I – INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo analisar as principais questões relacionadas ao mecanismo de constituição de joint ventures, além das peculiaridades que este instituto importado do direito consuetudinário contempla.
Cumpre-nos destacar que o instituto em referência surgiu no Direito Anglo Saxão, especificamente na prática privada, ou seja, nos contratos que lhe dão nascimento, além das operações comerciais, sendo certo que, no direito brasileiro, não há um consenso com relação à definição de um termo equivalente a joint venture.
No entanto, é comumente utilizado pela doutrina societária o termo Empreendimento Comum como vocábulo equivalente ao instituto da joint venture.
Adicionalmente, ressalta-se que a joint venture constitui uma parceria entre agentes econômicos com competências diversas com o intuito de unir forças e criar uma sinergia mútua para a realização de um empreendimento comum ou ampliar oportunidades de negócios em benefício dos parceiros.
Importante destacar a definição de joint venture elaborada pelo doutrinador Sérgio Le Pera, a seguir: “a expressão joint venture é usada na linguagem comercial para aludir a qualquer acordo empresarial, para a realização de um projeto específico, independentemente da forma jurídica adotada1”.
Passemos, portanto, a analisar as peculiaridades deste instituto tão interessante e complexo que é a joint venture.
II– ESPÉCIES DE JOINT VENTURES
Sublinha-se, inicialmente, que o modelo jurídico americano de joint venture adaptou-se aos negócios nacionais e internacionais, necessitando, portanto, de uma estrutura jurídica suscetível de regular os termos e condições de sua constituição.
JOINT VENTURES NACIONAIS E INTERNACIONAIS
As joint ventures podem ser nacionais ou internacionais, sendo assim classificadas de acordo com a nacionalidade dos participantes co-ventures.
Como o próprio nome diz, a joint venture nacional é formada por participantes da mesma nacionalidade. Por outro lado, a joint venture internacional é composta por co-ventures de nacionalidades diversas, em que um deles é uma empresa estrangeira que se associa com a do país onde deseja executar o projeto.
Destaca-se que a joint venture internacional ou transnacional é uma excelente opção de parceria, haja vista o know-how da empresa estrangeira no seu mercado de atuação. Fator este que poderá ser aproveitado pela empresa local, especialmente a capacidade tecnológica, empresarial e financeira da primeira.
Importante frisar que a definição de joint venture internacional não é pacífica entre os doutrinadores, vez que tal instituto está diretamente relacionado às relações econômicas internacionais, área bastante dinâmica e repleta de peculiaridades.
Diante das imprecisões a respeito de uma definição clara e precisa do termo joint venture, a melhor alternativa é não classificá-la em nenhum instituto de direito interno e considerá-la, como explanado acima, um mecanismo de cooperação entre empresas que não possui uma forma jurídica específica.
Além das espécies de joint ventures destacadas acima e levando em conta o campo das operações comerciais internacionais e as formas de joint venture conhecidas nos Estados Unidos, podemos classificá-las em duas modalidades, conforme será demonstrado a seguir.
EQUITY JOINT VENTURES E NON EQUITY VENTURES
Considerando a participação financeira dos participantes, as joint ventures podem ser divididas em: i) Equity Joint Ventures, em que há o investimento direto de capital na sociedade, sendo certos que os agentes envolvidos estarão sujeitos aos riscos do negócio; e ii) Non Equity Joint Ventures, formadas por outras espécies de contribuições que não a de capital.
CORPORTATE E NON CORPORATE JOINT VENTURES
Formalmente, as joint ventures podem ser classificadas em: i) Corporate Joint Venture, em que há formação de uma nova pessoa jurídica, ou seja, sociedade ou empresa; e ii) Non Corporate Joint Venture, cuja associação de interesses não resulta a criação de uma pessoa jurídica.
Tendo em vista a junção das duas classificações tratadas acima, destacam-se algumas formas de joint venture, cujas principais características serão tratadas a seguir.
Na equity corporate joint venture há uma divisão dos riscos financeiros entre os participantes e a tomada de decisões ocorre de acordo com a participação conjunta de capitais em uma empresa comum.
Já a figura da non corporate joint venture ou joint venture contratual, como é conhecida no Brasil, contempla uma associação de interesses que não resulta na formação de uma pessoa jurídica com personalidade jurídica diversa daquela dos co-ventures. Desta forma, não há contribuição de capitais, porém, os riscos financeiros também serão compartilhados entre os participantes, tal como na equity corporate joint venture.
