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Aspectos legais e jurisprudenciais da inelegibilidade do analfabeto

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05/03/2013 às 08:15
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VIII. TIRIRICA: Um caso emblemático

Nesse tópico trataremos de um caso emblemático na história jurídico-eleitoral deste país. Trata-se da candidatura e eleição do palhaço Franciso Everardo Oliveira Silva, popularmente conhecido como “Tiririca”.

Tiririca, após filiar-se ao PR- Partido da República, concorreu nas eleições de 2010 a uma das cadeiras de deputado federal pelo Estado de São Paulo, alcançando quase 1,4 milhão de votos.

Ocorre que uma celeuma estabeleceu-se acerca do preenchimento ou não pelo humorista de um dos requisitos para eleição, qual seja a alfabetização.

À época do registro de candidatura, Tiririca não apresentou comprovante de escolaridade, substituindo-o por declaração de próprio punho afirmando sua alfabetização, nos termos da lei n.º 9.504/97 e da Resolução n.º 22.717 do TSE, logrando êxito em registrar sua candidatura.

Em seguida, o Ministério Público Eleitoral ajuizou ação imputando ao palhaço a prática de conduta criminosa, vez que, segundo a denúncia, a referida declaração não teria sido lavrada por Tiririca, que teria incorrido em crime de falsidade ideológica.

Na seara eleitoral, o Parquet sustentava a tese de que Tiririca seria analfabeto e, portanto, não preencheria os requisitos suficientes para sua candidatura, razão pela qual impugnou registro da mesma.

A ação penal foi rejeitada de plano, sob o fundamento de falta de justa causa, já que não haveria elementos suficientes para o oferecimento da denúncia. Nesse ponto, publicamente, Tiririca afirmou que solicitou ajuda de sua esposa para lavratura da declaração, tendo em vista uma incapacidade motora que lhe acometera, limitando sua atividade manual e prejudicando sua escrita.

Na Corte Eleitoral, com o objetivo de demonstrar sua alfabetização, o humorista foi submetido a um ditado de palavras.

A frase ditada foi extraída aleatoriamente de um livro da Justiça Eleitoral. “A promulgação do código eleitoral em fevereiro de 1932 trazendo como grandes novidades a criação da Justiça Eleitoral”. Tiririca teve, ainda, que ler duas manchetes: “Procon manda fechar lojas que vendem produtos vencidos” e “O tributo final a Senna”.

Para o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Tiririca satisfez as exigências constitucionais atinentes à matéria, sendo, pois, capaz de concorrer ao cargo eletivo a que se candidatou.

O Ministério Público Eleitoral ainda impetrou dois mandados de segurança buscando a submissão do palhaço a novos testes, sendo ambos denegados unanimemente.

Com seus 1.353.820 (um milhão, trezentos e cinquenta e três mil, oitocentos e vinte) votos, Tiririca se elegeu e arrastou consigo mais três deputados. Tudo graças ao sistema proporcional brasileiro e ao quociente eleitoral.


IX. ELEIÇÕES 2012: A CELEUMA CONTINUA

Feitas as exposições acima resta evidente a incessante discussão sobre o tema, sendo que a c ocorrência do pleito eleitoral de 2012 as instâncias da Justiça Eleitoral não parecem encontrar decisão uníssona sobre o grau de alfabetização exigido ao pretenso candidato a ser aferido na análise do pedido de registro de candidatura.

Neste contexto, mostra-se interessante a transcrição de decisões emanadas do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia e do Tribunal Superior Eleitoral que, ao analisarem um mesmo caso, adotaram posições antagônicas.

Neste sentido, tem-se a ementa da decisão abaixo transcrita proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, que em análise de recurso manteve a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido de registro de candidatura de pretenso candidato por vislumbrar que o mesmo não possui alfabetização suficiente para o tornar elegível.

