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Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica

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07/05/2013 às 14:52
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4 PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

4.1 CONCEITO

Como ocorre em todos os Estados Democráticos, a tripartição de funções é consagrada como princípio fundamental estruturante da Constituição Federal de 1988. Seu artigo 2º consagra a Teoria da Separação dos Poderes, que fora desenvolvida por Montesquieu em seu livro “O Espírito das Leis” (1748). Através dessa teoria, o pensador objetivou moderar o poderio estatal, dividindo o mesmo em funções e atribuindo as competências a diferentes órgãos como meio de evitar a concentração de todo o poder nas mãos de uma só pessoa, o que, inevitavelmente, levaria à tirania, a extremas arbitrariedades, a mais rígida ditadura. Lembre-se que as idéias de Montesquieu tiveram por inspiração as teses lançadas por John Locke, ainda que implicitamente, cerca de cem anos antes.

Dispõe o dito artigo que a União é formada por três poderes, todos eles independentes e harmônicos entre si. São eles: o poder Legislativo, o poder Executivo e o poder judiciário. Logo, geralmente cabe ao Judiciário, exercendo suas funções típicas, a resolução de conflitos por meio de um processo, normalmente aplicando, em uma atividade subsuntiva, a norma preexistente ao caso concreto. Enquanto isso, o Legislativo é tipicamente competente para editar normas gerais e abstratas (leis), dotadas de eficácia erga omnes, nos moldes do processo legislativo constitucionalmente estabelecido.

Em uma simplificada exposição, pode-se afirmar que a divisão dos poderes consiste em atribuir cada uma das funções básicas do Estado a diferentes órgãos, descentralizando o poder para que ele não pertença a uma única pessoa[35]. Saliente-se que a Constituição brasileira de 1988 está lastreada no ideário de interação entre os poderes, os quais devem coexistir de forma independente, porém harmônica. Além disso, cada um dos poderes exercerá funções que lhe são típicas e outras que lhes são atípicas, desde que legalmente previstas. Dessa forma, a competência típica atribuída ao Congresso Nacional para legislar, por exemplo, não exclui dos demais poderes a competência de criar normas, nos limites constitucionalmente estabelecidos.

Como dito, em regra, compete ao poder judiciário solucionar os conflitos que lhe são postos. Entretanto, esta está muito longe de ser a sua única função, possuindo o mesmo variadas outras competências constitucionalmente estabelecidas. A Constituição brasileira de 1934 já conferia aos tribunais trabalhistas a atribuição de proferir, nos dissídios coletivos, sentenças normativas, estabelecendo novas normas e condições de trabalho[36].

A Constituição de 1937 também consagrou o poder normativo, mas somente a Constituição de 1946 foi responsável pela fixação de limites ao exercício deste. Seguindo a mesma linha, todas as Constituições brasileiras posteriores trouxeram previsão expressa sobre a função normativa da Justiça do Trabalho.

Já fora afirmado que, dentre as formas de solução dos conflitos coletivos, está a jurisdicional. A justiça laboral intervém neles através das sentenças que são proferidas nos dissídios. Estes podem possuir natureza jurídica ou econômica, o que já foi acima abordado. Importante destacar que nas instâncias de índole jurídica as sentenças prolatadas possuem natureza declaratória da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ao passo em que nos econômicos as sentenças possuem caráter constitutivo, pois criam normas de caráter geral e abstrato, disciplinadoras das relações de emprego[37].

Do exposto, infere-se que são nos dissídios coletivos de natureza econômica que surge o poder normativo. Isso porque, diante deles, os tribunais trabalhistas possuem competência para o estabelecimento de normas e condições de trabalho, oponíveis erga omnes às categorias econômicas (ou às empresas) e às categorias profissionais envolvidas no litígio. Assim, é indubitável que reconhecer a competência da Justiça laboral para apreciar os dissídios coletivos tem como direta consequência o reconhecimento de seu poder normativo, pois a resolução desses conflitos cria novos direitos.

Neste diapasão, dispõe Amauri Mascaro Nascimento que o poder normativo consiste na competência constitucional dos tribunais laborais para proferir decisões nos processos de dissídios econômicos, criando condições de trabalho com força obrigatória[38].

Afirma Wilson Ramos Filho que o poder normativo é “a possibilidade que o ordenamento jurídico nacional atribui aos Tribunais do Trabalho de criar normas coletivas aplicáveis erga omnes a todos os integrantes de determinada categoria profissional”[39]. Acrescenta Amador Paes de Almeida que o poder normativo é “a faculdade atribuída à Justiça do Trabalho de estabelecer, nos dissídios coletivos de natureza econômica, normas e condições de trabalho”[40].

