantes da utilização da doutrina comparada no processo penal pátrio, sob a perspectiva da proporcionalidade e dos princípios constitucionais que informam o processo penal, bem como as novas alterações trazidas pela Lei n. 11.690/08. Efetiva restringir o campo de aplicação das doutrinas que admitem a utilização de provas ilícitas no processo penal pela acusação. Fundamenta-se na doutrina contemporânea brasileira que entende ser temeroso o alargamento das possibilidades de admissibilidade das provas ilícitas no processo penal pátrio e nos direitos e garantias constitucionais inscritos na Constituição de 1988. Finaliza recomendando aos operadores do direito a adoção de medidas que restrinjam a admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, de modo a impedir que tal admissibilidade seja a regra em nosso processo penal, preservando-se, assim, o Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Processo Penal, Provas Ilícitas, Inadmissibilidade.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. APONTAMENTOS DA TEORIA GERAL DA PROVA. 2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS. 2.1.1 Quanto ao objeto. 2.1.2. Quanto ao sujeito ou fonte. 2.1.3. Quanto a forma ou aparência. 2.1.4. Quanto ao valor ou objeto. 3. DIFERENÇA ENTRE PROVAS ILÍCITAS E PROVAS ILEGÍTIMAS. 4. PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS. 5. DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE VENENOSA. 6. TEORIAS RESTRITIVAS AO PRINCÍPIO DA  EXCLUSÃO. 6.1 EXCEÇÃO DA BOA FÉ AO PRINCÍPIO DA ILÍCITUDE. 6.2 LIMITAÇÃO DAS FONTES INDEPENDENTES. 6.3 LIMITAÇÃO DA DESCOBERTA INEVITÁVEL. 6.4. LIMITAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO EXPURGADA. 7. AS PROVAS ILÍCITAS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


1.INTRODUÇÃO

Genericamente, no vocabulário comum, prova é tudo aquilo que atesta a veracidade de algo, vale dizer, todos os instrumentos de que alguém dispõe para confirmar suas afirmações, seja um cálculo, uma premissa ou uma negação. As provas em nosso ordenamento possuem uma importância fundamental, na medida em que buscam demonstrar ao órgão decisório, o mais próximo da realidade dos fatos que lhe são apresentados no bojo da lide. É através desses instrumentos que o julgador busca basear o seu convencimento na hora de prolatar uma decisão.

No processo penal, a análise dessas deve ser feita com maior acuidade, uma vez que delas depende a liberdade do indivíduo. Uma prova viciada, irregular, forjada, é o ponto de partida de uma injustiça. Na época do regime de exceção, as provas eram largamente manipuladas para atenderem aos interesses da ditadura, o que invariavelmente lhes retirava a natureza jurídica material, pois de prova não se tratava. No regime constitucional democrático, em decorrência dos prejuízos à dignidade da pessoa humana auferidos com a utilização das provas ilícitas na ditadura, foram criadas garantias constitucionais em maior quantidade, quando se fala na função estatal de punir, estando aposto num extenso rol de garantias previstas no art. 5º da Constituição da República de 1988.

Em verdade, a inadmissibilidade das provas ilícitas é uma das bases do devido processo legal, sem o qual não há uma persecução penal constitucionalmente adequada, impedindo a ação punitiva do estado. Em brilhante voto[1], o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, bem traduziu a importância da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo penal pátrio, in verbis:

A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena, de ofensa à garantia constitucional do due process of Law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das prova ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A exclusionary rule consagrada na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede de processo penal. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a formula autoritária do male captum, bene captum. Doutrina. Precedentes.

De acordo com o inciso LVI, do mencionado art. 5º da Constituição Federal são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Tal garantia ganha maior relevância no processo penal, visto que garante à coletividade que nenhum meio ilegal de colheita de provas, ainda que estas sejam lícitas, será admitido no processo em que sua liberdade de locomoção esteja em jogo, erigindo esse princípio constitucional em verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito.

O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas se caracteriza pela prevenção, isto porque, o intuito de tal princípio é impedir que as autoridades estatais ou mesmo particulares se utilizem de expedientes ilegítimos para gerar prova. Visa frear, principalmente, o ímpeto estatal de punir que está ínsito em seu agir, devido aos resquícios do sistema inquisitivo que persiste em enodoar nosso ordenamento processual penal, principalmente quando falamos nos procedimentos administrativos policiais, que são eminentemente inquisitivos e muitas vezes extrapolam o limite da legalidade ao aplicar determinadas ações que não se coadunam com o sistema punitivo pátrio instituído pela Constituição de 1988.

