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Federalismo cooperativo ambiental no Brasil.

Notas sobre a Lei Complementar nº 140/2011

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Resumo:


  • A Lei Complementar 140/2011 veio para regular a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria ambiental, preenchendo uma lacuna de 23 anos sem regulamentação, conforme o artigo 23 da Constituição Federal de 1988.

  • A lei estabelece normas para a cooperação e a repartição de competências administrativas, com o objetivo de promover a proteção ambiental de maneira mais eficiente e equilibrada entre os entes federativos.

  • Instrumentos como consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnica, comissões tripartites e bipartites, fundos públicos e privados, e delegações de execução de ações administrativas são previstos para fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. Instrumentos de cooperação entre os entes da federação em matéria ambiental.

Os instrumentos de cooperação entre os entes da federação em matéria de promoção e defesa ambiental são, verdadeiramente, um dos principais avanços da presente lei complementar. Como o próprio nome sugere, instrumentos são meios juridicamente instituídos para se alcançar uma determinada finalidade administrativa. O art. 225 da Constituição dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dispõe o artigo 4º desta Lei Complementar 140 que os entes da federação podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional: I) consórcios públicos; II) convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal[19]; III) Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal; IV) fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos; V) delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar; VI) delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar.

Em um primeiro momento de análise convém destacar que estes instrumentos não compõem um rol taxativo, mas sim meramente  exemplificativo, o que se percebe pela clara leitura do caput deste artigo 4º (... pode-se valer, entre outros, dos seguintes instrumentos...).

No que toca aos consórcios públicos há uma lei específica que regula sua instituição (Lei nº 11.107/2005) e que em seu artigo 1º, §1º define sua natureza jurídica como sendo associação pública ou pessoa jurídica de direito privado. O artigo 2º, §1º desta mesma lei dispõe que para o cumprimento dos objetivos dos consórcios públicos, este poderá firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo (inciso I), nos termos do contrato de consórcios públicos, promover desapropriações e instituir servidões nos termos da declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público (inciso II), e, ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação, consorciados, dispensada a licitação (inciso III).

Os consórcios públicos podem ser instituídos para múltiplas finalidades tais como gestão hospitalar compartilhada, gestão dos recursos hídricos, gestão dos resíduos sólidos, gestão pública ambiental (mais ampla), entre outros objetivos. Trata-se de um poderoso instrumento de viabilização de uma cooperação mais efetiva entre entidades da mesma natureza.

Os convênios, segundo a doutrina de Maia Sylvia Zanella Di Pietro não constitui modalidade de contrato, embora seja um dos instrumentos de que o Poder Público se utiliza para associar-se com outras entidades públicas ou com entidades privadas. Segue afirmando que define-se convênio como forma de ajuste entre Poder Público e entidades públicas e privadas para realização de objetivos de interesse comum, mediante mútua colaboração.

Assim como corre com os consórcios públicos, os convênios podem ser instituídos para múltiplos fins tais como gestão hospitalar compartilhada, gestão dos recursos hídricos, gestão dos resíduos sólidos, gestão pública ambiental (mais ampla), entre outros tipos de ações administrativas.

Os acordos de cooperação técnica constituem instrumentos de gestão semelhantes, em seu propósito aos convênios e consórcios públicos, pois também objetivam a soma de esforços para a realização de uma gestão intergovernamental mais integrada, gerando com isso maior eficiência administrativa. Como já referido aqui em linhas passadas, estes instrumentos de cooperação aqui tratados não representam um rol taxativo, podendo ser criado pelo Poder Público outras formas de cooperação que viabilizem este propósito.

Quanto às comissões tripartites nacionais e estaduais e à comissão bipartite do Distrito Federal, estas são bastante significativas, uma vez que representam um diálogo permanente entre os entes federativos, no que toca a implementação de uma política comum de defesa do meio ambiente e de uma política especifica de cooperação técnica, financeira e administrativa com a finalidade de tornar mais eficiente a realização do poder de polícia ambiental.