“Recurso. Registro de Candidatura. Vereador. Indeferimento. Analfabetismo. Caracterização. Inelegibilidade. Artigo 14, §4º, da CF. Parecer da Procuradoria Regional Eleitoral pelo desprovimento do recurso. Desprovimento. Nega-se provimento a recurso, para manter a decisão zonal que indeferiu o registro de candidatura em análise, quando verificado que o candidato não possui um grau mínimo de alfabetização, revelando-se inelegível, a teor do disposto no artigo 14, §4º, da CF. (Acórdão Nº 1655 - Relator Juiz Roberto Maynard Frank; Julgado - RE nº 9422 - Sessão Ordinária em 16/08/2012)

O acórdão acima restou substituído por decisão da Corte Maior que em sentido contrário entendeu que o pretenso candidato preenchia os requisitos constitucionais e infraconstitucionais de elegibilidade no que tange ao grau de alfabetização. Trascreve-se abaixo parte do decisum sob comento:

(...)Aduz, ainda, que o juízo eleitoral, após afastar a sua comprovação de escolaridade, "mediante portaria exigiu de todos os candidatos daquela comarca o diploma de ensino médio ou superior" (fl. 78).

Verifico que o teste aplicado pelo contém uso de palavras com grau de dificuldade elevado, bem como questões de matemática que vão além do simples fato de se saber ler e escrever (fls. 28-29).

Constato, ainda, que o candidato conseguiu escrever palavras de forma inteligível na declaração de próprio punho, por ele apresentada, e no teste.

Ademais, consta a sua assinatura na referida declaração, no teste em comento, assim como em documentos que instruem o pedido de registro(fls. 3-5; 11 e 28-29).

Em face dessas circunstâncias, entendo que o candidato não é analfabeto.Lembro que a jurisprudência é pacífica no sentido de que "as restrições que geram as inelegibilidades são de legalidade estrita, vedada interpretação extensiva" (v.g., Recurso Ordinário nº 2514-57, rel. Min. Gilson Dipp, de 6.10.2011; Consulta nº 1.221, Res.-TSE nº 22228, rel. Min. Carlos Ayres Britto, redator para o acórdão Min. Marco Aurélio, de 6.6.2006).Entendo que essa orientação se aplica, inclusive, quanto à configuração da inelegibilidade do art. 14, § 4º, da Constituição Federal, devendo ser exigido apenas que o candidato saiba ler e escrever, minimamente, de modo que se possa verificar eventual incapacidade absoluta de incompreensão e expressão da língua, o que não se averigua na hipótese dos autos.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso especial, nos termos do art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de deferir o pedido de registro de Pedro Ferreira de Oliveira ao cargo de vereador do Município de Paripiranga/BA.

Publique-se em sessão.

Brasília, 11 de setembro de 2012.

Ministro Arnaldo Versiani

Relator”

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 94-22.2012.6.05.0052 - PARIPIRANGA - BAHIA.; Recorrente: Pedro Ferreira de Oliveira).

O caso acima exposto bem demonstra que estamos longe de chegar a um consenso para a celeuma, transparecendo o embate que envolve a conceituação de analfabeto, sendo que boa parte da defesa dos candidatos sustenta não caber ao Estado, nesse caso, impor restrições ao cidadão, uma vez que configura responsabilidade constitucional do ente público erradicar o analfabetismo, mister este não cumprido, conforme se aduz das decisões acima.


X. DISPOSIÇÕES FINAIS

Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público que cuida de regulamentação dos direitos políticos do cidadão e do processo eleitoral através de Justiça especializada, que possui sua organização determinada pela Constituição Federal.

Um dos temas de maior relevo no estudo e aplicação do Direito Eleitoral são os direitos políticos que entre outros tópicos dispõe sobre as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade dos cidadãos.

O presente estudo buscou demonstrar a classificação das inelegibilidades, em como a breve explanação sobre aquelas determinadas pela Constituição Federal.

Porém, como principal objetivo, atribuiu-se maior ênfase a causa específica de inelegibilidade, qual seja o analfabetismo, disciplinado pelo art. 14, § 4º, da Constituição da República e pela resolução 22.717/2008 editada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

É ônus do candidato que pleiteia o registro de sua candidatura perante o Juiz Eleitoral, a comprovação de sua escolaridade, mediante a apresentação do comprovante de escolaridade e caso não o faça, cabe ao Magistrado buscar meios para formar seu convencimento a respeito da instrução do pretenso candidato.

Usualmente, em caso de dúvida, os Juízes Eleitorais vêm aplicando testes para verificar o nível de escolaridade dos pleiteantes, lastreando suas decisões a respeito do deferimento ou não das candidaturas nestes testes.

