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Federalismo cooperativo ambiental no Brasil.

Notas sobre a Lei Complementar nº 140/2011

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A lei em questão não resolve o problema da cooperação intergovernamental em matéria de promoção do meio ambiente, mas funciona como diretriz para a consumação de um quadro normativo e administrativo que viabilize estas citadas ações de cooperação.

1. Introdução

O presente artigo tem como finalidade realizar uma breve análise da tão esperada Lei Complementar a que fazia menção o parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988, desde seu texto original, que dispõe que Leis Complementares fixarão normas para cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista e equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar de âmbito nacional.

Este referido parágrafo único havia permanecido durante 23 (vinte e três) anos e 1(um) mês sem regulamentação, o que culminou com inúmeros questionamentos perante as cortes brasileiras sobre de quem era a competência para a realização de determinados licenciamentos ambientais de obras ou atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadora de degradação ambiental. O motivo da confusão era a interpretação que se fazia do artigo 23 da Constituição, que dispõe ser de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entre outros, a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas (inciso VI).

A lei em comento veio então suprir uma lacuna que há muito tempo se esperava ver preenchida, representando um grande avanço no que toca a efetivação de uma maior e mais eficiente cooperação entre os entes da federação com vistas à defesa do meio ambiente.

Na análise proposta parte-se da questão das competências administrativas em matéria de proteção do meio ambiente assentadas na Constituição brasileira de 1988 e melhor esclarecidas na Lei nº 6.938/1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Na sequencia serão analisados os instrumentos e ações de cooperação propostos pela Lei Complementar nº 140/2011 para elevar o status de proteção dos bens ambientais brasileiros.

Pretende-se ainda realizar uma reflexão crítica sobre as inovações trazidas por esta nova Lei Complementar e sua capacidade de realização no mundo fático, levando em consideração aspectos tais como infra-estrutura para controle e fiscalização ambiental, capacidade financeira, viabilidade técnica, e capacitação técnica dos profissionais que operam o sistema.

Bem delimitados aos objetivos a que se pretende realizar neste estudo, passa-se a expor na sequencia a primeira das abordagens referidas, tratando-se de considerações sobre as competências administrativas (comuns) entre os entes da federação e quais suas principais vantagens e desvantagens no sistema, antes e depois da Lei Complementar nº 140/2011 que iremos estudar.


2. Lei Complementar 140/2011 e a concretização do princípio da cooperação

Destacam os doutrinadores que para um determinado ramo do direito ser considerado autônomo deve este ser regido por princípios próprios que o orientem e lhe deem forma. No caso do direito ambiental, entre os vários princípios que lhe dão forma, resta considerado o princípio da cooperação, que consiste na ideia de que os entes da federação e ainda, outros estados soberanos, devem cooperar uns com os outros, visando à promoção e defesa do meio ambiente como meio fundamental à realização do direito a uma vida digna.

Neste sentido, uma lei complementar como esta em análise, que dispõe de forma articulada sobre a criação de uma infra-estrutura de cooperação que proporcione a melhoria no sistema de gestão ambiental pública, vem atuar como agente concretizador do princípio da cooperação, sem dúvida um dos mais relevantes do direito ambiental.

Segundo Maria Luiz Machado Granziera, cooperar é agir conjuntamente. É somar esforços. A cooperação surge como uma palavra chave quando há um inimigo a combater, seja a pobreza, seja a poluição, a seca, ou ainda, a reconstrução de um Estado ou região em período de pós-guerra. Na luta contra a poluição e a degradação do meio ambiente, e considerando que, por sua natureza, os recursos não se submetem necessariamente a fronteiras políticas, cabe aos Estados que os compartilham atuar de forma coordenada, mesmo no que se refere às ações internas, para evitar a ocorrência de danos, assim como para racionalizar as medidas de proteção que se fizerem necessárias[1].