Segundo os ensinamentos de Valton Pessoa, seguindo essa mesma linha de raciocínio, o poder normativo é o poder conferido aos Tribunais Trabalhistas para criarem normas jurídicas com prazo de vigência limitado, tendo força de lei para as categorias de sindicatos que participaram do dissídio[41]. Do conceito posto pelo autor, infere-se que se atribui à sentença normativa, fruto do exercício do poder normativo dos tribunais, força de lei material para todas as categorias envolvidas no dissídio, independentemente de serem representadas pelo sindicato, já que a Lei não exclui da apreciação do judiciário a análise dos acordos coletivos celebrados entre o sindicato obreiro diretamente com as empresas, conforme precedente normativo fixado pela SDC do TST:

Nº 19. DISSÍDIO COLETIVO CONTRA EMPRESA. LEGITIMAÇÃO DA ENTIDADE SINDICAL. AUTORIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DIRETAMENTE ENVOLVIDOS NO CONFLITO.

Art. 214. Têm legitimidade para o ajuizamento do dissídio coletivo as entidades sindicais e os empregadores, estes quando não houver entidade sindical representativa ou os interesses em conflito sejam particularizados. (Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho - RITST - RA-000.908-2002).

Sintetizando o conceito de poder normativo, aduz Edilton Meireles que este consiste na atribuição que um órgão estatal possui de criar direito, de legislar, de disciplinar as relações jurídicas[42]. Infere-se, então, que a competência conferida à Justiça Trabalhista para modificar e estabelecer normas e condições de trabalho, respeitados os direitos já alcançados pelos trabalhadores, recebeu o nome de poder normativo.

Saliente-se que a atribuição de poder normativo ao poder judiciário como forma de compor conflitos coletivos apenas se faz presente na Justiça do Trabalho.  Muitos doutrinadores teceram discussões sobre a solução judicial dos embates tocantes à coletividade prevista no ordenamento pátrio. Nesse sentido, explica Orlando Teixeira da Costa que tais fontes normativas, à margem do Poder Legislativo, são admitidas “com a finalidade de garantir um perfeito entrosamento dos ritmos de vida do trabalho e da vida jurídica da sociedade”[43].

Para Ives Gandra Martins Filho, pode-se explicar a função normativa da Justiça do Trabalho com base no “dinamismo das relações econômico-trabalhistas”[44]. Por haver uma rápida evolução e modificação nas condições da prestação de serviços, consequente das constantes modificações pelas quais perpassam a sociedade, a regulamentação jurídica também deve ser rápida. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Carlos Henrique Zangrando defende ser a função normativa necessária à justiça laboral:

“[...] temos que o Poder Normativo é uma necessidade prática, uma vez que permite ao órgão judiciário adequar suas decisões à capacidade e ao desenvolvimento econômico das classes envolvidas no dissídio. Assim, a Justiça do Trabalho tem poderes para ‘acomodar’ a rigidez da legislação trabalhista nacional aos desníveis existentes entre as diferentes áreas econômicas e geopolíticas da Nação [...]”[45].

Frise-se que o legislador não tem o condão mágico de prever, em abstrato, regulamentação para todas as situações conflituosas que venham a existir. Nesse diapasão, o poder normativo da Justiça do Trabalho não significa a competência para solucionar um conflito através da proclamação do direito já existente, mas sim a possibilidade de criar direito novo. Dessa forma, o judiciário trabalhista atua, concorrentemente com o poder legislativo, na criação de normas e cláusulas com eficácia parecida à da lei, dentro do âmbito das categorias envolvidas.

Segundo alguns autores[46], a função normativa da justiça laboral acaba por desestimular a negociação coletiva, pois as pessoas preferem contentar-se com a decisão judicial imposta a empenhar-se na busca de um acordo. Nos dizeres de Pedro Carlos Sampaio Garcia, a dita função “inibe a negociação coletiva entre os atores sociais, que se acomodam com a intervenção judicial e não procuram a solução autônoma para os conflitos laborais econômicos”[47]. Entretanto, coadunar com esse pensamento seria o mesmo que dizer que a solução judicial dos conflitos individuais desestimula a conciliação entre as partes. A função normativa não desestimula a negociação coletiva, mas põe-se a solucionar conflitos em relação aos quais não houve acordo.

Os sindicatos brasileiros ainda não são fortes o suficiente para fazer efetivas pressões às empresas pela negociação coletiva. Assim, a intervenção do Estado na solução dos conflitos coletivos sempre que provocado, através do exercício de sua função normativa, mostra-se de fundamental importância para a proteção dos trabalhadores, que quase sempre estão em situação de inferioridade jurídica e, principalmente, econômica.

