Resumo: O presente trabalho se propõe a discorrer a respeito do fenômeno da preclusão dirigida às partes litigantes, com o foco na análise do fenômeno sob duas peculiares bases quando comparado com o instituto da coisa julgada material: a semelhança na compreensão do objeto das questões decididas no processo e a diferença frente à entrada em vigor de novel legislação adjetiva, inclusive a de cunho interpretativo.
Palavras-chave: Preclusão. Coisa julgada material. Objeto das questões decididas. Preclusão de motivos. Lei nova. Lei interpretativa.
I – INTRODUÇÃO
Avançando nos estudos do processo civil e do instituto da preclusão, chega-se a oportunidade de investigarmos a atuação do fenômeno preclusivo diante do objeto das questões decididas e da entrada em vigor de nova lei processual – estabelecendo um paralelo, nesse contexto, com a coisa julgada material[1].
Reconhecendo-se que estamos diante de dois dos mais importantes princípios processuais e de que eles possuem atuação em cenários diferentes – a preclusão produzindo efeitos para dentro do próprio processo, impedindo a rediscussão do tema nos contornos da lide independentemente da matéria discutida, e a coisa julgada material agindo para fora do processo, impedindo a rediscussão do tema em ulterior lide quando enfrentado o mérito da contenda[2] -, investiga-se duas hipóteses processuais relevantes em que podemos analisar os seus préstimos, a fim de se buscar identidade na aplicação do art. 469, I do CPC e diferença frente à lei nova a partir de estudo de ensaio de Chermont de Miranda.
II – SEMELHANÇA NA APLICAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL E PRECLUSÃO: O OBJETO DAS QUESTÕES DECIDIDAS
Se Chiovenda se esforçou ao longo dos seus estudos para diferenciar o campo de incidência da preclusão, afastando-a do âmbito de atuação da coisa julgada material, certo, por outro lado, que acabou reconhecendo algumas semelhanças entre os institutos.[3] A nosso ver, a mais relevante dessas identidades situa-se em compreender que o objeto das questões decididas não mais poderá ser enfrentado (imutabilidade do tema decidido, a constar na parte dispositiva da decisão proferida), o que não significa dizer que os fundamentos legais e/ou fáticos para se chegar a tal solução da questão resolvida em meio ao feito se tornem, da mesma forma, imutáveis.
Carnelutti também chega a comentar que as decisões interlocutórias (que denomina de “sentenças interlocutórias”) possuem um objeto litigioso/questão central a ser enfrentada e decidida pelo julgador do processo, e sobre a qual não mais cabe nova discussão e decisão.[4]
O que preclui, em verdade, é o tema decidido pelo julgador (a parte dispositiva da decisão), que não mais pode ser modificado no feito, e não propriamente os fundamentos legais – alegados pelas partes ou mesmo desenvolvidos independentemente pelo diretor do processo (iura novit curia) – que serviram de parâmetro para se chegar à solução da matéria incidental. A mesma concepção valeria para os fundamentos de fato, que não são abrangidos pela imutabilidade, existindo regra expressa nesse sentido para o instituto da coisa julgada material (art. 469, I, do CPC) que perfeitamente deve ser aplicada para a preclusão processual.
Nesse contexto bem cita Theotonio Negrão decisum do Superior Tribunal de Justiça (REsp n° 61.100-8/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, j. em 13/11/1995, RSTJ 81/248), em que se registra, na ementa, que “a preclusão não abrange os motivos invocados pela decisão”, sendo no corpo do aresto fixado que “se assim é (a motivação não estar abrangida pela imutabilidade), por norma expressa, quando se cuida da coisa julgada material (art. 469), com maior razão o será tratando-se apenas da preclusão”. Já no anterior REsp n° 19015/SP, o mesmo Ministro relator, deixou bem assentado que “a decisão que provê sobre o andamento do processo não faz preclusos os fundamentos para isso deduzidos, não ficando por ela predeterminado o conteúdo da sentença” (STJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, j. em 09/02/1993). Mais recentemente, já outro Ministro do STJ, da 2ª Turma (Franciulli Netto), no REsp n° 200208/MA, j. em 28/10/2003, voltou a enfrentar o tema, a partir da exegese dos arts. 469 e 471, ambos do CPC, constando em parte da ementa que “a versão dada pelo juiz, em decisão interlocutória, não o vincula ao proferir sentença”.[5]
A coisa julgada – e a própria preclusão, acreditamos – envolve apenas o dispositivo da decisão. Dada a sua função de proteção ao comando que regula a vida das partes, pouco importa a fundamentação da decisão (art. 469). Em termos de coisa julgada, porém a fundamentação revela apenas para auxiliar na interpretação do decisum, eventualmente auxiliando a bem demarcar o seu alcance[6] – espaço daí próprio para investigação dos limites objetivos da coisa julgada articuladamente com a redação do atual art. 474 do Código Buzaid, a tratar da “eficácia preclusiva da coisa julgada material”[7].
