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Perspectivas brasileiras para uma regulação estatal da publicidade de alimentos

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22/03/2013 às 14:05
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4. Obesidade Infantil e Publicidade

A prevalência de doenças e agravos não transmissíveis vem aumentando e, no Brasil, é a principal causa de óbito em adultos. Dentre os fatores que desencadeiam as patologias categorizadas como DANT, a obesidade se destaca.

Segundo a OMS, a obesidade é uma doença crônica definida como um acúmulo excessivo de tecido adiposo num nível que compromete a saúde dos indivíduos. A obesidade é capaz de provocar prejuízos fisiológicos na maioria dos órgãos e sistemas, dentre eles variados tipos de câncer e doenças cardiovasculares, ambos geradores de altos índices de mortalidade. Em termos gerais, a patologia não é apenas responsável por provocar outras doenças, mas também por reduzir a qualidade e a quantidade de vida. Ela compromete a socialização dos indivíduos obesos e, finalmente, gera custos excessivos na saúde pública.

Informações do Sistema Único de Saúde indicam que os custos totais com a hospitalização de obesos foram de 3,02% para homens e de 5,83% para mulheres (MELO, 2011). Sabe-se, porém, que a obesidade é capaz de provocar inúmeros danos indiretos, principalmente quando interage com outras doenças, dificultando a aferição precisa do seu custo real, estando o obeso internado ou não. De qualquer modo, estudos têm concluído que a obesidade é um importante motivo de internação, que ela tem custo total bastante significativo e que gera prejuízos sociais, na medida em que reduz os dias trabalhados dos sujeitos que sofrem da doença. A saúde pública, que passa por uma profunda crise mundial (conseqüência dos altos custos necessários para o atendimento de uma população que envelhece cada dia mais, gerando quadros clínicos cada vez mais complexos), se vê sobrecarregada com doenças que na maioria das vezes poderiam ser evitadas, como é o caso da obesidade.

A prevenção e o diagnóstico precoce da obesidade são formas de abordagem importantes para a redução de sua incidência. Para que se tornem efetivas, essas abordagens devem ser empregadas desde a infância, pois hábitos saudáveis implantados nos primeiros anos de vida tendem a ser mais definitivos. A despeito disto, a incidência da obesidade infantil aumenta progressivamente, comprometendo a qualidade da saúde dos homens e mulheres do futuro.

A prevalência de obesidade infantil vem apresentando um rápido aumento nas últimas décadas, sendo caracterizada como uma verdadeira epidemia mundial (OLIVEIRA, 2003, p. 107). No Brasil, a obesidade infantil, seguindo essa tendência, tem progredido rapidamente. Estima-se que a patologia afete 15% das crianças, sabendo-se que o sobrepeso já se encontra presente em 30% da população infantil brasileira (HENRIQUES, 2010, p. 75)3. A obesidade infantil não só está relacionada com maiores riscos de obesidade e outras DANT na vida adulta, mas também com problemas imediatos (OMS, 2010, p. 4), como resistência a insulina, hipertensão, alergias e distúrbios de ordem psicológica e social4. Na saúde pública brasileira, os custos econômicos da obesidade na infância são extremamente significativos: Entre os anos de 1979 e 1981, o custo anual de hospitalização relacionado à obesidade em crianças e adolescentes foi de equivalentes 35 milhões de dólares. Entre 1997 e 1999, este custo apresentou um aumento significativo, atingindo 127 milhões de dólares (MELO, 2011). Atualmente, com base no progressivo aumento de incidência da obesidade na população infantil, há uma tendência de custos cada vez mais elevados, prejudicando a qualidade do sistema de saúde.

Há muito se sabe que a obesidade envolve uma interação complexa entre o corpo e o alimento. Hoje, porém, sabe-se que o fator social é elemento integrador dessa relação, interferindo no desenvolvimento da patologia. “A globalização, o consumismo, a necessidade de prazeres rápidos e respostas imediatas contribuem para o aparecimento da obesidade como uma questão social” (BRASIL – SUS, 2006). A própria OMS reconhece que as políticas de prevenção baseadas apenas na questão biológica da doença não têm eficácia significativa. Verificando os fatores circundantes que são co-causadores da obesidade, especialistas de diversos países identificaram na publicidade comercial um alto potencial agressivo para a saúde das crianças, perpassando dois pontos: (a) o seu conteúdo; (b) o alto poder persuasivo que provocam em meninos e meninas.

Quanto ao conteúdo da publicidade comercial: a maior parte dos anúncios é de alimentos ricos em gordura e açúcar e contrasta fortemente com os requisitos para uma alimentação saudável (FAGUNDES, 2008, p. 48). No Brasil, mais de 70% das campanhas publicitárias de alimentos veiculadas na televisão é de produtos considerados não saudáveis, (HENRIQUES, 2010, p. 74).