Ressalte-se que o exercício de uma atividade atípica por determinado poder estatal possui caráter excepcional, devendo, por isso mesmo, ser interpretado de forma restritiva e ser praticada dentro dos limites legalmente previstos, para que não colida com as funções atribuídas aos demais poderes. Assim, a função normativa exercida pelos tribunais visa normatizar situações que envolvem os sujeitos das relações de trabalho apenas nas lacunas legais, conforme já decidido pelo STF no RE 114836/MG:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRABALHISTA. DISSÍDIO COLETIVO. AUSENCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA CLÁUSULAS DEFERIDAS. PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO. LIMITES NA LEI. 1. A jurisprudência da Corte é no sentido de que as cláusulas deferidas em sentença normativa proferida em dissídio coletivo só podem ser impostas se encontrarem suporte na lei. 2. Sempre que a Justiça do Trabalho editar norma jurídica, há de apontar a lei que lho permitiu. Se o caso não se encaixa na classe daqueles que a especificação legal discerniu, para dentro dela se exercer sua atividade normativa, está a Corte Especializada a exorbitar das funções constitucionalmente delimitadas. 3. A atribuição para resolver dissídios individuais e coletivos, necessariamente in concreto, de modo algum lhe dá a competência legiferante. Recurso extraordinário conhecido e provido. (REX/114836-5. MG, 2ª Turma - Rel. Ministro Maurício José Corrêa. DJ. 06.03.1998, p. 16).

Nem sempre o poder normativo da Justiça do Trabalho possuiu os atuais contornos, tendo passado a sua regulamentação por diversas alterações decorrentes de mudanças governamentais ocorridas no país e no mundo. As modificações introduzidas pelo legislador constituinte acerca do poder normativo devem ser entendidas levando em conta a evolução histórica pela qual passou este instituto.

4.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PODER NORMATIVO NO BRASIL

Foi na Itália, sob a égide do regime fascista, que surgiu a função normativa da Justiça do Trabalho. Naquela época, não eram permitidas as greves e os lockouts, que, inclusive, eram duramente punidos. Surgindo qualquer conflito coletivo laboral, incumbia à magistratura trabalhista a solução do dissídio[48].

A Carta del Lavoro de 1927, que refletia os ideais fascistas vigentes à época de sua elaboração, é apontada como o paradigma do poder normativo nos tribunais trabalhistas brasileiros. Ela atribuía à magistratura do trabalho o poder para regular as controvérsias, seja através da resolução dos conflitos coletivos trabalhistas, seja pela fixação de condições regulamentares. Daí se infere que a criação de normas jurídicas laborais era de competência do judiciário trabalhista.

Como dito, no Brasil, via de regra, os conflitos sempre foram  resolvidos por meios judiciais. E assim também ocorreu com os embates coletivos. Foi no governo de Getúlio Vargas, com a Constituição de 1937, que o poder normativo dos tribunais laborais foi inserido no ordenamento pátrio[49].

O modelo de governo Vargas foi marcado pelo enorme intervencionismo estatal em todos os setores da economia. Afirma José Augusto Rodrigues Pinto que o corporativismo nas relações de trabalho era “peça fundamental da integração Estado/empresa, envolvendo o trabalho, fator essencial ao desenvolvimento desta última”[50].

No Brasil, o poder normativo surgiu com a própria Justiça do Trabalho, em sua fase administrativa, quando ela ainda não era judicializada. Foi introduzido no ordenamento jurídico nacional pelo então Ministro Lindolfo Collor, responsável por implementar as condições para o exercício desse poder, em proposta ao Chefe de Governo Provisório[51].

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Foram criadas, em 1932, por meio do Decreto nº. 21.396, as Comissões Mistas de Conciliação entre empregados e empregadores, e do Conselho Nacional do trabalho. Nelas, buscavam-se solucionar os embates coletivos entre as categorias, que cada dia mais entravam em conflitos. Esse decreto foi o primeiro dispositivo legal a prever uma intervenção estatal na solução dos conflitos trabalhistas.

Em 10 de novembro de 1937, com o golpe do Estado Novo, foi imposta por Getúlio Vargas uma nova Constituição ao Brasil. O texto desta deixava claro o intuito de fortalecimento do Poder Executivo, instaurando, assim, um Estado Corporativista no país. O discurso do então presidente não deixava dúvidas quanto à atuação estatal nas relações de trabalho, sendo as palavras utilizadas para tratar do protecionismo uma verdadeira maquiagem ao intento de total controle nacional, sobretudo no âmbito econômico.  