Nesse mesmo diapasão, oportuna a ressalva de Scarpinella Bueno ao registrar que o texto contido no art. 469 do CPC não determina necessariamente que os motivos da sentença, isto é, sua fundamentação, não possam ser (e não sejam) elementos importantes para compreender o que foi e o que não foi decidido pelo juiz e o alcance de sua decisão: “isto não quer dizer que eles transitem em julgado, o que não é admitido pelo art. 469, mas podem e devem ser utilizados como verdadeiros auxiliares para compreensão do que efetivamente foi julgado e em que medida o pedido (ou pedidos) de tutela jurisdicional foi efetivamente acolhido (ou negado) na sentença”.[8]
De qualquer forma, em mais recente estudo interpretativo do art. 469, Marinoni e Mitidiero confirmam objetivamente que “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da decisão, a versão dada pela sentença aos fatos, adotada como seu fundamento, e a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo, não fazem coisa julgada. Apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada (STJ, 1ª Turma, Resp nº 795.724-SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 01.03.2007, DJ 15.03.2007, p. 274). Daí a razão pela qual já se decidiu que ‘existindo contradição entre a motivação e a conclusão do acórdão, prevalece o contido na parte dispositiva do aresto’ (STJ, 1ª Turma, AgRg no Resp 388.951-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 05.08.2004, DJ 30.08.2004, p. 201)”.[9]
A regra, pois, é a de que os fundamentos legais e de fato não sejam cobertos pela imutabilidade seja diante de matéria sujeita, no caso, aos efeitos da coisa julgada material (panprocessualmente), seja sujeita aos efeitos da preclusão processual (endoprocessualmente). Ou melhor, seria dizer que se a máxima supra-aludida vale para a coisa julgada material (de repercussão maior para o direito substantivo) deve valer, inclusive em face das similitudes do instituto quanto à imutabilidade das quaestios enfrentadas no processo, para a preclusão (de repercussão menor para o direito substantivo).
Humberto Theodoro Jr. com acuidade esteve atento a esse detalhe, discorrendo que embora não se submetam as decisões interlocutórias ao fenômeno da coisa julgada material, ocorre frente a elas a preclusão, de que defluem consequências semelhantes.[10]
De fato, embora o instituto da preclusão possa ser aplicado às decisões interlocutórias e às decisões finais, meritórias ou não, o ponto ora debatido revela especial interesse pelo primeiro grupo – enfatizando a real delimitação da matéria a se tornar imutável pelo julgado da questão incidental (em momento procedimental, portanto, onde ainda é desconhecido o teor do julgamento final, de mérito, que será coberto pela res judicata).
Um detalhe a mais. Se a decisão incidental é concedida quando da análise de pedido de tutela de urgência (tutela antecipada ou cautelar), sequer o objeto central da discussão (a parte dispositiva da decisão interlocutória) seria imutável dentro do processo, já que essa decisão liminar, dada a sua excepcional natureza precária (cognição sumária) pode ser modificada em ulterior exame final quando se dará análise mais profunda/completa do tema (cognição exauriente). Nessa hipótese se nem o objeto central da decisão incidental pode adquirir conotação de absoluta imutabilidade, por certo ao mesmo regime se submetem os fundamentos fáticos e legais utilizados para se chegar à decisão precária.
