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Provas ilícitas no processo penal

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7.  AS PROVAS ILÍCITAS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade pode afetar diretamente nas provas ilícitas assim consideradas no processo penal. A maioria da doutrina admite a utilização das provas ilícitas no processo, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, ou seja, a partir da ponderação axiológica dos direitos em jogo no processo, seria possível a admissão da provas ilícitas no processo penal pátrio.

O entendimento de que o “princípio da exclusão” deve ser afastado quando a prova ilícita é utilizada para a defesa na instrução criminal, é quase que unanimidade na doutrina brasileira. Para Barbosa Moreira[14] a aplicação da proporcionalidade, em favor da defesa, também se fundamenta no princípio da isonomia, pois “os órgãos de repressão penal dispõem de maiores e melhores recursos que o réu. Em tal perspectiva, ao favorecer a atuação da defesa no campo probatório, não obstante posta em xeque a igualdade formal, se estará tratando de restabelecer entre as partes a igualdade substancial”.

Destarte a regra é a de que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo, admitindo-se sua utilização em casos excepcionais, no qual esteja em jogo a possível condenação de um inocente. Essa regra é mais do que razoável, haja vista que a garantia do devido processo legal, e as demais normas construtoras do Estado Democrático de Direito, foram elaboradas para proteger o cidadão, frente ao império do estado, impedindo que abusos fossem cometidos e inocentes condenados, pelo simples fato de que uma prova produzida não se enquadrar nas formalidades legais. Pensar o contrário seria uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Alguns doutrinadores chegam ao extremo de, sob o argumento da proporcionalidade e da isonomia, admitir provas ilícitas em favor da acusação, uma vez que em alguns casos, se dá o contrário do que dito anteriormente. O poder estatal fica diminuto frente ao destinatário da punição, havendo a necessidade de admitir certos expedientes probatórios ilegais para que fosse restabelecida a igualdade entre as partes. Por exemplo, na hipótese do crime organizado, todos sabemos que tais organizações criminosas movimentam verdadeiras fortunas, e possuem melhor equipamentos e logística do que o estado, contratando diversos advogados e juristas para lhes defender. Nesses casos haveria uma necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes, e a adoção da prova ilícita pro societate seria um dos modos de fazê-lo. Nas palavras de Barbosa Moreira[15]:

O raciocínio é hábil e, em condições normais, dificilmente se contestará a premissa da superioridade de armas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas. E fora de dúvida que atualmente, no Brasil, certos traficantes de drogas estão muito mais bem armados que a polícia e, provavelmente, não lhes será mais difícil que e ela, nem lhes suscitará maiores escrúpulos, munir-se de provas por meios ilegais. Exemplo óbvio é o da coação de testemunhas nas zonas controladas pelo narcotráfico: nem passa pela cabeça de ninguém a hipótese de que algum morador da área declare a polícia, ou em juízo, algo diferente do que lhe houver ordenado o ‘poderoso chefão’ do local.

E Barbosa Moreira continua:

A propósito: não merecerá particular reexame a precipitação em importar, de maneira passive e acrítica – segundo não raro acontece -, a doutrina dos ‘frutos da árvore venenosa’, ainda mais em formulação indiscriminada, nua dos matizes que a recobrem no próprio país de origem? Será ela adequada à realidade do Brasil de hoje?Ampliarem tal medida, para os infratores atuais e potenciais – sobretudo na área constantemente em expansão, da ‘criminalidade organizada’ -, a perspectiva de escapar às sanções cominadas em lei acaso contribuirá para satisfazer o generalizado clamor contra a impunidade, vista por tantos, com razões ponderáveis (e descontados alguns acessos de paranóia), qual fator relevante na aceleração do ritmo em que vai baixando o nível ético dos nossos costumes, políticos, e outros? Devemos confessar de resto, com absoluta franqueza, a enorme dificuldade que sentimos em aderira uma nova escala de valores que coloca a preservação da intimidade de traficantes de drogas acima do interesse de toda a comunidade nacional (ou melhor: universal) em dar combate eficiente à praga do tráfico – combate que, diga-se de passagem, é também um valor constitucional, conforme ressalta da inclusão do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins’ entre os ‘crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia’.

Com isso, depreende-se que a admissibilidade das provas ilícitas pro societate, descamba para um lado obscuro de constitucionalidade, devendo-se ter aplicação mínima, somente em ocasiões no qual o interesse público está baseado numa proporcional e bastante razoável justificativa.     


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão sub examine configura-se numa das principais polêmicas que permeiam o processo penal pátrio. O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas posiciona-se em um campo tênue que oscila entre o devido processo legal e a necessária justiça dos julgados. Afinal, poderíamos correr o risco de inocentar um culpado com base nesta inadmissibilidade, bem como, condenar um inocente que teria sido atingido pelo abuso estatal na forja das provas.

A finalidade das teorias aqui estudadas é dar suporte jurídico ao magistrado para que esse aplique ao caso concreto a melhor doutrina suficientemente proporcional e razoável a garantir julgamentos justos. Contudo, não nos é dado prejudicar o devido processo legal, assim entendido na sua acepção descontaminada de quaisquer ilicitudes, como a colheita ilícita de provas.