Sublinha-se, ainda, que a corporate joint venture ou joint venture societária é constituída por meio da celebração de um contrato de constituição de uma empresa entre dois ou mais empresários, sendo eles pessoas naturais ou sociedades empresarias. Os contratantes se unem para a realização de objetivos empresariais comuns, dentre os quais mencionamos os seguintes: expandir a capacidade produtiva, usar tecnologia e recursos humanos com o intuito de desenvolver novos produtos ou tecnologia.
Com relação aos instrumentos jurídicos utilizados para o nascimento da corporate joint venture, os doutrinadores Lamy Filho e Bulhões Pedreira2 destacam as seguintes possibilidades:
i) Contrato, podendo ser classificado como Acordo Básico ou Contrato de Investimento, em que constarão todas as condições do negócio e demais instrumentos a serem celebrados;
ii) Estatuto Social da companhia existente ou a ser constituída; e
iii) Acordo de Acionistas, o qual esgotará as matérias não tratadas no estatuto, devendo conter, portanto, cláusulas relativas às peculiaridades da joint venture.
Os instrumentos jurídicos e suas características serão abordados com mais profundidade em tópico específico no presente estudo.
Destaca-se, ainda, a classificação de joint ventures segundo a prática internacional de setores de atividade. Nesse sentido, salientaremos de forma exemplificativa alguns dos setores da economia em que as joint ventures estão presentes.
EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS E PETROLÍFEROS
Neste ramo de atividade a associação empresarial pode ser considerada uma alternativa eficaz para mensurar os riscos do empreendimento e investimentos de capital.
Os co-venturers podem optar pelo tipo de associação que melhor lhes convier, seja ela corporate ou non corporate.
AGRUPAMENTOS BANCÁRIOS
As associações mais utilizadas neste caso são as joint ventures puramente contratuais, haja vista a simplicidade dos objetivos almejados, dentre os quais citamos a troca de informações bancárias entre instituições bancarias.
INDÚSTRIA E CONSTRUÇÃO
O ramo da indústria e construção necessita de um grande aporte financeiro para a execução das atividades do negócio, o que facilita a existência de muitos riscos. Desta forma, é comum haver a constituição de joint ventures nesse sentido, possibilitando que os co-venturers dividam os riscos envolvidos no empreendimento comum.
Geralmente, a associação surgirá por meio de contratos, cujo objetivo primário será a definição da responsabilidade de cada participante com relação ao projeto, além de mensurar os riscos envolvidos.
PESQUISA E FABRICAÇÃO COMUM
Neste ramo de atividade é usual a formação de corporate joint ventures, em que os riscos do empreendimento serão partilhados entre os participantes.
Por ser considerado um ramo de atividade extremamente relevante para a sociedade, importante destacar alguns exemplos de associações nesse sentido, a seguir:
Volkswagen: a Volkswagen AG alemã uniu-se ao Eicher Group para viabilizar o mercado automobilístico indiano, que será objeto de uma joint venture futura entre ambas as empresas;
Heineken: em 1994 a fabricante holandesa de cerveja Heineken NV assinou um acordo com a hímen Brewery Co. Ltd, da China. O escopo principal do acordo entre as duas empresas é a construção de uma fabrica de cervejas na ilha de Hainen, China; e
General Motors: a AC Delco Systems, unidade do grupo General Motors Corp. (GM), associou-se com um grupo de empresários sauditas para a construção de uma fábrica de baterias para automóveis na Arábia Saudita.
ASSOCIAÇÕES DE INVESTIMENTOS
Atualmente, é muito comum que sociedades nacionais aportem seus recursos em investimentos estrangeiros, o que, muitas vezes, resulta na formação de joint ventures.
Além disso, ressalta-se que as empresas nacionais também podem unir-se com parceiros estrangeiros para obtenção de recursos tecnológicos e know-how diversos, vez que o sucesso do negócio pode depender de tais fatores.
III – A JOINT VENTURE E A LEGISLAÇÃO DO PAÍS-SEDE – BRASIL
A atividade empresarial envolve diversos aspectos, tais como investimento de capital, viabilização do negócio, contratação de mão-de-obra especializada, verificação de custos, dentre outros.
