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Copa, mesa e cama: turismo sexual em grandes eventos.

Aspectos sociais e legais

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04/03/2013 às 13:42
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IV.“Ubi Bene, UbiPatria”. Onde se está Bem, aí está a Pátria.

Lembremo-nos dos argumentos, aqui já suscitados, de que as políticas que, porventura, existam contra a prostituição são de natureza moralizadoras, e de que quaisquer medidas repressivas quanto às suas práticas ferem a autonomia da vontade de homens e mulheres de disporem de seus corpos da maneira que melhor lhes aprouver, indo essas medidas de encontro às suas próprias dignidades. Seríamos favoráveis a esses argumentos, se as pessoas que viessem a dispor comercialmente de seus corposhouvessem sido contempladas com políticas públicas inclusivas, tais como as de saúde, educação, moradia e geração de emprego. Se pessoas para as quais a sociedade abriu todas as possibilidades para um mínimo existencial digno, nesse mínimo estando contemplado a nosso ver uma formação em um curso técnico ou em um curso superior, escolhessem como atividade laboral o comércio carnal, nada teríamos a nos opor. No entanto, os fatos e os dados nos mostram que a grande maioria dessas pessoas que fazem essa “livre” escolha, que agem segundo as suas “autonomias”, são aquelas que não podemos sequer dizer que foram esquecidas pelo estado, pois entendemos que nunca foram, ao menos, lembradas por ele. E, se por acaso, alguma vez foram focalizadas pelas políticas estatais, mais ainda no que concerne às políticas de incentivo ao turismo, o foram para servirem de apelo aos alienígenas que viriam ao Brasil para confirmarem a percepção do teólogo Gaspar vonBarlaeus de que não haveria pecado do lado de baixo do Equador. Se seriam abusadas, se sofreriam desilusões ou violência, isso não era um problema social a ser enfrentado e devidamente solucionado. Não seria um problema social, político e, ainda menos, legal. Não somos favoráveis à criminalização da prostituição, não é isso que propomos. Mas queremos chamar a história do Brasil e o seu modelo político e social às falas. Queremos tirar o véu de hipocrisia que encoberta o “mens legis” ao normatizar os crimes sexuais, historicamente, de forma à manutenção da família patriarcal e bem menos ou nada com vistas à manutenção do bem-estar físico e emocional das suas vítimas. Queremos tirar o véu da hipocrisia de que o legislador é historicamente liberal ao não tipificar a prostituição, quando inferimos que ele assim o fez, porque ela foi um forte instrumento de manutenção de “corpos de reserva” para a preservação da virgindade das moças, porque evitaria a existência de tantas “teúdas e manteúdas”[4] e porque serviam como filtro de purgação dos “vícios” para os quais as santas mães de família não poderiam ser expostas. Mas tendo em vista que estes fatores pertencem ao passado, o que faria hoje o Estado e o legislador serem a favor da prática no caso brasileiro? Defendemos que os são favoráveis pelas mesmas razões que os são omissos em relação ao turismo sexual. Somos da opinião de que a prostituição proporciona às suas praticantes aquilo que o Estado as nega e, portanto, a mantém como forma de serem menos pressionados a implementarem políticas sociais. Examinando o fenômeno, vemos, através dele, que homens e mulheres, rapazes e moças a quem chamamos de vítimas do turismo sexual, quer pratiquemo meretrício por vontade própria ou não, aprendem na vida que o Estado pode ser visto sim, pode ser tocado sim, pode ser escutado sim, mesmo em uma língua estrangeira e que ele anda de avião. O Estado para essas pessoas é esse estrangeiro que é visto não como um algoz, mas como aquele que poderá socorrê-las de sua própria pátria, que não é pátria, mas “padrasta”, a fim de atribuir-lhe um nome, um lugar no mundo, uma existência, uma cidadania. Se existe hoje, alguma preocupação com o turismo sexual, ele existe porque se percebeu que ele não é tão lucrativo além de ser um caminho para a prática de crimes considerados mais graves como o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, como já aludimos.

Estamos em contagem regressiva para abrirmos as portas da “casa-Brasil” para “copas, mesas e camas”. Os Municípios que hospedarão os jogos correm contra o tempo na construção de infraestrutura. De acordo com o Ministério dos Esportes e Orçamento Anual dos Municípios do Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Fortaleza e Natal, cidades praianas onde tradicionalmente ocorre o turismo sexual, desde 2010 essas capitais têm gasto cerca de 5 milhões de reais por ano em políticas de prevenção e combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, enquanto que os investimentos na Copa giram em torno de 2 bilhões de reais[5]. Não se encontram estatísticas a respeito do turismo sexual, suas cifras são ocultas e sabe-se que não se elaboram ou se implementam políticas públicas sem dados e orçamento. Segundo o Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Estados e Municípios estão ausentes das discussões, inertes nas ações e omissos em seus orçamentos[6]. Salientando que os investimentos pífios quando os há, são apenas para crianças e adolescentes, pois mulheres e homens adultos em vulnerabilidade social sequer são considerados quando se trata de exploração sexual, afinal são “autônomos” e fazem o que bem entenderem com seus corpos e as suas sexualidades. O fato é que, a despeito de taças, medalhas e troféus que alguns jovens do país venham a ganhar, grande parte deles, seguem sem copa, mesa, cama e sala, sejam sala de estar, sala de estudo ou sala de trabalho, e continuam a contabilizar gols ao serem chutados pela pátria amada canarinha no fundo das redes de esgoto.


REFERÊNCIAS:

Livros:

ESTEFAM, A.Crimes Sexuais. São Paulo: Saraiva, 2009.

FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Global Editora, 2006.

HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958.  vol. 8.

LÉVI-STRAUSS, C. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

NORONHA, E. M. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1998. vol.3.

PARKER, R.G. Corpos, prazeres e paixões: a cultura sexual no Brasil contemporâneo. São Paulo: Best Seller, 1991.

PIERANGELI, J. H. Códigos Penais do Brasil: Evolução Histórica. São Paulo: Javoli, 1980.

Dicionário:

COSTA, W. V. Latim: minidicionário de expressões jurídicas. São Paulo: Ícone, 2005.

Leis:

Código Penal. Antônio Clarét Maciel do Santos, org. São Paulo: Rideel, 1996.

Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal, Legislação Penal e Processual Penal. Luiz Flávio Gomes, org. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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Internet:

Jornal Gazeta do Povo http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/infancia-sem-copa/

Acessado em 02 de março de 2013.


Notas

[1] O antropólogo belga Claude Lévi-Strauss viveu no Brasil de 1935a 1939, tendo publicado o livro “Tristes Trópicos” em 1955 como  produto  dessa experiência.

[2]Bases Críticas para a reforma do Direito Penal Sexual. Tese de livre-docência. Faculdade de direito da USP. São Paulo, 2006. P. 412, apud Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1115

[3] Segundo dados apresentados pelo Jornal Gazeta do Povo de Curitiba.

[4] Denominação legal dada às mulheres que mantinham uma relação amorosa e eram mantidas economicamente por um homem sem serem casadas com ele,geralmente um homem já casado.

[5] De acordo com os mapas orçamentários desenhados pelo Jornal Gazeta do Povo de Curitiba.

[6] Citado no Jornal Gazeta do Povo de Curitiba. 

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Sobre a autora
Andrea Almeida Campos

Professora de Direito da Universidade Católica de Pernambuco. Doutoranda. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Andrea Almeida. Copa, mesa e cama: turismo sexual em grandes eventos.: Aspectos sociais e legais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23870. Acesso em: 23 dez. 2024.

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