Esta mesma autora dispõe ainda que a Constituição Federal em seu artigo 225 estabelece implicitamente a cooperação à medida que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e proteger o meio ambiente para as futuras e presentes gerações. O Poder Público é formado por inúmeros órgãos e entidades, sendo que o SISNAMA agrupa aqueles com atribuições voltadas à proteção ambiental e que devem funcionar em permanente cooperação[2].

Versando sobre a ideia deste princípio, Clarissa Ferreira Macedo D’Isep recorda que a contribuição jurídica para a criação da metodologia de sistema de gestão ambiental holístico que se pretende não é pequena. Certo é que o lastro jurídico que o fundamenta está presente em nosso ordenamento jurídico. Para identifica-lo, é necessário que se dê alcance e sentido às disposições das normas, que vão desde os critérios de competência ambiental à aplicação dos princípios da teoria geral do direito e de direito ambiental até a hierarquia das leis etc., porque o próprio direito já se revela em um sistema integrado, dotado de caráter unitário, isto é, um todo uno e indivisível[3].

Continuando em sua reflexão, esta mesma doutrinadora explica que a cultura do planejamento e capacidade de harmonizar variáveis tão complexas como as ambientais, de aferir resultados e reestruturá-los, de compor interesses, de destinar usos e de controlar a sistemática e variáveis externas requer soma de esforços das diferentes ciências e atores sociais – públicos e privados – mediante a adoção da gestão compartilhada para que o pacto socioambiental se consagre como o Estado gestor-ambiental e surja o efetivo Estado Democrático de Direito Ambiental. É o direito da escassez da raridade e do equilíbrio da relação do homem com o seu meio que clama por um regime jurídico próprio de forma a propiciar as condições de vida digna e ambiente saudável[4].

Diante das considerações que trouxemos a debate percebe-se que o princípio da cooperação faz-se imprescindível na tarefa de realizar uma gestão compartilhada entre os entes federados de modo que as políticas públicas ambientais de todos estes entes, que prosseguem as determinações do artigo 23 da Constituição Federal, sejam realizadas de forma plena, conjunta, e equilibrada.


2. Considerações sobre a Federação no Brasil

A Constituição Federal do Brasil, de 1988, incorporou uma repartição de competências concorrentes, primando por uma participação conjunta de todos os entes federativos. Essa repartição, segundo recorda Terence Dornelles Trennepohl tem por fonte um federalismo de equilíbrio, nitidamente inspirada na Lei Fundamental Alemã de 1949. Assim, resumidamente, segundo este mesmo autor, pode-se dizer que à União cabe estabelecer normas gerais, aos Estados e ao Distrito Federal, normas suplementares, e aos Municípios, competências para seus interesses locais.[5]

Na época do Brasil colônia, o Estado brasileiro era unitário. Com aquele modelo de Estado percebeu-se que o controle de suas políticas sobre um vasto território tornava inviável qualquer tipo de administração. Notou-se então que a vocação do país era para a concretização de um modelo federativo, onde apenas a União detinha a soberania, e os Estados detinham autonomia administrativa e financeira para direcionar os rumos de seu próprio desenvolvimento, sempre tendo em vista o cumprimento dos deveres e princípios constitucionais.

Tomando como base o modelo clássico de federalismo norte-americano, o qual influenciou diretamente a instituição da federação brasileira, percebe-se que sua peculiaridade maior é a coordenação plural de ordens jurídicas num mesmo território, cada qual no seu respectivo âmbito de incidência, sem invasão de ambos os lados[6]. A lógica que se impõe é, portanto, é a de uma descentralização administrativa, o que deve ocorrer com vistas a uma repartição de competências que, uma vez concretizadas, ajudam na construção de um quadro geral de efetividade do Estado federal.

Terence Dronelles Trennepohl resume bem a lógica do federalismo ao ressaltar sua principal característica é a existência harmoniosa de ordens jurídicas parciais convivendo num mesmo espaço territorial[7].

A principal novidade instituída pela Constituição de 1988 foi a consagração dos municípios como entes autônomos da federação, dotados de competências específicas, alargando-se desta forma o pacto federativo.