À época, negavam-se os conflitos trabalhistas. O Estado queria fazer a população acreditar que eles não existiam, ocultando-os por serem considerados nocivos aos interesses da produção econômica, que deveria fluir sem empecilhos, sem as incômodas reivindicações da massa trabalhadora. Entretanto, caso estas surgissem, o Estado, utilizando-se de todo o seu maquinário, deveria rapidamente resolvê-las, pondo fim a qualquer tipo de tensão, visando restabelecer a dita paz social. Resta nitidamente demonstrado o objetivo de matar, desde o embrião, qualquer possibilidade de rebelião social, aniquilando, assim, qualquer manifestação de descontentamento[52].

O Decreto Lei nº. 1.237 organizou a Justiça do Trabalho ainda como um órgão administrativo, prevendo a competência normativa no julgamento de dissídios coletivos para os Conselhos Regionais do Trabalho. O art. 94 do mencionado decreto balizava o conteúdo dessas decisões, estabelecendo, in litteres:

“Na falta de disposição expressa de lei ou de contrato, as decisões da Justiça do Trabalho deverão fundar-se nos princípios gerais do direito, especialmente do direito social, e na equidade, harmonizando os interesses dos litigantes com os da coletividade, de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”[53].

Com o advento da Constituição brasileira de 1946, a Justiça do Trabalho passou a fazer parte do poder judiciário, anexada aos órgãos do mesmo. O seu art. 123 tratava expressamente do poder normativo:

“Art. 123. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas pela legislação especial.

Parágrafo 2º. A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.

A Constituição de 1967, com a emenda de 1969, praticamente nada alterou no texto da Constituição anterior, trocando apenas o vocábulo “casos” por “hipóteses”, mantendo a competência da Justiça Laboral para estabelecer novas condições de trabalho, quando autorizada pela lei ordinária. Inegável a determinação da limitação da atividade normativa pela edição de Lei Ordinária, a quem coube regulamentar a Justiça laboral, espécie esta que nunca foi promulgada, dificultando a análise exegética dos Tribunais Trabalhistas.

Sensível ampliação ocorreu em 1988 com a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro, que estabeleceu, no § 2º do artigo 114, a competência da Justiça do Trabalho para “estabelecer normas e condições” de trabalho. Não se faz mais necessário todo aquele esforço hermenêutico, já que o texto constitucional não subordinou o estabelecimento de “'normas e condições”' à existência de qualquer especificação de lei precedente. Concedeu, pura e simplesmente, à Justiça do Trabalho, o poder de estabelecer normas e condições, exigindo apenas, afora obediência às limitações inerentes ao princípio da harmonia e independência dos poderes, respeito às disposições convencionais ou legais mínimas de proteção ao trabalho[54].

A análise histórica do poder normativo deixa claro que sua instituição e manutenção objetivavam controlar a atuação reivindicatória e a capacidade de união dos trabalhadores. Esse poder sempre foi usado como fundamental instrumento de controle do Estado sobre o movimento sindical brasileiro e, por consequência, sobre o operariado[55].

Os governos então vigentes buscavam estabelecer, de forma minudente, através do exercício típico do poder legislativo conferido ao Congresso, as condições de exercício do poder normativo, estando sua previsão normativa sempre atrelada ao objetivo estatal de manter-se no controle ou, ao menos, na supervisão das relações trabalhistas.

4.3 PREVISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

A Constituição de 1988 traz expressa previsão do poder normativo da justiça do trabalho. Para alguns doutrinadores, tais como Geraldo Bezerra Menezes[56], o instituto já encontrava previsão desde as Constituições de 1946, 1967. Pedro Vidal Neto acredita que o embrião legislativo do mesmo foi fecundado desde 1936, quando disseminado o debate entre Oliveira Vianna e Waldemar Ferreira acerca do anteprojeto de organização da Justiça do Trabalho[57]. Saliente-se que as calorosas discussões giravam em torno atribuição da competência normativa à Justiça do Trabalho.

Na década de 40, a regulamentação da Justiça Trabalhista foi remetida à Lei ordinária, com a expressa disposição de que não lhe caberiam as prerrogativas da Justiça Comum. O Decreto Lei 1.237 de 1939 deu competência aos Conselhos Regionais para conciliar e julgar os dissídios coletivos, estendendo suas decisões a todos os empregados da empresa envolvida ou a toda categoria. Observe-se:

“Art. 28. Compete aos Conselhos Regionais:

Conciliar e julgar os dissídios coletivos que ocorrerem dentro da respectiva jurisdição”.

O conteúdo de tais decisões ficava determinado pelo artigo 94 do próprio decreto:

“Art. 94 Na falta de disposição expressa de lei ou de contrato, as decisões da Justiça do trabalho deverão fundar-se nos princípios gerais do direito, especialmente do direito social, e na equidade, harmonizando os interesses dos litigantes com os da coletividade, de modo que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.

