Artigo Destaque dos editores

O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade

Exibindo página 3 de 5
23/04/2013 às 16:01
Leia nesta página:

4.      DA VISITA ÍNTIMA

“Nesse mundo em que vivemos, cheios de imperfeições, todos nós estamos sujeitos a cometer erros. No momento, estou privado de minha liberdade, pois cometi um erro; estou pagando por ele! Sabe princesa? Logo, logo, apenas três coisas farão parte da nossa relação: eu, você e o nosso amor. Beijos molhados, de quem não consegue viver um minuto sem você.”

(Carta remetida por preso à companheira)[4]

4.1 Conceito e origem

O artigo 41 da Lei de Execução Penal brasileira – LEP (Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984), ao dispor acerca dos direitos do preso, garante ao mesmo – inclusive nas cadeias públicas –, além do atendimento de necessidades fisiológicas básicas como alimentação e vestuário, necessidades de segurança do corpo, do trabalho, da família e, mesmo, “jurídica”, através de diversas formas de assistência, assim como a visitação de entes, amigos e cônjuge ou companheiro, conforme leitura do inciso X e correlatos, abaixo transcritos:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

[...]

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

[...]

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

No mesmo sentido, preceituam as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas – ONU, ressaltando que sejam mantidas e até mesmo melhoradas as boas relações entre o preso e sua família, desde que convenientes para ambos, devendo ser autorizada a visitação dos entes familiares e amigos, pelo menos de modo periódico, tomadas as devidas providências para o não comprometimento da boa ordem, disciplina e segurança do presídio (nº. 74 e 37).

Fundamenta-se o direito de visitação na incongruência da ruptura ou debilidade dos laços afetivos que unem presos aos seus familiares e amigos, afastando-o ainda mais do mundo exterior, com a integridade física, moral e psicológica do detento e o processo de reeducação para o posterior convívio social, e, portando, com o próprio objetivo ressocializador da pena. Numa visão ainda mais realista, que considera a situação econômico-material daqueles que cumprem suas penas no interior de estabelecimentos no Brasil, as políticas de visitação são essenciais para a garantia de outros direitos assegurados ordinária e constitucionalmente, como o de assistência material, na maioria dos casos sob o encargo das próprias famílias ou do cônjuge ou companheiro (a), que fornecem desde vestimentas a remédios e produtos de higienização.

Conforme se verifica da leitura do parágrafo único da LEP, é facultado à autoridade carcerária impor limitações ou mesmo obstar o relacionamento do preso com seus parentes e amigos, podendo se fazer restrição de modo direto, vedando o envio e / ou recebimento de correspondências, reduzindo as horas específicas para a visitação ou a qualificação dos visitantes para a permissão. A prática mais habitual se faz, entretanto, de forma indireta, mediante a busca pessoal do visitante, realizada na maioria dos casos de forma vexatória e humilhante, que, ao lado do distanciamento físico dos estabelecimentos penais ao local de domicílio da família, constitui grande óbice à visitação[5].

Em meio a essas visitações – parte da normalidade dos estabelecimentos prisionais – surgem as chamadas visitas íntimas, conjugais ou sexuais, de origem nebulosa, como atesta o médico Drauzio Varella em suas experiências de trabalho voluntário na extinta Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), transformadas em relatos sobre formas de viver e morrer na obra Estação Carandiru.

De acordo com o cancerologista, no início dos anos 80, o sexo insidiosamente praticado por alguns presos em barracas improvisadas no próprio pátio dos pavilhões em dias de visita, mais tarde transformado em objeto de comércio – como tudo o mais na realidade carcerária –, em que se juntavam pares de compridos bancos, sobre os quais se colocavam cobertores, e alugavam o espaço resultante da manobra para a intimidade dos casais, para os quais se faziam vista grossa pelas autoridades pretensiosas da redução dos índices de violência nos demais dias da semana, acabou por ser burocratizado com o surgimento das primeiras queixas de engravidamento de menores e da incapacidade de se pôr fim ao “privilégio” adquirido. Assim, do Carandiru a prática ganhou o Brasil. (VARELLA, 2000, p. 60)

Segundo relatório da Human Rights Watch, as políticas de visitação conjugal – termo paulatinamente substituído por visitação íntima, tendo em vista a desnecessidade de comprovação do vínculo marital para sua concessão, de acordo com o grau de controle exercido pelas autoridades sobre essas visitas, variável de estado para estado – são bastante generosas para os presos no território brasileiro, de modo a excluir apenas os segregados administrativa ou disciplinarmente. Aos demais, estabelece-se o tempo igual ao das visitas regulares, semanalmente. A variação entre os estados se dá mais acentuadamente quanto à definição dos visitantes sobre os quais recaem o permissivo, alguns estabelecimentos registrando os mesmos e impedindo a entrada de prostitutas; outros concedendo a qualquer visitante a entrada; alguns restringindo a permissão às mulheres do detento ou companheira estável. (HUMAN HIGHTS WATCH, 1998)

Conforme a Portaria do Ministério da Justiça de nº. 1.190, de 19 de junho de 2008, nas penitenciárias federais as visitas íntimas são obrigatoriamente concedidas com periodicidade mínima de duas vezes ao mês, com duração de uma hora, em dias previamente estabelecidos pelos seus respectivos diretores, devendo ocorrer em local compatível com a dignidade da pessoa humana, vedando-se o uso das celas de convivência dos presos para esta finalidade.

Nestes estabelecimentos, o internado deve ainda informar o cônjuge ou parceiro (a) para visita íntima com o fim de realização de registro do comprovado vinculo afetivo pela direção, ficando proibida a substituição exceto pela ocorrência de separação ou divórcio. Com a superveniência destes, o preso só poderá cadastrar novo companheiro (a) ou cônjuge decorrido um semestre da data de cancelamento de anterior indicação.

O Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN disponibiliza o formulário de solicitação para visitação aos reeducandos cumprindo penas em penitenciárias federais por meio da Internet, dando-se início ao processo de autorização com o seu envio on-line ou mediante entrega na sede do Depen em Brasília-DF ou nas próprias penitenciárias. O cadastramento só será concluído com o chamamento via e-mail, telefone ou carta pessoal do interessado para entrevista pessoal nas respectivas penitenciárias em que pretende o acesso, munido dos documentos elencados nos §§ 2º e 4º do artigo 2º da Portaria nº. 122, de 19 de setembro de 2007, do DEPEN, que disciplina o procedimento de visita aos presos nos estabelecimentos penais federais e dá outras providências:

Art. 2º O preso ao ingressar no estabelecimento penal federal deverá indicar as pessoas que deseja receber como visitantes.

[...]

§2º Para o cadastramento, os interessados deverão encaminhar prévio requerimento ao Diretor do estabelecimento penal federal, que deverá estar instruído com:

I – Duas fotos 3x4 iguais e recentes;

II – Cédula de Identidade ou documento equivalente;

III – Cadastro de Pessoa Física (CPF) para maiores de 18 anos;

IV – Certidão de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal do domicílio;

V – Comprovante de residência.

[...]

