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Intervenção do Estado sobre as relações negociais: Contratos coativos

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15/08/2013 às 07:00
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CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que as relações negociais desempenharam um papel importante no capitalismo de cunho liberal, possibilitando o desenvolvimento econômico e o aprimoramento da disponibilidade de bens e serviços, a despeito das falhas ocorridas nesse sistema. Para suprir essas falhas, o Estado teve de intervir no e sobre o domínio econômico, explorando diretamente determinada atividade econômica ou editando normas de caráter legal ou regulamentar destinadas a impor determinadas condutas obrigatórias aos agentes econômicos.

A mudança de postura do Estado em face da ordem econômica imprimiu alterações nos ordenamentos jurídicos. O poder de polícia vigente no regime administrativista-liberal cedeu espaço para o conceito de função social da propriedade e houve uma importante restrição ao princípio da liberdade contratual.

O Estado procurou conformar as relações contratuais aos fins últimos da ordem econômica, impondo a uma das partes o dever de contratar, em situações especiais previstas na Lei.

Com relação ao problema da vontade humana (elemento essencial do negócio jurídico) no contrato coativo, onde a vontade é substituída pela vontade da Lei, conclui-se que o contrato coativo ainda é contrato, pois a norma que a institui, guardando compatibilidade com a ordem constitucional, acaba impondo a uma das partes o dever de contratar, mas as partes ficarão relacionadas entre si por um vínculo obrigacional.

Feita a análise de alguns contratos obrigatórios em espécie, verificou-se que a sua instituição teve o desiderato de dar efetividade aos princípios constitucionais da ordem econômica, porque ora obrigam a venda ou a prestação de determinado produto ou serviço a quem o solicitar ora determinam a exploração de tecnologia e ora instituem garantias de recebimento de indenizações.

O contrato coativo é uma ferramenta poderosa à disposição do Estado, através da qual pode determinar padrões de desempenho representados pelos fins, objetivos e metas de política econômica. Ainda há espaço para avanços. O Estado pode instituir novos contratos coativos com a finalidade de redimensionar o seu tamanho, transferindo para a iniciativa privada algumas de suas atribuições, mas preservando sua alçada nas atividades que envolvam a efetivação de interesses públicos revestidos de hipossuficiência social.

Talvez seja tempo de refletir sobre a possibilidade de o Estado implantar contratos coativos de previdência privada, de caráter complementar e em parceria com os empregadores, como forma de amenizar os impactos das futuras e invitáveis reformas pelas quais a previdência oficial deverá passar, fomentando, ao mesmo tempo, uma poupança nacional de longo prazo.


REFERÊNCIAS

BITTAR, Carlos Alberto. Teoria geral do direito civil, 8. ed. rev. atual. e ampliada por Carlos Alberto Bittar Filho, Marcia Sguzzardi Bittar; revisão técnica Eduardo Carlos Bianca Bittar – Rio de janeiro: Forense Universitária, 2007

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Construindo o Estado Republicano: democracia e reforma da gestão pública - Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 9. ed., rev. e atual.  – São Paulo: Malheiros, 2004.

______, Um novo paradigma dos contratos? Disponível em:  <http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/7/79/Eros.Grau_paradigma.contratos.pdf>. 2001. Acesso em 30 abr. 2012.

MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos.  -  São Paulo: Malheiros, 2002.

NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. 3. ed., rev. e atual. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. V.1. Parte geral. 34. ed., atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002) - São Paulo: Saraiva, 2003.

ROSENVALD, Nelson. Contratos coativos e necessários. Jornal Carta Forence, 4 abr. 2011. Disponível em < http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=6850>. Acesso em 30.04.2012.


Notas

[1] O Estado intervém no e sobre o domínio econômico, na primeira situação, por absorção e por participação, e na segunda por indução e por direção (GRAU, 2004, p. 84).