A problemática das provas ilícitas ou provas obtidas por meios ilícitos foi bastante discutida nos Estados Unidos, na qual a Suprema Corte daquele país, em determinados casos passou a flexibilizar a tese de inadmissibilidades das provas ilícitas no processo penal, criando teorias que permitem tal entendimento. O Supremo Tribunal Federal tem adotado essas teorias, que acabam admitindo em certas circunstâncias, provas que atingem frontalmente os preceitos previstos nas normas e princípios de nossa Constituição da República. Esse entendimento de nossa Corte Suprema é, no mínimo, temerário, pois acaba por arranhar as garantias constitucionais, permitindo que operações policiais hajam como verdadeiras ações de opressão e cerceamento das liberdades individuais.

Hodiernamente, segundo se tem noticiado pela grande imprensa, operações engendradas pela Polícia Federal em associação “extra-oficial” com a Agência Brasileira de Inteligência – ABIn realizaram várias interceptações telefônicas de autoridades dos mais diversos poderes, inclusive, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o eminente ministro Gilmar Mendes, tudo organizado de maneira que, além de provas para futuras denúncias criminais, também integrassem dossiês da vida pessoal dessas autoridades, para fins escusos.

Tais acontecimentos nos trazem a possibilidade de que o Brasil se transforme em um estado policial, aniquilando a sustentação de nossa democracia, impondo a necessidade da adoção de ações enérgicas de combate a estes expedientes clandestinos, sendo a diminuição do espectro de possibilidades de admissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos uma das principais, devendo ser adotada por nossos tribunais de forma urgente.

O presente trabalho possui o intuito de estudar as várias teorias que permeiam o assunto da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (exclusionary rule), como por exemplo, a doutrina dos frutos da árvore venenosa (fruits of the poisonous), limitação da fonte independente (independent source limitation), limitação da descoberta inevitável (inevitable discovery limitation), a exceção da boa-fé ao princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, limitação da contaminação expurgada (purged taint limitation) ou da conexão atenuada (attenuated connection limitation), dentre outras provenientes da jurisprudência e doutrina norte-americana e germânica, todas analisadas sob o prisma da proporcionalidade, separando as teorias compatíveis com o nosso estado democrático de direito, e aquelas incompatíveis, sem, no entanto esgotar a matéria das provas ilícitas no processo penal, mas sim, apresentar um quadro propedêutico acerca desta questão geradora de tantas controvérsias.


2.APONTAMENTOS DA TEORIA GERAL DA PROVA

Antes de adentrarmos no mérito do presente estudo, é mister analisarmos os conceitos e formas de exteriorizações que formam a base do instituto das provas. Neste pórtico, é possível identificar diversos contextos na qual as provas estão inseridas. Destarte, o mestre Denílson Feitoza[2] identifica as provas como fonte, como manifestação da fonte, a prova como atividade probatória e a prova como resultado, dentre outras classificações utilizadas pela doutrina.

A prova como fonte se refere às pessoas e coisas utilizadas como prova, consideradas como fontes dos estímulos sensoriais que chegam à percepção da entidade decisora (por exemplo, o juiz) sobre um fato.

A prova como manifestação da fonte refere-se à prova pessoal, vale dizer, a diferença entre a pessoa como a prova propriamente dita e sua manifestação. Nesta concepção, podemos distinguir a pessoa (por exemplo: a testemunha) e sua manifestação (por exemplo: o testemunho, as declarações ou depoimento das testemunhas).

A prova como atividade probatória é o ato ou conjunto concatenado de atos tendentes a formar a convicção do magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. Assim, quando nos referimos ao exame do corpo de delito, estamos observando a atividade probatória como um todo, mas podemos nos referir a outros aspectos desse ato, como a pessoa que está sendo examinada e o laudo pericial que esxurge a partir de tal exame.

A prova como resultado seria o convencimento auferido pela entidade decisora a partir da análise axiológica das provas trazidas a juízo pelas partes litigantes, ou seja, é a convicção que o juiz tem da existência ou inexistência de algum fato, pela análise do arcabouço probatório carreado aos autos do processo.

A prova como meio, configura-se no instrumento probatório utilizado para convencer o magistrado sobre a existência ou não de um fato.