§4º No caso da visita íntima, além da documentação constante no parágrafo 2º e do Termo de Responsabilidade, o requerimento deverá estar instruído com um dos seguintes documentos:

I – Certidão de Casamento (cônjuge);

II – Declaração de Coabitação ou União Estável com assinatura de duas testemunhas, com firma reconhecida;

III – Autorização Judicial para menor de 18 anos que não seja casado; [...] (sem grifos no original)[6]

A Portaria nº. 1.109, de 19 de junho de 2008, do Ministério da Justiça, ao regulamentar a visita íntima no interior das penitenciárias federais considerando-a fortalecedora das relações familiares, preconiza a igualdade no tratamento oferecido ao preso e / ou visitante portador de doenças sexualmente transmissíveis que, de livre e espontânea vontade, optar pela visita íntima:

Art. 5º No caso de um ou ambos parceiros serem portadores de doença infecto-contagiosa transmissível sexualmente, a visita íntima somente será permitida mediante a assinatura, por ambos os parceiros, de termo circunstanciado de responsabilidade contendo todas as informações pertinentes aos riscos de contágio venéreo pela prática do ato sexual sem cautelas de prevenção.

§ 1º No dia da visita íntima, a direção do estabelecimento prisional fornecerá, mediante contra-recibo, preservativos aos parceiros.

§ 2º A recusa à assinatura do termo circunstanciado, bem como do contra-recibo, por qualquer dos parceiros, implicará na inviabilidade da realização da visita.

§ 3º A Diretoria do Sistema Penitenciário Federal do Departamento Penitenciário Nacional poderá promover, no âmbito das dependências de suas unidades prisionais federais, campanhas informativas e programas de prevenção e orientação sobre doenças infecto-contagiosas transmissíveis sexualmente.

A reconhecida importância da atividade sexual para a saúde física e psíquica dos detentos, para que legitimamente possam ser considerados verdadeiros “reeducandos”, enquanto submetidos a práticas políticas e institucionais de recuperação para a vida além cárcere, expressa nas legislações até então apresentadas, contudo, não privam o encarcerado da suspensão ou restrição da visita íntima por tempo determinado.

É o que preconizam o parágrafo único do artigo 41 da LEP, acima transcrito, e o artigo 4º dessa portaria:

Art. 4º A visita íntima poderá ser suspensa ou restringida, por tempo determinado, quando:

I - do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, apurada mediante processo administrativo disciplinar, que ensejar isolamento celular;

II - de ato do cônjuge ou companheiro (a) que causar problemas à administração do estabelecimento de ordem moral ou risco para a segurança ou disciplina;

III - da solicitação do preso.

§1º A visita íntima também poderá ser suspensa a título de sanção disciplinar, independentemente da natureza da falta, nos casos em que a infração estiver relacionada com o seu exercício.

§2º A suspensão da visita dar-se-á por ato motivado do diretor do estabelecimento prisional.

É na análise destes impedimentos apontados pela legislação nacional para a fruição da visita íntima que nasce a grande indagação em torno do tema: qual a natureza jurídico-legal deste tipo de visitação? Se considerado como direito do preso, ainda que limitado, seu leque de abrangência deve atingir todos os reclusos, sem distinção de gênero, orientação sexual ou idade; abraçado como benefício ou privilégio aos detentos enquadrados em determinados requisitos, sua suspensão ou mesmo omissão, em contrapartida, não implicará em abuso ou ilegalidade por parte da autoridade penitenciária, direcionando sua motivação pela conveniência e oportunidade. 

4.2 Direito ou Benefício?

Bastante interessante se faz a questão da visitação de natureza sexual sob o ponto de vista da legalidade. De um lado, a realidade do cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil elevando o costume e a prática de concessão de visitas sexuais ao status de verdadeira norma social. De outro, a omissão da LEP quanto à modalidade conjugal de visita elencada entre os direitos do preso. 

Apesar de separadas por uma tênue linha, a justificativa em favor da visita íntima ou a sua objeção não podem ser os únicos parâmetros para se trilhar o caminho em direção à definição de sua natureza jurídica. O que se deve ter em mente é que a simples inexistência de regulação expressa de lei não pode obstar o reconhecimento de um direito, se este situar sua razão de ser da interpretação sistêmica de normas e princípios que o informam. Apesar de não ser pacífico o entendimento sobre o assunto, esse parece ser o caso da visita íntima.

Sob o enfoque de ser a pena privativa de liberdade a principal faculdade que cabe ao órgão jurisdicional impor pela prática do ato antijurídico, não se situando no campo da legalidade a atribuição do castigo acessório da forçada abstinência sexual ou castidade, verdadeira mutilação psíquica e moral ao exercício da sexualidade e sua função erótica, a tendência legislativa moderna é a da permissão da visita íntima ou das saídas do recluso como soluções à gravíssima problemática sexual nas prisões em todo o mundo, como Chile, México, EUA (aplicação com certas reservas), Nicarágua, Venezuela, Argentina, Espanha, e na grande maioria das penitenciárias no Brasil.

Em conformidade com os dizeres de Bitencourt, na Espanha é o artigo 53 da Lei Geral Penitenciária que destaca a natureza jurídico-regulamentar dos chamados encontros íntimos. Na legislação desta nação a visitação conjugal é considerada um direito limitado do preso, cuja analise sistêmica do diploma legal afasta sua natureza de benefício ou recompensa, simplesmente por não estar elencada no dispositivo que regula os benefícios existentes na execução penal (art. 46). (BITENCOURT, 1993, p. 200)

No mesmo sentido é a legislação argentina, que ao regulamentar a execução da pena privativa de liberdade pela Lei nº. 24.660, considera a comunicação do interno com seus familiares, amigos e cônjuges, ou representantes de quaisquer instituições interessadas em sua reinserção social, um direito do internado com a finalidade de consolidação e fortalecimento familiar. É no artigo 52 da referida lei, que às modalidades de visita individual e familiar na condição de filho, irmão e padre coabitam com a visita de reunión conyugal, na pessoa do cónyuge, concubina o concubinario (art. 52, d).

Em via contrária, a legislação peruana oferece à visita íntima natureza diversa, vista como regalia no Código de Execução Penal do Peru, Decreto Legislativo nº. 330, de 06-03-1985, conforme a leitura de seu artigo 52:

Artigo 52 º. A visita íntima é um benefício concedido ao interno que tenha cumprido os requisitos exigidos pelo regulamento. Tem como objetivo principal a manutenção das relações do interno com o seu cônjuge ou, na sua ausência, a pessoa com a qual mantém vida conjugal permanente.

[...]

Art. 81º - A visita íntima será concedida ao interno processado ou condenado que satisfaça os seguintes requisitos:

a) ter concluído o período de observação;

b) ter um relatório médico favorável;

c) ter boa conduta, segundo relatório favorável de equipe técnica de tratamento;

d) não estar cumprindo uma sanção disciplinar.

Em qualquer caso, a visita íntima será realizada no âmbito das recomendações do planejamento familiar a ser determinada pelo médico do estabelecimento.

Em nosso país, por outro lado, tanto as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, traçadas pela Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) de número 14, datada de 11 de novembro de 1994, quanto a Lei de Execuções Penais não prevêem expressamente a visita íntima – conforme se viu anteriormente, apenas a visita social, sem finalidades sexuais, está regulada na LEP.

Contudo, se não há previsão legal de sua existência, não há a previsão de sua proibição, conforme se visualiza nas garantias fundamentais do cidadão de ser tratado de forma isonômica e igualitária – posto que todos são iguais perante a lei, sem distinção alguma –, e de não estar obrigado ao cumprimento ou não-cumprimento de algo, senão resultante de lei (Art. 5º, caput e incisos I e II, CF 88).