Porém, muito embora se esforcem, nem a doutrina nem a jurisprudência pátria tem um conceito estabelecido a respeito do que é o analfabetismo. Nem mesmo a Constituição e a Legislação Complementar especificam o que representa o analfabetismo.

Tem se entendido que basta a leitura e escrita do nome, acrescido de um mínimo de compreensão e interpretação sobre textos apresentados. Mas não existem parâmetros objetivos estabelecidos para os Magistrados, entabulando os requisitos mínimos que devem ser aferidos.

Devido à importância das funções que serão exercidas pelos candidatos, acaso eleitos, cumpre ao Poder Legislativo editar norma complementar especificando se a inelegibilidade diz respeito apenas aos analfabetos ou também aos analfabetos funcionais, com intuito de permitir a Justiça Eleitoral a plena aplicação da norma Constitucional.

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Entendemos que, para exercício da função pública, o cidadão necessita ao menos compreender os textos que lhe são apresentados, tendo a habilidade de interpretá-los, sob pena de impossibilidade do exercício da função legislativa e atos do Poder Executivo inerentes ao cargo para qual fora eleito.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Costa, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

- Costa, Adriano Soares. Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral, editora Del Rey.

- Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ed.Positivo.

- Ferreira, Pinto. Manual prático de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 1973.

- Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. Del Rey, 2008.

- Instituto Paulo Montenegro (www.ipm.org.br)

- Jardim, Torquato.Direito Eleitoral Positivo, 2ª edição, Brasília Jurídica.

- Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 21ª ed.- São Paulo: Atlas, 2007.

- Niess, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos, 2. ed., Bauru: Edipro.

- Resende, Edson de Castro.Teoria e Prática do Direito Eleitoral. 4ª ed. Mandamentos, 2008.

- Soares, Adriano. Elegibilidades e Inelegibilidades,Letras Contemporâneas editora.

Távora, Pedro Henrique.Direitos Políticos: condições de elegibilidade e inelegibilidade. 2ª ed. Edipro, 2000, p. 23.

- Endereço eletrônicos:  <www.tre-ba.jus.br>

- Endereço eletrônicos: <www.tse.jus.br>

- Endereço eletrônicos: <www.stf.jus.br>


Notas

[1]Távora, Pedro Henrique.Direitos Políticos: condições de elegibilidade e inelegibilidade. 2ª ed. Edipro, 2000, p. 23.

[2] Costa, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

[3] Art. 14 (...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

[4] http://www.paranaeleitoral.gov.br/artigo_eletronico.php?cod_texto=26, consulta em 23 de julho de 2008

[5] Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. Del Rey, 2008, p. 131

[6] § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

[7] Resolução 22.717 de 2008, art. 16

[8] Retirado de http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2675424-EI306,00-Brasil+registra+alto+indice+de+analfabetismo.html, consulta realizada em 20 de julho de 2008.

[9] Costa, Adriano Soares. (Teoria da Inelegibilidade e o Direito Processual Eleitoral, editora Del Rey, P. 109).

[10] Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, ed.Positivo. pag. 28

[11]Fonte: Instituto Paulo Montenegro (www.ipm.org.br)

[12] Soares, Adriano. Elegibilidades e Inelegibilidades,Letras Contemporâneas editora, p. 33.

[13] Op. Cit. P.111

[14] Jardim, Torquato.Direito Eleitoral Positivo, 2ª edição, Brasília Jurídica, P.73.

[15] Niess, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos, 2. ed., Bauru: Edipro, p.108

[16] Artigo: A inelegibilidade do analfabeto. Eurico Antônio G. C. dos Santos, extraído do site http://www.senado.gov.br/conleg/artigos/direito/AInelegibilidadedoAnalfabeto.pdf, consulta em 29 de julho de 2008

[17] Texto publicado em www.tre-pi.gov.br/novo/noticias/noticias.jsp?id=3501, consulta em 16 de novembro de 2011.

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Sobre o autor
Josué Teles Bastos Junior

Bacharel em Direito, Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, Especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS JUNIOR, Josué Teles. Aspectos legais e jurisprudenciais da inelegibilidade do analfabeto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3534, 5 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23878. Acesso em: 22 nov. 2024.

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