Sobre esta inovação, Paulo Bonavides aduz que convém assinalar o significado decisivo, inédito e inovador que assume o art. 18 da Constituição vigente. Este artigo inseriu o município na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, fazendo com que ele, ao lado do Distrito Federal, viesse a formar aquela terceira esfera de autonomia, cuja presença, nos termos em que se situou, altera radicalmente a tradição dual do federalismo brasileiro, acrescido agora de nova dimensão básica[8].

Discorrendo sobre este tema, Jorge Miranda explicita que o Estado federal ou federação assenta numa estrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos locais (isto é, os estados federados), de modo a cada cidadão ficar simultaneamente sujeito a duas Constituições – a federal e a do Estado federado a que pertence – e ser destinatário de atos provenientes de dois aparelhos de órgãos legislativos, governativos e jurisdicionais. Assenta também uma estrutura de participação, em que o poder político central surge como resultante da agregação dos poderes políticos locais, independentemente do modo de formação: donde a terminologia clássica de Estado de Estados[9].

Sobre a característica dos Municípios no Brasil, este mesmo professor assevera que esta é uma situação particularíssima, uma vez que se articulam federalismo em nível de Estados e regionalismo político em nível de Municípios. Segundo a Constituição de 1988, a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, do Distrito Federal e os Municípios, “todos autônomos” (art. 18). Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, suplementar a legislação federal e a estadual e instituir e arrecadar tributos (art. 30). Eles regem-se por leis orgânicas, votadas pelas respectivas câmaras municipais (art. 29). Os Municípios são, pois, entidades políticas integrantes da estrutura do Estado, embora não propriamente entidades estatais de 2º grau[10].

O fato é que o Brasil elevou os Municípios ao status de ente da federação, dando-lhe competências próprias para a prática de determinados atos e para legislar sobre determinadas matérias. No entanto, a sobreposição das esferas governamentais não deve funcionar de modo a embaraçar a aplicação da legislação ambiental. Servindo a este propósito a presente lei deve auxiliar na gestão tripartite do meio ambiente brasileiro, criando o alicerce para uma cooperação mais efetiva e produtiva entre os entes da federação.

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3. Pacto federativo ambiental

Sobre a questão do pacto federativo, o qual se funda sob a égide do princípio federativo, Paulo Bonavides explicita que sempre que duas ordens governativas coexistem em planos distintos, animadas e vitalizadas por princípios de estreita coordenação, com independência na promoção de fins específicos, aí temos o princípio federal em toda a sua latitude e veracidade. A dualidade vertical de ordenamentos e sua coordenação sob a égide da Constituição – preservando cada esfera a natureza própria que lhe pertence – assinala a essência das entidades federativas[11].

Tratando do mesmo assunto, Paulo Affonso Leme Machado, recorda que o Estado federal caracteriza-se tanto pela unidade quanto pela diversidade. É um sistema em que, conforme a Constituição que esteja em vigor, haverá matérias nas quais a uniformidade suplantará a diversidade, e outras matérias em que a diversidade ou a diferença existirão. Aplicando a metodologia do custo-benefício, será aferido se a diversidade ou a uniformidade é mais vantajosa para a existência do Estado federal, isto é, se determinada lei ou ato do governo central ou dos Estados pode ou não causar prejuízo significativo para os interesses de todos os Estados federados ou só de um ou alguns estados[12].

Ainda sobre a questão da federação, este mesmo autor ressalta que federar é “reunir em federação; confederar”. Federalismo é o sistema de governo federativo, em que vários estados se reúnem numa só nação, cada um conservando sua autonomia, ou “forma de governo pelo qual vários estados se reúnem numa só nação, sem perder sua autonomia fora dos negócios de interesse comum”. Ainda segundo este autor, há um consenso sobre os valores fundamentais do federalismo. São eles: a autonomia, a cooperação e o consentimento, os freios e os contrapesos, a participação e o respeito das diferenças[13].

O Estado brasileiro, enquanto federação deve proporcionar um quadro de operações coordenadas onde seja possível, atendendo às realidades dos diversos entes federativos, promover, de forma mais efetiva, a tutela do patrimônio ambiental.

