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A modulação temporal dos efeitos das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade face à segurança jurídica

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CAPÍTULO III: A TEORIA DA MODULAÇÃO TEMPORAL

3.1.Posições científicas acerca da modulação temporal e a segurança jurídica

Conforme restara demonstrado, o efeito-regra da declaração de inconstitucionalidade é, com base na teoria da nulidade absoluta, que reconhece a inconstitucionalidade da norma atacada desde sua origem, retroativo ou ex tunc, dada natureza objetiva do processo de averiguação constitucional.

No entanto, o ápice da discussão sobre o instituto da modulação temporal é a possibilidade de “quebra” desta regra de efeitos retroativos para estabelecer uma não-retroação ou irretroatividade (ex nunc). Por uma ordem mais analítica, os imperativos dizeres do art. 27, da Lei Ordinária, n°. 9.868/1999, corroboram esse tópico, merecendo registro tal redação:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Com isso, o mencionado preceptivo da Lei n° 9.868/1999 expõe dois casos autorizadores ao Supremo Tribunal Federal para afastar a regra geral de atribuição de efeitos retroativos numa eventual declaração de inconstitucionalidade, desde que respeitado o quorum de votação de 2/3 de seus Ministros, são eles:

· Razões de segurança jurídica;

· Ou razões de excepcional interesse social.

Em face disso, fica límpida a teleologia que estabeleceu equilíbrio substancial à relação processo-constitucional objetivo nos julgamentos das ações diretas de inconstitucionalidade, quanto à sustação dos efeitos retroativos para que se estabeleça eficácia decisória a partir do transito em julgado (ex nunc) ou de outro momento futuro (pro futuro) a ser fixado no provimento decisivo. Nesse diapasão, nos baseamos nas linhas do eminente Novelino quando diz que, em razão da segurança jurídica, “[...] o Tribunal poderá, por 2/3 de seus membros, fazer uma modulação temporal dos efeitos da decisão, fixando a sua aplicação a partir da decisão (ex nunc) ou mesmo de outro momento que venha a ser fixado (pro futuro) (Lei 9.868/99).” [47]

Resta demonstrado o porquê normativo de se adotar exceção à regra dos efeitos ex tunc, instituindo como fatores justificantes, em adequação à nossa tese, razões de segurança jurídica que a impugnação à lei pode emanar.

Indubitável a linha de pensamento que extrai a justificativa doutrinária mais cediça e geral: uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos retroativos é um abalo nas estruturas de um ordenamento jurídico, assim, em muitas situações socialmente habituais pautadas na norma até então constitucionais, desenvolver-se-iam convulsões insinuadoras de ameaças à segurança jurídica.

Ademais, tais atentados à segurança jurídica se cristalizariam, pois, até antes do reconhecimento judicial de incompatibilidade vertical da lei atacada com a Constituição, os direitos abolidos foram capazes de constituição de diversas relações jurídicas e, por conseguinte, fizeram nascer ou extinguiram várias garantias. Em síntese:

Por tal razão é que o art. 27 da Lei 9.868/99 fixa as razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social como obstativas à atribuição de efeitos retroativos radicais e à declaração de inconstitucionalidade, devendo – dada a natureza especialíssima de tal efeito – a decisão ser adotada por, no mínimo, dois terços dos Ministros do STF.[48]

Do exposto, percebemos que a real intenção da admissão do fenômeno da modulação temporal no controle de constitucionalidade concentrado-abstrato é a excepcional eliminação da teoria da nulidade absoluta ou do ato nulo, uma vez que, ao contrário do que prega esta última teoria, haverá uma afirmação de inconstitucionalidade sem acento de nulidade, notemos:

[...] acompanhando o direito alemão e o português, entre outros, a Lei n. 9.868/99, em seu art. 27, introduziu a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade. Nesse sentido, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu transito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Ou seja, diante de tais requisitos, o STF poderá dar efeito ex nunc.[49]

Diante disso, podemos concluir que a modulação temporal estabelece o ato de afastar a situação de inconstitucionalidade preexistente (desde a origem), considerando que, até o julgamento (ex nunc) ou até uma data futura (pro futuro), a norma é compatível e respeitosa com a Carta Superior. Em sentido paralelo, dizemos: por motivos de segurança jurídica, até a circunstância atual, a norma alvo de questionamentos apresentou serventia e foi hábil de produção dos efeitos teleogico-legislativos, logo não se deve rasgá-la do ordenamento como um ato banal.

3.2. Irrecorribilidade das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade e os Embargos de Declaração como único recurso cabível, inclusive hábil a mutação dos efeitos temporais, protegendo a segurança jurídica

Demonstrada as características adequadas à abrangência de nossa tese, importante citar que, tecida a decisão sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo pela Corte Constitucional pátria, não mais será cabível qualquer re-análise ou remédio jurídico sobre o provimento decidido, exceto no caso dos Embargos de Declaração.

Argumenta-se nessa linha, pois tal previsão é nítida na Lei n°. 9.868/1999, onde o art. 26 reza que o provimento jurisdicional que anuncia a (in)constitucionalidade da lei ou do ato normativo, em ação direta de inconstitucionalidade genérica, é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo ser objeto de ação rescisória.