E, assim, é essa falta de previsão legal para o instituto, e os efeitos jurídico-sociais que acarreta, a peculiaridade que necessariamente fundamenta as análises e interpretações legislativas e doutrinárias sobre a natureza jurídica que alcança a visita íntima no ordenamento pátrio.

Em qualquer das hipóteses, nítido se reconhece que, a par das limitações peculiares à sanção penal, o internado mantém a condição de sujeito detentor de direitos e deveres enquanto ser humano e cidadão, mesmo talhados os seus direitos políticos em virtude apenas da incompatibilidade, pela sua natureza, com o cárcere[7]. Assim, não abrangidos pela sentença penal, os direitos podem ser gozados de forma plena pelo condenado, de forma a garantir sua dignidade e personalidade ao tempo da execução da pena. É o que ocorre com o direito ao exercício da sexualidade, não englobado pelos efeitos mediatos ou imediatos da sentença penal.

Consoante se faz, aqui, a exposição de Hans-Dieter Schwind ao proferir, em Brasília-DF, a palestra O sistema penal e de execução penal alemão (1996). Para ele, privar o detento de seus encontros íntimos é uma subversão aos princípios constitucionais segundo os quais se individualiza a pena e responsabiliza-se estritamente a pessoa do condenado. No momento em que se amplia a punição ao cônjuge ou companheiro (a), impedindo a intimidade e o aprofundamento das relações de aproximação com o outrem, submetido à pena privativa de liberdade, além de a proibição recriar novos tipos penais ou tornar ainda mais cruéis as formas de execução existentes, ela acaba por atingir desnecessariamente a família do preso.

Numa mudança de valores e de finalidades, subverte-se, assim, o papel do próprio Estado, nascedouro da promoção do bem-comum e do bem-estar de toda a população, inclusive a carcerária, e a quem cabe a capacitação para a vida pós-pena, reintegrando e mesmo “repatriando” aqueles que vivem à margem da normalidade social, verte a sua própria violação.

Sob o ponto de vista formal, há que se levantar ainda a possibilidade de interpretação extensiva do artigo 41 da LEP, que aglomera os direitos do preso, entre eles a visitação regular ou normal, tendo em vista que essa própria lei assegura a vigência da codificação processual penal durante o processo de execução, aquela admitindo a interpretação extensiva (art. 3º, CPP), desde que se dê em benefício do detento, não implicando em obstrução de direitos a ele inerentes ou na agravação de seu constrangimento punitivo.

Pedro Armando Egydio de Carvalho contribui satisfatoriamente para esta fundamentação, ao conceber o exercício da sexualidade como peculiar e inerente ao ser humano e sua dignidade, ele advoga que a natureza, o grau de intimidade, o segredo e mistério que unem corpo e alma de cônjuges e companheiros não podem ser substituídos pelo encontro de afeto entre o detento, seus amigos e familiares, nem tão pouco valorado de modo desproporcional a ponto de reprimi-lo. Continua o autor, alegando a indistinção do legislador quanto ao tipo regular ou íntimo de visita contemplado pela LEP, de forma que não cabe ao intérprete a livre escolha entre ambas para concretização da disposição, cujo rótulo de regalia que paira sobre o tipo relegado consagraria o hoje já rechaçado princípio da sistemática restritiva de direitos de quem cumpre a sanção penal em relação ao Estado que o submete. (CARVALHO, 1996, p. 3)

Em sentido contrário, a explanação em objeção às visitas íntimas no plano da técnica-administrativa e do objeto da aplicação da sanção penal da Procuradora Regional da República / 3ª Região, Maria Iraneide Faccini e sua posição “inquisitiva” da visita sexual.

Segundo ela, não fora por deficiência na forma ou na técnica que o legislador da Lei de Execução Penal, por si só, dotada de avanços de cunho progressista e liberal, deixou de regular a visita conjugal como direito do preso, posto que a própria natureza da privação de liberdade incompatibiliza-se com a manutenção da continuidade da coabitação e do relacionamento amoroso-sexual, prejudicado de forma necessária pela separação do casal. Alega ainda a não-violação ao princípio da pessoalidade da pena pelo fato de que o rompimento do relacionamento sexual tem origem em causa justa e legal que é a segregação motivada pela prática consciente de um ato criminoso. Assim, o objetivo de ressocialização da pena se daria evitando-se o completo isolamento e a sensação de abandono pela conversa e pelo vínculo afetivo das visitas de caráter não sexual. (FACCINI apud ASSIS, 2007, p. 169)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Paulo H. Cremoneze vai além. Em suas críticas à infestação de criminosos no Brasil, segundo ele causada por uma crise de valores e não por injustiças sociais e desequilíbrios econômicos, recomenda a adoção de algumas práticas para a melhoria das políticas de segurança pública, promoção da justiça e combate à criminalidade pela aplicação da teoria da guerra justa, entre elas a vedação ao “benefício” à visita íntima, desqualificando-o:

Por meio de legislação ordinária, sejam literalmente suprimidos todos os benefícios hoje concedidos aos prisioneiros em geral ou, pelos menos, os marcados com o signo de alta periculosidade, de tal forma que eles não possam mais progredir de regime, não tenham qualquer possibilidade de verem suas penas diminuídas, não possam ser contemplados com indultos, concessões, liberdades premiadas e pontuais e, ainda, sensivelmente restringida a quantidade de visitas a uma a cada três meses, sendo vedada a imoralidade e a indecência da chamada visita íntima, figura que existe praticamente no Brasil e que, comprovadamente, é utilizada como meio de corrupção e prática de crimes, tráfico de drogas, dinheiro, aparelhos de telefonia celular, armas de pequeno porte, notícias e planos entre criminosos presos e em liberdade, além de serviços de prostituição envolvendo presos e as mulheres dos próprios presos[8].

Salutar nesse momento, apesar de não ser do foco desse trabalho o aprofundamento dos estudos acerca das causas motivadoras de delitos, bem como a criminalidade feminina em especial, trazer, mesmo que de forma sucinta, o debate sobre o perfil dos sujeitos dos crimes cometidos quando da entrada aos estabelecimentos prisionais e as motivações para a sua prática, tendo em vista que em grande parte das vezes são utilizadas para a defesa de teses que se opõem ao exercício regular das visitas íntimas, como o faz Cremoneze.

O que se deve ter em mente antes de cogitar pela “falência” do instituto da visitação de natureza conjugal, assim como se faz com a própria pena privativa de liberdade na atualidade, é a necessidade de certo cuidado ao radicalizar ou transformar fatos isolados em verdades absolutas.

No caso do crime de tráfico ilícito de drogas cometido durante a realização da visita íntima pelas esposas ou companheiras – a elas não restrito, já que as relações de parentesco ou outros vínculos afetivos de mulheres com os reclusos, ascendência e descendência, por exemplo, são causas de grande parte dos delitos assim tipificados –, tem-se verificado nítido reflexo do perfil da própria população carcerária brasileira. Em sua maioria, mulheres jovens entre 18 e 30 anos, pertencentes aos estamentos sociais mais baixos, e, portanto, desprovidas de recursos materiais para o financiamento de sua própria subsistência e a de sua família, além de formação escolar elementar – quando presente –, e que à época do delito estavam desempregadas ou subempregadas. Via de regra, as mulheres condenadas por essa modalidade de tráfico são primárias e possuidoras de bons antecedentes criminais.

