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O parcelamento do débito nas execuções fiscais e a possibilidade de liberação dos bens sobre os quais incidiram constrição judicial

14/05/2013 às 15:25
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A penhora de dinheiro cumprida integralmente afasta o interesse da Fazenda Pública na concessão do parcelamento.

1. INTRODUÇÃO

É questão bastante comum na praxe forense a discussão acerca da (im)possibilidade de liberação dos bens que sofreram constrição judicial, a partir da formalização do parcelamento do débito objeto de execução fiscal.


2. DESENVOLVIMENTO

O parcelamento, tal como definido no art. 151, do Código Tributário Nacional, suspende a exigibilidade do crédito. Esta definição, malgrado inserida no CTN, aplica-se perfeitamente aos créditos não-tributários, conquanto a legislação seja omissa no que diz respeito a créditos desta natureza.

A suspensão da exigibilidade do crédito conduz, por sua vez, à suspensão da própria execução fiscal. Por conseguinte, a suspensão do processo impedirá que se promovam novos atos de penhora e de expropriação de bens.

Logo, será a suspensão da exigibilidade do crédito pelo parcelamento que impedirá a consecução de atos de penhora. Até então, não haverá fundamentação jurídica para se obstar a constrição de bens do devedor.

E justamente por não haver motivação para sustar a penhora antes desse momento, é dizer, antes da suspensão da exigibilidade do crédito pelo parcelamento, que qualquer ato dessa espécie que tenha sido realizado anteriormente deve ser mantido em sua totalidade.

Por certo, o parcelamento não detém efeitos retroativos para suspender a exigibilidade do crédito antes mesmo da celebração da avença, muito menos para extingui-lo.

A hipótese na qual a penhora tenha sido realizada antes do parcelamento deve ser tratada de forma diversa daquela em que a constrição judicial tenha se concretizado após o parcelamento.

Neste último caso, a suspensão da exigibilidade do crédito e a suspensão do processo são motivos suficientes para obstar a realização de penhora ou bloqueio de valores em momento posterior ao parcelamento.

E isto por uma razão muito simples: ora, se o parcelamento acarreta a suspensão da exigibilidade do crédito e a suspensão da execução, qual o motivo plausível para se praticar atos judiciais constritivos posteriormente à formalização desse parcelamento? De fato, não há razão jurídica para se perpetrar atos constritivos judiciais posteriormente à celebração da avença, sob pena de ofensa ao princípio da menor onerosidade e configuração da dupla oneração do executado.

Situação completamente diversa se verifica naquela primeira hipótese, na qual a penhora tenha sido efetivada antes do parcelamento do débito. Neste caso, não há que se cogitar da liberação da constrição judicial que tenha incidido sobre determinado bem, pois a causa da suspensão da exigibilidade do crédito e a suspensão do processo são posteriores àquele ato expropriatório, sendo certo que, em caso de inadimplemento, deverá ser retomada a execução fiscal até integral satisfação do crédito da Fazenda Pública, valendo-se daquele bem em relação ao qual incidiu a constrição judicial: se se tratar de penhora parcial sobre ativos financeiros, após os procedimentos de praxe, haverá a conversão em renda em favor da Fazenda Pública, com o consequente prosseguimento da demanda executiva; se o bem constrito judicialmente tiver natureza diversa, deverá ser levado à hasta pública.

Saliente-se que, acaso a penhora sobre os valores financeiros abranja todo o débito, não há razões para deferimento do parcelamento, conforme se verá mais adiante.

O parcelamento não tem o condão de extinguir o débito, tampouco a execução fiscal dele decorrente, ocasionando somente a suspensão do feito. Portanto, não há como se desconstituir atos constritivos levados a cabo na execução fiscal, sobretudo porque, tecnicamente, o crédito ainda não foi satisfeito.

Dessa maneira, ajuizada a execução fiscal e realizada a penhora de bens, o posterior parcelamento do débito não tem o condão de torná-la ineficaz ou anulá-la.

Todo esse raciocínio encontra fundamento também numa razão de ordem prática: ora, se se permitir, com o parcelamento, o levantamento da penhora, poderá muito bem, o executado, no dia seguinte à desconstituição da constrição, dispor dos seus bens e, ao mesmo tempo, deixar de cumprir o parcelamento, tornando a parte exequente completamente desguarnecida em seu direito.

É assente que o pagamento integral extingue o crédito, conduzindo à liberação da penhora. Logo, somente após o pagamento da última prestação do parcelamento poderá ocorrer a desconstituição do ato constritivo judicial, e não desde a formalização do parcelamento.

De fato, caso não acolhida a fundamentação jurídica supramencionada, para muitos devedores o parcelamento do débito seria a saída utilizada quando há a penhora de bens de sua titularidade, especialmente dinheiro.