Tendo por base as características apontadas acima, é de suma importância que o empresário busque novos mercados para a escolha da sede de seus negócios, devendo ser considerados países cujas perspectivas sejam mais atrativas que o de sua origem. Dentre as perspectivas existentes, destacam-se o melhor aproveitamento de mão-de-obra, tributação mais moderada ou inexistente e regime jurídico favorável à remessa de lucros e investimentos estrangeiros.
A internacionalização de empresas é um tema bastante complexo, pois envolve questões relacionadas ao país de origem dos envolvidos, podendo estar relacionadas à circunstâncias alheias como a concorrência externa, as barreiras alfandegárias, a proteção de marcas e patentes, conflitos culturais, dentre outras.
Adicionalmente, importante mencionar que a legislação dos países em que atua é um fator de suma importância para os operadores econômicos, vez que afetam as relações comerciais existentes e a distribuição do produto.
Nesse contexto, surgem as associações empresarias como modalidades de investimento.
O Brasil, por ser considerado um país bastante economicamente promissor, é alvo de investidores estrangeiros que buscam otimizar o lucro de seus negócios, fato que passaremos a descrever sucintamente.
ATUAÇÃO DIRETA E INDIRETA DAS EMPRESAS ESTRANGEIRAS NO PAÍS
A atuação de empresas estrangeiras no Brasil pode ocorrer de forma direta ou indireta. A primeira espécie se traduz pela empresa estrangeira que pede autorização para atuar no Brasil por meio das seguintes formas:
i) Filial: uma empresa estrangeira que deseje atuar diretamente em país distinto daquele de sua sede precisa do reconhecimento da sua personalidade jurídica no país a que se destina.
Neste caso, observa-se, em direito internacional privado, que as sociedades devem obedecer à lei do Estado em que se constituírem (artigo 11, da lei de Introdução ao Código Civil).
A abertura de uma filial de empresa estrangeira no Brasil envolve um procedimento demorado e bastante oneroso, sendo aconselhável a constituição de uma empresa no Brasil.
Além da filial, podemos verificar que as subsidiárias desempenham papel semelhante, uma vez que representam, em alguns casos, um exercício direto de atividades.
ii) Constituição de empresa no Brasil: Empresas estrangeiras com sede no Brasil são consideradas empresas brasileiras, haja vista a indistinção constante na Constituição Federal brasileira entre empresas brasileiras e estrangeiras.
Se o investidor estrangeiro optar pela constituição de uma empresa com sede no Brasil, terá a faculdade de escolher o tipo societário que adotara na sua nova sociedade, sendo os mais comuns a Sociedade Anônima e a Sociedade Limitada.
JOINT VENTURE E O DIREITO SOCIETÁRIO
Os co-ventures que desejam criar uma nova pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica própria no Brasil podem beneficiar-se dos diversos tipos societários que o direito brasileiro oferece, dentre os quais destacamos a Sociedade Empresária Limitada e a Sociedade Anônima.
JOINT VENTURE E CAPITAL ESTRANGEIRO
O investidor estrangeiro, participante de uma joint venture nacional, deve preocupar-se com determinadas garantias que a legislação nacional dispensa às remessas de capital ao exterior.
Sublinha-se a Lei n. 4.131, de 1962, a qual trata dos principais aspectos e diretrizes que os investimentos estrangeiros possuem no Brasil.
O artigo primeiro da Lei n. 4.131, de 1962, considera capital estrangeiro aquele que : i) se destina ao exercício de atividade econômica; ii) entrem no país sem dispêndio inicial de divisas; e iii) pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou com sede no exterior.
Destaca-se, ainda, que as empresas de capital estrangeiro podem explorar quaisquer atividades econômicas no Brasil, excetuando-se àquelas constantes na Constituição Federal.
Por fim, ressalta-se que a procedência do capital não determina a nacionalidade da empresa de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, a maior ou menor participação societária estrangeira na composição do capital da empresa pode determinar outras consequências de ordem fiscal por exemplo.
IV – O PARCEIRO ADEQUADO PARA A JOINT VENTURE
A parceria entre os participantes de uma joint venture deve resultar em um negócio lucrativo, em que os empresários envolvidos devem fazer um estudo prévio de viabilidade do projeto.
Para que o negócio comum logre os efeitos desejados pelas partes envolvidas, deve-se buscar a convergência de interesses de todos os pontos, possibilitando assim que a joint venture seja bem-sucedida.