De acordo com Josie Diógenes, enfrentando inúmeras dificuldades financeiras e imersas em condições de exclusão e de miséria, algumas mulheres, buscando receber uma remuneração, arriscam a liberdade e se submetem a adentrar em estabelecimentos penitenciários portando drogas. Outras infringem a ordem jurídico-legal estabelecida para defender parentes ou amigos reclusos com o intuito de cooperar, por conhecer-lhe a condição de dependente químico, de traficante ou de presidiário que contraiu dívidas. Em alguns casos, o amor constitui o próprio ópio da criminalidade.[9]

De se ver com a análise dos dados apresentados, que a potencialidade criminalizante da visita íntima quanto às práticas de tráfico ilícito de entorpecentes, podendo se estender para a problemática da prostituição dentro do cárcere, está mais intimamente ligada às condições de vida degradante fora da prisão ou por ela causadas quando da internação dos provedores de milhares de famílias. Desta forma, a problemática aqui elencada tem como causas fatores que transcendem o exercício do direito à sexualidade do preso, associando-se a questões ainda mais profundas a atestar verdadeira falência da pena de prisão. A argumentação e as inferências acerca desta grave realidade não acabam e nem devem acabar por aqui, ensejando a ampliação do debate, transcendendo a humilde pretensão deste trabalho.

No elo da concepção das visitas sexuais enquanto simples benefícios do recluso, ainda se ergue o pensamento jurisprudencial:

O benefício das visitas livres, que a lei prevê e insere como um dos elos da humanização da pena, não constitui direito absoluto do reeducando, mas estrita faculdade outorgada ao magistrado, exigente de simultaneidade de componentes objetivos e subjetivos, estes vinculados ao poder discricionário e prudente do juiz. Consequentemente, a denegação fundamentada na sede exclusiva da atividade in judicando não pode ser acoimada de ilegal. (STF, RT 595/335)

De outro lado, em acórdãos proferidos nos Sistemas Judiciários Estaduais mais avançados do Brasil, verifica-se o instituto da visita abraçado como direito do reeducando, conforme transcrição de alguns de seus trechos:

Não há qualquer dúvida quanto ao direito do preso em receber visita íntima, ocorre entretanto que no caso concreto é necessário resguardar , com prioridade absoluta, a adolescente. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, AGEXP. 70.016.637.860, Relator: Des. Manuel José Martinez Lucas, 2006). (sem grifo no original)

A alegação de que Carine tem apenas 16 anos, por si só, não constitui óbice ao deferimento do pedido, modo especial se convive há mais de dois anos com o recorrente e espera um filho, situação, por certo, socialmente indesejável, mas consolidada. A partir daí, parece-me que mais danoso seria para o casal obstaculizar a visita íntima, direito consagrado e não atingido pela sentença condenatória ou pela prisão cautelar. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, AGEXP. 70.007.750.821, Relator: Des. Marco Antônio Bandeira Scapini, 2004). (sem grifo no original)

De outro lado, não se pode ignorar a existência do relacionamento marital existente entre a adolescente e o detento, declarado por esta, por ato suficiente (declaração com testemunhas – fls. 17), sendo confirmado pela sua genitora. Tal relacionamento, por si só, demonstra que as visitas poderão contribuir para a formação moral do detento, cuja situação, porventura, demonstrado o contrário, poderá ser modificada. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, AGEXP. 1.113.285-3/1, Relator: Des. Machado de Andrade, 2007). (sem grifo no original)

Adotando-se o posicionamento favorável à visita íntima como direito do recluso, tramitaram no Congresso os Projetos de Lei nº. 107 / 1999, de autoria da Deputada Maria Elvira, e nº. 9 / 2003, da Deputada Iara Bernardi, ambos elevando ao status de lei expressa a visita íntima por meio da ampliação do artigo 41 da LEP. O primeiro incluía o inciso XI, dispondo exclusivamente do direito à visita de natureza íntima, justificando-se pelos potenciais danos ao ser humano causados pela abstinência sexual, como aumento da incidência de práticas agressivas e violentas no interior do cárcere, distúrbios psíquicos e homossexualismo forçado. Após seu desarquivamento em 2007 e a abertura de prazo para emendas no ano seguinte, atualmente permanece em tramitação com outros projetos em apenso.

É o momento da publicação da Resolução nº 1, de 30 de março de 1999, do CNPCP, assegurando o direito à visita íntima nos estabelecimentos prisionais, sem qualquer distinção sexual. Em conformidade com a legislação, assegurava-se a permissão no período mínimo de uma vez ao mês, realizada a visita íntima com as devidas garantias de privacidade e inviolabilidade, sendo vedada a própria proibição das visitas íntimas como sanção disciplinar, salvo quando relacionada com seu exercício (art. 4º). Sobre o modo como devem ocorrer tais visitas, é a portaria do Depen de nº. 122 / 2007 a responsável pelas suas diretrizes essenciais.

Talvez pelas mesmas causas que deram fim à pretensão exposta no Projeto de Lei de 2003 – arquivado em 2008 –, que se diferencia daquela pela sua expressa especificação da abrangência dos sujeitos do direito, no que ela se omite, desaguando ambos, entretanto, no mesmo mar de preconceitos, a Resolução não ensejou a ampliação expressa na LEP. Segundo o voto do relator, o Deputado José Divino, viabilizar aos presos homossexuais o recebimento de visitas de natureza íntima atentaria contra a própria moralidade exigida pela Administração Pública, não se podendo permitir a transformação de seus órgãos em “antro de perversão sexual e prostituição”. Num total apego ao caráter retributivo da pena, conclui pela não competência do Estado para a resolução do problema sexual de sua população, cabendo-lhe apenas a privação da liberdade.

Não se adentrando ao caráter nitidamente emotivo da argumentação do parlamentar e as concepções político-religiosas que a informam, salutar se faz trazer à tona o debate também não pacificado que se realiza entre os próprios detentores deste direito ou benefício.

Na esteira destas concepções, Bittencourt aponta, além do aspecto discriminatório da prática ante os reclusos solteiros, a quem não se concede o benefício da visita íntima, podendo gerar ressentimentos e indisposições tanto para com os que mantêm relacionamento estável e, portanto, o “privilégio”, como para com as próprias autoridades penitenciárias; a manifestação contrária a este tipo de visitação por parte dos próprios internos, com base em pesquisas realizadas na prisão de Carabanchel:

Os jovens solteiros inclinavam-se pela utilização da visita íntima, desde que ocorresse com um mínimo de dignidade. A maioria, contudo, não as aceitava com as suas namoradas ou suas esposas, pela humilhação que representava para elas, ir à prisão não para ficar um momento com seus maridos ou companheiros, mas unicamente para manter relação sexual com eles, como se o sexo fosse somente uma satisfação mecânica de um impulso físico, desprovido de um indispensável conteúdo afetivo. (HOPPER apud BITENCOURT, 1993, p. 198-199)

Da análise da experiência de Hopper, o autor levanta algumas recomendações sobre as condições em que os encontros dessa natureza deveriam ocorrer para se aproximar de um ideal familiar. Num espaço simples, separado dos blocos prisionais, específico para a visitação e com aparência normal de uma residência (venustérios), poderia ser então criado um ambiente agradável que atingiria seu clímax afetivo com a intimidade de comunicação alma-corpo estabelecida com a conjunção carnal entre os cônjuges ou companheiros. (BITENCOURT, 1993, p. 197-198)