Os executados poderiam valer-se do artifício de, assim que conseguissem a desconstituição da constrição judicial, alienar o bem penhorado ou despender o numerário bloqueado, o que lhes garantiria a possibilidade de, posteriormente, deixar de cumprir a avença, frustrando as expectativas da Fazenda Pública exequente. Frise-se que o parcelamento não tem natureza jurídica de quitação e nem sequer representa garantia de adimplemento.

Por certo, admitir a possibilidade de liberação dos bens constritos judicialmente a partir de mera formalização do parcelamento representaria flagrante prejuízo ao direito da Fazenda Pública de ter satisfeito seu crédito, além de permitir a ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da lealdade processual pelos executados.

A respeito do princípio da boa-fé objetiva, leciona Fredie Didier Jr.[1] que:

“É fácil perceber que o princípio de atuação de acordo com a boa-fé é a fonte normativa da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do 'abuso do direito' processual (desrespeito à boa-fé objetiva). Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a cláusula geral da boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o da boa-fé objetiva processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-fé.”

A liberação da constrição judicial permitiria ao executado pautar sua conduta pela má-fé, na medida em que lhe daria livres poderes para dispor do bem e frustrar a execução, mediante a mera formalização do parcelamento, que não traria qualquer garantia à Fazenda Pública acerca do integral cumprimento da obrigação.

No que tange à impossibilidade de liberação da constrição judicial em razão de mero parcelamento posterior do débito em sede de execução fiscal, confira-se a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Agravo regimental EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALEGAÇÃO DE FATO NOVO. ADESÃO A REGIME DE PARCELAMENTO. MANUTENÇÃO DA PENHORA JÁ REALIZADA NOS AUTOS. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. "Esta Corte tem entendimento pacificado de que o parcelamento de créditos suspende a execução, mas não tem o condão de desconstituir a garantia dada em juízo. Incidência da Súmula 83/STJ." (AgRgREsp nº 1.146.538/PR, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, in DJe 12/3/2010). 2. Agravo regimental improvido. (STJ. 1ª Turma. AGREsp 1208264. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJ de 10/12/2010 – grifou-se).

TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CONFISSÃO DA DÍVIDA – PARCELAMENTO DE DÉBITO – SUSPENSÃO DO PROCESSO – PRECEDENTES. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o parcelamento da dívida tributária, por não extinguir a obrigação, implica a suspensão dos embargos à execução fiscal, e não sua extinção, que só se verifica após quitado o débito, motivo pelo qual a penhora realizada em garantia do crédito tributário deve ser mantida até o cumprimento integral do acordo. Agravo regimental improvido. (STJ. 2ª Turma. AGREsp 923784. Rel. Min. Humberto Martins. Publicado no DJ de 18/12/08).

O STJ reafirmou sua jurisprudência no AGREsp 1289389, 1ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, publicado no DJ de 22/03/2012.

Convém mencionar que a execução desenvolve-se no interesse do credor[2][3], mas também no interesse da justiça, como instrumento necessário para o Estado cumprir o seu dever de prestar a jurisdição[4].

A partir de simples formalização do parcelamento, a liberação da constrição judicial anterior estaria realmente protegendo o interesse do credor e o da própria justiça, tanto mais se se considerar a possibilidade real de, a partir do mês seguinte, o executado descumprir a avença? A resposta só pode ser negativa. Por certo, a desconstituição do ato constritivo atenderia tão-somente ao interesse do executado, sendo que tal raciocínio contribuiria para a completa ineficácia da própria execução fiscal.

Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que a manutenção da garantia do juízo na execução fiscal no caso de parcelamento não compreenderia a anterior penhora em dinheiro, como se extrai da ementa a seguir, ad litteram:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL EM VARA FEDERAL – PARCELAMENTO DO DÉBITO (LEI N. 11.941/2009) – DESBLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS (BACENJUD) – MANUTENÇÃO DE PENHORA: OBJETIVIDADE NORMATIVA E RAZOABILIDADE – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 1. O art. 11 da Lei n. 11.941/2009 só se aplica à hipótese de “depósito” ou existência de penhora, situações inocorrentes na hipótese de bloqueio de ativos financeiros do executado. 2. Em exercício de lógica primária na interpretação da objetividade jurídica da norma, a manutenção da garantia da EF no caso de parcelamento do crédito fiscal executado não compreende, por bom senso e sob pena de contrassenso, a eventual penhora de dinheiro. 3. O bloqueio de ativos financeiros e a penhora em dinheiro são incompatíveis com o parcelamento do débito em cobrança judicial e, em face dele, não podem ser mantidos, diferentemente do que ocorre com a penhora de outros bens, a qual se preserva mesmo na hipótese do parcelamento. 4. A manutenção do bloqueio de ativos financeiros do devedor, quando concedido parcelamento do débito em cobrança, coloca em risco, pela dupla oneração do contribuinte, a própria viabilidade do parcelamento e satisfação do crédito, interesse primeiro da exequente. 5. Agravo de instrumento não provido. 6. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 22 de janeiro de 2013. , para publicação do acórdão. (TRF-1. 7ª Turma. AG 0073585-03.2012.4.01.0000/PA. Rel. Des. Federal Luciano Tolentino Amaral. Publicado no DJ de 08/02/2013).