Desta forma, o sucesso da joint venture depende, além de outras coisas, da compatibilidade existente entre os parceiros, especialmente na confiança e respeito mútuo existentes.
Além disso, importante que os co-ventures definam as responsabilidades, vantagens e desvantagens que terão dentro do empreendimento comum.
V – DAS FORMALIDADES DA JOINT VENTURE SOCIETÁRIA
Cumpre-nos ressaltar a Instrução Normativa n.76 (“IN”), expedida pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio – DNRC, cujo objetivo central é estabelecer as diretrizes para a celebração regular do contrato de joint venture societária.
Dentre as formalidades constantes na Instrução Normativa em questão, citamos a necessidade de juntar cópias autenticadas dos documentos que comprovam a existência da empresa no seu país de origem.
Nesse sentido, o caput do artigo segundo da IN, dispõe que é indispensável, em casos de participação de estrangeiros em sociedades constituídas no território brasileiro, o arquivamento de procuração específica, outorgada ao seu representante no Brasil, no órgão responsável pela execução do Registro Público Mercantil.
O instrumento de mandato destacado acima deve contemplar poderes para o representante legal receber citação judicial em ações propostas contra ela.
Ressalta-se, ademais, a obrigatoriedade de que os documentos oriundos do exterior sejam devidamente autenticados ou visados por autoridade consular brasileira, e ainda, dependendo das regras do país de origem, ser acompanhados de tradução efetuada por tradutor autorizado em qualquer Junta Comercial do país.
Por fim, o administrador da nova sociedade deverá residir no Brasil.
VI – EXERCÍCIO DO PODER DE CONTROLE EM JOINT VENTRUES
De acordo com o doutrinador Fabio Comparato, o exercício do poder de controle interno de uma joint venture pode ser classificado da seguinte maneira:
i) controle totalitário, em que a maioria das ações está concentrada nas mãos de um único acionista ou grupo de acionistas;
ii) controle majoritário, ocorre quando mais da metade do capital com direito a voto encontra-se nas mãos de um único acionista ou grupo e acionistas;
iii) controle minoritário, em que o acionista com menos da metade das ações com direito a voto elege a maioria dos administradores; e
iv) controle gerencial; o capital social é extremamente pulverizado, o que impede os acionistas de afastar a administração.
Sendo assim, o controle deve ser exercido de acordo com os interesses da joint venture e não dos interesses dos co-venturers.
VII – CONCLUSÃO
O instituto da joint venture é bastante complexo e envolve diversas temáticas, tais como regras próprias e específicas.
Como já mencionado anteriormente, apesar do termo joint venture não possuir uma tradução literal para o nosso idioma, podemos defini-lo como a formação de uma parceria entre agentes econômicos com competências diversas com o intuito de unir forças e criar uma sinergia mútua para a realização de um empreendimento comum ou ampliar oportunidades de negócios em benefício dos parceiros.
Sublinha-se que a constituição de uma joint venture pode ou não resultar na criação de uma nova pessoa jurídica, sendo possível que os participantes do negócio comum definam a melhor estratégia para lograr o resultado esperado.
Apenas para concluir o presente estudo, destacamos que o instituto em epígrafe possui muitas características atrativas aos investidores nacionais e estrangeiros, vez que possibilita a execução conjunta de um empreendimento comum entre os participantes da joint venture.
Além disso, os co-venturers podem utilizar-se da expertise do outro parceiro para agregar valores positivos e atrativos para o seu próprio negócio.
VIII – BIBLIOGRAFIA
Revista de Direito Mercantil, industrial, econômico e financeiro, Nova Série, Ano XLV, n. 143, Julho/Setembro de 2006, Malheiros Editores Ltda.;
Basso Maristela, Joint ventures: manual prático das associações empresariais, 3.ed.rev.atual, porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002;
Direito Societário, Sociedades Anônimas, Maria Eugênia Reis Finkelstein, José Marcelo Martins Proença, coordenadores, 2.ed., São Paulo, Saraiva, 2011;
Direito Societário, gestão e controle, Maria Eugênia Reis Finkelstein, José Marcelo Martins Proença, São Paulo, Saraiva, 2008.
1 Basso, Maristela, Joint ventures: manual prático das associações empresariais. 3. Ed. Pg.40.
2 Lamy Filho, Alfredo; Pedreira, José Luiz Bulhões. A lei das S.A. Rio de janeiro: Renovar, 1992.