O respeito e o cuidado dos detentos com as visitantes são levantados por Drauzio Varella, de modo a rebater a exposição de Hopper com suas próprias experiências na antiga Casa de Detenção de São Paulo:

Quem nunca entrou no presídio imagina que os mais fortes tomem as mulheres dos mais fracos num corredor como esse, cheio de malandros encostados na parede. Ledo engano. O ambiente é mais respeitoso do que pensionato de freira. Quando um casal passa, todos abaixam a cabeça. Não basta desviar o olhar, é preciso curvar o pescoço. Ninguém ousa desobedecer a esta regra de “procedimento”, seja a mulher esposa, noiva ou prostituta. [...] As visitantes sentem-se protegidas no ambiente. Ao retirar os carcereiros do interior dos pavilhões, a direção sabiamente entregou a administração das visitas aos únicos capazes de garantir segurança total. O homem preso tem pavor de perder a mulher amada. Sem chance, ladrão escolado, fala da esperteza do “Ricardão”, nome atribuído ao amante da mulher de quem está na cadeia:

– Se na visita não tiver respeito, doutor, elas vão ficar com medo de voltar, onde que uma conta para outra algum fato lastimável sucedido e, daqui a pouco, entra ela: eu não vou mais lá! Se você não vai, eu também não, é perigoso! Pronto, ói nós aqui no maior veneno e elas curtindo lá fora, que Ricardão é o que mais tem, pronto pra dar o bote traiçoeiro na fragilidade da mulher solitária. É sem chance. (VARELLA, 2000, p. 61-63) (sem grifo no original)

 o que mais tem, pronto pra dar o bote traiçoeiro na fragilidade da mulher solitidas no ambiente. ao andros encostados na parec

Oliveira, por seu turno, em abordagem a detento da Penitenciária de Florianópolis-SC, corrobora com a explanação de Varella, ao transcrever o seguinte comentário:

É importante saber sentir-se à vontade com a esposa. Algumas horas, ter um relacionamento sexual. A pessoa fica como um animal enjaulado... vai esquecer um monte de coisas na cabeça. Fica mais valorizado, mais confortado. Uma vida mais normal e humana. (OLIVEIRA apud LEAL, 2000)

De ver-se que as manifestações contrárias a sua incidência como direito pertencente ao preso tem por base argumentativa uma visão que normaliza o agravamento do sofrimento que o é a prisão em si mesma, justificando sua vedação como atributo do castigo da pena, posicionamento de caráter nitidamente retributivo, e, por assim dizer, contrário à moderna sistemática integradora e recuperadora do delinqüente, ou quando não, embasadas na realidade carcerária e na problemática dos sistemas prisionais da atualidade, de nítida ineficiência ressocializadora, cuja solução está na reforma ou no aniquilamento das penas privativas de liberdade, adota-se, aqui, a tendência doutrinária moderna, considerando a visita íntima como direito, ainda que limitado, do preso.

Sobre os resultados práticos da permissão das visitas sexuais para a saúde psíquica dos detentos e adequação a princípios constitucionais, as palavras de José Roberto Antonini:

O resultado foi muito melhor que o esperado. Caiu intensamente o índice de violência sexual nos presídios e arrefeceu-se a tensão emocional dos presos deixando de ocorrer o fato, este sim degradante, de os detentos terem relação com suas mulheres em pleno pátio, por ocasião das visitas comuns, dentro de círculo humano formado por outros presos para ocultar a cena às vistas grossas dos vigilantes, acontecimento então corriqueiro na Casa de Detenção de São Paulo. Demais, protegeu-se assim a difícil subsistência da relação afetiva do sentenciado com o seu cônjuge, ao mesmo tempo em que se atendeu quanto a este o princípio da pessoalidade da sanção criminal (art. 5º, XLV, da CF). (ANTONINI apud MIRABETE, 2000, p. 121) 

Nesta seara de idéias, muito se avançou em defesa dos direitos humanos para defesa do encarcerado, que, quando não garantidos, transformam ofensores em vítimas e crimes em justificações para outros tantos. Contudo, muito ainda deve ser inovado para que vítimas históricas dos sistemas sociais e políticos não sejam novamente marginalizadas nos cárceres e permaneçam cada vez mais distas de receber a “visita” destas justas conquistas.

4.3 A intimidade da visita nos estabelecimentos penais femininos

O co-réu inicial SILVIO, ao ser interrogado em Juízo, fls. 259, afirmou que pagava para a apelante com o fim de poder efetivar “visita íntima” a sua amásia que se encontrava presa. [...] A própria detenta Débora relatou como foi procurada pela apelante e após um pedido inicial de R$ 50,00, foi fixado o preço final de R$ 30,00. Confirmou que os encontros se realizavam. [...] ANA PAULA, fls. 341, que estava presa nessa época naquele local, descreveu como com a chegada de SILVIO se dava um tratamento diferenciado para DÉBORA, que era levada para outras dependências. Isso se dava nos plantões da apelante. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, Ap. 1.104.753-3/7-00, Relator: Des. Ruy Alberto Leme Cavalheiro, 2008).

Da leitura de parte do relatório em acórdão proferido pelo TJSP acima transcrito, em que se discute fato ocorrido em presídio feminino da Comarca de Olímpia, interior do Estado, pode-se visualizar no caso concreto situação discriminante para com as detentas no que concerne às políticas de visitação conjugal de muitos estados brasileiros. Uma violação, pela tendência de recebimento livre por parte dos internados do sexo oposto, que pode levar a outras tantas, conforme contenda objeto da apelação criminal a mover o órgão jurisdicional colegiado citado.

Analisar a desproporcionalidade na abrangência e na forma de aplicação do instituto da visita íntima para homens e mulheres apenados com a privação de sua liberdade de ir e vir torna nítido o fato de que a superveniência de uma regulação específica para esta modalidade de visita pode mesmo potencializar a isonomia no tratamento do preso com base no sexo.

Em termos práticos, quando da visita da Human Rights Watch aos estabelecimentos penais brasileiros no entremeio 1997 / 1998, resultando nos famosos relatórios de O Brasil Atrás das Grades, constatou-se a permissão da visita íntima às detentas em poucas unidades prisionais do país, e mesmo quando concedida, observando uma série de requisitos cuja análise prescinde-se na aplicação aos detentos das mesmas regiões.

Segundo o relatório, a concessão era instituída com ressalvas na Casa de Recuperação Feminina Bom Pastor de João Pessoa-PB (prática coincidentemente adotada na semana anterior à visita desta organização), cujas restrições impostas para se evitar a “promiscuidade” acabava por conceder o direito a apenas 5 dentre as 65 detentas; na Penitenciária Feminina Madre Pelletier em Porto Alegre-RS, que além de boa conduta, relacionamento estável com um homem e realização de série de exames médicos para doenças sexualmente transmissíveis, o casal era submetido a entrevista com assistentes sociais, o instituto contemplava 9 entre as 146 detentas; em Manaus-AM, 6 dentre 68 detentas recebiam visitas íntimas, e apenas no pavilhão feminino na Penitenciária Central João Alves em Natal-RN, praticamente todas as detentas podiam receber visitas conjugais. (HUMAN HIGHTS WATCH, 1998)

As experiências deste organismo internacional relatam apenas a existência de projeto para a instituição das visitas sexuais na Penitenciária Feminina de São Paulo, o que só viria a ser implantado em dezembro de 2001, com a publicação da resolução nº. 96 da Secretaria das Administrações Prisionais, prescrevendo a igualdade de gênero consagrada na Carta Magna de 1998. 