Contudo, tal entendimento não merece guarida.

Não se pode desconsiderar o completo desinteresse da Fazenda Pública na formalização do parcelamento quando houver a penhora de ativos financeiros que correspondam à integralidade do crédito.

Ora, se já se encontra garantida integralmente a obrigação em razão da penhora online de valores financeiros, qual utilidade teria para a Fazenda Pública a celebração de parcelamento, notadamente diante do fato de a penhora de dinheiro ocupar o primeiro lugar na ordem de prioridade expressa no art. 11, da lei nº 6.830/80?

Assim, a penhora de dinheiro cumprida integralmente afasta o interesse da Fazenda Pública na concessão do parcelamento. Em certa medida, efetuando uma análise ideal, utópica, dessa situação, seria interesse também do executado ver-se livre do débito e adimplir suas obrigações, não se justificando, sob qualquer enfoque, a formalização do parcelamento. Diz-se análise ideal, utópica, porque se tem plena consciência de que, na prática, grande parte dos devedores preferem procrastinar ao máximo o pagamento dos seus débitos a quitar suas obrigações, às vezes como forma de reinvestir suas divisas e garantir maior lucratividade à sua atividade, outras vezes como modo de, deliberadamente, não arcar com suas obrigações até a ocorrência da prescrição intercorrente.

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Nesse caso, a manutenção do bloqueio e a consequente conversão em renda em favor da Fazenda Pública são legítimas, não havendo que se falar na concessão de parcelamento do débito, eis que caracterizada a perda de objeto. É dizer, não há razão para parcelar, pois os valores bloqueados quitam o débito e a eventual substituição de penhora deve, necessariamente, passar pelo crivo do credor (art. 15, inc. II, da lei nº 6.830/80), que, neste caso, não tem interesse algum na substituição.


3. CONCLUSÃO

Desse modo, conclui-se pela impossibilidade da desconstituição da penhora de bens constritos anteriormente ao pedido de parcelamento, admitindo-a tão-somente naqueles casos que a constrição judicial tenha se dado posteriormente àquele pleito. Em outras palavras, se já havia penhora, esta deve subsistir até a quitação do parcelamento, conforme os argumentos explicitados.

Admitir raciocínio em contrário seria desprestigiar a própria execução e o anseio de justiça – enquanto instrumento necessário para o Estado cumprir o seu dever de prestar a jurisdição –, pois a crise de satisfação do crédito poderia permanecer indefinidamente a depender do mero talante do executado no sentido de que, quando qualquer bem de sua titularidade fosse constrito judicialmente, bastaria parcelar o débito que aquela coisa voltaria a ser livre e desembaraçada, permitindo sua alienação, o que caracterizaria verdadeira banalização da execução fiscal, possibilidade esta que, certamente, deve ser repelida do ordenamento jurídico pátrio.


4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª edIÇÃO. SÃO PAULO: Dialética, 2008.

- Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. SALVADOR: EditorA JusPODIVM, 2009.

- _____________. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Processo Civil. Vol.3. 4ª Edição. SALVADOR: Editora Juspodivm, 2007.

- GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada – controle de admissibilidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

- _____________. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003.

- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª edição. Ed. Malheiros, 2010.

- MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. vol. 2. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.

- SPAGNOL, Werther Botelho. Curso de Direito Tributário. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2004.


Notas

[1] Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Salvador: Editora JusPODIVM, 2009. pg. 48.

[2] Art. 612, do CPC: “Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”.

[3] TRF-4. 1ª Turma. AG 200104010674838. Rel. Maria Lúcia Luz Leiria. Publicado no DJ de 25/09/02.

[4] STJ. EREsp 163408/RS. Corte Especial. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. Publicado no DJ de 11/06/01.

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Sobre o autor
Gustavo D' Assunção Costa

Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Gustavo D' Assunção. O parcelamento do débito nas execuções fiscais e a possibilidade de liberação dos bens sobre os quais incidiram constrição judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3604, 14 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24413. Acesso em: 24 abr. 2024.

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