No ponto em que se refere ao abuso persuasivo que a publicidade comercial de alimentos possui sobre as crianças, a questão é mais complexa. Um documento da OMS5 busca divulgar uma realidade aterradora: as empresas estão se utilizando de recursos técnicos para promover os seus produtos, se valendo da deficiência de julgamento e experiência da criança.

Existem evidências fortes de que a promoção de alimentos influencia as preferências alimentares de crianças, suas escolhas e também as escolhas de seus pais (influenciados por essas) por alimentos ricos em gordura, sal e açúcar (FAGUNDES, 2008, p. 48). Alguns dos estudos trouxeram aspectos muito reveladores e merecem ser mencionados:

a) Pesquisa estadunidense (VEERMAN, 2009) concluiu que as taxas de obesidade na população infantil reduziram com a diminuição da exposição à TV, sugerindo que se a publicidade de alimentos for banida, redução significativa da prevalência de obesidade seria visualizada. O estudo concluiu que os anúncios de alimentos voltados para crianças são responsáveis por entre 15 e 40% da prevalência da obesidade em indivíduos de seis a 12 anos.

b)  De acordo um estudo realizado em 1987, a exposição à publicidade pode levar a criança a seguir menos a opinião dos pais ou educadores, mesmo se lhe recordarem no momento da escolha; assim como pode acentuar a importância do critério prazer na hora da decisão, levando a um certo esquecimento temporário das regras e normas nutricionais de que ela está consciente (GALINDO, 2011)6. Esses dados comprovam a importância de algo que a CF defende com clareza: que os cuidados com o desenvolvimento saudável das crianças não podem ficar adstritos à esfera familiar; que promover os hábitos alimentares saudáveis e restringir a exposição à TV dos pequenos é responsabilidade também da sociedade e do Estado.

Um estudo chileno (MOYANO, 2008, p. 12) identificou, ao se analisar grande número de anúncios de alimentos não saudáveis voltados para criança, as principais técnicas de persuasão utilizadas pelas empresas de publicidade:

·   Mistura de pessoas em situações cotidianas com personagens de fantasia;

·  Utilização de personagens de histórias infantis para anunciar os produtos (muitas vezes durante os programas protagonizados pelos próprios);

·  Cenários que mesclam realidade com ficção;

·  Transições rápidas de cenas, as quais provocam hiper-estimulação em crianças, com posterior ansiedade;

·  Recorrem a promessas de que o produto confere capacidades superiores, como tornar-se mais valente, forte, rápido, ou até desenvolver poderes sobre-humanos;

·  Utilizam efeitos visuais chamativos, abusando de cores e sons;

·  Mensagens que despertam emoções e sentimentos;

· Uso de publicidade de alimentos para crianças fora do horário infantil, procurando convencer os pais de que o produto é saudável.

Embasadas nas pesquisas que demonstram a que as crianças não possuem maturidade cognitiva suficiente para lidar com os apelos de marketing utilizados para promover alimentos, a OMS, em conjunto com a AMS passaram a emitir recomendações aos países membros para que fossem criados ou aperfeiçoados meios regulatórios da publicidade voltada para as crianças. Atendendo recomendações desses órgãos, governos de diversos países têm criado diferentes mecanismos regulatórios (GOMES, 2011, p 48), de modo a restringir ou excluir o conteúdo publicitário.

As principais empresas de bebidas e alimentos processados, percebendo que medidas estatais surgiriam para restringir a atividade publicitária, fixaram acordos com governos da União Européia e com os Estados Unidos no sentido de não mais serem utilizados conteúdos abusivos dirigidos ao público infantil. Diante de países como Brasil e México, porém, as mesmas transnacionais que abrandaram sua atuação diante dos países desenvolvidos, continuam adotando a prática de uma publicidade altamente persuasiva. Incluem-se dentre elas: Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé, Kellogg e Unilever (GOMES, 2011, p. 48).

No fórum da OMS realizado em 2006 na cidade de Oslo, especialistas reconheceram que a influência econômica advinda das grandes empresas consiste em um dos grandes obstáculos para a adoção de abordagens resolutivas do problema da obesidade infantil. Os representantes do setor empresarial defendem que a questão da publicidade infantil não deve sofrer restrições estatutárias, sempre organizando poderosas resistências quando elas são propostas. Para o setor, o CONAR cumpre seu papel de forma exemplar, não havendo necessidade de outra coisa se não a autorregulação. Nas palavras de Octávio Florisbal, executivo da Rede Globo7: “Compete exclusivamente aos pais e, em segundo plano, à família e à escola, decidir e orientar o que as crianças devem assistir na televisão. A sociedade não necessita da tutela do Estado”. E na mesma oportunidade em que expôs essa opinião, citou uma frase de D. Eugênio Salles, um arcebispo carioca: “Educar as crianças para o bom uso da radiodifusão cabe aos pais, à escola e à igreja, sem a ação tutelar do Estado”.