Sobre esta coordenação das esferas administrativas federativas, Karlin Olbertz esclarece que a promoção de interesses justapostos pode resultar do acordo de vontades e da atuação concertada dos entes da federação, que será viabilizada, sobretudo, por meio de dois instrumentos: os convênios e os consórcios públicos. Estes instrumentos correspondem à vontade constitucional de cooperação entre os entes da Federação, traduzida pelo que se convencionou chamar de “federalismo cooperativo”[14].

A esta soma de esforços dos entes da federação em promover a defesa ambiental, em estrita observância ao que prescrevem os artigos 23, inciso Vi; 24, inciso VI; 30, incisos I, II e VIII[15] da Constituição Federal de 1988 denomina-se pacto federativo ambiental. Este pacto federativo corresponde ao conjunto de órgãos, de diferentes esferas administrativas, que atuando em conjunto e de forma integrada possibilita a unificação da Política Nacional do Meio Ambiente e sua inter-relação com as políticas ambientais setoriais e locais. Se este formato de gestão tripartite não for fortalecido, a tutela do patrimônio ambiental será como o monte de difícil acesso, o qual se sabe que existe, mas que não se alcança com facilidade. As políticas ambientais devem fluir com facilidade e simplicidade, apesar de suas especificações técnicas essenciais.


4. Competências administrativas em matéria de proteção ao meio ambiente;

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 23 dispõe ser da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI) e preservar as florestas, a fauna e a flora (inciso VII). Competência comum significa competência compartilhada, ou seja, a atuação de qualquer dos entes não afasta os demais da obrigação de também zelar pela promoção da qualidade ambiental.

Ao mesmo tempo em que avançou quando impôs a obrigação de agir (competência administrativa) a todos os entes da federação, a Constituição trouxe à tona um inevitável conflito de competência no que toca, basicamente ao procedimento do licenciamento ambiental. Esta questão foi sem dúvida a que mais suscitou discussões nos tribunais brasileiros, que acabaram por estabelecer (entendimento majoritário) que a competência para a realização do licenciamento ambiental deveria recair sobre o ente federativo que suportasse diretamente os efeitos da abrangência dos impactos. Se os impactos tiverem abrangência local, a competência deveria ser do município (a menos que este não tivesse a menor condição, em termos de infra-estrutura, para realizar tal procedimento administrativo). Se os impactos ambientais extrapolarem os limites de mais de um município, os tribunais entendiam que a competência para o licenciamento ambiental deveria recair sobre o órgão fiscalizador dos Estados-membros. No entanto, se os impactos extrapolassem os limites de mais de um Estado, ou se dentro de um mesmo Estado, se estivesse em área de fronteira com outro país, a competência deveria ser da União.

O fundamento para a determinação da competência para o licenciamento ambiental de obras, atividades e serviços considerados efetivos ou potencialmente poluidores, que os tribunais pátrios levavam em consideração (abrangência dos impactos) tomava como base a Resolução nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que seu seus artigos 4º, 5º e 6º, dispõem respectivamente que compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber: I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União; II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados; III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados; IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.

No entanto, tal competência para o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, nos termos do § 2º deste mesmo art. 4º (ressalvada a competência supletiva do IBAMA) poderá ser delegada aos Estados e ao órgão federal.

O art. 5º desta lei complementar dispõe que compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em mais de um município ou em Unidade de Conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal (inciso I), localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no art. 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965[16], e em todas as que forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais (inciso II), os empreendimentos ou atividades cujos impactos ambientais ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios (inciso III) ou os licenciamentos de empreendimentos e atividades delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio (inciso IV).

O parágrafo único deste mesmo artigo 5º dispõe que o órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no processo de licenciamento.