Ao aprovar a Consolidação das Leis Trabalhistas, o Decreto Lei 5.452/43 trouxe em seu corpo, mais precisamente no artigo 867, a extensão e a vigência da sentença normativa prolatada em sede de dissídio coletivo.

“Art. 867 - Da decisão do Tribunal serão notificadas as partes, ou seus representantes, em registrado postal, com franquia, fazendo-se, outrossim, a sua publicação no jornal oficial, para ciência dos demais interessados.

Parágrafo único - A sentença normativa vigorará: (Incluído pelo Decreto-lei nº 424, de 21.1.1969)

a) a partir da data de sua publicação, quando ajuizado o dissídio após o prazo do art. 616, § 3º, ou, quando não existir acordo, convenção ou sentença normativa em vigor, da data do ajuizamento; (Incluída pelo Decreto-lei nº 424, de 21.1.1969)

b) a partir do dia imediato ao termo final de vigência do acordo, convenção ou sentença normativa, quando ajuizado o dissídio no prazo do art. 616, § 3º. (Incluído pelo Decreto-lei nº 424, de 21.1.1969)”.

A Constituição de 1946 aludiu, no § 2° do artigo 123, ao poder normativo. Entretanto, condicionava-o à regulamentação pela lei ordinária.

“Art. 123 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.

§ 1º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária.

§ 2º - A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.

A Constituição de 1967, bem como a emenda de 1969, manteve a idéia original da Carta anterior, limitando a atuação do poder normativo à edição de legislação ordinária posterior.

Observa-se que a atuação do judiciário trabalhista através do poder normativo era limitada pelo próprio ordenamento jurídico. Nesse sentido, aduz Carlos Coqueijo Costa que “o Poder Normativo, atribuído à Justiça do Trabalho, limita-se ao norte, pela Constituição; ao sul, pela lei, à qual não pode contrariar; a leste, pela equidade e o bom-senso; e a oeste, pela regra consolidada no art. 766”[58].

“Art. 766 - Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas”.

A Constituição de 1988 introduziu significativa modificação, trazendo a falsa percepção da ausência de limites para a atividade normativa da justiça do Trabalho. O texto constitucional excluiu o antigo parágrafo 2°, que atribuía à lei o estabelecimento dos casos pacíficos da atuação judicial, dispondo apenas que esse poder deveria ter por base as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho[59]. Observe-se:

“§ 2° Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.

Da leitura do parágrafo supra infere-se que era muito pequeno o espaço reservado à atuação da justiça trabalhista através do poder normativo, pois o judiciário, ao ter de resolver as questões controvertidas tendo por base as disposições convencionais e legais, ficaria nitidamente amarrado ao legislador. Neste diapasão, restaria à atividade normativa trabalhista a atuação para suprir as lacunas legais ou em determinadas situações nas quais a própria legislação esclarecesse que estariam sendo estabelecidos apenas parâmetros mínimos, a exemplo do artigo 7º, XVI da CF/88.

Em 2004, a Emenda Constitucional n.º 45 promoveu significativa alteração no § 2º do art. 114 da CF/88. A partir de então, passou a ser exigido o “comum acordo” dos litigantes para o ajuizamento do dissídio. Essa expressão é causadora de inúmeras polêmicas e vem sendo objeto, inclusive, de ações diretas de inconstitucionalidade.

“§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Hodiernamente, o poder normativo da justiça laboral encontra-se demasiadamente limitado, pois a sentença normativa, fruto de seu exercício, fundamenta-se, legalmente, no parágrafo acima transcrito, pelo que não mais representa, fidedignamente, os anseios legislativos da época da idealização do instituto. Consequentemente, alguns doutrinadores afirmam que a mesma foi extinta do ordenamento jurídico pátrio. O conceito de sentença normativa será a seguir analisado com maior detalhamento.

4.4 BREVE CONCEITUAÇÃO DE SENTENÇA NORMATIVA

A sentença normativa resulta da atividade legiferante atribuída a órgãos específicos dos tribunais trabalhistas, sendo exceção, neste ponto, ao exercício jurisdicional típico deste poder. Ela nada mais é do que a decisão proferida no dissídio coletivo, ou seja, o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho ou da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho.

Sob pena de nulidade, deve ser fundamentada e tem de traduzir, em seu conjunto, a justa composição do conflito de interesses das partes, além de dever guardar adequação com o interesse da coletividade[60]. Afirma Lígia Simão Oliveira, citando Paulo Emílio Ribeiro Vilhena, que a sentença normativa não visa tutelar interesses gerais da sociedade, função esta exercida pela lei, tampouco interesses atendíveis mediante prestações individuais, sendo sua razão teleológica a tutela de interesses individuais vistos sobre o espectro das categorias[61].