Ainda nos relatos do Human Hights Watch (1998), apenas na jurisdição do Distrito Federal, as solicitações de visitas íntimas efetuadas por detentos e detentas eram reguladas pelas mesmas normas, restrita a sua concessão aos cônjuges ou companheiros estáveis após teste para HIV e demais doenças venéreas. O Rio de Janeiro também é citado como possuidor de normas isonômicas paras internados de ambos os sexos.

No Tocantins, por sua vez, simultaneamente ao avanço nos instrumentos de combate à criminalidade com ênfase na oportunidade de ressocialização do apenado, por sê-la a finalidade da pena, consoante as palavras do então Secretário de Segurança Pública, Júlio Resplande, – como a inauguração do Presídio de Segurança Máxima de Araguaína, primeiro da região Norte do Brasil, em 27 de janeiro de 2005, em que se atendendo às premissas legais do Depen focadas na ressocialização do detento, assegurou-se espaço para visitas fora da área de carceragem e para visitas íntimas que têm por objetivo não desagregar a família. Nas cadeias públicas femininas do Estado não existem locais específicos para a visita comum, nem permissivos legal ou regulamentar para visita íntima, como atesta o Relatório de Inspeção dos Estabelecimentos Penais do Estado de Tocantins, realizado em 15 de setembro de 2006, do CNPCP. [10]

 A diferença no tratamento de homens e mulheres quanto à concessão de visitas íntimas atenta tanto contra a Resolução nº. 1/99 do Depen e sua recomendação aos Departamentos Penitenciários Estaduais para garantia deste direito aos reclusos de ambos os sexos, como contra os acordos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro que combatem discriminações com base no sexo.

Assim, é que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ambos ratificados pelo Estado brasileiro, podem ser proclamados contra os atos das autoridades penitenciária ou judicial que tradicionalmente recusam o recebimento de visitas íntimas a detentas. São, portanto, inegáveis armas para o exercício dos direitos da pessoa humana. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998)

Mas o problema da vedação às visitas íntimas para as mulheres transcende o plano legal, o que pode ser atestado com o comportamento das próprias detentas, que após tantas queixas e reivindicações na batalha por um direito real e já quase consagrado abstratamente pela legislação para os reclusos do sexo oposto, demonstram um comportamento contraditório, poucas aderindo às solicitações para realização da visita quando permitidas, de modo que elas reforçam no confinamento os significados das relações interpessoais da sociedade em geral, estigmatizando o papel do feminino quanto ao sexo e o exercício da sexualidade, trazendo ao debate o estereótipo da mulher permeado de verdadeira “menos-valia”. 

Em outras palavras, o modelo sociocultural coletivo, introjetado na mulher permanece, e quando não, se reproduz, no lócus do isolamento, e outros estereótipos passam também a existir, como resultado do próprio ato criminoso, tanto para a ordem jurídico-legal como para a ordem moral, já que a mulher viola seu papel histórico de mãe amorosa e dedicada companheira, de pertença ao espaço doméstico-familiar, e não ao prisional.

É o que constata Márcia Lima, ao pesquisar os significados da visita íntima para a mulher submetida à pena privativa de liberdade na Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo (PFC):

Foram Consultados 665 prontuários das mulheres da PFC, das quais são bastante jovens, da raça branca e de baixa escolaridade. Referem ser solteiras e não ter companheiro. A maioria das mulheres está envolvida nos delitos referentes a entorpecentes como também os de roubo e extorsão. Somente 2,6% (17), referiram nos prontuários, ter o desejo em inscrever o parceiro para a visita íntima. Também foram realizados dois grupos focais, um com mulheres que optaram pela visita íntima e outro com as que não optaram. Não obstante relatos de constrangimento e humilhação, no contexto da visita íntima, os significados da mesma para a mulher da PFC são modelados pelo interesse na manutenção da conjugalidade, pela necessidade de satisfazer o parceiro ou como modo de afirmar a liberdade sexual através da recusa à visita íntima. (LIMA, 2006, p. 5) (sem grifos no original)

Essa baixa adesão reflete ainda o fato de que a opção ou não pela visita íntima, quando permitida legal ou institucionalmente, mantém essa histórica desigualdade de gêneros e também a opera dentro do próprio gênero feminino, já que o valor atribuído ao matrimônio e à conjugalidade para a mulher presa é superior ao daquela que se encontra livre, de forma que apenas com a comprovação de vínculo conjugal é que pode ela exercer “dignamente” sua sexualidade, imperativo bem mais flexível no caso do preso masculino[11].

Fator imprescindível a culminar nesta ausência de especificidades do feminino nas codificações jurídicas é a adoção do parâmetro masculino do ser humano.

É o que revelam os estudos de Buglione sobre “A mulher enquanto metáfora do direito penal”. Segundo ela, as normas penais, a sua execução e as formas de controle foram estruturadas a partir de perspectivas masculinas. Assim, a igualdade estrutural reflete diferenças sobre aspectos relacionados à vida prisional de homens e mulheres, evidenciando-se a opressão de gênero, essencialmente, em relação à sexualidade. (BUGLIONE apud LIMA, 2006, p. 11)

Entretanto, não se pode justificar esta incriminação da natureza feminina pela redução do exercício da sexualidade ao ato sexual biológico, em que o “macho” carece mais das relações sexuais que a “fêmea”, acalmando-o e evitando rebeliões e práticas violentas, ainda mais sendo ela a detentora dos fins de procriação, gerando vidas no espaço prisional, historicamente a ela não pertencente. 

Aqui, importante ressaltar que mesmo a possibilidade de gravidez das detentas resultante das relações sexuais durante as visitas não lhe retira o caráter de discriminação, por sê-la condição inerente e indissociável à mulher. O Brasil Atrás das Grades exemplifica, através de normas internacionais de direitos humanos, como a questão da discriminação com base na gravidez pode ser considerada forma de discriminação sexual:

O Comitê de Especialistas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) interpretou a Convenção 111 da OIT sobre a Descriminação com Relação a Emprego e Ocupação, que proíbe a discriminação com base no sexo, no sentido de proibir a discriminação com base na gravidez. Conditions of Work Digest, Volume 13 (Genebra: International Labor Office, 1994), p. 24. De forma semelhante, em um caso de 1991, a Corte Européia de Justiça (CEJ) decidiu que a descriminação com base na gravidez constitui uma discriminação sexual intolerável. A CEJ decidiu contra uma empresa holandesa que se recusava a admitir uma mulher porque ela estava grávida, concluindo que "só as mulheres podem ter seu acesso ao emprego negado por razões de gravidez, e essa negação constitui, portanto discriminação direta baseada no sexo." Caso C-177/88, Dekker v. Stichting Vormingscentrum voor Jong Volwassenen (VJV-Centrum) Plus, 1990 E.C.R.3941. Embora as decisões da CEJ não sejam legalmente constringentes no Brasil, tais decisões constituem argumentos persuasivos no sentido de considerar a discriminação com base na gravidez como uma forma de discriminação sexual. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998)

De todo o exposto, entende-se que dar ao instituto da visita íntima uma natureza ainda mais compensatória e afastada de seu ideal de direito quando aplicada ao gênero feminino é desconhecer a progressão da criminalidade feminina – que antes atingia quatro pontos percentuais no total da população carcerária no Brasil e hoje atinge 6,3% –, como resultante da ampliação da própria participação da mulher em sociedade, refletindo-se na tendência de equiparação dos delitos por elas cometidos aos do gênero masculino[12].