A finalidade da prova é o objetivo que se busca alcançar com a apresentação da prova, vale dizer, é a impressão que a parte busca causar na convicção do juiz por meio da demonstração probatória dos fatos narrados no bojo do caderno processual.

O destinatário da prova é basicamente o juiz, a quem compete decidir a lide que lhe fora apresentada pelas partes. Todavia se entendermos que as provas não servem apenas para instruir o processo penal, e entendendo que a rega no processo penal pátrio é que o Ministério Público possui a atribuição para propor a ação penal, chegamos à conclusão de que o Ministério Público também é destinatário da prova, porquanto as provas advindas do inquérito policial ou demais expedientes servem para formar o convencimento do parquet sobre a possibilidade ou não de apresentar a denúncia, ou seja, na fase pré-processual as provas também têm a função de formar a opinio delicti do órgão do Ministério Públco. Dessa forma, para sabermos qual o destinatário e a finalidade da prova, é necessário analisarmos o expediente probatório do ponto de vista lógico, ou seja, a finalidade e o destinatário dependem do referencial ou perspectiva adotada.

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Elementos de prova são todos os fatos ou circunstâncias em que repousa a convicção da entidade decisora e o fato probando é o fato que se deseja provar.

Ainda podemos diferenciar os meios de prova, dos meios de obtenção de prova [3]. Os meios de prova são as coisas, pessoas e suas manifestações (declarações, documentos etc.) que podem levar estímulos sensoriais à percepção da entidade decisora e formar sua convicção sobre a existência ou não de um fato. Os meios de obtenção de prova são os meios que permitem a obtenção dessas coisas, pessoas e manifestações. Nesse sentido, por exemplo, a autorização judicial de interceptação telefônica, é um meio de obtenção de prova. As informações colhidas, degravadas e acostadas ao processo são o meio de prova. Como é perceptível, a distinção é tênue, uma vez que o meio de obtenção de prova pode facilmente, dependendo do caso, pode ser considerado um meio de prova. Basta imaginarmos um caso de busca e apreensão, cujo cumprimento foi frustrado e a convicção do juiz dependia de tal documento, assim a busca e apreensão frustrada passou a ser um meio de prova, porquanto influenciou diretamente na convicção do magistrado.

2.1 CLASSIFICAÇÕES DAS PROVAS

A classificação da prova pode ser feita quanto ao objeto, quanto ao sujeito ou fonte, quanto à forma ou aparência e quanto ao valor ou efeito.

2.1.1 Quanto ao objeto

A prova quanto ao objeto subdivide-se em duas vertentes, quais sejam, a prova direta e a prova indireta. A prova direta diz respeito ao fato probando, há um liame direto, por exemplo, a testemunha que viu o réu matar a vítima, esfaqueando-a. Na prova indireta há um liame indireto, diz respeito indiretamente ao fato probando, por exemplo, a testemunha que viu o réu, logo após a morte da vítima, com uma faca ensangüentada nas mãos.

2.1.2 Quanto ao sujeito ou fonte

Nesta classificação refere-se à origem da prova. Se a prova adveio de algum objeto, por exemplo, a arma com impressões digitais do agente do crime, teremos a prova real, uma vez que adveio de um objeto, a arma. Caso a prova surja a partir de uma pessoa, por exemplo, a testemunha de um furto, vamos ter a prova pessoal.

2.1.3 Quanto à forma ou aparência

Aqui temos a prova testemunhal, proveniente, por exemplo, das declarações das testemunhas, ouvida do lesado ou vítima e acareações. A prova documental, que se consubstanciam em escritos públicos ou particulares, livros comerciais etc. Ademais também temos a prova material, por exemplo, corpo de delito, exames, vistorias, instrumento do crime etc.

2.1.4 Quanto ao valor ou efeito

Neste contexto, há a divisão entre a prova plena e a prova não-plena. A primeira nos infunde um juízo de certeza, por exemplo, a necessária para a condenação. A segunda é aquela que nos traz um juízo de credibilidade ou de probabilidade, ou seja, não há uma certeza, com base naquela prova, de que o crime ocorreu, porquanto essa prova somente demonstra indícios do ocorrido.

Além dessas, ainda temos classificações várias. Todavia, não é interessante para o presente trabalho o estudo de todas as classificações, uma vez que não está inserido no seu objetivo precípuo.