Para José Anchieta Falleiros, a sentença normativa é fonte formal do Direito Laboral. Diz ser a mesma “fonte original do Direito do Trabalho, verdadeira inovação, de características constitucionais”[62]. Ela é fruto do poder que tem o juiz do trabalho de proferir ordens com o fim de regular novas condições de trabalho.

Como dito, a sentença normativa cria ou modifica condições de trabalho. Assim, pode ter natureza “constitutiva” (Chiovenda), “dispositiva” (Carnelutti) ou “determinativa” (Raselli), mas nunca “condenatória” (Jaeger)[63]. De maneira geral, pode-se ainda afirmar que é declaratória, como a maioria das sentenças. A natureza constitutiva justifica-se dada a criação de novas condições de trabalho. A dispositiva por ela dispor sobre a relação de emprego, que nada mais é do que uma relação jurídica, estabelecendo normas e condições para as partes envolvidas, como se uma lei fosse. Já a função determinativa está presente por ela dispor ou complementar a lei, atendendo as particularidades das relações jurídicas entre os envolvidos.

A sentença normativa possui eficácia erga omnes, o que a aproxima ou equipara à lei, enquanto que as outras produzem efeitos somente "inter partes". Para Délio Maranhão[64], é um “ato regra”, e, portanto, fonte do direito, sendo materialmente lei, embora com corpo de sentença. Neste diapasão, percebe-se que a sentença normativa, produto da função atípica do judiciário trabalhista, tem corpo de uma sentença, com seus essenciais requisitos (relatório, fundamentação e dispositivo), porém alma de lei, com efeito para todos do grupo ao qual é proferida. Nas palavras de Renato Fleischmann, a sentença normativa “tem natureza híbrida, com característica de ato jurisdicional, assim como de ato legislativo”[65].

Sintetizando, pode-se conceituar a sentença normativa como aquela que finaliza o processo de dissídio coletivo ou como a manifestação do poder normativo da justiça laboral. Dessa conceituação, resta clara a sua finalidade, qual seja, fixar novas normas e novas condições de trabalho.

Acrescente-se também que o Tribunal Trabalhista está autorizado a decidir o dissídio coletivo por equidade. Assim, em dissídios que versem sobre estipulação salarial, serão, por exemplo, estabelecidas condições asseguradoras de justo salário aos trabalhadores e que também possibilitem justa retribuição pelas empresas interessadas.

4.5 PODER NORMATIVO VERSUS FUNÇÃO JURISDICIONAL

Como visto, jurisdição é o poder que tem o Estado de dizer o direito, aplicando-o aos casos concretos que lhes são postos, geralmente através de uma atividade de subsunção, objetivando resolver os conflitos de interesses entre as partes, restaurando e resguardando, consenquentemente, a ordem jurídica e presenvando a autoridade das leis. Assim, a função jurisdicional, que se realiza por meio de um processo judicial, é a de aplicação das normas e tem por objetivo a atuação da vontade da lei. Ela parte do direito preexistente para apreciar um conflito de interesse posto.

Por outro lado, o poder normativo dos tribunais trata-se do exercício de uma atividade tipicamente legiferante constitucionalmente delegada e não do efetivo exercício de atividade jurisdicional basicamente. Para Andréa Presas:

“O poder normativo não é expressão do poder jurisdicional, tratando-se, na verdade, de atuação de índole legislativa. Ao Judiciário cabe o exercício da função jurisdicional, que consiste naquela atividade substitutiva da vontade das partes em conflito pela vontade do Estado, que faz atuar a vontade do direito objetivo válida para o caso concreto. O desempenho de atividade legislativa pela Justiça do Trabalho, através do poder normativo, deve ser vista como de caráter excepcional, porque desbordante da função típica desse Poder de Estado, que é a jurisdicional”[66].

Resumindo, a função jurisdicional significa dizer o direito, aplicando a norma ao caso concreto, função esta que é típica do judiciário. Enquanto isso, através do poder normativo a justiça laboral atua na criação do direito, de normas, semelhantemente ao legislativo.

Destaque-se que, ao exercer o dito poder, observando-se os limites mínimos legais, os Tribunais prestam-se a criar novas condições de trabalho e de remuneração, ao invés de aplicar o silogismo jurídico e a subsunção do fato à norma. Daí se tem que, no exercício do mesmo, a Justiça do Trabalho não está no uso de sua atribuição típica jurisdicional. Está, em verdade, exercendo uma função legislativa, tal como o Congresso a exerce em sua atividade típica[67].