Além dessa realidade de evidente “equiparação” social entre homens e mulheres no além cárcere, devendo irradiar influências nos direitos isonômicos dentro dele, fechar os olhos para o problema da sexualidade da mulher presa, talhando-lhe alternativas como a visita íntima, é transformar o poder-dever do Estado e seus instrumentos ressocializadores em verdadeiras armas para sua manutenção, acentuando o isolamento, a solidão e a dependência, que lhe rompem o instinto sexual[13], já destacados socialmente pela dificuldade histórica em se lidar com a sexualidade da mulher, livre ou encarcerada.

Nada mais justo, portanto, que finalizar esta parte da longa caminhada em direção ao tratamento humanizado e digno da população carcerária dando vez e voz à mulher nesta condição:   

Eu acho que ser mulher presa é bem assim:mesmo que eu pague minha pena vai ser assim, por exemplo: – você vai ao supermercado você paga o seu feijão, você paga para a pessoa, o que vai fazer com o feijão não importa, você pagou, é seu... Eu paguei a minha pena, mas eu não vou pagar uma vez só, eu vou tá sempre pagando, porque a sociedade vai tá sempre me cobrando... Então, não adianta eu tá só pagando aqui dentro, não adianta eu pagar os anos que se perde aqui dentro... Nós mulheres presas vamos estar sempre pagando... Nós vamos sempre ser mulheres presas!

Participante de grupo focal de mulheres que não optaram pela visita íntima na PFC-SP (LIMA, 2006, p. 83)

4.4 Homossexualismo e Visita Íntima

Enquanto os ativistas gays de Portugal já comemoram mais uma vitória em prol da causa, com a chegada na Assembléia da República de lei regulamentando o direito dos reclusos homossexuais à visita íntima nas prisões daquele país, a questão ainda gera muita polêmica no Novo Continente.

Segundo Mirabete (2000, p. 121), o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência brasileiras é o da vedação à visita íntima de caráter homossexual, com o fim de preservação da ordem e dos bons costumes. Contudo, ela já está sendo admitida, com razão, em estabelecimentos prisionais do Estado de Pernambuco, estando ali condicionada a exame médico prévio e cadastro regular do (a) visitante.

Hoje, a medida já vem sendo adotada em outras unidades da Federação, como Alagoas e Bahia, e sendo aplicada ao caso concreto em grande parte dos casos em que se movimenta o Judiciário a fim de sua obtenção. A Penitenciária Lemos Brito, em Salvador-BA, é um dos exemplos de estabelecimentos penais que permitem a visita íntima de parceiros aos condenados homossexuais que ali cumprem pena. Os detentos gays têm direito à visitação de natureza sexual no mesmo dia destinado aos casais heterossexuais. Para que seja efetivada a aplicação de seu direito, os presos devem solicitar formalmente o cadastro de seu parceiro junto à diretoria da penitenciária, que então a encaminhará ao Serviço Social para comprovação da relação afetiva entre eles, do que a esta se seguirá a autorização. (WIECZOREK, 2000, p. 24)

No mesmo sentido é a permissão no Estado de Alagoas, que após determinação de órgão jurisdicional competente concedeu esse direito sem a necessidade prévia de solicitação por meio de representante legal, abraçando todas as penitenciárias do território alagoano, a partir de outubro de 2007. O magistrado Marcelo Tadeu de Oliveira justificou sua decisão por sê-la a visita íntima para o detento homossexual um direito legal, acatada pelo próprio MP. Na decisão, recomendou ainda o estabelecimento de medidas de segurança para o recebimento de visitas sexuais por estes presos e a realização de palestras para o combate à discriminação entre os “vizinhos” no cárcere. (AGÊNCIA FOLHA, 1º out. 2007)

Segundo matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, a primeira visita íntima concedida a um casal homossexual teria ocorrido quatro anos antes, em Aracajú-SE, mediante autorização do então Secretário de Justiça e Cidadania de Sergipe, Emanuel Messias Oliveira Cacho, resultando em repercussão nacional. A visita entre um ex-detento e presidiário que se entrelaçaram afetivamente durante a privação de liberdade, durou cerca de sete horas e aconteceu na enfermaria de um complexo penitenciário. Para a concessão, foram necessários manifestação favorável da Defensoria do Estado, pleiteando o permissivo junto à Vara de Execuções Criminais e à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, bem como a participação da OAB regional e da Associação dos Travestis de Aracajú. A par de posições contrárias, como a do próprio diretor do presídio onde ocorreu a visita, a autorização teve como fundamento o direito civil à união e uma resolução do CNPCP, de 2002. (ESTADO DE SÃO PAULO, 12 dez. 2004)

Para as lésbicas, a história nos mostra que, mesmo enfrentando duplamente o preconceito ante ao direito às visitas de natureza sexual, por carregar o selo de mulher e homossexual, batalhas estão sendo ganhas, dia após-dia.

Atualmente, o eixo Rio - São Paulo também se encontra interligado pela similitude nas políticas de tratamento penal que envolvem mulheres homossexuais submetidas à prisão privativa de liberdade em seus territórios. Em Talavera Bruce – RJ, por exemplo, parceria entre programa de combate à homofobia e a administração penitenciária do Estado está garantindo a lésbicas e travestis o respeito à identidade feminina, com a permissão de tratamento com hormônios, desobrigação de raspar os cabelos e recebimento de visitas íntimas. Em São Paulo, por sua vez, já se garantiu no Judiciário, de forma unânime, a realização de visita íntima entre interna e sua companheira, que mesmo portando certificado de união estável, era proibida de adentrar ao Centro de Ressocialização Feminino do Estado por não ser da família.

Esse estabelecimento foi o primeiro a possibilitar visitas de natureza homossexual para mulheres presas, em abril de 2006, por iniciativa do Grupo de Apoio aos Doentes de Aids (GADA), mostrando desde seu início rigorosidade historicamente não encontrada durante a aplicação nos presídios masculinos, entre as quais avaliação de critérios socioafetivos e carteira de vacinação atualizada, especialmente para doenças transmissíveis. (AGÊNCIA ESTADO, 27 abr. 2006)

4.5 A visita íntima e o menor infrator

Se à primeira vista, a análise do direito à visita intima do menor nos estabelecimentos públicos parece desviar o foco essencial dessa pesquisa ao transcender a temática da pena privativa de liberdade, vale ressaltar que as medidas de proteção integral aplicáveis ao menor infrator apresentam o mesmo caráter de retribuição ao mal causado e prevenção que visa fundamentalmente a sua reinserção na sociedade. Essa natureza ressocializadora primordial da medida de segurança, bem como o interesse social e legal de regulação do direito à visita íntima a quem a ela se submete, são de importância ímpar para a demonstração da estreita relação existente entre o exercício do direito à sexualidade e a preparação eficaz para a vida livre.

Sobre o tema, é o Projeto de Lei nº. 1.627 / 2007, de autoria do Poder Executivo, recentemente chegado à Câmara dos Deputados para votação, o responsável por uma verdadeira polêmica entre defensores e opositores das visitações de natureza conjugal.