Por isso, vemos com reservas posicionamento não devidamente alinhado ao raciocínio aqui deduzido, exposto por Rogério Lauria Tucci em parecer transformado em artigo doutrinário, em que se defende, s.m.j., a impossibilidade de enfrentamento posterior/definitivo, em cognição exauriente (no caso, em apelação), de uma matéria sob determinado prisma legal, se anteriormente, em cognição sumária (no caso, em sede de agravo de instrumento – interposto contra decisão liminar) foi utilizado fundamento legal contrário para se chegar à decisão precária que veio a se tornar imutável com a preclusão.
Ocorre que nesses termos estar-se-ia reconhecendo que houve preclusão (para o juiz) de motivos referente à decisão precária, necessariamente daí não podendo ser contrariados, os motivos expostos, quando do ulterior pronunciamento definitivo pelo mesmo órgão julgador.[11]
Pensamos que o que se operou, no cenário supra, foi a preclusão da questão decidida naquele momento específico (inaugural) do feito, em que proferida a decisão incidental em sede de agravo (que tratava de conceder a liminar), mas não propriamente a preclusão dos fundamentos legais (os motivos) pelos quais se concedeu a liminar, os quais poderiam ser sim revistos em julgamento posterior de mérito (em apelação), mesmo que tal movimento implicasse a revisão ampla da decisão precária, com a consequente determinação da revogação da liminar.
III – A RESISTÊNCIA DIFERENCIADA DA COISA JULGADA MATERIAL E DA PRECLUSÃO FRENTE À LEI NOVA PROCESSUAL
Partindo para o encerramento da análise do instituto da preclusão frente à coisa julgada material, voltemos a focar nossa atenção para outras importantes, mas não muito comentadas diferenças entre os institutos. Tratemos da resistência diferenciada da preclusão e da coisa julgada material à vigência de lei nova (mesmo a interpretativa).
Em instigante ensaio, ainda na década de 40, Vicente Chermont de Miranda analisa caso processual em que juízo de primeira instância lavrou interlocutória gravosa com base em determinado dispositivo da lei processual, sendo tal decisão ratificada pelo Tribunal de Justiça quando da apreciação do recurso de agravo de instrumento manejado pela parte prejudicada (in casu, o réu).
Ocorre que após ter precluído a decisão, houve alteração legislativa brusca referente ao dispositivo processual utilizado para resolver o incidente, e o juízo de primeiro grau, mantendo jurisdição no feito, veio a proferir de ofício nova decisão interlocutória, diametralmente oposta à primeira, passando a favorecer agora a parte outrora prejudicada. Para tanto, alegou que em face da entrada em vigor de lei nova, o acórdão da Câmara do Tribunal de Justiça ficaria sem efeito.
Comenta Chermont de Miranda que “esse despacho fez escândalo forense”, tendo em conta que muitos operadores de direito sustentaram que o juízo a quo andou mal em contrariar posição imutável do juízo ad quem, maculando o espaço do que se entende como preclusão hierárquica. Discorda, no entanto, o jurista citado desta posição, entendendo, à luz dos estudos de Chiovenda, que há diversidade de consequências produzidas pela lei nova sobre a decisão, conforme se trate de coisa julgada ou preclusão: “a coisa julgada, via de regra, resiste à lei nova e, até mesmo, à lei interpretativa, ao passo que a preclusão é sensível à ação do novo texto legal”.[12]
Compulsando o ensaio principal de Chiovenda sobre o ponto (“Cosa giudicata e preclusione”), tem-se realmente que o jurista peninsular (criticando posição contrária sustentada por Cammeo) entende que em caso de ser publicada nova lei (mesmo que interpretativa), poderia o juiz proferir de ofício nova decisão, contrária àquela primeira, ainda que ratificada esta pelo órgão judicial hierarquicamente superior.[13]
Justifica Chiovenda que a importância fundamental da preclusão não é corporificar “certeza jurídica” à decisão incidental firmada, mas sim impulsionar o processo para a frente, devido à necessidade de ele ter célere tramitação (efetividade processual). Estar-se-ia então, pela explanação de Chiovenda, diante de verdadeira e abrangente hipótese relativizadora de preclusão hierárquica, mesmo que o processualista faça questão de frisar que a situação está longe de ser corriqueira.