[2] “De acordo com os filósofos do Iluminismo, ou da racionalização, de acordo com Weber, ou a abundância econômica, de acordo com os economistas do século XX.”(BRESSER PEREIRA, 2009, p. 30/31).

[3] Cf. NUSDEO, p. 136 e 185

[4] Cf. NUSDEO, 2001, p. 186/187.

[5] Idem, p. 222.

[6] Em tais condições, a figura mesma do Estado intervencionaista se supera, pois a palavra intervenção traz em si o signo da transitoriedade, conota uma arremetida seguida de retirada, trai, em suma, uma situação excepcional, anormal. Não é essa porém a nova realidade. O estado não mais intervém no sistema econômico. Integra-o. Torna-se um seu agente e um habitual partícipe de suas decisões. O intrometimento e posterior retirada poderão ocorrer neste ou naquele setor, nesta ou naquela atividade. Jamais no conjunto. Daí as diversas expressões para caracterizar o novo estado de coisas: economia social de mercado, economia dirigida  [...] economia de iniciativa dual. (NUSDEO, 2001, p. 187)

[7] Cf. GRAU, 2004, p. 84.

[8] CF, art. 1º, incisos III e IV.

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[9] Para executar essa função com eficiência, BRESSER PEREIRA (2001, p. 287) registra que “é primordial para a reforma da gestão pública que, entre as atividades exclusivas, a formulação de políticas seja claramente distinta da execução. Enquanto se dá autonomia  a esta última, a primeira é centralizada no núcleo estratégico do Estado, seja no nível federal, estadual ou municipal. “Departamentos” diretamente vinculados a ministros formulam as política, cuja execução é delegada a agências executivas e reguladoras. Essa distinção sugere que os ministérios do núcleo estratégico definem as políticas e as agências as executam. Na prática, nem sempre é assim. As agências reguladoras, em particular, tendem a ter algum poder de formulação de políticas. Mas em termos do modelo, essa distinção é conveniente.

[10] Cf. BITTAR, 2007, p. 187/188.

[11] Cf. GRAU, 2004, p. 85/86.

[12] “na expressão cunhada por Josserrand”. (GRAU, 2001, p 86).

[13] Alguns autores, por isso mesmo,  findam  por apontar nos contratos verdadeiros instrumentos de política econômica, enfatizando René Savatier que estão eles hoje transformados menos em uma livre construção da vontade humana do que uma contribuição das atividades humanas à arquitetura geral da economia de um país, arquitetura esta que o estado de nossos dias passa, ele mesmo, a definir. Os contratos, então, se transformam em condutos da ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado no domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social, passam a ser sobre elas apostos.” (GRAU, 2004, p. 86/87).

[14] Cf. RODRIGUES, 2003, p. 170/171.

[15] Cf. GRAU, 2004, p. 87.

[16] Cf. ROSENVALD, 2011: “Destarte, tendo-se a liberdade de contratar ou abster-se de contratar como resultado de livres consentimentos, em um primeiro momento causa espécie admitir um "contrato coativo" ou um "contrato necessário", no qual haveria severa restrição a liberdade de celebração de um contrato. Certo é que o princípio da liberdade de conclusão ou de não conclusão de contratos, torna-se sujeito a limitações.”

[17] Cf. GRAU, 2004, p. 90/91.

[18] Cf. ROSENVALD, 2011.

[19] Idem.

[20] Cf.  Lei 8.987/95, art. 7º, inciso I.

[21] Cf. Lei 8.884/94, art. 21º, incisos XIII a XVI.

[22] Cf. Decreto-Lei 73 de 1966, art. 32.

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Sobre o autor
Marcus Alexandre Alves

Procurador Federal da Procuradoria Seccional Federal de Londrina Especialista em Direito Público pela UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Marcus Alexandre. Intervenção do Estado sobre as relações negociais: Contratos coativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3697, 15 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24113. Acesso em: 2 nov. 2024.

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