Como foi dito, a principal finalidade do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ao contrário do que muitos pensam, não é a retirada de expedientes probatórios ilegais do processo penal, mas sim, a prevenção, ou seja, impedir que o agente nem sequer se utilize de meios ilícitos para a obtenção da prova, mesmo antes dela ser produzida no processo penal.

Isto se dá porque, segundo constatamos da análise do tema, quando há a constatação da existência de uma prova ilegal nos autos, geralmente além de ser uma prova ilegal quanto à sua existência nos autos do processo, também se verifica que esta foi objeto de uma ilegalidade na sua colheita. Vale dizer, o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos busca impedir uma ilegalidade dupla, pois barra os efeitos da prova ilícita quando da sua produção no caderno processual, e também previne uma outra violação da ordem jurídica, quando da atividade utilizada para obter a tal prova.

Não obstante, a existência de doutrinas que admitem a utilização das provas obtidas por meios ilícitos no processo penal entendemos que, em função do princípio do devido processo legal, a utilização de expedientes probatórios viciados necessita de uma análise axiológica proporcional ao bem jurídico que se quer proteger. É preciso que o julgador analise com cautela a admissibilidade de uma prova ilícita no processo, posto que somente em casos extremos e excepcionais, é que se pode admitir uma prova ilegal.

Neste contexto, entendemos que somente as doutrinas da descoberta inevitável, limitação da contaminação expurgada e a limitação das fontes independentes, se coadunam com o nosso Estado Democrático de Direito, uma vez que privilegiam aspectos da conexão lógica entre as provas ilícitas e as demais provas licitamente produzidas.

Portanto, a utilização das provas ilícitas no processo penal, é um tema que necessita ser exaustivamente estudado, haja vista o seu grande alcance, e o espaço que deixa para a existência de atividades arbitrárias por parte do Estado, o que nos impõe uma vigilância constante acerca das teorias que lastreiam o referido princípio, sob pena de estarmos abalando os pilares da nossa democracia.

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ABSTRACT: Estuda a admissibilidade das provas ilícitas no processo penal. Analisa os aspectos relevantes da utilização da doutrina comparada no processo penal pátrio, sob a perspectiva da proporcionalidade e dos princípios constitucionais que informam o processo penal, bem como as novas alterações trazidas pela Lei n. 11.690/08. Efetiva restringir o campo de aplicação das doutrinas que admitem a utilização de provas ilícitas no processo penal pela acusação. Fundamenta-se na doutrina contemporânea brasileira que entende ser temeroso o alargamento das possibilidades de admissibilidade das provas ilícitas no processo penal pátrio e nos direitos e garantias constitucionais inscritos na Constituição de 1988. Finaliza recomendando aos operadores do direito a adoção de medidas que restrinjam a admissibilidades das provas obtidas por meios ilícitos, de modo a impedir que tal admissibilidade seja a regra em nosso processo penal, preservando-se, assim, o Estado Democrático de Direito.

Key Word: Processo Penal. Provas Ilícitas. Inadmissibilidade.


REFERÊNCIAS

PACHECO, Denílson Feitoza. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. Denílson Feitoza Pacheco – 5 ed., ver e atual. Com Emenda Constitucional da “Reforma do Judiciário”. Niterói, RJ: Impetus, 2008.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Paulo Rangel – 12 ed. Rio de Janeiro, RJ: Lúmen Júris, 2007.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. José Carlos Barbosa Moreira Revista Forense, v. 337.


Notas

[1]  STF, HC 82.788, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-4-05, DJ de 2-6-06.

[2]  PACHECO, Denílson Feitoza - Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis / Denílson Feitoza Pacheco – 5 ed., ver e atual. Com Emenda Constitucional da “Reforma do Judiciário”. Niterói, RJ: Impetus, 2008. p. 604, 605.

[3] SILVA, Germano Marques da, Curso de processo penal, 1993, v. II, p. 81.

[4]   MARINONE, Luiz Gulherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual de Processo de Conhecimento. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[5] Pacheco, 2008, p. 607

[6] EUA, Suprema Corte, Weeks v. United States, 232 U.S. 383, 34 S.Ct. 341, 58 L.Ed. 652 (1914)

[7] EUA, Suprema Corte, Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 81 S. Ct. 1684, 6 L.Ed. 2d. 1081 (1961)

[8] 2008 apud ISRAEL e LaFAVE, 2001, p. 270

[9] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal – Paulo Rangel, 12 ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

[10]  Pacto de San Jose da Costa Rica

[11] EUA, Suprema Corte, Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 U.S. 385, 40 S.Ct. 182m 64 L.Ed. 319 (1920)

[12] Rel. Ministro Sepúlveda Pertence - HC 69.912/RS (RTJ 155/508, 515)

[13] EUA, Suprema Corte, United States v. Leon, 468 U.S. 897, 104 S. Ct. 3405, 82 L.Ed. 2d 677 (1984)

[14] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista Forense, v. 337, p. 128.

[15] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista Forense, v. 337, p. 134.

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Sobre o autor
Amaro Bandeira de Araújo Júnior

Advogado, Pós-Graduando em Direito Tributário pela UFRN

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR , Amaro Bandeira Araújo. Provas ilícitas no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3503, 2 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23631. Acesso em: 24 abr. 2024.

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