Ainda sobre estas comissões tripartites e bipartites esta Lei Complementar dispõe que no caso da comissão tripartite nacional esta deverá ser formada, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e dos Municípios, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes federativos (§ 2º do art. 4º). No caso das comissões tripartites estaduais estas deverão ser formadas paritariamente por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e dos Municípios, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes federativos (§ 2º do art. 4º). Por fim, a comissão bipartite do Distrito Federal será formada, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União e do Distrito Federal, com os objetivos de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre estes entes federativos (§ 4º do art. 4º). Todos estas comssiões, sejam bipartites e tripartites terão sua organização e funcionamento regidos por regimentos internos.

Outro instrumento previsto na lei em comento é a criação de fundos públicos e outros instrumentos econômicos. Os fundos públicos já existem para algumas finalidades vinculadas à defesa do meio ambiente. Basta citar o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pelo Decreto nº 1.306, de 09 de novembro de 1994, para regulamentar os artigos 13 e 20 da Lei nº 7.347/1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública. Tal fundo tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos (art. 1º). A lei sugere a criação de fundos pelos entes federativos, com finalidades semelhantes às do Fundo de Defesa dos Interesses Difusos, já referidas. Para tanto, os governos estaduais e municipais precisam vencer a inércia e comodismo em que se encontrar para exercer sua competência legislativa concorrente e supletiva criando mecanismos que viabilizem a recuperação dos ambientes degradados e a promoção de valores ambientais.

Por fim, a lei sugere ainda a delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, sempre que isto for necessário para a realização de uma fiscalização e controle mais eficiente. Pode ocorrer que o ente da federação mais indicado para a realização do licenciamento ambiental de determinadas obras ou atividades, em alguma situação peculiar não disponha das condições técnicas e de infra-estrutura para concluir sua tarefa, em prejuízo da tutela ambiental. Nestes casos, o ente licenciador deve recorrer a outro ente da federação mais capacitado para que este exerça com propriedade aquela tarefa em que o ente delegante é falho.  

Convém asseverar que este tipo de delegação impõe para outro ente da federação o encargo de ter que dar continuidade a uma demanda que, em tese, não é de sua competência, o que certamente implicará em impacto orçamentário, já que apesar de os custos com a ação administrativa do licenciamento ser do empreendedor, é praticamente impossível que o ente responsável pela tarefa não tenha despesa com tais ações administrativas. Por esta razão, convém que os entes da federação planejem em seus orçamentos a disponibilidade de reservas para estas ações imprevisíveis.

Ainda tratando da delegação da execução de ações administrativas, convém recordar o artigo 5º da lei em comento, que prescreve que o ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações de administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente. A própria lei define o que seria um órgão ambiental capacitado, explicitando que seriam aqueles que possuem técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.


4. Ações de Cooperação

Depois de explicitados quais são os instrumentos capazes de realizar uma gestão compartilhada adequada para a promoção da tutela ambiental pretendida pelo texto constitucional convém destacar quais são as ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que tão bem auxiliam na realização dos objetivos previstos no artigo 3º[20] da presente lei e garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais, como prescreve claramente o artigo 6º da lei complementar objeto de nossa análise.

O Brasil é um país com dimensões continentais. Esta dimensão territorial, ao mesmo tempo em que representa uma riqueza em termos de recursos ambientais, apresenta um patrimônio difícil de ser administrado. Soma-se a esta dificuldade outras inerentes à repartição e estabelecimento das relações de poder que em muitos casos privilegiam restrita parcela da população, mais especificamente algumas ligadas a oligarquias históricas e outras ascendentes. A busca pela manutenção do poder político e o império de privilégios particulares tem contribuído para uma massificação de excluídos e para o abandono das políticas de desenvolvimento e de inclusão social. E o que este fato tem a ver com a instituição de uma gestão pública compartilhada em matéria de planejamento ambiental? Tem tudo a ver, porque a busca pela manutenção dos interesses locais muitas vezes impedem a coligação de interesses maiores, públicos, em prol, por exemplo, de uma melhoria na gestão dos recursos hídricos, na gestão de resíduos sólidos, na gestão hospitalar, na gestão dos transportes públicos, e na gestão de outros serviços públicos e ações administrativas de espetro mais ampliado, pautados exclusivamente em requisitos técnicos e não mais políticos.