Do exposto, infere-se que o exercício do poder normativo é, pois, fruto de uma atribuição legislativa exercida por órgão não integrante do Poder Legislativo, não passando de expressão do exercício do Poder legislativo assegurado à União[68]. Trata-se da atuação atípica do judiciário trabalhista.

Importante vislumbrar o parecer emitido Procurador Geral da República em eminente decisão proferida na ADI n° 3432-4/DF, no qual defendeu o mesmo não se confundir o poder normativo com a função jurisdicional, com a seguinte ementa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DO § 2º DO ARTIGO 114 DA CF, COM A REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA EMENDA 45/2004. O Poder normativo da Justiça do Trabalho, por não ser atividade jurisdicional, não está abrangido pelo âmbito normativo do art. 5º, XXXV da CF. Assim sendo, sua restrição pode ser levada a efeito por meio de reforma constitucional, sem que seja violada a cláusula pétrea que estabelece o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.”

Não se pode deixar de ter em mente que o Poder Normativo trata-se de um poder originário, pois diretamente outorgado diretamente pela Constituição Federal aos Tribunais do Trabalho[69], a qual, expressamente, impõe seus limites.

4.6 LIMITAÇÕES AO PODER NORMATIVO

Nas democracias, não existem poderes sem limites. Face à ausência de qualquer limitação, seus titulares certamente cometeriam abusos e agiriam de acordo com seus impulsos, nada podendo ser feito contra tais atitudes, o que acarretaria transtornos imensuráveis a toda sociedade. Isso colidiria frontalmente com os pilares dos ideais democráticos, por conduzir à tirania e às ordens típicas das ditaduras, impossíveis de serem contestadas. Assim também o é com o Poder Normativo, que sofre uma série de restrições emanadas do ordenamento jurídico.

Lembre-se que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho é excepcional. Trata-se de um poder anômalo, pois envolve o exercício de atribuição típica de outro poder, qual seja, o Legislativo. O fato de ter a Constituição atribuído função normativa anômala ao Judiciário Trabalhista em seu artigo 114, §2º não implica em violação à teoria da separação dos poderes. Este dispositivo expressamente determina o respeito às disposições legais mínimas de proteção ao trabalho e às normas convencionadas.

Em relação ao limite legal, não há maiores questionamentos, haja vista serem as normas tutelares mínimas, previstas em lei, intangíveis, além de não admitirem reformas prejudiciais[70]. Assim, o poder normativo somente é livre para ampliar as garantias ou criar novas, desde que observe eventuais reservas postas pela Constituição.

Controvérsias surgiram, entretanto, a respeito das normas anteriormente convencionadas. Alguns passaram a defender que as normas coletivas são inalteráveis, não podendo o poder normativo nem mesmo promover modificações benéficas[71]. Outros admitem a alteração, desde que para que haja ampliação das garantias dos trabalhadores[72], entendimento fundamentado no princípio da proteção.  

Tendo como balizamento o ideário da teoria da separação dos poderes, já abordada neste trabalho, fica fácil compreender que não é possível haver confronto entre duas esferas de poder quando idêntica a matéria tratada na atividade normativa de ambos[73]. Assim, o Poder Normativo da Justiça laboral não pode criar normas ou condições sobre situações já regulamentadas pelo poder legislativo, o que restringe seu âmbito de atuação, que está limitado àquilo o que é novo, que não está regido pelas normas e que já não foi disciplinado pelo Congresso Nacional.

Como poder jurídico que é, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho não pode ser arbitrário, ou seja, o magistrado detém uma grande quota de arbítrio na solução dos conflitos coletivos, entretanto não pode afastar-se do sistema legal, para que não seja rompida a unidade e coerência do ordenamento jurídico. Assim, a despeito de inserir-se na conveniência do jurista, a distinção entre discricionariedade e arbitrariedade faz-se premente.

Ato discricionário é aquele que permite certa margem de liberdade ao jurista, mas que deve ser praticado dentro dos limites (normalmente preestabelecidos) e em conformidade com a lei. Arbitrário, todavia, será aquele ato praticado contrariamente à lei, de forma excedente. Tratam-se, pois, a discricionariedade e a arbitrariedade de conceitos literalmente opostos, vez que uma está ligada à legalidade enquanto a outra reside na seara do ilegal ou excedente.

Acrescente-se ainda que o Poder Normativo também se sujeita ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, devendo seguir o seu posicionamento sempre que a norma oriunda da decisão do dissídio envolver matéria constitucional. Sendo a Suprema Corte responsável por zelar pela supremacia da Constituição, bem como pela coerência do ordenamento jurídico, ela exercerá, consequentemente, uma espécie de fiscalização para que, no exercício de seu poder anômalo, a justiça laboral não vá de encontro aos mandamentos da carta maior.