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Muitos acreditam que o seguimento da publicidade comercial não pode ficar suscetível às regras do livre mercado. Se isso ocorrer, ficaremos distantes de uma abordagem que promova o bem-estar das pessoas, pois, na prática, seu enfoque privilegia as necessidades de consumo de determinados produtos (FAGUNDES, 2008, p. 49), mesmo que para isso a sociedade, em suas diversas dimensões, sofra perdas.

Fábio Gomes (2011, p. 50) relaciona o impacto negativo causado pela publicidade de alimentos, enquanto inexistirem mecanismos regulatórios efetivos, entregando a questão à lógica de livre mercado:

a) Concentração de etapas do sistema alimentar (ex: produção de insumos, produção de alimentos ultra processados prontos para consumo, comércio varejista, indústria de comunicação) em um número reduzido de corporações transnacionais com poder econômico maior do que de muitos países;

b)  Intensa degradação de ecossistemas sustentáveis em função de processos adotados pelo sistema alimentar em escala global;

c)  Profunda deterioração das culturas alimentares locais, na medida em que os jovens tendem à substituir as dietas típicas locais por produtos industrializados;

d) Deslocamento do consumo de alimentos in natura e minimamente processados para o de alimentos ultra processados que, além de composição nutricional indesejável sob o ponto de vista da saúde, induzem um padrão alimentar que contribui para o aumento da ocorrência de doenças crônicas como o diabetes, as doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer;

e) Complexificação das relações entre direitos individuais e processos coletivos.

Percebe-se que os impactos que a publicidade de alimentos é capaz de provocar, não apenas na vida particular das crianças, mas nas estruturas econômicas e sociais da coletividade, e isso justifica nós classificarmos o assunto como de interesse público. É o que entende as democracias mais estabilizadas do mundo: restringir a atividade publicitária, impedindo que interesses econômicos de particulares venham a comprometer o bem-estar de um povo, é sim papel do Estado. Vejamos como esses países têm lidado com a questão.


5.  A regulação publicitária nos países desenvolvidos

O limite ou a restrição da publicidade comercial são vistos por muitos países como peça chave para evitar que a veiculação de anúncios prejudique o desenvolvimento dos jovens. A tabela a seguir descreve, basicamente, as medidas regulatórias para a publicidade infantil em alguns países (HENRIQUES, 2010, ):

País

Medidas regulatórias

Canadá (lei federal)

Não pode haver publicidade com bonecos, pessoas ou personagens conhecidos, exceto para campanhas sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde etc.

 

Suécia, Noruega, Quebec e região flamenga da Bélgica

Proíbem toda e qualquer publicidade dirigida ao público infantil

 

Estados Unidos

Determina o tempo máximo de publicidade por hora de programação

 

Dinamarca e Holanda

Proíbem a publicidade durante a programação televisiva infantil.

 
     
           

No campo da regulação da publicidade de alimentos, houve significativo avanço após a 61ª Assembléia Mundial da Saúde, onde foi elaborada a Resolução WHA 61.14, que diz, dentre outras coisas, que os Estados membros:

“(...) devem elaborar e colocar em prática mecanismos para promover a comercialização responsável de alimentos e bebidas não alcoólicas para crianças, a fim de reduzir as conseqüências dos alimentos ricos em gordura saturada, ácidos graxos trans, açúcar e sal” (OMS, 2010, p. 5, tradução livre).

Nota-se que a resolução mencionada orienta que a regulação deve ser elaborada e colocada em prática pelos Estados, justificando o surgimento de regras cada vez mais rígidas com relação à publicidade infantil. E para que suas políticas de atuação obtenham o máximo impacto, a mesma resolução recomenda que haja um processo de aplicação normatizado, pautado na criação de leis claras e precisas. Deste modo os órgãos reguladores agirão com independência e força coercitiva.

Importante ressaltar que os países já se encontram em fase mais avançada quanto às técnicas regulatórias empregadas. Para promover a integralidade da ação, outras mídias já estão sendo alvo da regulação, dentre elas rádio e anúncios em escolas. Modos de impor limites à publicidade infantil de alimentos veiculada pela internet também estão sendo desenvolvidos (OMS, 2010, p. 7).

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Sobre o autor
Raoni Rodrigues

Acadêmico de Direito. Fisioterapeuta (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública). Especialista em Saúde Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Raoni. Perspectivas brasileiras para uma regulação estatal da publicidade de alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24016. Acesso em: 21 nov. 2024.

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