No nosso sentir, embora pertinente a posição de Chiovenda em enfrentar o desafio de distinguir a resistência diversa dos institutos frente à lei nova,[14] deve-se acolhê-la com alguma ressalva, admitindo-se que nem toda decisão (preclusa) possa vir a ser novamente analisada em caso de superveniência de nova lei processual, ainda mais se de mero cunho interpretativo. É que, como expõe D’Onofrio, a lei interpretativa é uma manifestação do legislador não tanto a declarar errada a interpretação anterior que vinha sendo feita, mas vetar que esta se faça;[15] ou seja, parece que aqui é feita uma clara opção pelo legislador, a ser seguida do momento em que tornada pública em diante (efeitos ex nunc).
Por trás da ressalva apontada, encontra-se a concepção difundida, entre importantes juristas (tais como Ada Pellegrini Grinover[16] e Humberto Theodoro Jr.[17]), da existência de um “direito adquirido processual”, de acordo com o teor do art. 5°, XXXVI, da CF/88 – a estabelecer a preservação do direito adquiridoe da coisa julgada. Assim, admitindo-se a presença de um direito adquirido processual o que já fora antes (da publicação da nova lei) decidido, não mais poderia ser revisto.
Vejamos também, nesse diapasão, a posição sempre abalizada de Galeno Lacerda: “podemos e devemos considerar a existência de direitos adquiridos processuais, oriundos dos próprios atos ou fatos jurídicos processuais, que emergem, em cada processo, do dinamismo desse relacionamento jurídico complexo. Aliás, o novo código é expresso, no art. 158, no reconhecimento desses direitos (...). Acontece que os direitos subjetivos processuais se configuram no âmbito do direito público e, por isto, sofrem o condicionamento resultante do grau de indisponibilidade dos valores sobre os quais incidem (matéria de interesse público). Em regra, porém, cumpre afirmar que a lei nova não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo a esses direitos possui, aqui, também, plena e integral vigência”.[18]
Por outro lado, o art. 1211 do CPC, regulando o direito transitório, estipula que a nova lei processual entrará imediatamente em vigor, sendo aplicado aos processos pendentes.[19] Por isso, temos que há necessidade de harmonização dos regentes preceitos legais e constitucionais, à luz da natureza e finalidade do instituto. Se a preclusão presta-se a dar efetividade/celeridade ao processo, não podemos olvidar que carrega consigo a exigência de firmar certa carga de certeza (segurança jurídica) do direito declarado incidentalmente.
Daí que, a nosso ver, peca Chiovenda – concedendo dimensão lata à falta de resistência da preclusão à lei nova – ao tentar reduzir significativamente a importância do aspecto da segurança jurídica, em detrimento da efetividade; sendo nesta linha, da mesma forma, a crítica oposta por D’Onofrio na Itália.[20]
Ademais, indo mais longe, poder-se-ia discutir a congruência do raciocínio de Chiovenda, no que tange à valorização que quis empregar à efetividade processual, ao passo que uma nova decisão (decorrente de aplicação de lei nova) poderia vir a tumultuar o ordenado andamento do feito, vindo a justamente prejudicar a tão almejada celeridade do processo em nome da qual a preclusão processual se projeta.
É o que parece expor Mauricio Giannico, também criticando a tese de Chiovenda, alegando que “admitir o retorno a fases processuais anteriores ou a rediscussão de matéria já preclusa seria negar não só a natureza jurídica do instituto como seus próprios contornos”.[21]
Por todos esses detalhes, articulando os valores da efetividade e da segurança jurídica atuantes sobre o instituto, e ainda de acordo com a devida área de atuação dos arts. 1.211 do CPC e 5°, XXXV, da CF/88, não vemos como razoável admitir a falta de resistência da preclusão à lei nova em todas as ocasiões, a não ser quando estivermos diante de verdadeiras matérias de ordem pública. Esta parece ser a inclinação de Galeno Lacerda, a partir da devida articulação de fragmentos da sua obra “O novo direito processual civil e os feitos pendentes” – estudo que, no nosso sentir, mesmo que indiretamente, mais chegou perto de resolver o imbróglio, ao menos na doutrina pátria.
Portanto, em matéria de ordem pública, pela sua gravidade/repercussão suprapartes (e por isso reconhecida de ofício pelo diretor do processo a qualquer tempo e grau de jurisdição), poder-se-ia admitir a viabilidade de o magistrado proferir nova decisão interlocutória, diferente da primeira (já preclusa), em face da posterior modificação do texto da lei processual. Nesse cenário reconhece-se a pertinência da interessante diferenciação traçada por Chiovenda entre os institutos da preclusão e da coisa julgada material frente à lei nova (inclusive interpretativa).
Pensemos no seguinte exemplo: questão de competência absoluta mantida pelo juiz estadual, ratificada pelo Tribunal de Justiça em sede de agravo de instrumento: passando a vigorar nova lei que altera a competência para a justiça do trabalho (como se deu pela via da Emenda Constitucional n° 45/2004), poderia o juiz estadual agora nessa matéria de ordem pública (pressuposto processual) vir a proferir nova decisão de ofício, remetendo os autos para o juízo trabalhista competente. Nesse caso, repare-se, a eventual existência de preclusão hierárquica (decorrente da imutabilidade da decisão originária mantida pelo Tribunal de Justiça) estaria vinculada exclusivamente à situação normativa anterior, totalmente diversa da que se apresenta agora (após inovação legislativa), mantendo, por sua vez, o Juízo a quo jurisdição sobre o feito.
Outro exemplo de matéria de ordem pública que nos ocorre: se o magistrado no despacho saneador declara pela não prescrição da pretensão, não havendo recurso, torna-se preclusa a decisão interlocutória proferida. Mas, se publicada depois nova ordenação (alteração do art. 219 do CPC, com acréscimo do § 5° – como se deu pela publicação da Lei n° 11.280/2006), que autoriza expressamente a declaração de ofício da prescrição, não poderia, em tese, agora o julgador (convicto de que ela deva ser declarada) vir a extinguir o feito com base no art. 269, IV, do CPC (sentença definitiva) – utilizando-se o mesmo critério de que ainda no feito que mantém jurisdição a matéria passou a ser de ordem pública?[22] Entendemos que sim, embora aqui não possamos falar, diversamente do primeiro caso, de eventual relativização de preclusão hierárquica, já que se da primeira decisão interlocutória gravosa (não reconhecendo a prescrição) o réu interpõe recurso e no mesmo fosse mantida a decisão pelo juízo ad quem, o primeiro grau não mais poderia revisar sua posição.
Explicação: não houve alteração legal na matéria propriamente pertinente à prescrição, mas tão somente sua passagem de matéria comum para matéria de ordem pública. No caso da competência absoluta, complemente-se a argumentação, a matéria sempre fora de ordem pública, mas o texto veio a ser alterado por disposição de lei, o que autorizaria novo posicionamento (como se julgamento pela superior instância não houvesse), com a consequente relativização da preclusão hierárquica.
Assim, a partir dos exemplos práticos citados, tem-se que a tese de Chiovenda, exposta no ensaio de Chermont de Miranda, aplicar-se-ia integralmente para a nova lei processual em matéria de competência. Aliás, com a lucidez habitual, embora não trate especificamente da polêmica que vem sendo abordada nessa passagem, Galeno Lacerda leciona que: “(...) em direito transitório vige o princípio de que não existe direito adquirido em matéria de competência absoluta e organização judiciária. Tratando-se de normas impostas tão-somente pelo interesse público na boa administração da Justiça, é evidente que toda e qualquer alteração da lei, neste campo, incide sobre os processos em curso, em virtude da total indisponibilidade das partes sobre essa matéria”.[23]
Na mesma esteira, Salvatore Satta discorre que, no modelo processual italiano, são reguladas pela lei nova as condições gerais de procedibilidade da ação, como a modificação da competência, que age imediatamente mesmo sobre os processos em curso, os quais devem ser remetidos ao juízo competente segundo a disposição da lei nova.[24]