Este tipo de situação relatada no parágrafo anterior não pode subsistir em um Estado Democrático de Direito, uma vez que a atuação dos governos, em quaisquer esferas da federação devem se pautar na administração da justiça social, na efetivação de um desenvolvimento sustentável e na concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesta tarefa, a presente Lei Complementar atua de forma ímpar, fortalecendo a cooperação entre os entes da federação, repartindo suas diversas ações administrativas, algumas que cabem mais a um ente do que a outro, o que será feito através da análise de suas capacidades, técnicas, e modelos de gestão próprios. Aqui a discricionariedade administrativa sobre a oportunidade e conveniência das ações de cooperação será reduzida, impondo-se quase que uma obrigatoriedade em termos de planejamento integrado.

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4. Considerações Finais

Nestas breves linhas, percebe-se a importância deste diploma normativo apesar dos possíveis vícios de inconstitucionalidades que serão objeto de análise pelos órgãos responsáveis pelo controle de constitucionalidade, no que toca à confusão entre cooperação intergovernamental e definição de competências para o exercício de parte do Poder de Polícia Ambiental, mais precisamente no que toca ao licenciamento ambiental. É certo que esta lei veio a disciplinar aquilo que os Tribunais pátrios já vinham entendendo sempre que este assunto era tratado. No entanto, quem disse que é melhor retirar este tipo de controle jurisdicional para entrega-lo à regulação por um instrumento normativo que corre o risco de ser declaro inconstitucional, ou melhor, parcialmente inconstitucional? O estabelecimento de uma obrigação para o ente A, B ou C cumprir (realizar licenciamento ambiental) significa que os outros estão afastados da competência comum a que alude o caput do artigo 23 da Constituição Federal (defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado), o que é flagrantemente inconstitucional. Considerações mais substanciosas sobre esta questão merecem um artigo à parte, o que já se encontra em desenvolvimento.

Apesar desta questão acima suscitada, o referido instrumento é relevante quando prescreve ações prioritárias a serem desenvolvidas pelo ente A, B ou C, em espírito cooperativo. Esta medida deflagra uma responsabilidade inicial para determinado ente da federação, responsabilidade esta que pesará mais para aquele ente do que para outro(s) quando da aferição do grau de culpa e aplicação de respectiva penalidade por omissão ou por ação insuficiente que gerou danos ao meio ambiente.

A lei em questão não resolve o problema da cooperação intergovernamental em matéria de promoção do meio ambiente, mas funciona como diretriz para a consumação de um quadro normativo e administrativo que viabilize estas citadas ações de cooperação. Em todo caso, a viabilidade desta lei está a depender do nível de interação entre as políticas, econômica e ambiental. O aliado mais eficaz na defesa do meio ambiente é a economia. A partir do momento em que o meio ambiente não é empecilho para o desenvolvimento e nem o desenvolvimento é empecilho para o meio ambiente é que o desenvolvimento sustentável retroalimentará o sistema. É certo que não se trata de equação fácil, mas o que é simples nesta sociedade do risco, nesta sociedade das complexidades e da relativização de direitos?

O sistema econômico dominante em nossa realidade impõe uma relação homem[21] x meio ambiente bastante conflituosa, pois os seus interesses estão estado de tensão constante. Apesar destas interações conflituosas, a “maré” precisa fluir até que encontre seu equilíbrio necessário no futuro. Até que este novo quadro se desenhe, convém aos Estados cooperarem entre si, com vistas à promoção de um mínimo de qualidade ambiental, unindo forças para a realização de ações que garantam o equilíbrio ecossistêmico e ambiental.

É neste contexto que a presente lei surge, com certo retardo, já que o texto original do parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988 já previa o federalismo cooperativo e, para a atual discussão, o federalismo cooperativo ambiental, como mecanismo de gestão territorial sustentável.

Crê-se que o tempo “lapidará” o referido instrumento normativo através da dogmática jurídica e das interpretações do Supremo Tribunal Federal, os quais devolverão ao referido instrumento a constitucionalidade perdida em alguns dispositivos do texto legal, como já apontados em linhas passadas.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Federalismo cooperativo ambiental no Brasil.: Notas sobre a Lei Complementar nº 140/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3544, 15 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23965. Acesso em: 22 dez. 2024.

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