Seguindo o entendimento de Pedro Garcia, escreveu Jorge Luis Machado:

“O Supremo Tribunal Federal vem adotando uma concepção restritiva acerca da abrangência da jurisdição normativa, visando compatibilizá-la com a competência legislativa do Congresso Nacional. De fato, não se deve olvidar que a jurisdição normativa consiste em uma função atípica conferida ao Judiciário, muito menos que o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabeleceu, como cláusula pétrea, o império do Estado Democrático de Direito, ou seja, o predomínio da norma legal. Isso posto, não cabe à sentença normativa contrariar dispositivo constitucional ou legal, ou mesmo invadir reserva legal específica, sob pena de extrapolar os limites de sua competência constitucional”[74].

Para Arion Sayão Romita, esse poder atípico da justiça trabalhista possui limites máximos e mínimos. Estes últimos são aqueles a que a Constituição faz menção expressa. Já os máximos estão fixados por fontes materiais e formais de forma implícita[75]. Seguindo sua linha de raciocínio, diz Pedro Carlos Sampaio Garcia:

“As fontes materiais são representadas por valores constitucionalmente consagrados, como o direito de propriedade, da livre iniciativa e da livre concorrência. As fontes formais encontram-se nos arts. 5.º, II, e 49, XI, da Constituição Federal. O primeiro assegura o direito fundamental de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O segundo estabelece que o Congresso Nacional deve zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Resulta da interpretação desses dois preceitos que, havendo texto de lei regulando determinada matéria, a competência normativa respeitará o comando legal, não podendo ampliar nem reduzir a garantia ali estabelecida”[76].

Do exposto, conclui-se que, quando do exercício do poder normativo, está o juiz subordinado à Constituição e à lei, tendo o dever de observar os limites destas no exercício de sua conveniência. Essas restrições são provenientes de uma lógica facilmente compreensível, eis que a Lei, emanada da atividade do Legislativo, se legitima na vontade da coletividade nacional que elegeu seus representantes nos trâmites constitucionalmente previstos, afastando a possibilidade de ser contrariada por norma emanada de Poder que não foi eleito para elaborar leis.

Saliente-se que a Constituição de 1988 trouxe significativa modificação em relação às normas e aos textos constitucionais que lhe antecederam, pois deixou de mencionar que a lei estabeleceria as hipóteses nas quais o Poder Normativo da Justiça Laboral poderia ser exercido. Isso, de certa forma, alargou o âmbito de utilização do dito poder, já que não há mais a necessidade de texto legal estabelecendo as possibilidades de exercício do mesmo.  

Alguns estudiosos trabalhistas, a exemplo de Edson Braz da Silva, passaram a defender que a legislação vigente antes da Emenda Constitucional nº45/2004 inibia a negociação coletiva, reduzia o poder de organização e de negociação entre os sindicatos, priorizando uma relação oportunista entre os sujeitos da relação de emprego. Esse autor chegou a comparar as decisões da Justiça do Trabalho no exercício do poder normativo à fixação judicial de aluguel na Justiça comum, quando, para ele, o valor estipulado pelo juiz é sempre pouco para quem recebe e muito para quem o paga[77].

“... constata-se que o poder normativo da Justiça do Trabalho, combinado à possibilidade de que uma das partes possa, unilateralmente, pedir um dissídio coletivo, inibe a negociação coletiva e reduz o poder de organização do sindicato”[78].

Para alguns, o Poder Normativo figurou como um antídoto ou anestésico ao dialético fortificante que a organização sindical passa a cada campanha reivindicatória. Para estes, bem ou mal sucedido, o pleito organizado, solidificaria o legítimo representante dos trabalhadores[79].

Respeitando-se o posicionamento em contrário, acredita-se que o fato de o dissídio coletivo poder ser instaurado por apenas umas das partes não obstava o trabalho negocial dos sindicatos. Ao contrário, primava por uma negociação prévia, a fim de que as partes compusessem o conflito anteriormente à instauração judicial, já que, instaurado o dissídio, a lide escaparia das mãos dos sujeitos, que se sujeitariam à decisão de um terceiro julgador.

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Sobre a autora
Paula Leal Lordelo

Advogada, formada em Direito pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Pós graduação em Direito Processual e Material do Trabalho pelo JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORDELO, Paula Leal. Exigência do comum acordo para a propositura do dissídio coletivo: inconstitucionalidade principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3597, 7 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24378. Acesso em: 26 abr. 2024.

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