O avanço das medidas propostas nesta lei está condicionado ao aparelhamento dos órgãos de fiscalização e controle do meio ambiente dos municípios, ou seja, esta operacionalização depende de melhorias no instrumental técnico à disposição dos técnicos e fiscais do meio ambiente, de melhorias no sistema de patrulhamento e de condições para o exercício do poder de polícia ostensivo e de investigação, tais como automóveis, barcos, aeronaves (no caso de municípios mais estruturados financeiramente), e, principalmente de equipe multidisciplinar treinada que esteja capacitada a realizar uma eficiente avaliação ambiental dos impactos relacionados às obras e atividades em processo de licenciamento. Se os municípios não mudarem a situação atual e não criarem tais condições, este será mais um artigo bem idealizado, mas distante da realidade prática.

Na sequencia desta exposição destacamos que o artigo 6º desta lei estabelece ser da competência do órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber[17], o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.

Por falta de sanções (civis, penais e administrativas) claras que deveriam incidir sobre os gestores públicos das três esferas da federação, quando estivessem obrigados a firmar convênios visando realizar licenciamento compartilhado e estes não fizessem, as ideias até aqui expostas apresentam um elevado potencial para não efetivação na realidade fática. Os entes da federação precisam de uma norma legal que estabelecesse de forma bem objetiva os termos de sua participação nos processos de gestão, controle e fiscalização de determinadas obras e atividades.

O artigo 7º desta lei analisada estabelece que os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos anteriores. Fica bem claro, que se o licenciamento ambiental já estiver sendo realizado no âmbito de um município, segundo a repartição de competências estabelecida no artigo anterior, nem o Estado e nem a União (a menos que seja notória a incapacidade técnica do órgão ambiental do município) podem intervir, promovendo novo licenciamento ambiental.

Convém recordar que muito antes desta lei, a Lei 6.938/1981 estabelece em seu artigo 10 que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

Sobre a questão do licenciamento ambiental “único”, previsto no art. 7º desta lei, a Resolução CONAMA 237/1997 também já havia feito previsão neste mesmo sentido, prescrevendo em seu art. 7º que os empreendimentos e atividades licenciados serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.

No entanto, segundo a doutrina de Édis Milaré, tal disciplina não encontra respaldo na Constituição Brasileira de 1988. Pare ele, há inconstitucionalidade da Resolução CONAMA 237/1997, que a pretexto de estabelecer critérios para o exercício da competência a que se refere o art. 10 da Lei 6.938/1981 e conferir licenciamento a um único nível de competência, acabou enveredando por seara que não lhe diz respeito, usurpando à Constituição competência que esta atribui aos entes federados[18].

Não se deve confundir repartição de competência para realização de licenciamento ambiental com repartição do dever de administrar o meio ambiente de forma sustentável, o qual pode e deve, quando o caso o exigir, ser efetivado através de instrumentos de cooperação entre os entes da federação. Este é o principal objetivo da presente lei. Neste sentido, acredita-se que será mantida a importância das construções jurisprudenciais que definem de quem deve ser a competência para a realização do licenciamento ambiental. O que a Constituição dispõe em seu artigo 23 não pode ser afastado por resolução do CONAMA, e nem também pela presente Lei Complementar. Basta ver que as leis complementares a que se refere o parágrafo único deste mesmo art. 23 têm como objetivo fixar normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e não definir qual o ente federativo competente para o exercício de determinadas ações administrativas, excluindo os demais. Ao nosso ver tal determinação é tão inconstitucional quanto a que se reclamava do art. 7º da já referida Resolução do CONAMA.

Para que se obtenha uma maior eficiência em termos de gestão pública ambiental, não é necessário que haja um licenciamento único, mas que haja uma efetiva cooperação entre os diversos entes da federação com vistas ao preenchimento das lacunas e carências técnicas e estruturais destes órgãos, quando for o caso, visando com isso assegurar um licenciamento que, de um lado, reúna os melhores profissionais e instrumentos e do outro se permita estar mais próximo das realidades e menos distante dos gabinetes dos que são apenas técnicos.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Federalismo cooperativo ambiental no Brasil.: Notas sobre a Lei Complementar nº 140/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3544, 15 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23965. Acesso em: 28 mar. 2024.

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