O projeto, que dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo, regulamenta a execução das medidas impostas ao adolescente infrator e altera dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº. 8.069/90), entre outras providências, prevê o direito à visita íntima para o jovem internado que mantenha união estável ou seja casado, neste ponto levantando divergências entre os pensamentos que apóiam a transcendência do direito aos menores infratores e os que a rechaçam sob a alegação de prejudicialidade e desnecessidade de sua aplicação. 

Assim como o é a aplicação da visita íntima em nossos estabelecimentos prisionais, com variações na forma de aplicação e disciplinamento do instituto de acordo com a unidade federativa, no Brasil inexiste paradigma exato de gestão e efetivação das medidas socioeducativas. Em alguns Estados, é possível sua prática no local de internação do adolescente ou jovem que comete ato infracional. Contudo, a aprovação do projeto estabelecerá a transformação da visita íntima em direito a ser obrigatoriamente aplicado em todos os centros de internação do país.

Em seu dispositivo de número 24, o texto do referido projeto de lei regula o direito à visita íntima, assegurando sua realização em escala de turnos e de forma individual. De modo prévio à autorização, deverão ser avaliados os laços afetivos entre os cônjuges ou companheiros, por meio de levantamento psicossocial – como acontecem nos presídios femininos –, de forma a se comprovar a necessidade do outrem para seu processo de ressocialização; e verificar-se-á, no caso dos menores de 18 anos, a presença de autorização dos pais ou responsáveis.

Aos que defendem a proposta, impõe-se o direito fundamental de exercício da sexualidade, como inerente ao homem, independentemente de sua idade ou gênero, do qual, a par do direito de ir e vir, não pode ser talhado com a aplicação da pena, como explicitado na abertura deste capítulo.

Para os que contrariam a classificação dos jovens como sujeitos do direito à visita íntima, o argumento fundamental alegado é o de que colocados na balança os direitos à sexualidade, como parte da saúde psíquica e fisiológica do indivíduo, e o poder-dever de cumprimento do ECA, dada à carência de recursos para efetividade de ambos, é o peso maior atribuído a este último, de forma que se investir na execução de medidas para aprimoramento e dignidade de encontros íntimos é retirar-lhe as bases e incentivar a violação do princípio da isonomia, tendo em vista que ao jovem livre não se apóia financeira ou materialmente a realização de suas práticas sexuais, num verdadeiro estímulo à criminalização da marginalidade.  

É no sentido de se violar o princípio constitucional da brevidade[14] e estimular à violência pelo patrocínio estatal de encontros íntimos – incitamento ao cometimento de atos infracionais com o fim de gozo desse benefício – que se levanta o Juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro, Siro Darlan, conforme reportagem do jornal O Dia: com a legalização da visita íntima ao jovem infrator,

Quem será o responsável pelos danos a adolescentes em razão dos encontros sexuais promovidos pelo próprio Estado em suas dependências destinadas a promover sua reeducação, visando ao retorno o mais breve possível ao convívio familiar e comunitário? A preocupação de patrocinar aos jovens práticas sexuais com suas companheiras pode muito bem ser atendida se as equipes técnicas das unidades estivessem cumprindo a regra expressa no parágrafo 1º do Artigo 121 do ECA, segunda a qual “será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade”. Logo, há na própria lei a possibilidade de garantir não só as atividades que se deseja garantir, mas outras ainda mais importantes, como o convívio familiar e comunitário.

(O DIA. Visita íntima a menor infrator. 10 set. 2004. Disponível em: < http://www.sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=59280>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Mesmo quando a rebatem sob a alegação dos grandes investimentos que a sua transformação em direito incitará, principalmente quanto à construção de instalações específicas para os encontros íntimos, inegável é a necessidade de promoção de atividades de orientação sexual e planejamento familiar, independentemente de sua adoção, pois não se fechar os olhos para a situação de muitos destes ressocializandos, pais desde os 14, 15 anos, e em sua maioria com vínculos afetivos anteriores à privação da liberdade.

Ao suscitar o sucesso do modelo implementado na Paraíba, desde o ano de 1999, no que concerne à manutenção da relação afetiva do internado com o parceiro livre, Lenice Silva dos Santos, superintendente do Sistema Socioeducativo do Estado do Mato Grosso, em entrevista ao Diário de Cuiabá, acaba por constatar a visão aqui apontada:

Cerca de 80% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa em Mato Grosso possuem vínculos afetivos com garotas, relacionamentos anteriores a perda de liberdade. Corta-se 50% deste total quando se leva em consideração a existência de um relacionamento duradouro, que seria a união estável. (ROMA, Keity. Projeto é causa de polêmica nacional. Diário de Cuiabá. 15 mar. 2009. nº. 12.366. Disponível em: < http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=341664&edicao=12366&anterior=1>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Vale ressaltar que a realidade de certa forma degradante vivida pelos centros de internação do menor não podem ser usadas como motivação para a objeção ao direito à visita íntima, de modo que se leve essa degradação ao plano subjetivo, do ressocializando e da finalidade socioeducativa.

Se se argumenta em oposição à concessão do direito com base no princípio da isonomia, também se pode defendê-la. Ao cidadão menor em estado de liberdade no convívio social, concede-se autorização para a oficialização do matrimônio em função de gravidez precoce, anterior aos 16 anos, e, posteriormente, nos demais casos, não se pode rechaçar esse direito à sexualidade posto que não incompatível com o cumprimento da medida socioeducativa. Não há precocidade, nem incentivo indiscriminado às relações sexuais, muito menos legalização de desigualdades. Se há ainda o risco de gravidez, este há também no “mundo livre” e a ambos os mundos cabe a implementação de políticas de orientação sexual, métodos contraceptivos e proteção a DSTs para a população jovem, o futuro da nação e a esperança das antigas gerações.

São as oportunas palavras de Guaraci Vianna, Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do RJ e crente da recuperação plena de nossos jovens, em verdadeira contestação à inquisição anterior da legitimação e legalização das visitas íntimas aos jovens internados, para o Jornal O Dia:

A execução das medidas socioeducativas poderá facilitar a ressocialização do jovem em conflito com a lei. O Estado deve fugir da lógica do isolamento como único instrumento de transformação. Há que se permitir ao homem desenvolver-se plenamente e ter condições de, mesmo aprisionado, conservar a sua família, sua prole e sua dignidade como ser humano. Não sendo assim, criaremos monstros no sistema socioeducativo. Depois, como contê-los ou recuperá-los? (O DIA. Visita íntima a menor infrator. 10 set. 2004. Disponível em: < http://www.sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=59280>. Acesso em: 24 mar. 2009)

Muitos apontamentos ainda podem e devem ser feitos ao referido projeto, de incontestável significância para o avanço do processo de execução e objetivo ressocializador das penas impostas pelo Estado.

E a sociedade parece ter sido chamada para a discussão, pela complexidade que reveste o tema.

O projeto, que seria votado no fim de março do ano corrente, fora adiado para posterior avaliação por uma Comissão Especial, aprovado o seu parecer de forma unânime no dia 29 de abril. Atualmente o projeto se encontra em Plenário para apreciação (13 de maio).

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Priscila Wieczorek Spricigo

Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Especializanda em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Tocantins - UFT, Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPRICIGO, Priscila Wieczorek. O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24246. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos