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A existência de unidades de conservação federais como limite ao poder de disposição espacial dos Municípios no plano diretor

25/02/2013 às 16:59

Resumo:


  • Os municípios devem respeitar as políticas nacionais de meio ambiente ao elaborar seus planos diretores, especialmente quando há unidades de conservação federal em seu território.

  • A competência para conservação da natureza e proteção ambiental é compartilhada entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, mas as regras federais e mais restritivas prevalecem sobre as locais.

  • Planos diretores municipais não podem dispor livremente sobre o uso do solo em áreas de proteção integral ou outras áreas especiais regidas por legislação federal específica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Município não pode, no seu plano diretor, efetuar a livre disposição do seu território, por não ter competência para tanto, uma vez que a existência de unidades de conservação federais lhe impele a observar e se adequar às políticas nacionais sobre o meio ambiente.

Resumo: O Município não pode, no seu plano diretor, efetuar a livre disposição do seu território, por não ter competência para tanto, uma vez que a existência de unidades de conservação federais lhe impele a observar e se adequar às políticas nacionais sobre o meio ambiente.


A conservação da natureza e a defesa do meio ambiente são matérias de competência comum da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. O ambiente natural que, por essência, envolve aspectos inerentes à dispersão do homem pelo território, acaba por ter pontos de intersecção com outras competências a exemplo da utilização de recursos hídricos, do parcelamento do solo ou da política de expansão urbana das cidades.

Não é incomum a sobreposição de atribuições de entes federados sobre um mesmo assunto. No particular, convém se aproximar da distribuição constitucional das competências em matéria ambiental, destacando, em especial, a existência de unidades de conservação, que são espaços especialmente protegidos em razão de sua importância, como instrumentos de proteção do ambiente.

Com efeito, a Constituição, ao mesmo tempo em que erigiu no seu art. 225 o ambiente sadio como um macrobem que “não está na disponibilidade particular de ninguém, nem da pessoa privada nem da pessoa pública”[1], criou instrumentos para tutelá-lo, conforme incisos do art. 225, § 1º da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”

Se todos os instrumentos de proteção ao meio ambiente – o licenciamento ambiental, a existência de unidades de conservação, a preservação da integridade do patrimônio genético etc – são veiculados em regras constitucionais, não há hierarquia entre eles: todos têm a mesma dignidade constitucional. De outro lado, se esses mesmos instrumentos visam assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente sadio, devem ser conjugados de maneira que um não se sobreponha a outro, desvirtuando seu intuito principal que é defesa do ambiente natural.

Nesse contexto, a gestão das unidades de conservação devem observar as regras de direito administrativo, sob pena de um ente federado esvaziar a competência do outro. No caso brasileiro, a distribuição de competências faz prevalecer sempre as regras federais sobre as estaduais e municipais e as regras mais restritivas sobre as regras mais benéficas.

No plano federal, incumbe ao Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade – ICMBio incumbe, principalmente, a execução das ações da política nacional das unidades de conservação federais, conforme reza o art. 1º, I da Lei nº 11.516/2007, in verbis:

“Art. 1º  Fica criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

I - executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;”

Por outro lado, a Constituição Federal remete ao plano diretor, cuja elaboração é de competência dos Municípios, a disciplina da política de desenvolvimento urbano das cidades:

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. (...)”

No entanto, segundo a Constituição, o planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo, é matéria atribuída indicativamente aos Municípios apenas “no que couber”, consoante art. 30 da CF, in verbis:

“Art. 30. Compete aos Municípios:

(...)

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; (...)”

A Constituição Federal, portanto, não deu competência aos Municípios para dispor, livremente, sobre o zoneamento, o uso e ocupação do solo urbano ou mesmo a “gestão compartilhada” de uma unidade de proteção integral instituída pela União. Destarte, se o plano diretor ou qualquer lei municipal que se arvore a disciplinar áreas especialmente protegidas pela legislação federal serão, a toda evidência, inconstitucionais.

Em primeiro lugar, o plano diretor do Município de Itatiaia não pode traçar regras sobre o território nacional porque não se trata de zona urbana. Em áreas rurais, os Municípios somente têm o poder de aprovar alterações do uso do solo rural para fins urbanos, por força do art. 53 da Lei nº 6.766/79, in litteris:

“Art. 53 - Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente”.

No mesmo sentido, o item 2.2 da Instrução Normativa nº 17-b do INCRA:

“2. PARCELAMENTO, PARA FINS URBANOS, DE IMÓVEL RURAL LOCALIZADO EM ZONA URBANA OU DE EXPANSÃO URBANA

-912322555.  O parcelamento, para fins urbanos, de imóvel rural localizado em zona urbana ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal, rege-se pelas disposições da Lei n.º 6.766, de 19/12/79, e das legislações estaduais e municipais pertinentes.

2.2 Em tal hipótese de parcelamento, caberá ao INCRA, unicamente, proceder, a requerimento do interessado, à atualização do cadastro rural, desde que aprovado o parcelamento pela Prefeitura Municipal ou pelo Governo do Distrito Federal, e registrado no Registro de Imóveis” (grifo nosso).

Outrossim, o art. 4º do Estatuto das Cidades, instrumentalizando a política de desenvolvimento urbano, estipulou aos Municípios o dever de observância de “planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social” e ao “planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões”. São matérias, portanto, que subordinam o poder legislativo municipal em prol do macroplanejamento sobre o território nacional, afinal a solução para muitos problemas como a captação de água, o depósito de lixo, transporte urbano ou poluição transcende os limites políticos de um Município. Daí a necessidade, no Estado Federal, da observância.

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No mesmo sentido, o art. 9º da LC nº 140/2011 previu, como ações administrativas dos Municípios, no exercício da competência comum de proteção ao meio ambiente, “executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais relacionadas à proteção do meio ambiente”, “promover a integração de programas e ações de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e municipal, relacionados à proteção e à gestão ambiental”, bem como “elaborar o plano diretor, observando os zoneamentos ambientais”.

Por sua vez, a Resolução nº 34, de 1º de julho de 2005 do ConCIDADES, que traz parâmetros para a elaboração dos planos diretores municipais, assim dispõe em relação às zonas especiais:

“Art. 1º O Plano Diretor deve prever, no mínimo,

(...)

III – os objetivos, temas prioritários e estratégias para o desenvolvimento da cidade e para a reorganização territorial do município, considerando sua adequação aos espaços territoriais adjacentes. (...)”

Art. 5º. A instituição das Zonas Especiais, considerando o interesse local, deverá:

(...)

II – demarcar os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como as indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus direitos;

(...)

VII – demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultura, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. (...)”

Diante desse arcabouço legal, o Procurador Federal Henrique Varejão, já havia concluído, no Parecer nº 19/2012, que “o zoneamento específico dessas áreas dar-se-á de acordo com o regime jurídico específico que a acolha: se unidade de conservação, pelo plano de manejo, conforme previsão do SNUC; se terra indígena, pelo regime indigenista sob a gestão da Funai; se quilombola, pela criação de um território quilombola pelo Incra; se população tradicional, pela criação de uma unidade de conservação de uso sustentável ou mesmo pela criação de projetos de desenvolvimento sustentável por parte dos diversos entes federativos. Mas o que é preciso ficar assente é que essas áreas gozam de regime jurídico específico, que limita a competência municipal para dispor sobre a ocupação do solo”.

Mesmo assim, é possível que, em alguns dos milhares do Municípios brasileiros, leis municipais pretendam disciplinar a gestão de territórios sob a tutela federal. Nestes casos, a inconstitucionalidade, em abstrato, somente poderá ser arguida, perante a Constituição Federal, por meio de ação de descumprimento de preceito fundamental, que pode ser proposta pelo Advogado-Geral da União. Ou então perante a Constituição do Estado, já que as regras de competência são de repetição obrigatória, embora as autoridades federais não sejam legitimadas a questionar a lei, no Tribunal de Justiça, o que dependerá da interlocução com autoridades locais, a exemplo do Governador ou do Procurador-Geral de Justiça.

Enfim, esse arquétipo é o que melhor harmoniza as políticas e ações administrativas, evitando a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente, que constituem um dos objetivos fundamentais da União e dos Municípios no exercício da competência comum, conforme preceitua o art. 3º, III da LC nº 140/2011.


Nota

[1]     SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 52.

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Sobre o autor
Ricardo Marques de Almeida

Procurador Federal no Estado do Rio de Janeiro. Representante Suplente da Carreira de Procurador Federal no Conselho Superior da AGU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Ricardo Marques. A existência de unidades de conservação federais como limite ao poder de disposição espacial dos Municípios no plano diretor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3526, 25 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23785. Acesso em: 22 dez. 2024.

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