A priori, cumpre novamente mencionar que a decisão que declara a inconstitucionalidade de uma criatura normativa deve, acima de qualquer fator, respeito à coisa julgada. Assim, entendemos que essa indiscutibilidade judicial disposta é mais do que lídima, mas essencial, tendo em vista que a finalidade-mor do processo objetivo constitucional é a manutenção incansável da supremacia constitucional. Corroborando com a ideia supra, citamos que:

A decisão declaratória de inconstitucionalidade, ademais, deve respeito à coisa julgada. Vale dizer, não tem o condão de rescindir a sentença passada em julgado, ainda que esta tenha sido prolatada com fundamento na lei ou ato normativo declarado inconstitucional. Destarte, a nulidade ex tunc da decisão declaratória de inconstitucionalidade não afeta, ao menos automaticamente, a coisa julgada, que representa, aliás, uma garantia constitucional. Para rescindir-se o julgado, exige-se a ação rescisória. E ação direta de inconstitucionalidade, já decidiu o Supremo, não é sucedâneo de ação rescisória.[50]

Diante disso, pergunta-se: por que se vislumbrar regra tão radical acerca da irrecorribilidade das decisões proferidas em sede de ADI? Pensamos, primeiramente, que os implementos do processo ordinário previstos na legislação infraconstitucional somente poderão ser aproveitados na medida em que forem compatíveis e necessários ao processo objetivo de controle.

Nesse ínterim, devemos ter em mente que a jurisdição constitucional desenvolvida nas demandas desta magnitude não se vale, essencialmente, como imperativos da dialética inter partes processual, comumente avistada no controle difuso-concreto e demais demandas ordinárias.[51] Ao contrário, buscam dirimir questões técnicas e científicas voltadas ao aperfeiçoamento do regimento jurídico pátrio.

Em suma, não se discutem situações particulares no processo de controle normativo concentrado-abstrato, mais precisamente por se tratar - o processo objetivo –, de um verdadeiro poder de polícia constitucionalmente legitimado. Sinteticamente:

[...] o caráter abstrato do processo objetivo afasta a aplicação plena das regras processuais ‘comuns’, vale dizer, daquelas próprias doa processos nos quais se discutem situações subjetivas. No caso do processo objetivo não se preocupa o Tribunal Constitucional com qualquer situação concreta que, ademais, nem sequer existe no seio do referido processo. Ocupa-se exclusivamente da regularidade da ordem constitucional.[52]

Fazendo um elo entre esse processo extraordinário (objetivo) e a indiscutibilidade das decisões em sede de julgamento de ADI, podemos concluir que, além de ser um processo técnico, suscetível somente de discussão de matéria de direito, busca-se a segurança jurídica por meio da modulação temporal, inclusive “tocada” pelos ressalvados Embargos de Declaração quando a modulação não for tomada de ofício, o que será visto mais à frente pelos fundamentos jurisprudenciais.

Afinal, como examinamos, os efeitos da decisão da ADI serão excepcionalmente irretroativos quando do uso do fenômeno da mutação temporal pelos fatores permissivos da segurança jurídica (art. 27 da Lei n°. 9.868/99).

Firmado isso, entendemos, portanto, que o critério ou requisito de uso da variação temporal pelo Supremo Tribunal Federal é simples: garantia à segurança jurídica quando a ordem legal e habitual for suscetível de maculação. Mas, como se inteira esse critério à luz da discutibilidade das normas quanto à constitucionalidade? Para replicar, nada melhor que nos valermos das noções simplórias, porém essenciais, de segurança jurídica sob os seguintes enfoques[53]:

· Garantia de previsibilidade das decisões judiciais;

· Meio de serem asseguradas as estabilidades das relações sociais;

· Veículo garantidor da fundamentação das decisões;

· Obstáculos ao modo inovador de pensar dos magistrados;

· Entidade fortalecedora das súmulas jurisprudenciais (por convergência e por divergência), impeditiva de recursos e vinculante;

· Fundamentação judicial adequada.

Diante desses aspectos, cremos que a Lei n°. 9.868/99 traz o requisito da segurança jurídica como fator permissivo à adoção da modulação temporal por entender o legislador infraconstitucional, bem como o Supremo Tribunal Federal que esta seguridade “[...] traz estabilidade às relações sociais juridicamente tuteláveis, em face da certeza a ela inerente, com a virtude de inibir o arbítrio e a violência, dando amparo às relações entre as pessoas e o Estado e entre as pessoas entre si.” [54]

Justamente por essas razões que nossos legisladores elegeram por suavizar o efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade. Entretanto, há algo ainda a ser analisado: sabemos que a atitude de modulação temporal é exclusiva do órgão julgador, qual seja, o STF, todavia pode tal feito ser provocado por interessado legitimado no rol do art. 103 da CF/88?

Sim, a Suprema Corte pátria tem entendido que, por meio do intento de Embargos Declaratórios, é possível a modificação dos efeitos temporais dados originariamente em julgamento de ação direta de inconstitucionalidade, se for o caso, independente de pedido na inicial para tanto.