3.  DIFERENÇA ENTRE PROVA ILEGÍTIMA E PROVA ILÍCITA

Como vimos a Constituição de 1988 determina que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, nos dando uma idéia genérica, qual seja, a inadmissibilidade das provas provenientes de expedientes ilícitos. Nesse ponto, temos questões a enfrentar. O que poderíamos chamar de provas ilícitas ou derivadas de provas ilícitas, abrangidas pelo inciso LVI, artigo 5º da Constituição da República? E qual a conseqüência da obtenção das provas por meios ilícitos?

Boa parte da doutrina se refere a duas modalidades de provas proibidas, as provas ilícitas e ilegítimas. Durante muito tempo foi convencionado que as provas ilícitas seriam aquelas que violam normas jurídicas materiais e as provas ilegítimas violam as normas de direito processual, estando ambas compreendidas no gênero das provas ilegais. Argumentava-se que o conceito de provas ilícitas presentes no texto constitucional se referia somente às provas ilícitas ou ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo. Entendia-se que para as provas ilegítimas seria aplicado o sistema das nulidades, enquanto que para as prova ilícitas era utilizado o sistema da inadmissibilidade.

Tal divisão, a nosso ver, não tem razão de ser, porquanto desnecessária. A prova ou meio de obtenção de prova violadores de uma norma jurídica, seja essa norma afeta ao ramo do direito material, seja ligada ao processo, às normas constitucionais ou infraconstitucionais, configura-se em prova ilegal, uma vez que viola determinação da lei, independentemente da natureza da norma violada.

Com efeito, no intuito de dar maior celeridade, simplicidade e segurança processual, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou o Projeto de Lei 4205/2001 e, em 10 de junho de 2008, foi publicada a Lei n. 11.690/08, que deu nova redação ao artigo 157 do Código de Processo Penal. Em nosso entender, com o advento de tal Lei a distinção entre normas ilícitas e ilegítimas criada pela doutrina restou encerrada, porquanto unificou, acertadamente, a abrangência do termo “provas ilícitas” contido na Constituição Federal. Pela importância do dispositivo, pedimos venia para transcrevê-lo:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. 

§ 1º  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. 

§ 2º  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3º  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

Depreende-se do texto legal que não há mais qualquer importância se a norma violada é de direito material ou processual. Assim, havendo violação às normas “constitucionais ou legais” em uma prova ou o meio de obtê-la, essa será considerada ilícita. Aqui encontramos certa atecnia do legislador, porquanto errônea a distinção entre normas constitucionais e legais, afinal, normas constitucionais não deixam de ser normas legais, se diferenciando apenas em relação à hierarquia. O mais correto, dentro da ampla abrangência buscada na nova redação do artigo 157, seria denominar de normas constitucionais e infraconstitucionais, as normas passíveis de serem violadas pelos expedientes probatórios adotados pelas partes.

Também se verifica da leitura do artigo 157, que prevaleceu a tese da inadmissibilidade das provas ilícitas. Aliás, houve uma unificação entre as teses da inadmissibilidade e da nulidade, uma vez que, verificando o juiz de antemão a ilicitude de uma prova ou sendo alertado pela parte acerca da prova ilícita, segundo o § 3º do referido dispositivo, deve decidir sobre a sua inadmissibilidade e, precluída tal decisão, mandará desentranhá-la do caderno processual. Assim, caso não tenha havido nenhum ato baseado nesta prova, ela somente será inadmissível. Caso tenham ocorridas decisões e demais atos com fundamento em tal prova, além de ser inadmissível no processo penal, também gerará a nulidade dos atos nela fundamentados. 

O aludido artigo 157 também possuía um quarto parágrafo, todavia foi tolhido pelo Veto presidencial. O aludido parágrafo adotava a teoria da descontaminação do julgado, que nada mais é que um mecanismo processual que tornaria possível o julgamento da demanda por outro juiz que não aquele que conheceu a prova tida, posteriormente, como ilícita. Ou seja, trata-se de uma forma, um instrumento destinado a impedir que o juiz que conheceu a prova ilícita julgue a causa, porquanto, mesmo que este tenha em seu pensamento toda moralidade pública, busque toda a imparcialidade que se impute a um magistrado, poderá ser influenciado pelo conteúdo material probatório ilícito que tomou conhecimento.

De acordo com o próprio texto do Veto presidencial, o referido dispositivo normativo não se coaduna com o princípio constitucional da celeridade processual, visto que ao declinar de julgar a lide, o magistrado restaria por atrasar ainda mais, a já lenta, instrução processual penal, porquanto o novo magistrado que passaria a julgar o caso teria novamente que analisar todo o caderno processual, bem como, analisar cada prova licitamente apresentada, para poder formar sua convicção.