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Em síntese, adentramos no cume de nossa tese, com isso, vejamos o que nos motiva em termos de precedentes jurisprudenciais no Informativo n°. 599 do Supremo Tribunal Federal:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, acolheu embargos de declaração para modular os efeitos de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade. Esclareceu-se que o acórdão embargado tem eficácia a partir da data de sua publicação (21.8.2009). Na espécie, o Supremo declarara a inconstitucionalidade da Lei distrital 3.642/2005, que dispõe sobre a Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal — v. Informativos 542 e 591. Reconheceu-se, de início, a jurisprudência da Corte, no sentido de inadmitir embargos de declaração para fins de modulação de efeitos, sem que tenha havido pedido nesse sentido antes do julgamento da ação. Entendeu-se que, no caso, entretanto, a declaração não deveria ser retroativa, por estarem configurados os requisitos exigidos pela Lei 9.868/99 para a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, tendo em conta a necessidade de preservação de situações jurídicas formadas com base na lei distrital. Mencionou-se, no ponto, que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc acarretaria, dentre outros, a nulidade de todos os atos praticados pela Comissão Permanente de Disciplina da Polícia Civil do Distrito Federal, durante os quatro anos de aplicação da lei declarada inconstitucional, possibilitando que policiais civis que cometeram infrações gravíssimas, puníveis inclusive com a demissão, fossem reintegrados. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello que não acolhiam os declaratórios, por não vislumbrar os pressupostos de embargabilidade, e rejeitavam a modulação dos efeitos. ADI 3601 ED/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 9.9.2010. (ADI-3601)[55]

Denota-se do presente caso que, independente de pedido aclaratório antes do julgamento, o atual entrosamento é de aquiescência dos presentes embargos para fins de modulação temporal. Destaque-se que o núcleo donde devemos nos debruçar é o fato de a Suprema Corte reconhecer que os efeitos originais da declaração de inconstitucionalidade, nesse caso, seriam extremamente prejudiciais à segurança jurídica (fulcro do art. 27 da Lei n°. 9.868/99).

Especialmente nesse caso, onde se julgou pela inconstitucionalidade da comissão permanente de disciplina da polícia civil do Distrito Federal, órgão o qual desenvolvia suas atribuições administrativas próprias de um poder regulamentar, viu-se a necessidade de não abraçar a teoria da nulidade absoluta no processo objetivo. Isso por que, caso fosse adotado o efeito ex tunc, os mencionados policiais civis, punidos com a pena de exoneração, deveriam ser reintegrados ao cargo, abalando à segurança jurídica esperada pelas relações sociais tuteladas.

Nessa etapa, a incoerência calharia se, ao decretar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, apesar de se reputar necessária a modulação temporal à vista das razões de segurança jurídica, tal atitude jurisdicional não fosse tomada por ausência do quorum permissivo do art. 27 da Lei n°. 9.868/99, qual seja, de 2/3 dos Ministros do STF. Prevendo esse verdadeiro acaso, a Suprema Corte se preparou nos seguintes moldes do Informativo 600, no julgamento da ADI 3.462 de relatoria da Ministra Carmen Lúcia, vejamos:

Em seguida, deliberou-se sobre o pleito de aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99 formulado pelo requerente. Ressaltou-se que o sistema pátrio comporta a modulação de efeitos, sem que isso signifique violação ao texto constitucional. Asseverou-se que a sua adoção decorreria da ponderação entre o Estado de Direito na sua expressão legalidade e na sua vertente segurança jurídica. Aduziu-se que o procedimento da modulação seria bifásico, escalonado e progressivo: o julgamento que se faz sobre o mérito da constitucionalidade e aquele referente à modulação de efeitos. Explicitou-se, nesse sentido, que ocorreriam duas apreciações autônomas e distintas, sendo que a segunda — a qual envolveria a questão da modulação — tem como pressuposto a declaração prévia de inconstitucionalidade. Assim, reafirmou-se a possibilidade da suspensão de julgamento para se colher os votos de Ministros ausentes, quando não alcançado, na assentada, o quórum a que alude o referido art. 27 da Lei 9.868/99. Divergiu, no ponto, o Min. Marco Aurélio. Entretanto, no caso dos autos, em razão de também terem votado contra a incidência do referido dispositivo legal os Ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, Presidente, constatou-se a inviabilidade da modulação, ante a ausência de quórum. ADI 3462/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, 15.9.2010. (ADI-3462) (grifo nosso)

Então, a solução prática dada foi a suspensão do julgamento para a simples colheita de assinaturas dos Ministros originariamente ausentes, o que calha por ser brilhante dadas noções de seguridade jurídica e parcimônia num julgamento dessa espécie, especialmente, pela natureza do processo objetivo.

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Sobre o autor
Gustavo Guilherme Maia Nobre Silva

Advogado em Maceió (AL). Especialista em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Gustavo Guilherme Maia Nobre. A modulação temporal dos efeitos das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade face à segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3529, 28 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23833. Acesso em: 22 nov. 2024.

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