Entendemos que ambas as posições são plausíveis, tanto do legislador, quanto a motivação do Veto. Porém, devemos analisar com mais cuidado a questão.

É sabido que a imparcialidade pura do magistrado, como quer a lei, configura-se em mais uma ficção jurídica, porquanto não há, obviamente, um juiz que tenha isenção total acerca dos casos que julga, por um simples motivo: o juiz é um ser humano, e como tal, ao decidir as lides que lhe são apresentadas, aplica não só o seu conhecimento jurídico ao caso, mas também, as convicções sociais que desenvolveu e as influências simbológicas e costumeiras da comunidade em que atua. Portanto, o fato de declinar do julgamento da lide, em virtude de ter o magistrado tomado conhecimento de eventual prova ilícita no bojo dos autos processuais, pouco influencia na imparcialidade do julgamento da causa. Mesmo porque, o novo juiz que passaria a julgar o caso, acabaria tomando conhecimento de que naquele processo existiu uma prova da acusação que demonstrava a autoria e/ou materialidade a imputação feita ao réu, mas que não foi admitida por ser ilícita. Isto se dá pelo fato que, como iremos discorrer posteriormente, no processo penal pátrio, a inadmissibilidade das provas ilícitas somente ocorre em relação à acusação, sendo permitida a sua utilização para que o réu se defenda.

De outra banda, mesmo entendendo que ocorre uma mínima influencia no decisum, consideramos relevante a adoção da teoria da descontaminação do julgado, ainda que se tenha uma ampliação na duração do processo. Em verdade, aqui ocorre um choque entre os princípios da celeridade e do justo julgamento da lide. Sopesando ambos os princípios de forma a privilegiar a razoabilidade, chegamos à conclusão de que é mais condigno com o regramento constitucional a prevalência do justo julgamento da lide. Destarte, temos que a celeridade processual é pressuposto de efetivação da jurisdição. Todavia, não podemos correr o risco de condenar um inocente, em nome da celeridade processual, sob pena de estarmos subvertendo a finalidade do processo penal.

Neste passo, somos contrários ao Veto presidencial, que resolveu privilegiar o princípio da duração razoável do processo, sem ponderar a necessária justiça dos julgados, posto que o conhecimento da prova ilícita no bojo dos autos acaba por influenciar na decisão do magistrado. Esse é o entendimento de Marinone e Arenhart[4]:

Não se quer dizer, note-se bem, que o juiz que se baseou na prova ilícita irá buscar uma sentença de procedência a qualquer custo, ainda que inexistam outras provas válidas, mas apenas que a valoração dessas outras provas dificilmente se livrará do conhecimento obtido através da prova ilícita.

Trata-se de situação que é peculiar à natureza humana, e assim algo que deve ser identificado para que a descontaminação do julgado seja plena ou para que a sua descontaminação pelo tribunal elimine ou previna qualquer possibilidade de infecção posterior. Portanto, se o tribunal decide que uma das provas que a sentença se baseou é ilícita, o julgamento de primeiro grau deverá ser feito por outro juiz, que não aquele que proferiu a decisão anterior.

Na verdade, a problemática da contaminação dos julgados, é um dos principais entraves à aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas no Brasil. Como se pode ignorar um objeto que foi visto e se sabe que existe? Essa é uma questão, que nem mesmo a ficção jurídica pode modificar, pois como dito na transcrição acima, “trata-se de situação que é peculiar à natureza humana”. O professor Edilson Feitoza[5] bem explicita o âmago da questão:

Essa cultura inquisitiva atribuiu a uma “verdade processual” um caráter absoluto e quase divino, que não poderia ser ignorada, seja qual fosse seu custo, pois uma tal verdade possibilitaria a ilusão de uma “justiça absoluta”, a transcendência de uma justiça divina, aquela que tudo sabe e tudo conhece.

Com isso, tal qual um organismo, que precisa estar livre de contaminações para que produza sua finalidade de forma saudável e satisfatoriamente, o processo necessita estar livre, na medida do possível, de quaisquer contaminações, para que se tenha uma prolação justa do órgão decisório.

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Sobre o autor
Amaro Bandeira de Araújo Júnior

Advogado, Pós-Graduando em Direito Tributário pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR , Amaro Bandeira Araújo. Provas ilícitas no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3503, 2 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23631. Acesso em: 28 mar. 2024.

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